Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sexta-feira, outubro 28
CAVACO - "UM GOVERNO, DOIS PRIMEIROS-MINISTROS"
Fotografia de Viktor Ivanovski in XUPACABRAS
Para que se compreenda o que está em causa é bom conhecer as ideias e os programas dos candidatos.
O Manifesto Eleitoral de Mário Soares não está, neste momento, disponível no site oficial da candidatura mas pode ser lido aqui.
O Manifesto Eleitoral de Cavaco Silva, ontem apresentado, corresponde, ainda com mais clareza do que seria de esperar, a Cavaco com um acentuado perfil de Primeiro-ministro.
O Manifesto Eleitoral “As Minhas Ambições Para Portugal”, é uma autêntica minuta, ou rascunho, de um programa de governo.
Portugal corre o risco, caso Cavaco seja eleito Presidente da República, de passar a poder vangloriar-se de um modelo institucional do tipo “Um Governo, Dois Primeiros-Ministros”.
UMA NESGA DE CÉU
Teresa Dias Coelho - CLOUDS 2000
Uma nesga de céu no canto superior esquerdo
É o que resta da vista para a cidade com gente
Empilhada pelos andares sem as paredes azuis
De casas que julguei não aceitarem o cinzento
No asfalto em lugar dos bebedouros um regato
Infecto corre em frente e o verde prado a sorrir
Triste se despede já morto a golpes de cimento
Agora não vejo as vacas nem as oiço a ruminar.
Lisboa, 21 de Novembro de 2003
quinta-feira, outubro 27
As Preocupações de JPP
Monica Bellucci
José Pacheco Pereira (JPP) surpreendeu-me com a atenção que deu a duas supostas linhas de ataque dos apoiantes de Soares à candidatura de Cavaco. A razão da surpresa é simples de explicar: pensava eu que JPP não se preocupasse tanto com Soares dando mais atenção crítica ao exercício do governo socialista. Para mim, no lugar de JPP, dava o assunto das presidenciais como arrumado. Cavaco já ganhou. Ponto final.
É intrigante que alguém, tão arguto como JPP, se preocupe com uma candidatura perdedora. Mas o tempo se encarregará de esclarecer o mistério das preocupações de JPP. É provável que seja um exercício de análise demonstrativo do seu apreço face a alguém – Soares – cujas candidaturas presidenciais JPP sempre, até hoje, tinha apoiado.
Mas voltando às duas linhas de ataque a Cavaco, que JPP hoje rechaça, em artigo no “Público” e que deverá ficar, a qualquer momento, disponível no Abrupto, devo dizer que fiquei igualmente surpreendido com uma delas: o argumento do curriculum anti fascista de Soares versus a neutralidade política de Cavaco face ao antigo regime. Se alguém se lembrou de avançar com tal argumento – no caso Medeiros Ferreira – é problema dele. Não valia a pena sequer esboçar um mínimo de esforço a combater tal argumento se não se quisesse torná-lo uma arma de arremesso contra Soares que dele não precisa para nada.
O curriculum de Soares fala por si. Ao contrário de Cavaco que não tem concorrência à direita – e é esse o seu grande problema no meu ponto de vista – Soares confronta-se com pelo menos outras três (3) candidaturas no espaço da esquerda ou, melhor dito, no espaço à sua esquerda. Para quê invocar o argumento da falta de curriculum anti fascista de Cavaco quando é certo e sabido que qualquer dos outros candidatos à esquerda, cada um à sua maneira, o vai abundantemente utilizar.
Cavaco só tem a ganhar com a invocação dessa sua faceta de não anti fascista na justa medida em que a sua base de apoio eleitoral se estende até à extrema direita que muito pesarosa iria ficar se descobrisse que, à última da hora, Cavaco teria esboçado qualquer gesto, mesmo que simplesmente simbólico, contra o antigo regime.
Podemos ficar todos descansados. Cavaco nunca foi fascista nem anti fascista como, aliás, a maioria dos portugueses. Colocar a questão do seu não anti fascismo só o favorece.
Quanto à outra linha de ataque, abordada por JPP, a coisa já fia mais fino. As tentações presidencialistas existem mesmo que Cavaco as desminta e desmentirá, até ao fim, com a maior veemência. Essa é, aliás, uma das grandes linhas de demarcação de Soares em relação a Cavaco.
Compreende-se que JPP se preocupe com este ponto pois alguns ilustres apoiantes de Cavaco já escreveram, preto no branco, acerca do assunto e é sabido e reconhecido pelo próprio JPP que, em eleições presidenciais, vale mais o não dito do que o dito atenta a natureza do cargo em disputa.
Bem pode Cavaco negar a pés juntos a sua tentação presidencialista que ninguém vai acreditar na verosimilhança de tais juras na justa medida em que ele – mesmo que o negue – representa uma corrente de pensamento e de sentimento em prol do reforço dos poderes presidenciais. Ou bem que resiste e desilude a maioria daqueles que nele votarão, ou bem que assume essa pulsão – que vai de bem com a sua personalidade autoritária – e teremos a médio prazo um “golpe de estado” constitucional.
Esta é das poucas linhas de ataque que vale a pena Soares explorar a fundo pois toca no coração que faz mover a maioria dos apoiantes de Cavaco. E Cavaco gosta de alimentar esse pulsar presidencialista negando-o, todas as vezes e em cada momento, para melhor o afirmar junto das massas que sempre anseiam, em épocas de crise, por um messias que anuncie o advento da “salvação”. O pior é depois!
quarta-feira, outubro 26
Crónica de Uma Fidelidade
Fotografia de Angèle
A questão presidencial está na ordem do dia. A minha declaração de interesses nesta matéria é simples de fazer. Não tenho ligação orgânica a qualquer candidatura. É provável que não venha a surgir qualquer outro candidato, com relevância eleitoral, para além de Mário Soares, Cavaco Silva, Manuel Alegre, Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã.
É interessante sublinhar que, nestas eleições, só uma mulher, Carmelinda Pereira, surge como candidata mas, aparentemente, o resultado que obtiver não contará para o desfecho final.
Como é público e notório apoio a candidatura de Mário Soares. O assunto interessa-me, desde logo, porque sempre me interessaram, em geral, as eleições e, em particular, as presidenciais.
Mas eu próprio me interroguei acerca da fidelidade do meu voto em Mário Soares. É, no essencial, um percurso político que a justifica. Numa série de posts – sem periodicidade definida - vou fazer uma viagem “impressionista” através desse percurso porque ajuda a avivar a memória dos que não têm vergonha do seu passado, das suas lutas, dúvidas, convicções, rupturas, dissenções e entusiasmos.
As minhas desculpas antecipadas pelos erros e omissões involuntárias nesta breve digressão que não é mais do que uma necessidade de partilhar, com vista ao futuro, algumas memórias de um passado recente que, pela aceleração da passagem do tempo, parecem mais longínquas do que de facto são.
Os Danados
Paula Rego – Pieta, 2002
“Sentido da minha obra: Tantos homens estão privados da graça. Como viver sem a graça. Temos de nos pôr à obra e fazer o que o Cristianismo nunca fez: ocupar-se dos danados.”
Albert Camus
Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
terça-feira, outubro 25
A Guerra e a Paz
Vietnam - 25 de Outubro de 1968
One of the many haunting images from the bloodiest war of the decade. A US infantryman carries a wounded refugee from the carnage of Vietnam, 25 October 1968. It was the year in which millions of americans, appalled by what they had seen on television, began to doubt that the United States would win.
O primeiro de uma série de temas centrais para uma campanha presidencial. Exactamente 37 anos passados sobre esta imagem o que terão os candidatos presidenciais a dizer acerca do tema da guerra e da paz na Europa e no Mundo?
"Substrato - um blog Endrominado"
Apresentando “Substrato – um blog Endrominado”
Vejam “isto”, que também me comoveu, e o post intitulado “Aníbal – o Boçal”.
PREVINAM-SE
Napoleão Bonaparte
O “povo de esquerda” está muito crítico em relação à candidatura presidencial de Mário Soares. Dizem que, após 30 anos de democracia, Soares representa “zero”, “nada”, o “vazio”, o contrário da renovação. Que, tendo sido já presidente, a candidatura de Soares fere o espírito republicano. Que, além do mais, a idade do candidato é um estorvo.
Os velhos são uns inúteis. Simbolizam a falta de energia, a irreparável antiguidade, a fatalidade da morte, uma insuperável maçada. Temo que alguns dos meus amigos de esquerda não gostem do que direi daqui até ao fim do processo das presidenciais – lá para 15 de Janeiro de 2006.
Não tem importância nenhuma pois também já se aborreceram com o que eu disse, nos últimos tempos, acerca do pontificado do Papa João Paulo II. Os velhos são o futuro mas, no ocidente, é difícil admitir que exerçam actividade profissional e, muito menos, que exerçam o poder.
Sabemos todos o que está em jogo nestas eleições presidenciais. A partir do momento em que Cavaco Silva se apresentou como candidato elas transformaram-se numa escolha entre duas personalidades com ideias e comportamentos muito distintos: Soares e Cavaco. Pela simples razão de que eles foram protagonistas cimeiros de acontecimentos relevantes na história portuguesa contemporânea.
Mas convém ter presente que as eleições, em democracia, são actos normais que não comportam escolher entre revolução e situação. Uma parte do “povo de esquerda” e, em particular, os intelectuais vivem na nostalgia dos “amanhãs que cantam” mas, para sua tristeza infinda, as “eleições burguesas” são simples escolhas pacíficas e livres de uma entre várias alternativas.
Soares e Cavaco representam, respectivamente, o “centro esquerda” e o “centro direita” mas as suas personalidades são diametralmente opostas. Soares é um cosmopolita, um “homem do mundo”. Cavaco é um provinciano, um “homem da terra”.
O que não deixa de ser interessante é os intelectuais de esquerda denegrirem as características de Soares contra os fundamentos das suas próprias convicções. Soares é um político puro, protagonista de duas aquisições decisivas na história portuguesa contemporânea: a democracia representativa e a plena adesão à UE. Soares intervém na política por prazer e, ao contrário de Cavaco, já foi tudo o que nela se pode ser.
Cavaco é um académico e tecnocrata, protagonista de um período de 10 anos de governo, com obra feita e controversa. Afirma-se o contrário do político profissional, mas nunca deixou de ser o que afirma nunca ter sido. Mostra enfado pelo protagonismo político que, para ele, é um dever mais que um prazer, um sacrifício pessoal a que “a salvação da pátria” obriga.
O que querem, afinal, à esquerda, os defensores da liberdade e da democracia? Querem “muscular” a democracia pela acção de um Presidente com poderes reforçados? Preferem um Presidente autoritário que dê voz aos detractores da política e dos partidos? Querem, afinal, bailar ao ritmo dos cantos de sereia de todos os populismos que sempre, com escândalo, repudiam?
São extraordinárias as revelações com que este período pré eleitoral nos tem presenteado.
Uma significativa parte da esquerda e, em particular, as elites, mostra não ter feito, afinal, as pazes com Mário Soares.
Eanes e os destroços do PRD, ao contrário de todas as evidências, não estão enterrados e os seus sobreviventes acotovelam-se dividindo-se entre o apoio a Alegre e a Cavaco.
Manuel Alegre sonha com um PS de “esquerda” com laivos populistas (“não preciso do apoio do PS para nada!”).
Em torno de Cavaco surge um movimento plebiscitário tentando reduzir as eleições presidenciais a um “sim ou não” ao “candidato único” ou ao “único candidato” que pode salvar Portugal. Não é, pois, de estranhar a natureza das gafes de Cavaco na primeira declaração pública, não encenada, que proferiu.
Elas são um pequeno sinal revelador da natureza do seu carácter e pensamento autoritários: à primeira pergunta respondeu como se já fosse presidente, mesmo antes da eleição – tão o seu subconsciente as dispensa – e, de seguida, referiu-se à Assembleia da República, o coração do poder político democrático, como a “Assembleia Nacional”, designação da caricatura democrática da instância legislativa da ditadura.
Previnam-se!
segunda-feira, outubro 24
"...coisas do conhecimento."
Imagens e Biografia de Roger Bacon
“Rogério Bacon foi condenado a doze anos de prisão por ter afirmado o primado da experiência nas coisas do conhecimento.”
Albert Camus
Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
A Rua
“Rua” – Maria Helena Vieira da Silva – [1953 gouache on board - 39 x 31 cm - Galerie Jeanne Bucher, Paris] Collection dr. Georges Jaeger
A rua era uma linha recta nascida de meus olhos.
Olhava-a da minha janela predilecta
e ela mudava de lugar a cada novo olhado.
A rua olhada de frente era uma linha recta.
Olhada de lado se perdia na esquina
e o êxtase imaculado era subir descalço ao telhado.
Do alto eu ganhava a liberdade de olhar o mundo.
Olhada de cima a linha recta era uma rua
e a descoberta era que havia uma curva ao fundo.
Lisboa, 25 de Agosto de 2005
O 18 de Brumário da CGTP, PCP e BE
O Juramento dos Horácios - Jacques-Louis David, 1784 [Musée du Louvre, Paris] Image from Cgfa
O 18 de Brumário da CGTP, PCP e BE
Estou, por uma vez, no essencial, de acordo com o que João César das Neves escreve, hoje, no DN com o título em epígrafe.
Ler, na íntegra, no IR AO FUNDO E VOLTAR.
HOMENAGEM À LINHA EDITORIAL DO "EXPRESSO"
"FUCK YOU!" (Grace Slick, 1967)
Em 1967 não era época de eleições livres em Portugal. O Estado Novo organizava um arremedo de eleições mas que tinham essa característica única de já se saberem os resultados antes de votar. Eram mesmo enviadas às redacções, na véspera das eleições, as notícias com os resultados que haviam de ser publicadas após os mesmos serem conhecidos. Um bocado como a direita, e certos sectores da esquerda, estão a fazer agora com o Prof. Cavaco.
Suponho que o “Expresso” por exemplo, já deve ter a notícia a publicar na edição do sábado imediatamente a seguir ao dia 15 de Janeiro de 2006. Se quiserem eu edito aqui uma versão dessa notícia e vão ver se andará muito longe da verdadeira. Também havia sempre um presidente da comissão de honra das candidaturas da UN (União Nacional) e depois da ANP (Acção Nacional Popular). Agora é o General Ramalho Eanes que é apresentado como presidente da comissão de honra da candidatura do Prof. Cavaco, uma grande novidade, com excepção do facto de já o ter sido na candidatura do mesmo Prof. Cavaco em 1995.
Pelas minhas contas, nos tempos mais recentes, eleições assim só em 1965, 1969 e 1973, todas para a Assembleia Nacional instituição de que falou, recentemente, o Prof. Cavaco. As últimas eleições Presidenciais às quais não concorreu o Prof. Cavaco, com um desfecho tão imprevisível, para o Expresso e para o Dr. Joaquim Aguiar, tiveram lugar em Outubro de 1972.
O Prof. Cavaco já devia estar em Inglaterra, depois do susto que lhe preguei, e as eleições presidenciais foram ganhas pelo saudoso Almirante Américo Thomás (com Th) que também concorreu sozinho pois o Manuel Alegre devia estar para fora, em Argel, e o Dr. Soares estava, se não erro, a “passar férias” em S. Tomé e Príncipe ou andaria por Paris a criar o PS que só tem contribuído para a desgraça da Pátria portuguesa.
O Jerónimo acho que andava a afinar máquinas e o Louçã devia andar no liceu a pregar o Trotskysmo. (O pai dele já devia ser Almiramte).
Infelizmente, em 1972, ainda não havia o “Expresso” para dar a notícia e explicar que o Almirante Thomás era quase tão velho como o Dr. Soares e representava o fim de um ciclo e que ninguém quis, à semelhança do que se passa na actualidade, ser candidato e que se o Prof. Cavaco, que é um jovem economista moderno e promissor, além de hirto e seco, quis fazer esse sacrifício, honra seja feita, é de aproveitar.
O Dr. Soares é acusado de ser um candidato, à semelhança do Almirante Thomás, de fim de regime, que só o Prof. Cavaco, se for eleito, salvará. Só espero que depois não tenham de chamar o Dr. Soares, de novo, para resolver as embrulhadas todas que o Prof. Cavaco vai criar e nunca mais saímos disto pois o Dr. Soares não é eterno.
(E a propósito de Generais e Almirantes lembrei-me daquela jovem artista americana que, em 1967, tomou a liberdade de exibir um gesto de desencanto perante a situação da vida dela e porventura da política na América, pois havia a guerra do Vietnam, face á qual o Dr. Soares havia de ser contra e o Prof. Cavaco a favor, e que achei que ilustrava a preceito o que eu sinto a respeito da linha editorial do “Expresso” mesmo com o saudoso arquitecto Saraiva de partida.)
domingo, outubro 23
ESQUECIMENTO ...
“Olhando o Gilão” – Fotografia de Hélder Gonçalves
“Trinta anos.
A primeira faculdade do homem é o esquecimento. Mas é justo dizer que esquece mesmo o bem que fez.”
Albert Camus
Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Fragmento, certamente, escrito a 7 de Novembro de 1943 dia do 30º aniversário de Camus. Por essa data Camus começou a trabalhar, como leitor, na “Gallimard”. Em simultâneo inicia a colaboração com a redacção do jornal da resistência “Combat” que acabara de mudar a sua redacção de Lyon para Paris. Pouco tempo depois assume a direcção do jornal. No meio de tantas recordações do meu empenhamento político, por coincidência, 30 anos atrás, entre despedidas de amigos, desilusões e esperanças, o teor daquele fragmento, na sua simplicidade, apesar de todas as lutas, é um lúcido apelo à concórdia entre os homens.)
Eu sinto um frio por dentro
Paula Rego - Monkey hypnotising a Chicken, 1982
Eu sinto um frio por dentro
Quando estremece o mundo
Ou alguém morre ou cai doente
O corpo desfalece e vai ao fundo
Quanto mais amadurece a vida
Em mim mais me entristeço
Lendo a mesma página lida
Se instala a dúvida se me mereço
Olho e revejo desfilar a gente
Que me amou e que se me deu
Receio receber a dor finalmente
Que se recebe e diz ela morreu
Não quero saber da angústia
Que me toma e subo a estrada
Devagar imaginando a busca
Final em que se perde a alma
Eu sinto um frio por dentro
Eu sinto o que não se ouve
Nem mesmo uivar o vento
E o que acontece eu já soube
Lisboa, 15 de Outubro de 2005
sábado, outubro 22
sexta-feira, outubro 21
ESTABILIDADE
Scarlett Johansson
Estabilidade foi a palavra mais usada por Cavaco Silva na sua declaração como candidato presidencial. Julgo não errar se disser que não usou uma única vez as palavras liberdade e justiça. Muito menos as palavras igualdade e equidade. E ainda muito menos, nem nunca usará, a palavra beleza.
Na sua linguagem de político, que se afirma o seu contrário, estabilidade significa não perturbar a acção reformista do governo socialista em funções.
Mas vamos chamar “os bois pelos nomes”. A palavra estabilidade na boca de Cavaco é um instrumento táctico para neutralizar a ideia, subjacente à sua candidatura, de se constituir como pólo aglutinador de uma alternativa de governo de direita.
Na verdade o que todos estão a pensar é que Cavaco, caso venha a ganhar as presidenciais, se assumirá, por acção ou omissão, como oposição de direita ao governo socialista.
Desiludam-se os que pensam, beatificamente, que o melhor Presidente para o governo de Sócrates será Cavaco pois, para a sua estratégia presidencial, Sócrates é um “idiota útil” que executa a componente dura das políticas de estabilização orçamental e as facetas impopulares das reformas do estado.
Após essa obra meritória, digo-o sem ironia, “Cavaco Presidente” agradecerá, grandiloquente, dando lugar a um governo do PSD dirigido, quase certamente, por Manuela Ferreira Leite.
A proclamada estabilidade soçobrará no momento julgado mais oportuno para derrubar o governo socialista. O derrube ocorrerá antes do fim do seu mandato, caso acorram factos excepcionais que o justifiquem, pois Cavaco, como qualquer outro Presidente, nunca descartará o exercício desse poder constitucional.
Em alternativa, caso chegue ao fim do mandato, o governo socialista carregará a cruz de ter sacrificado os “direitos adquiridos” que os portugueses deverão agradecer ao Prof. Cavaco e que este não deixará de lembrar, a toda a hora, através da afirmação da natureza social-democrata da sua ideologia.
Cavaco não garante a estabilidade governativa pela razão simples que não resistirá às pressões para intervir nas funções do governo. Quanto mais for o candidato único da direita menos margem de manobra terá para prosseguir um magistério independente que se constitua como fautor de estabilidade.
Não garante, por outro lado, a estabilidade do PSD pois minará a liderança de Marques Mendes em favor de uma liderança alternativa que possa vir a garantir a consagração da velha máxima, nunca antes alcançada pela direita, uma maioria, um governo, um presidente. E Marques Mendes é demasiado fraco para garantir um futuro governo social-democrata forte.
A palavra estabilidade, na boca de Cavaco é, em linguagem política, um instrumento táctico e não um desígnio estratégico. Em linguagem popular é uma pura mentira.
Só vale a pena a estabilidade com LIBERDADE, JUSTIÇA E BELEZA. Cavaco não encarnará nunca, de forma autêntica, estes valores. Não é por nada, não é capaz!
Sobre a Juventude
Fotografia de Angèle
“Há um momento em que a juventude se perde. É o momento em que os seres se perdem. E é preciso saber aceitar. Mas esse momento é duro.”
Albert Camus
Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
CORAGEM
Che Guevara - Fotografia daqui
One of the most famous photographs of the 60's (and maybe of all times). It was taken in Cuba by Alberto Korda and was later the main theme of a documentary by Pedro Chaskel, "A Photo Turns Around The World". Guevara was captured and murdered in Bolivia, on October 1967
Devo avisar que nada me move, a título pessoal, contra o Prof. Cavaco Silva apesar de ter sido, seguramente, o primeiro português que o afrontou, politica e fisicamente, nos longínquos idos de um combate estudantil que fez história. Percebi as suas fraquezas que as rugas não apagaram nem a apresentação da candidatura presidencial, de ontem, esconde.
Ainda para mais Cavaco é meu conterrâneo, o seu perfil físico e humano, seco e hirto, está presente no meu imaginário desde a infância. Muitos homens do campo algarvio, pequenos agricultores, comerciantes, pescadores, trabalhadores, com os quais convivi, ostentavam o mesmo tipo físico, a mesma fisionomia, o mesmo carácter ao qual, na gíria, sempre se apelidou, com bonomia, de manhoso.
Nada que não se encaixe, com perfeição, no perfil da maioria dos portugueses. Somos uma espécie de “chicos espertos” a meio caminho entre o sacana e o sonso. Há-os em todas as famílias políticas e em todos os extractos sociais e profissionais. Não me refiro, em exclusivo, ao dito cujo pois à direita e à esquerda, entre políticos e empresários, gente da alta e da baixa, é uma espécie que está plenamente credenciada.
Por vezes, a espécie a que me refiro, associa a estas características a do puro sacana nacional, tão bem descrito por Sena no seu genial poema “No País dos sacanas”. Ele concentra, no seu ser mais profundo, o medo pânico ao contraditório, um desvelado apego à ordem natural das coisas, o desprezo pela prática da compaixão e um verdadeiro alheamento das coisas do espírito.
Por mais que se contorçam em espasmos de leitura e em aceitação de conselhos sábios estes homens e mulheres podem ser democratas, quando todos são democratas, mas preencheriam o perfil dos tiranos se a nação lhes solicitasse, em desespero, o favor de tomar em mãos os destinos da Pátria em perigo.
Quando se escolhe um Presidente, um pormenor ou um detalhe, absolutamente insignificantes, podem fazer toda a diferença. É uma questão de estilo? De idade? De experiência? De competência? De carácter? De tradição? De política? É de tudo isto um pouco.
Nas presidenciais escolhe-se, acima de tudo, a personalidade. É a escolha política mais pura de todas as escolhas. A minha escolha é a mais politicamente incorrecta do momento. Aquela que, paradoxalmente, está contra a corrente e é disso que eu gosto: Mário Soares. Sabem porquê? Entre muitas outras razões pela CORAGEM que Soares tem e Cavaco, apesar de hirto e seco, não tem.
(As imagens que integram estes posts serão, por vezes, aparentemente dissonantes dos textos mas isso é uma liberdade que me ofereço a mim próprio.)
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