A minha juventude foi apaixonadamente vivida em Faro. Mesmo depois de abandonar a cidade para prosseguir os estudos em Lisboa, onde me fixei para sempre, nunca deixei de passar, pelo menos, parte das férias na cidade natal.
A minha sensibilidade foi moldada pelo ambiente branco e quente do sul, a minha formação intelectual e cultural foi marcada por acontecimentos que pude viver nas terras do sul. Mais próximas do que se possa pensar da Andaluzia espanhola e do norte de África, do que do resto do continente português.
Sempre que visito a minha cidade natal percorro os lugares da minha infância, a casa onde nasci, as ruas que configuraram o meu olhar sobre o mundo e os outros, revejo os rostos das mulheres e dos homens que me impressionaram e deram o melhor que se leva da vida: os afectos.
Na minha cidade percorro a rua principal onde vivi anos a fio. Aqui o calor é mais sufocante do que a norte não porque faça, a maior parte das vezes, mais calor mas porque é um calor seco e carregado de tonalidades mediterrâneas.
Vejo hoje que o “Clube Farense” ostenta à porta um pendão assinalando a sede da “Capital Nacional da Cultura- 2005”. Não encontro, no entanto, qualquer sinal de actividades culturais. Mas que as há, há! Trata-se de um projecto meio clandestino que nasceu morto de energia vital e que jamais retornará à vida. Assim seja!
Logo a poucos metros sento-me na esplanada da Gardy e o Renato engraxa-me os sapatos como sempre. Não tem novidades de amigos mortos nos últimos tempos. Sempre me estende, em palavras escassas, a lista dos acontecimentos que ele julga serem marcantes para mim e nunca falta o obituário. Evita falar da morte do meu irmão, eu agradeço. A última que evoca é a do “Micro”.
Numa coluna de pedra, em frente, deparo-me com quatro inscrições ostentando o símbolo do MES. O círculo vermelho com a estrela de cinco pontas e a sigla do extinto movimento apresenta-se em bom estado de conservação. A observação nada teria de especial a não ser o facto de as pinturas perdurarem desde 1975. Nem a mão do homem nem a erosão do tempo as apagou.
E a minha memória percorre os rostos daqueles que acreditaram no sonho de uma sociedade nova que, afinal, não era mais do que uma utopia perigosa. Mas os seus despojos permanecem presentes aos olhos de todos como um sinal secreto que só muito poucos são capazes de decifrar.
Se é verdade como afirma, hoje no “Publico”, Helena Matos que “o facto de se ter combatido Salazar e Marcelo Caetano (ela evita a palavra ditadura) não transforma ninguém num democrata”, o “pequeno detalhe” de ter participado nesse combate ajudou muito à conquista da democracia que permite, hoje, que Helena Matos possa dizer livremente o que lhe apetece dizer. É a diferença entre a liberdade e a tirania.
Um “pequeno detalhe” para alguns uma enorme conquista para mim.
4 comentários:
Porque há três dias estive em Faro(que não é a minha terra);porque de lá parti rumo à ilha deserta (que não conhecia) e me maravilhou; porque passeei tb pela belíssima ria Formosa com os seus pássaros; porque subi à torre da catedral para me maravilhar outra vez; porque...enfim a minha juventude foi tb apaixonadamente vivida ( nas férias) junto ao mar,sei que essas memórias da luz, da cal, do azul nunca se perdem.UM abraço
A "Ilha Deserta" - desta vez vai faltar-me essa visita ... um paraiso na terra ...
um abraço, excelente post.
Reparei na tua resistência em embarcar na onda de "dizer mal" do governo. As críticas só ganham razão quando são dirigidas ao cerne das políticas que se considerem erradas. Não vale a pena embarcar no jogo dos adversários de uma política qua qinda se não revelou ... Um abraço.
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