Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
domingo, julho 10
O Azul Ficou
Fotografia de Joana Darc in Om Namah Shivaya
Quando era criança e os meus pais foram viver para a vivenda nova, em S. Luís, entre hortas, eu adivinhei os primeiros sinais da guerra que tinha terminado havia já uns anos.
O céu da minha infância era sempre azul e cobria de uma luz radiosa a terra. Não sabia interpretar nem os exílios nem as guerras. Na casa da Horta do Rodolfo, ao fundo da minha rua, vivia uma família alemã.
Os mais jovens dessa família eram diferentes de todos nós. Louros e atléticos. O Otto era conhecido de todos e a irmã dele era um deslumbramento. Nunca cheguei a saber qual o estatuto daquela família. Fosse qual fosse eram muito estimados e admirados por todos.
De vez em quando desfila pelo écran da minha memória a imagem elegante e enérgica do Otto e de sua irmã. Um dia foram embora e nunca mais soube nada deles. Mas o azul ficou.
sábado, julho 9
Pedro Nuno de Sousa Mendes
Hoje, no Expresso, dá-se público conhecimento da morte, a 28 de Junho passado, de Pedro Sousa Mendes, filho mais velho de Aristides de Sousa Mendes (na imagem).
Neste Portugal, pátria de “merdas” e de cobardes, reino cadaveroso e “off-shore” de todas as invejas, os heróis portugueses são tratados, mesmo na morte, como proscritos que, disfarçadamente, as autoridades se afadigam em fazer esquecer. Assim foi, é e será.
Ao menos, na modesta carta, publicada sem qualquer destaque, a páginas 14 da secção “Obituário”, do Expresso, de autoria da historiadora Margarida de Magalhães Ramalho, se dá conta da morte do filho (Pedro) que, aos 20 anos, ajudou o pai, um herói português (Aristides) que, sendo Cônsul português em Bordéus, no verão de 1940, salvou milhares de vidas de judeus, “ganhando a honra” de ser castigado por Salazar com um ano de inactividade (curioso!) a que se seguiu a aposentação sem vencimento, a humilhação e a miséria.
Nesta carta se reproduz, a pedido do filho Pedro, a frase exacta que Aristides proferiu quando, após 3 dias deitado na cama, se decidiu a desobedecer às ordens do ditador: “Ouvi uma voz que me disse que me levantasse e fosse dar vistos a todos os que precisassem”. E assim fez.
RESISTIR
Na praia de Faro que todos os anos frequentei, desde que nasci, pelo menos alguns dias no verão, fazia férias um estrangeiro (inglês?) com uma característica física muito impressionante.
Usava uma prótese na cara desfigurada, profundamente desfigurada. Impressionava olhar a figura daquele homem diferente dos outros. Era um sobrevivente, ferido na 2ª grande guerra, dos primeiros turistas que usufruíram daquele Algarve, ainda desejável pela sua autenticidade, já quase desaparecido às mãos do “desenvolvimento turístico”.
Fixei naquele rosto a imagem terrível da heróica resistência da Inglaterra ao nazi-fascismo que nunca, de verdade, vivemos mas não mais esqueci.
sexta-feira, julho 8
A Morte da Imprensa Liberal
A Ler no NEW YORK ON TIME
A morte da imprensa liberal (Aqui deixo a abertura desse interessantíssimo post a não perder).
"A imprensa liberal usa o escândalo da tortura em Abu Ghraib para atacar Tio Sam. Daniel, do Blog do Daniel, sugere que eu escreva sobre a chamada imprensa liberal nos Estados Unidos; lembra que o símbolo dos jornalistas liberais, Dan Rather, fechou com Bush depois de 11 de Setembro (é verdade).
Segundo o jornalista Mark Herstsgaard, citado pelo Daniel, "a maior piada política nos Estados Unidos é que nós temos uma imprensa liberal".
Imprensa liberal é um xingamento inventado no governo Nixon para atacar os jornais e TVs que criticavam a condução da guerra do Vietnam. Na época o ícone do jornalismo era Walter Cronkite, o âncora da rede de TV CBS, que ousou concluir um telejornal dando a opinião dele a favor da retirada das tropas americanas do Vietnam. Segundo a direita, foi exatamente aí que a guerra começou a ser perdida. Uma traição.
Desde então a direita - o partido Republicano, a Coalizão Cristã e grupos de interesse ligados a ambos - passou a usar esse bicho-papão para assustar o americano médio. A imprensa liberal virou o símbolo de tudo que apavora a baixa classe média: drogas, homossexualismo, esquerdismo, adoração pela França, feminismo, multiculturalismo, arte de vanguarda, decadência do patriotismo americano."
Sea of Desire
Sea of Desire VI [Lithography]
Su XinPing (b. 1960) lithography was unique, a simple, unadorned and ingenuous style that probably came out off his life experiences in Inner Mongolia. The gentle and quiet energy in his paintings will always grab your eyes.
(Série - Artistas Chineses)
In Tao Water Art Gallery
quinta-feira, julho 7
Homenagem às vítimas do atentado de Londres
Fotografia de O Mundo deveria ser laranja ...
“Eles querem o bem do povo, mas não amam o povo. Não amam ninguém nem a si mesmos.”
Camus
in “Cadernos”
quarta-feira, julho 6
SINTO
Fotografia de Margarida Delgado
In Sabor a Sal
Não me sinto mal agora sinto
a minha pele quente às vezes sinto
um nervo duro solto do resto mais nada sinto
não sinto a gola apertada nem o corpo sinto
apertado no estreito istmo onde me deito sinto
um corpo terno que me procura mais nada sinto.
In “Ir pela sua mão”
(Editora Ausência – Maio 2003)
(Um poema meu porque me apeteceu.)
After Shower
After Shower [oil on canvas 31 x 39 "]
Zhang Jing Sheng ( b. 1940- ) is a devoted painter who for many years studied color. Of course there were influences from impressionism, but he has his own style. He tried to reveal the intensity of color, often painting with a palette knife to let his colors reach their most brilliant and richest point. He painted in layers, alternating the thick and the thin to give his colors a dynamic tension. There were also influences from ink painting in that he manipulated the emptiness and fullness, the tinting of colors, the flowing of energy as would an ink painter.
(Série - Artistas Chineses)
In Tao Water Art Gallery
TEMPO
Imagem e apresentação de Prozacland e, já agora, recomendando a leitura de "Donde vem a electricidade?"
Apetece-me fazer um comentário aos comentários, em geral, no mínimo cépticos, a propósito da entrevista de José Sócrates, à SIC, acerca dos projectos de desenvolvimento a realizar em Portugal nos próximos anos.
Não acreditar é a ideia dominante. Há razões para isso. Já sabemos. Mas só na política? Não será reduzir demasiado a vida social sacralizar o “não acreditar” à política e aos políticos? Mas o resto da vida não está quase toda fora da política? Acreditamos, afinal, em quê?
Política = criação de expectativas. Não se pode condenar um político por cumprir o seu papel. Criar expectativas. Porventura de sinais contrários. Mas, no caso de Sócrates, há uma vantagem evidente: é forte nas convicções e na afirmação de uma vontade política. Se lhe juntarmos a maioria absoluta convenhamos que não é nada pouco.
No fim resta julgar o sucesso ou fracasso das políticas anunciadas. É o ritual democrático que os saudosistas das tiranias de direita e de esquerda têm dificuldade em engolir. No fim o povo julgará: o governo cumpriu ou frustrou as expectativas? No entretanto é preciso acreditar, ao menos, no tempo. Tempo: “Medida de duração dos fenómenos” [Houaiss].
O governo, um dia, cairá. Mas parece-me que é manifestamente prematuro sonhar com a sua queda a breve prazo. Parece-me que vai durar e deixar fundas marcas. Porque este não é um governo com um lider fraco (como foram Guterres, Durão e Santana, cada um ao seu estilo).
Goste-se de Sócrates, ou não se goste, a personalidade dos lideres conta muito na orientação, durabilidade e na obra dos governos democráticos. Esse facto, aparentemente despiciendo, ajudará a que o Tempo se afirme como o mais forte aliado deste governo.
terça-feira, julho 5
À MEMÓRIA DE FERNANDO PESSOA
Fotografia retirada daqui
Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão -
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas,
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio de descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma intriga: as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver -
Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
Poetas, escutai-me. Transformemos
A nossa natural angústia de pensar -
Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!
António Botto
Poema de Cinza
As Canções de António Botto
Editorial Presença - 1999
segunda-feira, julho 4
A Casa de Bernarda Alba
A última peça de Federico Garcia Lorca escrita, dois meses antes de ser assassinado pelos fascistas de Franco, em 1936. Fui ver a encenação de Diogo Infante, no S. Luiz.
Tinha visto outras encenações de que me lembro de uma, muito encantatória, julgo que do TEP (Teatro Experimental do Porto), com encenação de João Guedes. Não saí defraudado desta encenação. Deu-me prazer.
E até me permite a liberdade de referir quão contrastante era a Espanha autoritária, retratada por Lorca, e a Espanha contemporânea cujo parlamento acaba de tomar a decisão de aprovar a lei do casamento entre homossexuais.
Nós por cá vamos discutindo a oportunidade de aprovar uma “lei do aborto”, com ou sem referendo, ganhando cada vez mais atraso. Assim seja...
Fica a fotografia de uma versão da mesma peça representada só por homens e a versão integral, em castelhano, de “La casa de Bernarda Alba”, drama de mujeres en los pueblos de España.
domingo, julho 3
POR VEZES
In Sabor a Sal
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto dos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos corpos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
David Mourão-Ferreira (póstumo)
In “O Livro de Natércia” – Edições Quasi (acabado e sair) no qual este poema surge com a seguinte nota: “Aqui republicamos, com a generosa autorização da família do autor, este poema de Matura Idade (1973), livro dedicado pelo autor a várias poetisas, entre as quais Natércia Freire. O poema escolhido era o que Natércia preferia de David Mourão-Ferreira."
O Teatro de Faro
Não podia deixar passar em branco a recente inauguração do Teatro Municipal de Faro. Tendo sido um dos pioneiros da prática teatral na cidade e na região, pela mão de Emílio Campos Coroa, esta era uma aspiração antiga. Uma conversa antiga como outras que fazem parte do imaginário de quem sonha com o progresso.
Existe o progresso? Pois existe! Aqui está um caso exemplar. Como explicar que a principal região turística de Portugal não pudesse acolher, em condições dignas, por exemplo, uma ópera.
Não sei como será a gestão, nem a programação, nem o orçamento real, nem a relação com os públicos, em suma, não sei qual será a estratégia de afirmação do novo teatro. Está feita a obra, resta dar-lhe o devido uso.
(Já agora, apesar de o actual presidente do município ser um independente, eleito pelo PSD, a criação deste projecto deve-se, por inteiro, aos governos socialistas e a um autarca socialista – é a chamada “pesada herança”!)
sábado, julho 2
AO PÉ DA CASA
Apresentando Marília Campos e marilia
Ontem, divagando por um bairro
mais distante, passei pela casa
onde eu às vezes ia, ao tempo de ser jovem.
De meu corpo o Amor se apoderou ali
com sua força incrível. Ontem,
quando passava pela velha rua,
lojas, calçada, pedras,
paredes e varandas e janelas,
tudo se transformou por magia do amor.
nada restou que fosse pobre e vil.
E enquanto eu me ficava olhando a porta,
parado, a demorar-me ao pé da casa,
de todo o ser me fluíam, restitutos,
os sensuais prazeres que tinha em mim guardados.
[1918]
Constantino Cavafy
In “90 e mais quatro poemas” – tradução de Jorge de Sena
(Era este o poema que desejava e não "Corpo, Lembra ..." já antes publicado.)
Reflection
Reflection [oil on canvas 36 x 36"]
Bao LeDe (b. 1959- ) came to US in 1989, and has been living and working in the Boston area for more than a decade. Abstract Expressionism has been always his genre. His paintings, in brilliant colors, were painted boldly and dynamically with gestures which were clearly the influenced by traditional Chinese calligraphy. Perhaps the distant between the United States and China made him think more about his own culture for he fell in love with ink painting, the beauty of black and white. He used a lot of black in his paintings. Bao continued his experiments with collage from fifteen years ago, gluing rice paper on canvas layer by layer, then painting over the result. He is a painter full of an inner energy that emerges in every stroke. His new collage paintings were gentle, but quietly powerful.
(Série - Artistas Chineses)
In Tao Water Art Gallery
sexta-feira, julho 1
Divas & Contrabaixos
Gostei muito de ler no Divas & Contrabaixos "A pele como órgão de revestimento”. E da fotografia também.
Para amenizar um poema de Carlos Drummond de Andrade
O CHÃO É CAMA
O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.
E para repousar do amor, vamos à cama.
in “O Amor Natural”
A propósito das campanhas contra a política do governo socialista
Está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR e no site do "Semanário Económico" o artigo com o título em epígrafe, hoje publicado, de que transcrevo a abertura:
"Nenhum governo socialista pode esquecer as pessoas, nem pode esquecer a luta contra as desigualdades, logo a justiça social, nem esquecer a busca dos consensos, logo o diálogo social.
Mas o que está em causa, agora e aqui, é a questão da capacidade competitiva de um país que, como Portugal, aceitou integrar uma comunidade de países mais vasta: a UE."
"Nenhum governo socialista pode esquecer as pessoas, nem pode esquecer a luta contra as desigualdades, logo a justiça social, nem esquecer a busca dos consensos, logo o diálogo social.
Mas o que está em causa, agora e aqui, é a questão da capacidade competitiva de um país que, como Portugal, aceitou integrar uma comunidade de países mais vasta: a UE."
quinta-feira, junho 30
EMÍDIO GUERREIRO - MATEMÁTICO
Fotografia de Sociedade Martins Sarmento
A morte do velho professor
"A única vez que vi de perto o Professor Emídio Guerreiro foi há um ano, no Porto, num jantar. Era um jantar de homenagem promovido pela Sociedade Portuguesa de Matemática, no encerramento do seu encontro nacional.
O fim de tarde estava magnífico. Os participantes juntaram-se nos jardins da Quinta da Bonjóia, conversando e apreciando a paisagem. À hora marcada, o idoso professor chegou numa viatura, acompanhado de amigos. Fomos buscá-lo e ajudá-lo a atravessar o jardim. As conversas abrandaram e todos quisemos ter oportunidade de acompanhar de perto o velho matemático.
Sim. Emídio Guerreiro era um matemático. Na altura certamente o único que tinha sido activo ainda nos tempos da I República. E o único sobrevivente expulso da vida académica ainda antes da formação da Sociedade Portuguesa de Matemática, que ocorreu em 1940.
Emídio Guerreiro foi nomeado assistente extraordinário na Universidade do Porto no ano de 1931, mas a polícia política impediu-o de exercer esse trabalho. Exilado, pegou em armas contra o fascismo, primeiro em Espanha, depois em França. Após a guerra, foi professor de matemática no liceu Jeanson-de-Sailly, em França. Só regressou ao país no 25 de Abril.
Emídio Guerreiro é conhecido como político. Mas foi sempre um matemático apaixonado. Era sócio honorário da Sociedade Portuguesa de Matemática e continuou até ao fim da vida interessado pelo desenvolvimento da matemática.
No fim do jantar, fez um discurso emotivo. Falou de pé durante três quartos de hora. Lembro-me bem de algumas partes. Mas a certa altura disse algo que não quis perder e que por isso escrevi nas páginas finais de um livro na altura distribuído pelo Prof. Paulo Almeida. Fui agora buscar esse livro, que se chama Dois Apontamentos Matemáticos e que tem como autor o próprio Emídio Guerreiro. Li de novo o que o velho professor disse.
«Vi muitas coisas na minha vida. Vi guerras, vi misérias. Mas vi a demonstração da conjectura de Fermat».
Só um grande espírito poderia considerar um vitória pura da razão como uma das coisas mais importantes da vida."
Nuno Crato
in “Expresso on line”
A última entrevista de Emídio Guerreiro? Acerca de Álvaro Cunhal publicada no JN em15 de Junho passado: "Um homem que nunca mudou de ideias"
Black Chinese Dress
Black Chinese Dress [oil on canvas 28 x 44 in]
Zhao Kailin was born in 1961 China. 1988, he studied at Oil Painting Department of Central Academy of Fine Arts. Now he lives in China.
(Série - Artistas Chineses)
In Tao Water Art Gallery
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