domingo, novembro 25

AS INUNDAÇÕES DE NOVEMBRO DE 1967

Poste de 20 de novembro de 2007, que reponho hoje, lembrando a passagem de 45 anos sobre as trágicas inundações de 1967.

No contexto da descrição sucinta dos últimos dois anos de Salazar à frente do governo de Portugal, no livro “ a história da PIDE”, Irene Flunser Pimentel – Circulo de Leitores/Temas e Debates, descreve-se um acontecimento marcante sobre o qual passam, nos próximos dias, 40 anos:

“O dia 25 de Novembro de 1967 foi marcado por chuvas diluvianas, em Lisboa e arredores, que causaram centenas de mortos, não sendo divulgada na imprensa a magnitude do desastre nem o número de vítimas. Muitos estudantes de Lisboa mobilizaram-se para ajudar as populações, apercebendo-se, nesse contacto, das terríveis condições em que viviam muitos portugueses. Entretanto, tinha havido no seio do regime o caso dos ballets roses, conforme noticiou, em Dezembro, o jornal inglês Sunday Telegraph.”


Participei numa das brigadas de estudantes que acorreu em apoio às populações dos arredores de Lisboa. Coube-me, com partida do Instituto Superior Técnico, desembarcar, se não erro, em Alhandra no meio de um ambiente desolador de destruição e morte. Lembro a complexa operação logística e as pás a remover a lama que engolira ruas e casas. O regime surpreendido pelas dimensões do desastre e pela prontidão da acção politico/solidária dos estudantes não foi capaz de suster o movimento.


Foi, certamente, este um dos mais significativos actos simbólicos que assinalou o início do fim da ditadura. Pouco tempo depois, em Fevereiro de 1968, Mário Soares foi preso, deportado e sujeito a residência fixa em São Tomé e Principe. Em 7 de Setembro de 1968 Salazar foi operado a um hematoma, após a queda da cadeira e, “no dia 17, após convocar uma reunião do Conselho de Estado, o Presidente ra República anunciou que iria nomear novo presidente do Conselho de Ministros. Dez dias depois, informou que, “atormentado entre os seus sentimentos afectivos de gratidão”, decidira exonerar Salazar e nomear Marcelo Caetano” [pag. 184]


Confesso que tinha perdido a noção exacta da cronologia destes acontecimentos e fiquei surpreendido com a proximidade entre as grandes inundações de 25/26 de Novembro de 1967 e o mês de Setembro de 1968 que marca o fim político do ditador.


. Fotografia de Chip Forelli

sábado, novembro 24

POESIA E TURISMO

Coincidências


TURISMO (1942) - Título da obra poética de estreia de Carlos de Oliveira.

Cinza,
os sinos dobrados
já pela tarde fria.

Porque arde em mim ainda,
de mágoa e bronze,
o sol do dia?

(Poema VIII, In Turismo
Trabalho Poético - Circulo de Leitores)


TURISMO (2003)

Actividade de grande relevância na vida social e na economia portuguesa contemporânea mas que só ganhou expressão, como fenómeno de massas, a partir dos anos 60.

O Turismo tinha ganho, na Europa, uma nova natureza, a partir de 1936, com a institucionalização das “férias pagas”, conquista popular adoptada legalmente pelo Governo da Frente Popular, em França, logo seguida pela Bélgica. À época o título da obra de Carlos de Oliveira é, pois, de uma ousadia extraordinária.

Eis como um título une duas áreas tão distintas interessando à reflexão de tantas e diversificadas
pessoas. Eu sou uma delas. Por isso a poesia e o turismo vão surgir com frequência entre os temas a tratar na programação do Absorto.

[Anunciava neste poste de 23 de dezembro de 2003 que haveria de tratar, com freqência, no absorto, os temas do turismo e da poesia. Da poesia sim, do turismo, não!]

sexta-feira, novembro 23

A MÚSICA NA ESCOLA

Ideias Para o Futuro - 1


Muito interessante entrevista de Rui Vieira Nery à revista “Pública” de 21 de Dezembro de 2003. O mais interessante, para mim, resume-se à defesa do reforço do papel da música na escola. A ideia “da massificação do ensino da música desde o início da escolaridade” não é original, como refere, apontando o caso da Hungria, mas é uma ideia forte para o futuro. É uma ideia a abordar e aprofundar no âmbito científico e político. Os argumentos a favor da bondade da ideia são expostos de forma breve mas entende-se que se estribam num vasto conjunto de boas e fundamentadas razões: a música favorece a aprendizagem da matemática e, em geral, das ciências; é um potente veículo de equilíbrio emocional; é uma arte potenciadora da sociabilização das crianças; é um factor de formação ética e cívica e é uma “componente fundamental do património cultural da Humanidade”. Também concordo que existem, hoje, em Portugal, recursos humanos e técnicos que permitiriam forjar um projecto viável para a generalização do ensino da música nas escolas.
 
[Poste de 23 de dezembro de 2003 acerca da música, um tema que me é tão caro. Tal inclinação é, aliás, demontrada pela predominância da música no absorto dos últimos tempos.]

quinta-feira, novembro 22

PRANTO PELO DIA DE HOJE

Citação 2


Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que não podem sequer ser bem descritas.

Sophia de Melo Breyner Andresen
In “Livro Sexto” – 1962
 
[No dia 28 de dezembro de 2003 recuperei um dos poemas mais marcantes de Sophia.]

quarta-feira, novembro 21

Roberta Sá

REGRESSO DAS FÉRIAS DE NATAL - 2003

De regresso de umas pequenas férias, voluntariamente, sem computador. Nestes dias nada queria inscrever nestas páginas dedicadas às viagens na nossa terra a propósito das tradicionais festas de família que a época convoca. Fazem-se envios de votos de Natal Feliz. Tomam-se refeições demais (os que podem ter aceso a elas) e escondem-se, o melhor possível, os dramas do quotidiano. Em Faro uma mulher passa por mim na rua, a chorar, enquanto fala ao telemóvel: deixem-me ficar só, só…e sente-se o frio da rua entrar dentro de nós. Nesta quadra festiva, este ano, respira-se um ar mais pesado que é difícil de esconder.

[Um post de 28 de dezembro de 2003 que poderia ser escrito aquando do regresso das férias de Natal deste ano da graça de 2012 que deverão ser passadas na mesma cidade, como sempre, toda a vida, a minha cidade Natal.]

terça-feira, novembro 20

A SOLIDARIEDADE

Ideias para o futuro-2


Uma ideia para o futuro em Portugal é a criação, na estrutura do Governo de uma “Secretaria de Estado para as Pessoas Idosas”.

O envelhecimento da população é um forte desafio que se coloca à sobrevivência das sociedades democráticas. Todos os indicadores apontam no sentido da população idosa se tornar, a médio prazo, maioritária nas sociedades ocidentais. Trata-se de um fenómeno que impõe a adopção de medidas inovadoras em diversas áreas cruciais da organização das nossas sociedades.

O modelo de financiamento da segurança social ocupa o centro dessas mudanças. Um dos grandes desafios das políticas sociais, que valorizem a dignidade do homem acima dos interesses financeiros da banca e das seguradoras, é a criação de um novo modelo de solidariedade intergeracional.

Este desafio exige que sejam repensadas questões tais como a idade de reforma, a duração da jornada de trabalho e sua flexibilização, assim como políticas de imigração, integradas, justas e aceitáveis por todos os cidadãos.

Muitos acontecimentos recentes – desde a persistência de João Paulo II, ostentando em público a sua velhice, até aos efeitos calamitosos das “vagas de incêndios e de calor” - colocaram em destaque a urgência da definição de políticas autónomas para os cidadãos idosos.

O combate à tragédia silenciosa da solidão e abandono dos idosos exige a serena coragem de mudanças em que o Estado, os empresários e as entidades de vocação social, estabeleçam pactos de solidariedade honrando a dignidade da vida, vivida até ao fim, por todos os cidadãos.

O Estado, em particular, tem de assumir plenamente a sua responsabilidade na criação de condições para o desenvolvimento de políticas activas de integração dos mais idosos numa sociedade em que o culto da juventude impera, cada vez mais competitiva, xenófoba, insensível às diferenças, hipócrita e hostil aos idosos.
 
[Poste de 29 de dezembro de 2003 abordando o envelhecimento demográfico, uma faceta da tão decantada questão da reforma do estado social, afinal, um tema recorrente e antigo.]

segunda-feira, novembro 19

A LIBERDADE

Citação 3


"É sempre um grande crime destruir a liberdade de um povo sob o pretexto de que ele a utiliza mal"

Tocqueville
 
[Poste de 30 de dezembro de 2003 - a caminho de completar 9 anos, neste blogue, sempre presente o tema da liberdade.]

domingo, novembro 18

OS PRIMEIROS POSTES EM VÉSPERAS DO NONO ANIVERSÁRIO

Fim do ano 2003


Como sempre, nos últimos anos, à vista do mar nas proximidades do ponto mais ocidental da Europa. O oceano atlântico, em toda a sua plenitude, à nossa vista. O cheiro intenso a maresia. O mar nestas costas é forte quando batido pelo vento. Não havemos de olhar demasiado para trás. Faltam alguns amigos mas juntaram-se outros novos. A vida é feita de mudança. E a olhar o futuro o mundo avança. Eduardo Lourenço fala numa entrevista recente que os portugueses se preocupam mais com parecer bem e menos com fazer obra. Têm medo de tomar posição. Arriscar nas empreitadas do progresso. Esperam que a obra surja feita. As palavras são minhas. Não tenho a entrevista na minha frente. Lourenço não diz, mas digo eu, que fazer obra para os portugueses é algo estranho e potencialmente perigoso. Pode por em causa o equilíbrio necessário ao triunfo do espírito conservador. Esta filosofia de vida está devidamente documentada pela nossa história ? salvo em raros períodos ? e pela pena dos nossos maiores: Camões (Luís), Pessoa (Fernando), Sena (Jorge de) ? Os governos querem-se modestos nos grandes desígnios e sem vistas largas não vá o engrandecimento do País ferir as cordatas relações de poder com as grandes famílias instaladas e fazer perigar as dependências face aos interesses estrangeiros. Dizem os tecnocratas, mais cultos, que falta músculo ao capital e massa crítica à inteligência. Dito do ponto de vista do humanismo o que falta, em regra, é decência aos dirigentes, civismo, educação e cultura ao povo. Certamente se encontrarão formas originais e renovadas de trilhar, no futuro, um novo caminho de progresso. Mas este simples blog confirma, como tantas outras formas de expressão, em finais de 2003, um princípio que convém preservar, a todo o custo, que Camus sintetizou numa frase que nunca mais esqueci:
?Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.
 
[A um mês de fazer nove anos de vida, com atividade ininterrupta, revisito alguns dos postes mais antigos deste blogue e, mais próximo de 19 de dezembro, colocarei também os mais visitados.]

Arabella Steinbacher

quarta-feira, novembro 7

Cecilia Bartoli


ALBERT CAMUS - 99º ANIVERSÁRIO


Havia uma porta embutida na parte argamassa na qual se podia ler: “Cantina agrícola Mme. Jacques.” Filtrava-se luz pela frincha inferior. O homem imobilizou o cavalo junto dela e, sem descer, bateu. Acto contínuo, uma voz sonora e decidida inquiriu: “Quem é?” “Sou o novo gerente da propriedade do Santo Apóstolo. A minha mulher vai dar à luz. Preciso de ajuda.” Ninguém respondeu. Passado um momento, foram levantados ferrolhos e a porta entreabriu-se. Descortinou-se a cabeça negra e ondulada de uma europeia de faces cheias e nariz um pouco abaulado acima dos lábios grossos. “Chamo-me Henri Carmery. Pode ir junto de minha mulher? Tenho de chamar o médico.” (…) O médico olhou-o com curiosidade. “Não tenha medo, que tudo há-de correr bem.” Cormery volveu para ele os olhos claros, fitou-o calmamente e declarou com uma ponta de cordialidade: “Não tenho medo. Estou habituado aos golpes duros do destino.” (…) A chuva tombava com mais intensidade no telhado antigo e velho. o médico procedeu a um exame sob os cobertores. Em seguida, endireitou-se e pareceu sacudir algo na sua frente. Soou um pequeno grito. “É um rapaz”, anunciou. “E bem constituído.” “Começa bem”, disse a dona da cantina. “Com uma mudança de casa.” A mulher árabe riu no canto e bateu as palmas duas vezes.

Albert Camus, in O Primeiro Homem