sábado, março 7

O homem que eu seria se não houvesse sido a criança que fui

“O homem que eu seria se não houvesse sido
a criança que fui !”

“L´homme que je serai si je n´avait pas été l´enfant que je fus !"*


O homem que eu seria aberto generoso
Olhando os outros homens de frente
Se não tivesse nascido no tempo dos silêncios
Que deram consentimento à tirania

O homem que eu seria ousado em cada gesto
E buscando o sucesso em cada passo
Se não me tivesse assomado o medo
Que tolhe inteira toda a verdade

O homem que eu seria esclarecido
A cabeça povoada de ideias de mudança
Não fosse a memória da mulher ao postigo
Afastando a cortina de chita às cores

O homem que eu seria se os homens
Fossem uma criação divina e não o fruto natural
De outros homens seres originais nascidos
Do prazer carnal ou social obrigação

O homem que eu seria se não me tivessem
Em criança forçado a fazer os deveres
Cortado o cabelo e não me tivesse crescido
O corpo uma medida acima do normal para a época

O homem que eu seria se não fosse fruto tardio
De um amor que não agradeci o suficiente
E me faz pensar no homem que eu seria
Se não houvesse sido a criança que fui

* Citação de 1945, in versão portuguesa dos Cadernos de Albert Camus – Caderno Nº 4 (Janeiro de 1942 – Setembro 1945) - página 126, edição Livros do Brasil; in versão original francesa “Carnets (1935 – 1948) – “Cahier IV (janvier 1942 – septembre1945) – página 1025, Oeuvres complètes – II. (Mesmo quando surgem duvidas tenho mantido sempre a tradução original.)

[Também no Caderno de Poesia]
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