Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
Portugal será, em breve, uma referência mundial na canoagem. Ninguém vai dar grande destaque ao assunto mas qualquer transferência de um futebolista de quinta ordem faz manchetes. Alguém vai ser capaz de fazer alguma coisa nesta matéria de ética comunicacional?
Esta notícia que, goste-se, ou não, de Obama, goste-se, ou não, dos Estados Unidos, goste-se, ou não da NATO, é uma vitória do governo e da diplomacia portuguesa, um dos acontecimentos mais importantes da política internacional de 2010, suscita comentários pestilentosnas caixas dos ditos em diversos meios. É a liberdade pela qual morreram milhares de americanos nas “praias da Normandia” para libertar a Europa do jugo nazi fascista.
Tanto tempo passado, como decifrar os caminhos do meu encontro com Albert Camus? Sou levado a crer que me seduziu o ambiente mediterrânico que trespassa a sua escrita. Talvez me tenha atraído o autor existencialista, que hoje sei não ter sido, ou a sua atracção pelo tema do suicídio, ou o alcance político que o apego à defesa da liberdade assume no seu pensamento e acção cívica. O que sei é que um dia pelos meus vinte anos, ou talvez dezanove, cursando um curso superior da área das ciências económicas, caíram-me nas mãos os três pequenos volumes dos Cadernos editados, em Portugal, na Colecção Miniatura, pela Livros do Brasil. Devo tê-los comprado por iniciativa própria, buscando o mero prazer da leitura, impulsionado pela curiosidade de conhecer um autor/personagem, oriundo do sul, como eu, atraído pela sua escrita concisa, demasiado perfeita, segundo alguns detractores, feita de fragmentos que se sobrepõem e interagem.
A minha memória navega por entre uma nebulosa repleta de impressões fortes mas difusas. A escrita fragmentada ajudou, certamente, no entusiasmo da escolha e os sublinhados, a traço grosso, que os livros estoicamente suportaram, testemunham a cronologia íntima de um leitor frente ao objecto do seu desejo.
No Cadernos I, ao cimo, na página 25, escrevi, a esferográfica azul, em perfeito alinhamento gráfico com a palavra Abril, “ – 3 – 1968 – Faro – Cais”. O texto sublinhado de Camus cuja leitura datei diz mais acerca da minha escolha que todas as palavras que possa escrever: “Primeiros dias de calor. Sufocante. Todos os animais estão deitados. Quando o dia começa a declinar, a natureza estranha da atmosfera por cima da cidade. Os ruídos que nela se elevam e se pedem como balões. Imobilidade das árvores e dos homens. Pelas esplanadas mouros de conversa à espera que venha a noite. Café torrado, cujo aroma também se eleva. Hora suave e desesperada. Nada para abraçar. Nada onde ajoelhar, louco de reconhecimento.”
Esta, como outras das minhas escolhas de juventude, podia ser uma escolha actual. As minhas escolhas actuais vão mais além mas encaminham-se, quase sempre, para uma faceta da reflexão de Camus em que olha a mãe natureza e os outros homens com assumido desprendimento pelas coisas materiais sempre deixando transparecer um problema nunca resolvido na sua vida: a sua relação com o sucesso. Como transparece no texto final do Caderno nº 1:
“ (…) Não é necessário entregarmo-nos para parecer mas apenas para dar. Há muito mais força num homem que não parece senão quando é preciso. Ir até ao fim, é saber guardar o seu segredo. Sofri por estar só, mas por ter guardado o meu segredo venci o sofrimento de estar só. E hoje não conheço maior glória que viver só e ignorado. Escrever, minha profunda alegria! (…)”
O prazer dos meus reencontros com Camus renasce quando afloram à memória os momentos felizes da minha juventude, vivida sob o céu azul nas terras do sul, entre uma sinfonia de abraços apertados como se cada dia fora a despedida do mundo, o último dia, o primeiro do último abraço, aquele que marca o prazer de tudo começar. Quente a juventude, rebelde a paixão.
“ … a criança morrera naquele adolescente magro e vigoroso, de cabelos revoltos e olhar arrebatado, que trabalhara todo o Verão para levar um salário para casa e acabava de ser nomeado guarda-redes titular da equipa do liceu e, três dias antes, saboreara pela primeira vez, quase desfalecido, o contacto com a boca de uma jovem.” *
Como tantos outros leitores apaixonados também sinto que em cada livro leio sempre o mesmo livro e, passados 50 anos sobre a trágica morte de Camus, sou capaz de ouvir os seus passos por entre as suas palavras e a actualidade do seu pensamento não deixa nunca de me surpreender:
« Aquilo a que chama cepticismo das novas gerações – mentira. Desde quando o homem que recusa acreditar no mentiroso é o céptico”*
Hoje é o dia da ida ao campo. Aos sítios onde nasceram meus pais. Casas antigas, árvores que conheço desde que me conheço, minhas raízes nos rostos crestados pelo sol, memórias presentes que dão sentido à vida.
Ainda por aqui, pelas praias da Ria Formosa, praias da minha juventude. Desde sempre ao rés do mar. A caruma dos pinheiros, o cheiro da vegetação rasteira, mediterrânica, ainda pujante em muitos lugares atravessados pelos caminhos do turismo. Não visitava algumas destas praias há muito tempo. Reconheço-as e nelas deitado vislumbro a plenitude do céu azul. Um azul uniforme sem falha, nem mancha, em toda a abóbada até aos confins do olhar. Nem um sinal de nuvens, somente o vento quente de ocidente (levante?), e um calor ao mesmo tempo agreste e sedutor. E a água deste mar, um bálsamo forte de sabor salgado.
In A Defesa de Faro – Aqui na minha cidade também acontecem milagres que não são mais do que o resultado de muito trabalho, dedicação e capacidade de enfrentar as dificuldades. Quem havia de dizer que em Faro seria possível nascer uma campeã de natação. Um abraço para ela e para o Eurico, seu pai, com os desejos de longa vida e os maiores sucessos pessoais e desportivos.
Uma colega minha, há uns anos atrás, disse-me que estava a preparar-se para fazer uma operação numa clínica oftalmológica situada em Lagoa. Embora não tivesse qualquer informação precisa acerca da dita tentei desencorajá-la. Era tudo demasiado informal, fácil e barato. Ela é uma pessoa cuidadosa, não sei ao certo o que aconteceu, mas parece que há muito gente que ainda não entendeu que os serviços públicos de saúde são os mais seguros. Os serviços públicos de saúde estão cheios de defeitos para a opinião pública mas se desaparecessem haviam de ver as virtudes dos seus defeitos.
Desloco-me na direcção da terra onde nasci. Faro, o mesmo sol imenso, abrasador, apesar da brisa deste fim de tarde. Tenho uma homenagem para fazer ao Bettencourt Resendes a propósito de um caso que me tocou pessoalmente. Não é urgente, tal como a morte. Regresso à terra como em todos os anos passados, desde que nasci. Uma sensação sempre renovada de regresso à natureza e de crença na vida.
A praia como lugar de férias é recente, ou melhor, como lugar de férias de massas; da mesma forma como são recentes as férias pagas, ou seja, as férias dos trabalhadores por conta doutrem. O direito às férias pagas foi decretado, pela primeira vez, pelo governo da Frente Popular, na França de 1936, afinal há bem pouco tempo. Antes dessa lei as férias, períodos de “não trabalho”, ou de lazer, só para aristocratas, burgueses endinheirados e um ou outro excêntrico.
Onde estou, nesta praia, misturam-se as gentes; as crianças predominam e são-lhes prestadas todas as atenções; nota-se a presença de casais misturando nacionalidades (os portugueses por esse mundo fazem mundo como sempre e, pelos vistos, cada vez mais, não sei se melhor!); forma-se uma fila disciplinada quando chega o homem das bolas de Berlim (num carro e já não com a maleta às costas); foi declarado um armistício político, sendo raras as conversas acerca do tema; avolumam-se as preocupações do quotidiano; o ambiente é de convivência distanciada mas respeitadora da liberdade alheia. Como mudaram os tempos mesmo entre uma turba de gente da chamada classe média.
A praia situa-se tão perto da casa dos meus avós maternos que me é familiar mesmo que não a tenha frequentado nos últimos cinquenta anos. São as memórias que nos fazem viver. Parece que sempre foi a minha praia quando as minhas praias têm sido outras. O calor abrasa logo que nos metemos a terra firme. Ao longo da costa é temperado por uma brisa que é o que faz com que as praias da minha terra sejam as melhores do mundo. Mesmo que não sejam as melhores do mundo!
Ao ler a correspondência Albert Camus-Jean Grenier. Tudo me é familiar: o tom, as referências, os livros citados, as datas, a própria natureza do diálogo.
Reencontro aqui o Camus que estudei, apetece-me quase escrever que conheci: o garoto do bairro popular de Belcourt, em Argel; o adolescente de Bab-El-Oued e da praia de Padovani aos domingos de manhã. Os primeiros anos da adolescência, a pobreza, a tuberculose. A inteligência tão cedo aberta ao mundo e a sensibilidade tão depressa fechada sobre si mesma. A descoberta da politica, ética em acção, como exigência de solidariedade. E logo, desde muito cedo também, a paixão de criar para melhor viver todas as vidas numa só vida.
Merecer-se a si mesmo, sem desmerecer do mundo. Sem excluir o deslumbramento ante “a parte luminosa do homem” de que a sua obra será vibrante testemunho. E já nessa altura o desejo de redescobrir e reinventar para a Europa as virtudes redentoras do homem mediterrânico por oposição ao figurino soviético e ao modelo atlântico.
E a última carta, datada de 25 de Dezembro de 1959, escrita uma semana antes de morrer com estas linhas premonitórias: “Quando terminar o meu livro, se porventura o terminar …”
Isto não é uma brincadeira. O Montepio, um banco de raiz mutualista, decidiu, nas suas instâncias próprias, crescer. Como? Lançando uma OPA amigável sobre outro banco mais pequeno, o Finibanco. Esta iniciativa é um sinal positivo pois, além do mais, o Montepio declarou que nem precisa de crédito para concretizar a compra. Toda a gente entendeu que é uma compra “a pronto”. Não contribui para agravar o endividamento do país sendo um sinal de racionalidade num mercado que parece ter enlouquecido. Vai daí fica o Montepio sob observação negativa pois a operação pode ter dificuldades a curto prazo sendo, no entanto, virtuosa no longo prazo. O Finibanco fica sob observação positiva pois vai beneficiar em ser comprado … Não há paciência … para as chamadas agências de notação financeira!
O cidadão comum, trabalhador, ganhe o que ganhar, mais ou menos honesto e cumpridor, que os há e muitos, paga os seus impostos; os empresários que movem montanhas para pagar os salários ao fim do mês, sabe-se lá bem com que sacrifícios, que os há e muitos, pagam os seus impostos; todos pensando por igual viver num estado de direito democrático que o é na forma, e já não é mau, convenhamos, recebe, amiúde, cartas com a notícia de que ou paga ou lhe penhoram o ordenado, os bens, tudo e mais alguma coisa, é a lei; e a lei é para cumprir. Não discuto. Mas o cidadão comum, cumpridor, confrontar-se com notícias destas só pode sentir revolta. Se for verdade, é claro. O que todos queremos ser é Mães de Filhas!
O que vai acontecer em Cuba, agora anunciado, já era conhecido e comentado nos meios de comunicação não oficiais, pelo menos nos blogues críticos do regime. É uma espécie de despedimento colectivo de pessoal da administração pública num país onde quase só há pessoal da administração pública. Sussurrava-se há muito acerca das “listas”, todos tentando saber se chegara a sua hora. A explicação é simples: não há dinheiro para pagar. A todos os que ainda não entenderam o que significa para a vida das pessoas, e para a sociedade no seu conjunto, o “socialismo real” aconselho que observem, e se tiverem oportunidade, visitem Cuba. Um povo magnífico submetido a um regime político que finge viver o sonho dos amanhãs que cantam. Se os dirigentes do regime que pensam pela sua cabeça não forem capazes de fazer vencer uma politica de transição pacífica para a democracia haverá violência e um banho de sangue. Mas não podem perder muito mais tempo.
A terra mais a sul. Uma praia que visitei antes de ter nascido. Presente na memória mais antiga, o mesmo cheiro, outras gentes, o mesmo mar, outras correntes. As cores enchem-me os olhos e as imagens dos meus antepassados correm à desfilada. Todos tão próximos!
A memória dos pobres é menos alimentada que a dos ricos, com menos pontos de referência no espaço, porque raramente saem do lugar em que vivem, e também menos pontos de referência no tempo de uma vida uniforme e sombria. Sem dúvidas que existe a memória do coração que, diz-se, é a mais segura, mas o coração consome-se com mágoas e trabalho e esquece mais depressa sob o peso das fadigas. O tempo perdido só se volta a encontrar no caso dos ricos. Para os pobres, assinala somente os traços vagos do caminho da morte.
É sempre assim, mas mais vale a liberdade de valorizar, ou desvalorizar, conforme as conveniências de cada um, do que o silêncio das tiranias. As descidas da taxa de desemprego são sempre marginais, as subidas são sempre absolutas. Mesmo que estejamos a falar de 0,1%. Mas são sinais que alimentam expectativas que, por sua vez, são determinantes no comportamento da economia e dos seus agentes.
. Todos sabemos que estão em curso em todo o mundo projectos de investigação que têm por finalidade a descoberta da cura de algumas doenças. Todos concordamos e louvamos. Mas e então o desemprego não é uma "doença social" agravada pelas crises de desregulamentação do sistema financeiro? Não deveríamos investir mais em projectos de investigação multidisciplinares, no âmbito das Ciências Sociais?
A nível da U.E. não seria um meio importante de minorar e encontar respostas comuns e concertadas entre os estados-membros? O recurso mais importante da humanidade são as IDEIAS que cada homem é capaz de dar aos problemas que surgem em sociedade. [Um comentário de Galeota] .
Bem observado. O que mais me espantou não foi o negócio – apesar dos valores chorudos para o nosso meio e ter sido conduzido com mestria pela parte portuguesa – mas a sequência de aparições, em dias sucessivos, de Sócrates proferindo declarações de vitória defronte do mesmo quadro, ao mesmo microfone, perante as mesmas câmaras e dirigindo-se ao mesmo público. O ar embaraço, e incrédulo, dos jornalistas que se habituaram nos últimos tempos em tomar Sócrates como um politico acabado. E o mais extraordinário de tudo: a coincidência do líder do principal partido da oposição ter criticado o governo a propósito do negócio da Vivo, por duas vezes, em território espanhol. Isto está difícil para todos!
(…) Lucie Cormery e a mãe estavam sentadas em cadeiras baixas, escolhendo lentilhas ao clarão da clarabóia da escada, e o bebé numa pequena sesta a chupar uma cenoura inundada de baba, quando um senhor, de ar grave e bem trajado, surgiu na escada com uma espécie de sobrescrito. As duas mulheres, surpreendidas, pousaram os pratos em que escolhias as lentilhas que retiravam de uma marmita colocada entre ambas e limparam as mãos, quando o senhor, que se detivera no último degrau que antecedia o patamar, lhes pediu que não se levantassem, perguntou pela senhora Cormery – “É ela”, disse a avó. “Eu sou a mãe.” – e ele explicou que era o maire, portador de uma triste notícia: o marido morrera no campo da honra e a França, que o chorava tanto como ela, orgulhava-se dele. Lucie Cormery não o ouviu, mas ergueu-se e estendeu-lhe a mão com profundo respeito, enquanto a avó se punha também de pé, levava a mão à boca e repetia: “Meu Deus”, em espanhol. O senhor conservou a mão de Lucie na sua, depois apertou-a entre ambas, murmurou palavras de consolação, entregou-lhe o sobrescrito, voltou-se e desceu a escada com passos pesados. “Que disse ele?”, perguntou ela. “O Henri morreu. Foi morto.” Olhou o sobrescrito que não se atrevia a abrir, além de que nem ela nem a mãe sabiam ler, voltava-o na mão, sem pronunciar uma palavra, nem verter uma só lágrima, incapaz de imaginar aquele morto tão distante, ao fundo de uma noite desconhecida. (…)
A propósito da aprovação pelo governo, na sua reunião da passada quinta feira, do Conselho Nacional para a Economia Social faço um desvio excepcional na “linha editorial” deste blogue, entrando num tema da minha vida profissional, para destacar, neste contexto, a importância da criação daquele órgão de consulta do governo. Mais tarde voltarei ao assunto.
.
Até o supérfluo era pobre, porque nunca se utilizava. (…) Ele crescera sempre no meio de uma pobreza tão nua como a morte, entre os nomes comuns; em casa do tio, descobria os nomes próprios.
Ah desgraça! Procurai as razões para esta nefasta notícia. Os tremendistas estão de férias e não comentam. Um efeito passageiro? Um engano? Só ascende o que voltará a cair! Só cai o que alguma vez subiu. “Um forte movimento ascendente”, é o que dizem as estatísticas!
No átrio, encontrou de novo a empregada, perguntou-lhe onde era o cemitério, recebeu um excesso de explicações, que escutou polidamente, e afastou-se na direcção indicada. (…)
O viajante pediu a lista dos mortos da guerra de 1914. “Sim”, disse o outro. “Isto chama-se a lista da Recordação Francesa. Que nome procura?”. “Henri Cormery”, respondeu o viajante.
O guarda abriu um livro grande forrado com papel de embrulho e procurou com o dedo grosseiro numa relação de nomes. De súbito, o dedo imobilizou-se. “Cormery, Henry”, leu, “ferido mortalmente na batalha de Marne, falecido em Saint-Brieuc a 11 de Outubro de 1914. “É isso”, disse o viajante. O guarda fechou o livro e indicou: “Venha.” Procedeu-o em direcção às primeiras fiadas de sepulturas, umas modestas, outras pretensiosas e feias, todas cobertas de arabescos de mármore que desonrariam qualquer lugar do mundo. “É um familiar?”, perguntou o guarda, distraidamente. “O meu pai.” “É sempre triste.” “Eu tinha apenas um ano, quando ele morreu. Deve, pois compreender …” “Sim, claro”, concordou o guarda. “Houve muitos mortos, nessa época.” Jacques Cormery não respondeu. (…)
“É aqui”, indicou o guarda. Encontravam-se diante de um rectângulo de terra rodeado de pequenos marcos de pedra cinzenta unidos por uma grossa corrente pintada de preto. (…)
“A Recordação Francesa encarrega-se da conservação há quarenta anos. Olhe, ele está aí.” (…)
Foi então que leu na sepultura a data de nascimento do pai e descobriu ao mesmo tempo que até agora ignorara. Em seguida, leu as duas datas, “1885-1914” e procedeu a um cálculo mental: vinte e nove anos. Surgiu-lhe de súbito uma ideia que o fez estremecer. Tinha quarenta anos. O homem sepultado sob aquela pedra, e que fora seu pai, era mais jovem do que ele. (…)
A tarde chegava ao fim. O ruído de uma saia perto dele, uma sombra negra, fê-lo regressar à paisagem das sepulturas e do céu que o rodeava. Mas não podia isolar-se daquele nome, daquelas datas. Já só havia cinzas e pó debaixo daquela pedra. Mas, para ele, o pai voltava a viver, uma estranha vida taciturna, e dava-lhe a impressão de que ia abandoná-lo de novo, deixá-lo continuar em mais aquela noite na solidão interminável em que o tinham lançado e depois abandonado. O céu deserto ressoou com uma detonação intensa e brusca. Um avião invisível acabava de transpor a barreira do som. Jacques Cormery voltou as costas à sepultura e abandonou o pai.
[Do segundo capítulo Saint-Brieuc, pequeno em número de páginas, mas relevante para o conhecimento da história pessoal da Camus, no qual descreve a visita à campa de seu pai.]
Pero más allá de la voluntad de recuperar el Estatuto, tenemos ante nosotros la cuestión de fondo, el problema secular de la relación entre Catalunya y el resto de España, que atraviesa nuestra historia contemporánea y que, a mi juicio, se trata más de un problema español que de un problema catalán.
Havia uma porta embutida na parte de argamassa na qual se podia ler: “Cantina agrícola Mme. Jacques.” Filtrava-se luz pela frincha inferior. O homem imobilizou o cavalo junto dela e, sem descer, bateu. Acto contínuo, uma voz sonora e decidida inquiriu: “Quem é?” “Sou o novo gerente da propriedade do Santo Apóstolo. A minha mulher vai dar à luz. Preciso de ajuda.” Ninguém respondeu. Passado um momento, foram levantados ferrolhos e a porta entreabriu-se. Descortinou-se a cabeça negra e ondulada de uma europeia de faces cheias e nariz um pouco abaulado acima dos lábios grossos. “Chamo-me Henri Carmery. Pode ir junto de minha mulher? Tenho de chamar o médico.” (…) O médico olhou-o com curiosidade. “Não tenha medo, que tudo há-de correr bem.” Cormery volveu para ele os olhos claros, fitou-o calmamente e declarou com uma ponta de cordialidade: “Não tenho medo. Estou habituado aos golpes duros do destino.” (…) A chuva tombava com mais intensidade no telhado antigo e velho. O médico procedeu a um exame sob os cobertores. Em seguida, endireitou-se e pareceu sacudir algo na sua frente. Soou um pequeno grito. “É um rapaz”, anunciou. “E bem constituído.” “Começa bem”, disse a dona da cantina. “Com uma mudança de casa.” A mulher árabe riu no canto e bateu as palmas duas vezes.
Verdade? Mentira? Realidade? Ficção? Se for verdade desejaria que fosse mentira. Se corresponder à realidade gostaria que fosse ficção. Em qualquer caso a notícia é construída a partir de testemunhos dos protagonistas. Hoje antes de dar de caras com esta notícia escrevi: O que dizer do cansaço, das decisões que nos contrariam, do caminho difícil da modernidade, da ineficiência, da recusa em caminhar adiante, em fazer melhor, em vencer as dificuldades, em nos ultrapassarmos a nós mesmos; o que dizer da recusa em cumprir o dever, em pensar no melhor caminho, em nos sentarmos a reflectir em comum, em partilhar a felicidade e o destino infeliz; o que dizer de tudo o que nos faz sofrer; o que dizer da nossa vida mergulhada na incerteza, ou na certeza de que a nossa reputação pode cair na rua de um momento para o outro; tanta gente a tratar da justiça, e nós acreditamos? Dêem-nos razões para acreditar na justiça …
Já publiquei sublinhados de leitura de obras de Albert Camus mas nunca, na íntegra, os meus sublinhados leitura do livro póstumo, e único assumidamente autobiográfico, “O Primeiro Homem” - edição portuguesa, 1994, Livros do Brasil, tradução de Eduardo Saló. No fim talvez transcreva um Anexo, muito interessante, intitulado “Notas e Planos” que diz tudo acerca da sua natureza. Pelo meio algumas anotações que escrevi no próprio livro.
“A mulher tinha um rosto terno e regular, os cabelos de espanhola bem ondulados e negros, nariz pequeno e direito e um belo e quente olhar castanho. Mas havia algo naquele semblante que atraía a atenção. Não era apenas uma espécie de máscara que o cansaço ou o que quer que fosse de parecido escrevia provisoriamente nos traços fisionómicos; não, antes um ar de ausência e de distracção suave, como o que exibem perpetuamente alguns inocentes, mas que aqui aflorava de um modo fugidio na beleza das feições.” [Descrição da mãe na viagem que antecede o seu próprio nascimento “numa noite do Outono de 1913” – Camus nasceu no dia 7 de Novembro de 1913 em Mondovi, Constantine, na Argélia.]
.
Ontem assisti a um fragmento do programa de Mário Crespo - Plano Inclinado - que só me interessou pela presença de Alexandre Soares dos Santos, líder do Grupo Jerónimo Martins. A certo passo com o ar de mestre tremendista que o caracteriza Medina Carreira, falando-se a propósito da Polónia, mão-de-obra, legislação do trabalho e o mais que pode desafiar um grande empresário português a falar mal do seu país, lançou a pergunta: também tem o programa Novas Oportunidades? Um sorriso aflorou ao rosto de Alexandre Soares dos Santos: que sim senhor tinha tal programa na sua empresa – em horário de trabalho – e fora dele, frequentado por milhares de trabalhadores e que era daqueles programas que o fazia sentir orgulho do seu país. Desconcertados os tremendistas presentes, onde se inclui um Duque, presidente da minha escola, que me fez sentir vergonha dela, balbuciaram uns apartes dando conta de um pseudo desprestígio de tal programa. Mas o sorriso não desapareceu do rosto do grande empresário que prosseguiu dando testemunho pessoal da importância do programa Novas Oportunidades para desespero da turma residente que deu uma cabal demonstração dos seus preconceitos políticos e da ignorância acerca do empenhamento dos seus convidados nos temas que trazem à liça.
À hora de almoço, chegou-me a notícia: morreu ontem o Jorge Fagundes. A última vez que estivemos juntos foi, com o seu grande amigo José Vera Jardim e o Eduardo Graça, à volta de umas cervejas, numa esplanada, na tarde quente do fim de Julho de 2009, depois do funeral de Palma Inácio. Em Dezembro, porque tinha acabado de sair do hospital, já o não consegui "convocar" para o jantar do Procópio, onde era visitante incerto mas sempre muito saudado.
O Jorge Fagundes era um "bom gigante", uma figura amável e bem disposta, que conheci através do Nuno Brederode de Santos, com quem sempre o ouvi cruzar velhas e divertidas histórias de Campo de Ourique. Advogado de causas, defendeu presos políticos durante a ditadura, como Saldanha Sanches, Carlos Antunes ou Isabel do Carmo. Pertenceu à CDE de Lisboa, nas eleições de 1969. Após abril, veio a andar por áreas políticas bem à esquerda, tendo sido diretor do jornal "Página Um", um jornal próximo do PRP. Sportinguista sem quaisquer limites de tolerância, foi presidente da Federação Portuguesa de Futebol, numa direção a que, se não me engano, pertenceu também Marcelo Rebelo de Sousa. Não esqueço uma chamada telefónica de solidariedade que dele recebi,num momento especial da minha vida.
Para além das trivialidades dos ataques de carácter aqui está uma questão política a sério. É por este lado, o da política que envolve os interesses da comunidade e orienta a estratégia do Estado, que vale a pena avaliar os políticos, as suas ideas e tomadas de posição. Eis como, de súbito, o longe se faz perto, o fraco se faz forte, o futuro se faz presente. Aconteça o que acontecer.
Fez bem o governo, surpreendendo muitos dos seus críticos, ao arrepio da lógica selvagem do mercado que muitos criticam mas poucos têm a coragem de contrariar, em se opor à operação de compra da Vivo. Se todos são unânimes em considerar um mau negócio a venda da Vivo qual a razão para o Estado a não contrariar com os instrumentos legítimos de que dispõe? Que faria o Estado Espanhol no nosso lugar? E os outros estados da UE? O que têm feito ao longo dos anos os outros estados e, em particular, o estado espanhol para proteger os seus interesses nacionais? O que fazem todos? São medidas que demonstram as derivas nacionalistas que entram pelos olhos adentro de todos nós. Provavelmente! Mas o que diriam do governo português aqueles que o criticam se não tivesse impedido a venda da Vivo? Vamos ser penalizados mais tarde, vem aí uma OPA hostil, e tudo o mais, mas a melhor defesa é o ataque e, apesar de pequeno, Portugal, suponho, também tem os seus argumentos e as suas “armas” nesta luta desigual. Que as usemos então sem perder a Europa como aliada mas também sem nos ajoelharmos aos ditames das politicas ultraliberais que sendo afinal apontadas como a raiz de todos os males, com que a presente crise nos ameaça, renascem em cada esquina, a propósito de todo e qualquer debate, e em reacção a toda e qualquer medida legítima dos governos.