quinta-feira, outubro 27

As Preocupações de JPP


Monica Bellucci

José Pacheco Pereira (JPP) surpreendeu-me com a atenção que deu a duas supostas linhas de ataque dos apoiantes de Soares à candidatura de Cavaco. A razão da surpresa é simples de explicar: pensava eu que JPP não se preocupasse tanto com Soares dando mais atenção crítica ao exercício do governo socialista. Para mim, no lugar de JPP, dava o assunto das presidenciais como arrumado. Cavaco já ganhou. Ponto final.

É intrigante que alguém, tão arguto como JPP, se preocupe com uma candidatura perdedora. Mas o tempo se encarregará de esclarecer o mistério das preocupações de JPP. É provável que seja um exercício de análise demonstrativo do seu apreço face a alguém – Soares – cujas candidaturas presidenciais JPP sempre, até hoje, tinha apoiado.

Mas voltando às duas linhas de ataque a Cavaco, que JPP hoje rechaça, em artigo no “Público” e que deverá ficar, a qualquer momento, disponível no Abrupto, devo dizer que fiquei igualmente surpreendido com uma delas: o argumento do curriculum anti fascista de Soares versus a neutralidade política de Cavaco face ao antigo regime. Se alguém se lembrou de avançar com tal argumento – no caso Medeiros Ferreira – é problema dele. Não valia a pena sequer esboçar um mínimo de esforço a combater tal argumento se não se quisesse torná-lo uma arma de arremesso contra Soares que dele não precisa para nada.

O curriculum de Soares fala por si. Ao contrário de Cavaco que não tem concorrência à direita – e é esse o seu grande problema no meu ponto de vista – Soares confronta-se com pelo menos outras três (3) candidaturas no espaço da esquerda ou, melhor dito, no espaço à sua esquerda. Para quê invocar o argumento da falta de curriculum anti fascista de Cavaco quando é certo e sabido que qualquer dos outros candidatos à esquerda, cada um à sua maneira, o vai abundantemente utilizar.

Cavaco só tem a ganhar com a invocação dessa sua faceta de não anti fascista na justa medida em que a sua base de apoio eleitoral se estende até à extrema direita que muito pesarosa iria ficar se descobrisse que, à última da hora, Cavaco teria esboçado qualquer gesto, mesmo que simplesmente simbólico, contra o antigo regime.

Podemos ficar todos descansados. Cavaco nunca foi fascista nem anti fascista como, aliás, a maioria dos portugueses. Colocar a questão do seu não anti fascismo só o favorece.

Quanto à outra linha de ataque, abordada por JPP, a coisa já fia mais fino. As tentações presidencialistas existem mesmo que Cavaco as desminta e desmentirá, até ao fim, com a maior veemência. Essa é, aliás, uma das grandes linhas de demarcação de Soares em relação a Cavaco.

Compreende-se que JPP se preocupe com este ponto pois alguns ilustres apoiantes de Cavaco já escreveram, preto no branco, acerca do assunto e é sabido e reconhecido pelo próprio JPP que, em eleições presidenciais, vale mais o não dito do que o dito atenta a natureza do cargo em disputa.

Bem pode Cavaco negar a pés juntos a sua tentação presidencialista que ninguém vai acreditar na verosimilhança de tais juras na justa medida em que ele – mesmo que o negue – representa uma corrente de pensamento e de sentimento em prol do reforço dos poderes presidenciais. Ou bem que resiste e desilude a maioria daqueles que nele votarão, ou bem que assume essa pulsão – que vai de bem com a sua personalidade autoritária – e teremos a médio prazo um “golpe de estado” constitucional.

Esta é das poucas linhas de ataque que vale a pena Soares explorar a fundo pois toca no coração que faz mover a maioria dos apoiantes de Cavaco. E Cavaco gosta de alimentar esse pulsar presidencialista negando-o, todas as vezes e em cada momento, para melhor o afirmar junto das massas que sempre anseiam, em épocas de crise, por um messias que anuncie o advento da “salvação”. O pior é depois!

1 comentário:

Anónimo disse...
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