quarta-feira, dezembro 18

UMA PEQUENINA LUZ

                                                         Uma pequenina luz bruxuleante
 
                                          não na distância brilhando no extremo da estrada

aqui no meio de nós e a multidão em volta

une toute petite lumière

just a little light

una piccola... em todas as línguas do mundo

uma pequena luz bruxuleante

brilhando incerta mas brilhando

aqui no meio de nós

entre o bafo quente da multidão

a ventania dos cerros e a brisa dos mares

e o sopro azedo dos que a não vêem

só a adivinham e raivosamente assopram.

Uma pequena luz

que vacila exacta

que bruxuleia firme

que não ilumina apenas brilha.

Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.

Muda como a exactidão como a firmeza

como a justiça.

Brilhando indefectível.

Silenciosa não crepita

não consome não custa dinheiro.

Não é ela que custa dinheiro.

Não aquece também os que de frio se juntam.

Não ilumina também os rostos que se curvam.

Apenas brilha bruxuleia ondeia

indefectível próxima dourada.

Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.

Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.

Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.

Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.

Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não: brilha.

Uma pequenina luz bruxuleante e muda

como a exactidão como a firmeza

como a justiça.

Apenas como elas.

Mas brilha.

Não na distância. Aqui

no meio de nós.

Brilha.

25/9/1949

Jorge de Sena

Fidelidade [1958], In “Obras de Jorge de Sena – Antologia Poética”

Asa Editores, 2ª Edição, Junho, 2001
 
[Publicado em 21 de março de 2006.Um dos poemas maiores escritos na língua portuguesa.]

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