quarta-feira, maio 5

FCP

Hoje não podia deixar passar em claro o FCP. Quando digo que sou do Farense todos pensam que pretendo esconder um secreto fervor benfiquista. Não é verdade. Sou mesmo do Farense. Desde a mais tenra idade. É o único clube que me faz sofrer. É, ao que suponho, pelo sofrimento que se mede a temperatura do fulgor clubista.

Mas é bom que exista em Portugal, hoje e agora, o FCP. O FCP em campo é tudo ao contrário do espírito da época que se vive em Portugal. Organização e estratégia, crença na vitória e espírito de luta, optimismo e realismo, trabalho e risco…uma imagem de um grupo sem fama universal que ganha mesmo e parece crescer em determinação com a adversidade.

Haverá quem não sinta orgulho ou mesmo que se corroa de inveja com os êxitos do FCP. Mas esses são os mesmos que tornam Portugal mais pequeno, mais triste e mais pobre. É deixá-los morrer desde que não queiram levar consigo para o fundo o melhor de nós e do nosso Portugal.

terça-feira, maio 4

Fragmentos de Leituras

"Decompor/destruir


Admitamos que a tarefa histórica do intelectual (ou do escritor) seja hoje em dia acentuar a decomposição da consciência burguesa. Será então necessário conservar na imagem toda a sua precisão; isto quer dizer que fingimos voluntariamente permanecer no interior dessa consciência e que vamos a seguir corroê-la, rebaixá-la, fazê-la ruir, no próprio local, como faríamos com um bocado de açúcar ao embebê-lo em água.

A decomposição opõe-se portanto aqui à destruição: para destruir a consciência burguesa é preciso estar ausente dela, e essa exterioridade só é possível numa situação revolucionária: na China, hoje em dia, a consciência de classe está em vias de destruição, não de decomposição; mas noutros lados (aqui e agora) destruir não seria afinal senão reconstruir uma ligação de palavra cujo carácter exclusivo seria a exterioridade: exterior e imóvel, assim é a linguagem dogmática.

Para destruir é preciso, em suma, poder saltar. Mas saltar para onde? Para que linguagem? Para que centro da boa-consciência e da má-fé? Ao passo que, decompondo, aceito acompanhar essa decomposição, decompondo-me a mim mesmo a par e passo: escorrego, agarro-me e arrasto."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -5
(Fragmento 3 de 3, pag. 3)

Edição portuguesa das "Edições 70"

AMIGOS

O Eurico que me enviou o texto abaixo publicado é o melhor amigo da minha primeira juventude vivida em Faro. Ele e o Assis. Os três, anos a fio, fomos companheiros inseparáveis. Na escola, na rua e na praia que frequentamos na nossa cidade de Faro.

Lembro as aulas de piano da D. Simone, mãe do Eurico, na sua casa, à Pontinha. Ao contrário dele, exímio pianista, nunca cheguei verdadeiramente a aprender. Mas fiz o gosto a minha própria mãe. Partilhamos um longo percurso de vida repleta das discussões, estudos, descobertas e perplexidades próprias da juventude.

No dia em que me desloquei a Lisboa para fazer o exame de admissão a Económicas foi acolhido em casa de seu pai. Nunca deixou de me dar todas as atenções. Não esqueço. Descobri depois que divergimos nas opções ideológicas e políticas. Coisa de somenos. Mas não divergimos na estima recíproca e na difícil disciplina da verdadeira amizade.

Obesidade mental

Foi em 2001 que o Prof. Andrew Oitke publicou o seu polémico livro Mental Obesity, que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral. Nessa obra, o catedrático de Antropologia em Harvard introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna.

"Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física por uma alimentação desregrada. Está na altura de se notar que os nossos abusos no campo da informação e conhecimento estão a criar problemas tão ou mais sérios que esses."

Segundo o autor, "a nossa sociedade está mais atafulhada de preconceitos que de proteínas, mais intoxicada de lugares-comuns que de hidratos de carbono. As pessoas viciaram-se em estereótipos, juízos apressados, pensamentos tacanhos, condenações precipitadas. Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada. Os cozinheiros desta magna fast-food intelectual são os jornalistas e comentadores, os editores da informação e filósofos, os romancistas e realizadores de cinema. Os telejornais e telenovelas são os hamburgers do espírito, as revistas e romances são os donuts da imaginação."


O problema central está na família e na escola. "Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e chocolate. Não se entende, então, como é que tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas. Com uma "alimentação intelectual" tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é normal que esses jovens nunca consigam depois uma vida saudável e equilibrada."


Um dos capítulos mais polémicos e contundentes da obra, intitulado Os abutres, afirma: "O jornalista alimenta-se hoje quase exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, de restos mortais das realizações humanas. A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular."

O texto descreve como os repórteres se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polémico e chocante. "Só a parte morta e apodrecida da realidade é que chega aos jornais." Outros casos referidos criaram uma celeuma que perdura. "O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades. Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem tecto, mas ninguém suspeita para que é que ela serve. Todos acham que Saddam é mau e Mandella é bom, mas nem desconfiam porquê. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um cateto."

As conclusões do tratado, já clássico, são arrasadoras. "Não admira que, no meio da prosperidade e abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência. A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se, o folclore entrou em queda, a arte é fútil, paradoxal ou doentia. Floresce a pornografia, o cabotinismo, a imitação, a sensaboria, o egoísmo. Não se trata de uma decadência, uma "idade das trevas" ou o fim da civilização, como tantos apregoam. É só uma questão de obesidade. O homem moderno está adiposo no raciocínio, gostos e sentimentos. O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos. Precisa sobretudo de dieta mental."

(Texto enviado pelo meu amigo Eurico Pimenta de Brito)


segunda-feira, maio 3

"Antes de Começar"

A peça de teatro que foi dada a estudar a meu filho na escola é de autoria de Almada Negreiros. Fiquei surpreendido. Não pela escolha da leitura de uma peça de teatro, que é uma boa opção pedagógica, mas pela escolha do autor.

Um grande autor português pouco dado a conhecer na nossa actualidade. É uma peça em um acto, representada no Teatro Nacional D. Maria II, em 8 de Junho de 1956, pelo "Teatro Universitário de Lisboa", sob a direcção de Fernando Amado. A peça é "Antes de Começar" e tem dois protagonistas: A Boneca e o Boneco. Mais não digo acerca da mesma.

Assinalo sim o facto de ter sido representada, naquele Teatro Nacional, por uma companhia universitária. Não tenho saudades do passado cultural do Estado Novo mas era bom que pudesse ser possível ver representadas naquele Teatro Nacional, com regularidade, peças de autores clássicos, nacionais e estrangeiros. Uma programação de qualidade, estruturada e atraente, própria de um Teatro Nacional de um país da UE. Pois, isso mesmo...Uma dinâmica…uma dinâmica qualquer…

Quem quiser saber, de um olhar, algo acerca de Almada Negreiros AQUI FICA.


Fragmentos de Leituras

"Pares de palavras-valores


Do mesmo modo, mais particularmente, não é o erótico mas sim a erotização que representa um bom valor. A erotização é uma produção do erótico. Leve, difusa, mercurial; algo que circula sem se deter: um flirt múltiplo e móvel liga o sujeito àquilo que passa, finge deter-se e depois larga-se a favor de outra coisa (e depois, por vezes, esta paisagem cambiante é cortada, seccionada por uma brusca imobilidade: o amor)."

"Roland Barthes por Roland Barthes" -4
(Fragmento 2 de 3, pag. 3)

Edição portuguesa das "Edições 70"

Vítimas ou carrascos

"Detidos em Abu Gharaib foram sujeitos a "abusos criminosos, sádicos e gratuitos"
Abusos a presos iraquianos eram "encorajados" pelos responsáveis dos interrogatórios" - Público

Estas notícias só são surpreendentes para quem não tenha entendido que estamos confrontados, no Iraque e não só, com uma guerra de seitas dirigidas por gente iluminada pela fé que encobre os mais lucrativos negócios.

Essa gente está de ambos os lados da barricada nos mais altos cargos. Claro que ninguém pode, em boa verdade, dispensar a fé e os negócios. Não somos ingénuos. Mas a civilização ocidental que apregoa, todos os dias, os seus pergaminhos de defensora dos direitos humanos e de prosseguir a senda do progresso, a passos gigantescos, deveria ser capaz de banir os assassinos das suas fileiras.

Ou a acção dos assassinos faz parte integrante de uma filosofia e de um programa de legitimação universal da política dos dirigentes no poder nos EUA e em Israel? Há um terrorismo "bom" e outro "mau"? Os direitos humanos são defendidos pelo terrorismo "bom" executado por "bons" assassinos? Ou são todos igualmente desprezíveis mesmo que a retórica de uns e de outros os procure desculpar e justificar à sua maneira?

É possivel que tenhamos atingido o ponto em que esta frase, desencantada, de Camus assume, novamente, actualidade: "Vivemos num mundo em que é preciso escolher sermos vítimas ou carrascos - e nada mais".


ABÉBIA VADIA

A criação de um blog colectivo, concebido e construído a várias vozes, é um desafio à criatividade e responsabilidade cívica e política dos seus autores.

A ABÉBIA VADIA tem uma semana de vida mas começou a ganhar balanço. É uma forma de intervenção que não pretende exorcizar os fantasmas dos seus editores. É mesmo um instrumento de intervenção cívica e política cujo sucesso depende da qualidade intrínseca das suas mensagens e da capacidade para ganhar uma vasta adesão em audiência.

Se ainda não visitaram a ABEBIA VADIA vão lá ver porque vale a pena

sábado, maio 1

Fragmentos de Leituras

"O corpo plural

"Que corpo? Temos vários." …Tenho um corpo digestivo, um corpo nauseável, um terceiro susceptível de enxaquecas, e assim por diante: sensual, muscular (a mão do escritor), secretivo e, principalmente, emotivo: que é emocionado, movido, ou calcado ou exaltado, ou atemorizado sem que isso se note. Por outro lado, sinto-me cativado até ao fascínio pelo corpo socializado, o corpo mitológico, o corpo artificial (o dos "travestis" japoneses) e o corpo prostituído (do actor). E além desses corpos públicos (literários, escritos) tenho, se assim poderei dizer, dois corpos locais: um corpo parisiense (desperto, cansado) e um corpo campesino (repousado, pesado)."
(Fragmento 1 de 3, pag. 3)

"Roland Barthes por Roland Barthes" -3
Edição portuguesa das "Edições 70"

sexta-feira, abril 30

Não sejam hipócritas

Não chorem "lágrimas de crocodilo" para salvar a vossa consciência suja por decisões políticas injustas, interesseiras e desproporcionadas.

Não queiram ganhar votos, nos vossos países, à custa de falso arrependimento. De uma falsa descoberta da verdade propalada com a surpresa dos vencedores envergonhados.

Os soldados da coligação cometeram crimes sem o conhecimento dos generais? Não tem novidade!

Maio

"Recordo-me ainda daquela crise de desespero que se apoderou de mim quando minha mãe me anunciou que "eu agora já era muito crescido e passaria a receber presentes úteis no dia de Ano Novo". Ainda hoje não posso evitar uma secreta crispação quando recebo presentes desta categoria.

E eu com certeza sabia que na altura era o amor que falava, mas por que motivo o amor tem por vezes uma linguagem tão absurda?"

Maio de 38

Albert Camus

ANIVERSÁRIO

A propósito do meu aniversário que, sem outra razão senão a do próprio jogo, aqui dei a conhecer no próprio dia, sempre quero assinalar um facto invulgar. Tendo decidido, em família, que a celebração seria um jantar numa pisaria muito do nosso apreço, junto ao rio, lá fomos cedo.

Éramos quatro e pretendíamos alcançar o objectivo, prosaico, de uma mesa de vistas largas. Largamos MM e B ainda antes de aparcar para cravar uma bandeira no sítio desejado.

Surpresa das surpresas lá estava já sentada, no desejado sítio, uma comitiva familiar de três amigos que me tinham acabado de presentear com os telefonemas da praxe mas que, de todo, desconheciam o nosso objectivo. É o que se chama a alquimia do sítio.

Assim se fez, então, uma celebração informal não a quatro mas a oito, ou seja, quase a festa que se não desejava. Por isso mesmo com mais sabor. Tal situação me fez lembrar uma frase de Sena, no prefácio da primeira edição de Poesia-I: "Na peregrinação que é a nossa vida, muito mais somos visitados do que visitamos."

Fragmentos de Leituras


"Roland Barthes por Roland Barthes" -2

"O à-vontade

Edonista (pois pensa sê-lo), aspira a um estado que é, em suma, o conforto; mas esse conforto é mais complicado do que o conforto doméstico, cujos elementos são fixados pela nossa sociedade: trata-se de um conforto que ele vai conseguindo, que ele vai construindo para si próprio (como o meu avô B., que tinha arranjado, no fim da vida, um pequeno estrado junto da janela para poder ver melhor o jardim ao mesmo tempo que trabalhava).

Poder-se-ia chamar, a esse conforto pessoal, o à-vontade. Ao à-vontade é conferido uma dignidade teórica. ("Não temos nada que nos pôr à distância do formalismo mas, simplesmente, à-vontade", 1971, I*) e igualmente uma forma ética: é a perda completa de todo e qualquer heroísmo, mesmo em pleno gozo."
* referência a um texto do autor de 1971: "Digressions"

(Fragmento 2 de 3, pag. 2)

Edição portuguesa das "Edições 70"


quinta-feira, abril 29

DÉFICIT

Uma notícia muito interessante acerca dos progressos da política do governo português na área de contenção da despesa pública.

"Défice público em 2003 foi de 5,3% do PIB sem medidas extraordinárias

O Banco de Portugal situa o défice orçamental português em 2003 no equivalente a 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB), após a dedução das medidas extraordinárias a que o Governo recorreu.

No artigo de abertura do boletim económico de Março de 2004, divulgado esta quinta-feira, a instituição quantifica em 2,5% as medidas extraordinárias tomadas pelo Executivo do lado das receitas." Lusa

POPULISMO

Julgo não errar se considerar o Dr. Santana Lopes como o 2º mais alto responsável na hierarquia do PSD. Julgo não errar se considerar o PSD como o partido maioritário do Governo de Portugal.

Julgo não errar se disser que o Dr. Santana Lopes se declarou, explicitamente, como putativo candidato á Presidência da República. Julgo não errar se disser que o Dr. Santana Lopes apostou o prestígio político do seu desempenho, como Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em duas obras emblemáticas: o "Túnel do Marquês" e o "Casino no Parque Mayer".

Julgo não errar se disser que o casino já não vai ser no Parque Mayer. Julgo não errar se disser que o Dr. Santana Lopes afirmou ou, pelo menos, insinuou que a decisão judicial que obrigou à suspensão das obras do "Túnel do Marquês" só foi possível por ele próprio ter sido induzido em erro pelo Governo que lhe mostrou a desnecessidade da realização de um "Estudo de Impacto Ambiental". De facto não é obrigatório, mas mostrava-se necessário e conveniente.

Enfim é verdade que foram publicados anúncios nos jornais a convocar para hoje uma "manif" de apoio ao Dr. Santana Lopes. Que a mesma convocatória não de sabe de quem é. Que essa manifestação foi desautorizada pelo primeiro-ministro através de notícias hoje mesmo postas a circular.

Enfim, uma trapalhada.

O populismo do Dr. Santana Lopes está a ficar às escancaras. Ao ponto de dois dos mais insignes "grandes educadores da opinião pública portuguesa",
José Manuel Fernandes, director do Público, insuspeito de ser crítico da maioria, e o arquitecto director do EXPRESSO o reconhecerem com as letras todas.

Fragmentos de Leituras


"Roland Barthes por Roland Barthes" -1

Com a anterior publicação dos meus sublinhados de juventude dos "Cadernos" de Albert Camus iniciei uma série que poderia intitular de Fragmentos de Leituras. Dou agora continuidade a essa série com as leituras do livro autobiográfico de Roland Barthes: "Roland Barthes por Roland Barthes".

Neste caso não se tratam de sublinhados mas de uma compilação de excertos que assumiram a forma de um livro artesanal anotado em cada uma de 18 das suas 23 páginas no tamanho A4. Este trabalho deverá ter sido realizado em 1981/82 e é um testemunho do prazer que a leitura daquele livro me propiciou.

Deixo, com esta série de excertos,um registo perdurável no tempo e, ao mesmo tempo, a partilha de uma leitura, por vezes difícil mas apaixonante, com aqueles que me quiserem acompanhar.

"O adjectivo
Ele suporta mal qualquer imagem de si próprio, sofre ao ser citado. Considera que a perfeição duma relação humana depende dessa ausência da imagem: abolir entre si, de um para o outro, os adjectivos; uma relação que é adjectivada está do lado da imagem, do lado da dominação, da morte.

(Era visível que em Marrocos não tinham de mim qualquer imagem: o esforço que eu fazia, como bom ocidental, para ser isto ou aquilo, ficava sem resposta: nem isto nem aquilo me eram devolvidos sob a forma dum belo adjectivo; não lhes passava pela cabeça comentar-me, antes se recusavam, sem dar conta, a alimentar e afagar o meu imaginário. Num primeiro momento, esse tom mate da relação humana tinha algo de esgotante; mas surgia, pouco a pouco, como um bem de civilização ou como a forma realmente dialéctica do convívio amoroso.) "

(Fragmento 1 de 3, pag. 2)

Edição portuguesa das "Edições 70"



quarta-feira, abril 28

28 DE ABRIL

Este dia é um dia muito especial para mim. É o dia do meu aniversário. Desde criança que neste dia ouvia na rádio, logo pela manhã, uma notícia do seguinte tipo: "Hoje é o dia de aniversário de sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho, Dr. António de Oliveira Salazar…"

Até à morte do ditador esta noticia era um estranho eco que anunciava o meu próprio aniversário. Mas não era mais do que uma mera coincidência que em nada contribuia para a lembrança da data. Minha mãe jamais esqueceria o dia do meu aniversário, assim como dos seus mais próximos, que gostava de festejar.

Tanto valorizava estas datas que morreu no dia do aniversário do seu neto mais novo, no caso o meu próprio filho, após o respectivo e alegre festejo.

25 de Abril - notas pessoais

A liberdade

Nos momentos de ruptura é necessário fazer escolhas. No período pós 25 de Abril as nossas escolhas resultaram, algumas vezes, de erros de avaliação resultantes de apressadas opções ideológicas e intelectuais.

Nunca duvidei, pessoalmente, da primazia que a liberdade deve tomar no confronto com a justiça. Mas, em todos os tempos, em épocas de crise, em períodos pós guerra ou pós revolução, se suscita a questão da relação entre a justiça e a liberdade.

Camus escreveu, no período pós 2ª guerra mundial, algo que sintetiza, com clareza, o alcance deste dilema: "Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que devemos pensar, neste caso? (...) Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade..."

Foi este, em síntese, também o nosso dilema. A nossa escolha, neste dilema histórico, foi a liberdade. Hoje não me interessam tanto as pessoas com as quais partilhei os acontecimentos do passado. Interessam-me mais aquelas com as quais possa partilhar os acontecimentos do futuro.

Mas não esqueço as marcas gravadas a fogo na minha memória pelo 25 de Abril de 1974 nem as pessoas admiráveis com as quais vivi esse sonho inigualável que foi a reconquista da liberdade. Se a nossa consciência de homens livres tem algum valor preservemos a capacidade de não nos deixarmos aprisionar pelo esquecimento e pelo medo. Para que nunca se cumpra o receio que Jorge de Sena, um dia, expressou nos seus versos: "Liberdade, liberdade, tem cuidado que te matam."

terça-feira, abril 27

25 de Abril - notas pessoais

Amanhã termino a edição dos 32 posts com os quais prestei a minha homenagem ao 25 de Abril.

Aquelas notas não poderiam abranger todos os detalhes dos acontecimentos em que participei. Muito longe disso. Ao longo destes dias fui-me, no entanto, deparando com documentos que julgava estarem perdidos ou com memórias que pensava ter, definitivamente, esquecido.

Talvez seja viável pensar numa publicação em que reúna estes escritos que foram destinados ao absorto aos quais poderei juntar outros desenvolvimentos e precisões. Além de algumas resenhas de documentos incluindo trabalhos gráficos. É uma questão a ponderar no futuro próximo.

Nestas notas não surgiram, por exemplo, referências a mulheres e elas tiveram um papel importante no MES apesar de não terem ocupado lugares de relevância nos órgãos dirigentes. A seu tempo, com ou sem publicação, repararei essa omissão.

XANANA GUSMÃO E O PETRÓLEO DE TIMOR

Xanana Gusmão denuncia, com as letras todas, a política da Austrália a propósito de Timor.

O apoio tardio da Austrália ao processo de independência teve sempre em vista, exclusivamente, o petróleo de Timor. Uma boa oportunidade para Portugal mostrar a coerência da sua política face a Timor.

O Presidente da República e o Governo de Portugal que mostrem à Austrália uma posição firme de apoio a Timor cuja independência carece dos proventos do petróleo que lhe pertence.

Tudo o que fizerem terá o apoio entusiástico do povo português. Ao contrário da política de apoio à invasão do Iraque. Mas, porventura, terão que se demarcar, ou mesmo hostilizar, o aliado australiano e, porventura, americano.

Mas a causa de Timor vale a pena. Tem uma história por detrás. E pode também inserir-se numa política coerente de cooperação.

Ficamos à espera.