Estou a imaginar uma equipa de trabalho cuja missão é construir um petroleiro, um automóvel, um lustre, o que for, um produto mais ou menos complexo e exigente da concepção ao produto final. Nela trabalham pessoas utilizando os mais variados utensílios e técnicas, cronogramas e medidas, saberes e vontades. Existirão hierarquias, desde a administração ao pessoal operário, e dentro de cada departamento outras hierarquias e dentro de cada unidade mais pequena, cada vez mais especializada, existirão competências, mensuráveis por um processo de avaliação.
Se um membro de uma equipa de trabalho falhar no desempenho da sua tarefa pode pôr em causa o objectivo pré definido causando um prejuízo irreversível ao projecto e pondo em causa o seu posto de trabalho e o de todos os outros colaboradores da empresa ou instituição, ou mesmo, a sua sobrevivência.
Todas as equipas, e cada um dos seus membros, podem falhar mas têm que existir processos para identificar a origem do falhanço, apurar responsabilidades e encontrar o caminho para a correcção dos erros. A isto se chama, em qualquer modelo de organização, acompanhar, controlar e avaliar. Pressupondo, está bem de ver, que estão definidos objectivos e que os mesmos são partilhados por todos os membros da organização independentemente do seu lugar na hierarquia e das inevitáveis tensões da concorrência interna. O estaleiro para se manter no mercado tem que construir x unidades do produto por unidade de tempo.
Quando pensamos na escola pública como projecto podemos, igualmente, encontrar estruturas semelhantes, os mesmos problemas e dificuldades, apesar de ser uma realidade eminentemente social desde a concepção do modelo de gestão ao produto final. Estão lá os ingredientes todos mas, no caso, o dono do projecto é o estado. Entre a multidão de problemas com que se defronta a escola pública enumero seis.
O problema nº 1 da escola pública, por mais fervor que ponhamos na sua defesa, é o facto de estar fora do mercado, por mais desprestigiado que esteja o mercado (é a velha questão da liberdade de escolha, paradoxalmente, mesmo no seio da escola pública.);
O problema nº 2 é a escola pública, por razões históricas, ter crescido desmesuradamente, nos últimos 35 anos, obrigando o patrão (estado) a contratar trabalhadores sem ter tido a preocupação de os escolher, de forma cuidada, tomando como critério principal a competência (onde se inscreve a questão do recrutamento e avaliação do desempenho dos professores);
O problema nº 3 é o do atraso na criação de cursos profissionais nas escolas públicas, por responsabilidade dos sucessivos governos, segmentando a oferta, a meu gosto, de forma radical, pelo menos a partir do início do secundário (a partir do 9º ano);
O problema nº 4 é o da modernização e racionalização, em partilha com as autarquias, da rede de escolas públicas, criando menos escolas, mas melhores escolas (é a questão das instalações e equipamentos);
O problema nº 5 é o da chamada gestão democrática das escolas, ou seja, a velha questão de quem manda e, não tenhamos medo das palavras, ousando integrar no modelo democrático a figura de gestor que, podendo, ou não, ser professor, não pode ficar refém dos interesses particulares de qualquer corporação;
O problema nº6 é resultante do atraso na aplicação de todas as medidas correlacionadas com os pontos anteriores (e muitos outros) que conduziu o governo, em funções, face a uma situação originada por sucessivas políticas contraditórias, à adopção de uma política voluntarista de reformas em cascata destinadas a produzir resultados a médio, e longo prazo, mas que é avaliada, face ao calendário eleitoral, a curto prazo.
Pois se todos os partidos, há tanto tempo, proclamam a educação, em geral, como a prioridade das prioridades ninguém se deve espantar com as discussões, disputas e lutas a propósito de medidas que se destinam, de verdade, a promover a reforma da educação. Não é, pois, de admirar que a reforma da escola pública tenha sido tomada, pelo governo, como uma verdadeira prioridade política.
O que poderá causar admiração é a persistência do governo – em particular da ministra em funções - em levar avante a sua política, em véspera de eleições, quando sempre poderia, de forma habilidosa, fazer marcha atrás, tornando tudo ao princípio, ou seja, desistindo. Se assim não acontecer, salvo nos pormenores e ajustamentos que não sacrifiquem o essencial, nem a vontade negocial, o mais que se poderá dizer é que o governo se bate por cumprir com o seu programa.
Em última instância quem considere que votou no programa errado sempre poderá, em próximas eleições, corrigir a mão. Mais vale serem os cidadãos eleitores, através do voto, em eleições, decididas por sufrágio universal, directo e secreto, a escolher os governos do que a rua a defenestrá-los. É um caso prático de demonstração da diferença entre democracia e tirania.
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