Peter Marlow – Hélder Postiga
Publiquei, em Outubro de 2007, Sob o título FUTEBOL – “FLUXO” E RESISTÊNCIA, um artigo de opinião que vem muito a propósito da presente época na qual o futebol surge no lugar cimeiro de todas as notícias.
O futebol é uma paixão antiga que vem dos tempos da minha meninice, sendo, ao mesmo tempo, um fenómeno que suscita debate, e reflexão, permitindo abordagens que vão bastante além do terreno linear do “pega ou larga”, da cega paixão ou da diabólica recusa.
Transcrevo o artigo, em referência, na sua versão original:
"Tout ce que je sais de plus sûr à propos de la moralité et des obligations des hommes, c'est au football que je le dois.” - Albert Camus
Scolari e Mourinho, treinadores de futebol, representam, no imaginário popular, o desejo de lideranças fortes, mobilizando ódios e paixões, criando expectativas de vitórias que redimam a honra de comunidades, povos e nações.
Nenhum outro fenómeno, senão o futebol, na maior parte dos países, regiões e continentes, mobiliza o interesse de tanta gente, sem distinção de idades, raças, credos, estatutos sociais ou económicos.
É um fenómeno paradigmático em que o jogo – actividade de lazer – se transformou num espectáculo de massas que, não deixando de criar a ilusão do jogo, deu origem, nas sociedades contemporâneas, a um “fluxo futebolístico” no qual o que se consome é o próprio fluxo.
O futebol como fenómeno de massas, mediatizado, suscitando rivalidades e lutas de claques fanáticas, mobilizando meios financeiros vultuosos, alimentando ilusões de vitórias e alentando nacionalismos serôdios, é um fluxo que combina o “fluxo do ter”, ”da informação”, “do ver”, ”do “ soletrar”, do “viajar”.
Os sujeitos do espectáculo, do “fluxo futebolístico”, os jogadores mas também os treinadores/seleccionadores, deixaram de ser os senhores da sua vontade, entregues às regras de um mercado com leis próprias; os mediadores da informação deixaram de se compadecer com a “notabilidade” dos factos e preocupam-se em estimular a capacidade de efabulação das massas; as vitórias e as derrotas deixaram de ser o “resultado do jogo” mas o acontecimento mais ou menos forjado destinado a alimentar o fluxo.
Não que tenha deixado de existir o jogo autêntico – presente no futebol amador e noutras modalidades – mas este passou à categoria de resíduo social, lugar de resistência, só, plena e pontualmente reconhecido, no plano do fluxo, quando é, ao mesmo tempo, o lugar da tragédia... a queda de uma baliza esmagando o jovem,... ou o sacrifício exultante dos amadores de uma selecção de “rugby” enfrentando uma luta desigual na qual ocuparam, no palco mediático global, o papel de resistentes.
O fluxo subjuga o jogo, que se transforma no próprio fluxo, mas não elimina as manifestações de resistência em que o jogo autêntico persiste.
Desde a “Ilha da Culatra”, no meu Algarve, às mais pequenas ilhas dos Açores, desde as pequenas colectividades recreativas às grandes empresas, desde as escolas às ruas, o “fluxo futebolístico” encontra a sua réplica em milhares de resistentes que, apagados da ribalta mediática, são o outro lado de uma realidade humana que persiste em não se deixar apagar.
Scolari e Mourinho deixarão, um dia, de ser actualidade, mas o “fluxo futebolístico” vai persistir, e o seu outro lado, o jogo autêntico, resistirá em todo o mundo, bastando para tal que hajam jogadores e um objecto simples, mais ou menos arredondado, no qual se possam dar pontapés.
O tema do futebol é fascinante, além do mais, porque nos faz ir em busca de explicações para uma paixão que, avant la lettre, Camus intuía, a partir da sua própria experiência, exercer uma influência mobilizadora das grandes massas, lugar de “alienação” mas, ao mesmo tempo, de resistência cuja influência social a pura razão dificilmente apreende.
Publiquei, em Outubro de 2007, Sob o título FUTEBOL – “FLUXO” E RESISTÊNCIA, um artigo de opinião que vem muito a propósito da presente época na qual o futebol surge no lugar cimeiro de todas as notícias.
O futebol é uma paixão antiga que vem dos tempos da minha meninice, sendo, ao mesmo tempo, um fenómeno que suscita debate, e reflexão, permitindo abordagens que vão bastante além do terreno linear do “pega ou larga”, da cega paixão ou da diabólica recusa.
Transcrevo o artigo, em referência, na sua versão original:
"Tout ce que je sais de plus sûr à propos de la moralité et des obligations des hommes, c'est au football que je le dois.” - Albert Camus
Scolari e Mourinho, treinadores de futebol, representam, no imaginário popular, o desejo de lideranças fortes, mobilizando ódios e paixões, criando expectativas de vitórias que redimam a honra de comunidades, povos e nações.
Nenhum outro fenómeno, senão o futebol, na maior parte dos países, regiões e continentes, mobiliza o interesse de tanta gente, sem distinção de idades, raças, credos, estatutos sociais ou económicos.
É um fenómeno paradigmático em que o jogo – actividade de lazer – se transformou num espectáculo de massas que, não deixando de criar a ilusão do jogo, deu origem, nas sociedades contemporâneas, a um “fluxo futebolístico” no qual o que se consome é o próprio fluxo.
O futebol como fenómeno de massas, mediatizado, suscitando rivalidades e lutas de claques fanáticas, mobilizando meios financeiros vultuosos, alimentando ilusões de vitórias e alentando nacionalismos serôdios, é um fluxo que combina o “fluxo do ter”, ”da informação”, “do ver”, ”do “ soletrar”, do “viajar”.
Os sujeitos do espectáculo, do “fluxo futebolístico”, os jogadores mas também os treinadores/seleccionadores, deixaram de ser os senhores da sua vontade, entregues às regras de um mercado com leis próprias; os mediadores da informação deixaram de se compadecer com a “notabilidade” dos factos e preocupam-se em estimular a capacidade de efabulação das massas; as vitórias e as derrotas deixaram de ser o “resultado do jogo” mas o acontecimento mais ou menos forjado destinado a alimentar o fluxo.
Não que tenha deixado de existir o jogo autêntico – presente no futebol amador e noutras modalidades – mas este passou à categoria de resíduo social, lugar de resistência, só, plena e pontualmente reconhecido, no plano do fluxo, quando é, ao mesmo tempo, o lugar da tragédia... a queda de uma baliza esmagando o jovem,... ou o sacrifício exultante dos amadores de uma selecção de “rugby” enfrentando uma luta desigual na qual ocuparam, no palco mediático global, o papel de resistentes.
O fluxo subjuga o jogo, que se transforma no próprio fluxo, mas não elimina as manifestações de resistência em que o jogo autêntico persiste.
Desde a “Ilha da Culatra”, no meu Algarve, às mais pequenas ilhas dos Açores, desde as pequenas colectividades recreativas às grandes empresas, desde as escolas às ruas, o “fluxo futebolístico” encontra a sua réplica em milhares de resistentes que, apagados da ribalta mediática, são o outro lado de uma realidade humana que persiste em não se deixar apagar.
Scolari e Mourinho deixarão, um dia, de ser actualidade, mas o “fluxo futebolístico” vai persistir, e o seu outro lado, o jogo autêntico, resistirá em todo o mundo, bastando para tal que hajam jogadores e um objecto simples, mais ou menos arredondado, no qual se possam dar pontapés.
O tema do futebol é fascinante, além do mais, porque nos faz ir em busca de explicações para uma paixão que, avant la lettre, Camus intuía, a partir da sua própria experiência, exercer uma influência mobilizadora das grandes massas, lugar de “alienação” mas, ao mesmo tempo, de resistência cuja influência social a pura razão dificilmente apreende.
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