domingo, julho 31

O olhar sobre a paisagem

As encostas e os vales, depois dos dias de chuva, ficaram verdejantes. Olho-os do cimo da estrada que serpenteia a caminho de Colares. As hortas sobrevivem e deixam uma esperança de futuro. Já o verão vai a meio e o calor é temperado por esta aragem fresca que sempre sopra do Atlântico, aqui perto. Leio os primeiro fragmentos dos “Cadernos”, descrevendo a paisagem da Argélia de Camus e encontro aí, quase na perfeição, o meu Algarve. O mediterrâneo que não banha a minha terra mas a influencia de forma tão marcada. Como naquele texto, que intitulei “Alfarrobeiras”, onde me reencontro, em pleno, com o ambiente da minha juventude. Os cheiros são o mesmos, as mesmas árvores, o mesmo pó, a mesma secura da terra, a mesma tez nos rostos das gentes. Aqui, nas cercanias de Lisboa, tudo muda menos a luz do sol e o meu olhar, fascinado, pela paisagem.

(O Dias com Árvore deu conta das Alfarrobeiras, obrigado.)

As alfarrobeiras

“18 de Outubro(1937) .

No mês de Setembro, as alfarrobeiras exalam um cheiro a amor sobre toda a Argélia, e é como se a terra inteira repousasse depois de se ter entregado ao sol, o ventre todo molhado por uma semente com perfume a amêndoa.

No caminho de Sidi-Brahim, depois da chuva, o cheiro a amor emana das alfarrobeiras denso e sufocante, pesando com todo o seu peso de água. Depois o sol ao absorver a água toda, com as cores de novo deslumbrantes, o cheiro a amor torna-se fluido apenas sensível ao olfacto. E é como uma amante com quem andamos pela rua, após uma tarde inteira sufocante, e que nos contempla, ombro com ombro, por entre as luzes e a multidão.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

Um homem não se rende

“Por isso não me rendo. Por mais que me intimem e me intimidem continuarei a resistir. Não propriamente por razões militares ou morais. Digamos que por razões estéticas. Um homem não se rende. Talvez seja por isso que estou aqui, não sei ao certo onde nem desde quando, talvez desde sempre, no meio de um quadrado, cercado e sozinho, mas não vencido.”

Manuel Alegre

in “Expresso” de 30 de Julho - excerto de “O quadrado”, indicado como um texto de um novo livro de contos a editar proximamente, – para quem quiser entender!

sábado, julho 30

Os vapores do éter

"Guterres deixou 'o país de tanga', Barroso mentiu ao eleitorado e desabou, Santana foi um intermédio penoso e Sócrates mentiu como Barroso e vai a caminho de um mau fim".

Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 30-7-2005

Prever o fim de um governo, em democracia, não é um exercício muito estimulante. Reafirmar, reproduzindo a “voz do povo”, que todos os políticos mentem, não é uma descoberta muito arrebatadora. O que seria verdadeiramente fantástico é que o comentarista, do alto da montanha a que sobe, sob o efeito dos vapores do éter que o inebria, qual Deus na terra, nos dissesse o dia e a hora exacta de todas as abdicações. Em suma, nos indicasse o caminho e, de preferência, escrevesse à borla.

O Tejo é mais belo

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

ARGUMENTOS DA TRETA

A LER NO “EPPUR SI MUOVE” - crónicas do mundo

Argumentos da treta - As críticas a Soares

“Deixamos o campo da geriatria amadora e da reacção contra Abril para passarmos a discutir princípios e expectativas de desempenho mais palpáveis. Quem não quer voltar a ver Mário Soares na presidência que critique o que há para criticar: que é muito de esquerda, que não é suficientemente de esquerda, que tem uma visão errada do direito internacional, etc. Criticá-lo porque tem mais de oitenta anos, lutou contra a ditadura e esteve ligado ao pós-25 de Abril, isso não.”

Não posso estar mais de acordo

sexta-feira, julho 29

LUXO


“Foto de António José Alegria, do amistad”

"23 de Setembro.

Solidão, luxo dos ricos.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

E DEUS CRIOU A MULHER


Monica Bellucci

Apresentando E DEUS CRIOU A MULHER

quinta-feira, julho 28

MARIZA

Mariza na entrevista que acabou de passar na RTP referiu dois poemas de sua predilecção, ambos de Florbela Espanca .

Desejos vãos

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a Árvore tosca e tensa
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol, altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...


Caravelas

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar Morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!

Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...

Florbela Espanca

LIBERDADE

(Interpretado na voz de João Villaret)

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

quarta-feira, julho 27

"Lamber a vida como um rebuçado..."

15 de Set. (1937)

(...)

“Lamber a vida como um rebuçado, formá-la, estimulá-la, enfim, como se procura a palavra, a imagem, a frase definitiva, aquele ou aquela que conclui, que detém, com quem partiremos e que de futuro fará a cor do nosso olhar.”

(...)

“Quanto a mim, sinto-me numa curva da minha vida, não devido àquilo que adquiri, mas àquilo que perdi. Sinto-me com forças extremas e profundas. É graças a elas que devo viver como desejo. Se hoje me encontro tão longe de tudo, é que não tenho outro desejo senão amar e admirar. Vida com rosto de lágrimas e de sol, vida sem o sal e a pedra quente, vida como a amo e a entendo, parece-me que ao acariciá-la, todas as minhas forças de desespero e de amor se conjugarão.”

(...)

“É como se recomeçasse a partida; nem mais feliz nem mais infeliz. Mas com a consciência das minhas forças, o desprezo pelas minhas vaidades, e esta febre, lúcida, que me preocupa em face do meu destino.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

Barroso - "terror político"

O “Financial Times" a propósito da liderança de Durão Barroso! Onde é que eu já vi isto?

Não: não digas nada!

Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já

É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.

És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.

Fernando Pessoa
(5/6-2-1931)

O Mar Mediterrâneo

As minhas leituras de verão conduzem-me à observação de coincidências inquietantes.

Das “Notas Biográficas”, de Albert Camus:

“1934 – Adesão ao Partido Comunista;
(...)
1937 – Ruptura definitiva com o Partido Comunista.”


Na mesma época em que Camus abandona o Partido Comunista escreve nos “Cadernos” o elogio do Mediterrâneo (Agosto de 1937) e Anna Larina, mulher Bukharine, (executado em 1938), descreve em “Bukharine, minha paixão”, o sacrifício (em 1938) infligido a uma presa política na União Soviética, de Estaline, por esta fazer o elogio do Mediterrâneo:

“Assim, aos 8 anos de reclusão de Sara Lazarevna Iakir juntaram-se ainda dez anos porque, no campo de concentração, ela tinha contado que a beleza do Mar Mediterrâneo não ficava a dever nada à do Mar Negro e que, em Itália, se faziam belas blusas bordadas. Por estas afirmações “sediciosas” a mulher de Iakir foi acusada de fazer o elogio do estado capitalista (eu não exagero). A instrução do processo efectuou-se logo ali, no Campo de Tomsk, igualmente ali foi dada a sentença condenando-a segundo o artigo KRA (agitação contra-revolucionária). Assim, graças aos “sábios” do Siblag, os dezoito anos de reclusão aplicados à mulher de I. E. Iakir ficaram por um preço razoável ao Estado”.

terça-feira, julho 26

Os versos que te fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Florbela Espanca

A esquerda e Cavaco - A direita e Soares

Desta vez estou de acordo com José António Saraiva no Expresso on line: “O aparecimento, de chofre, de Mário Soares na corrida presidencial, foi um a boa notícia para a esquerda.”

De acordo ainda com Pacheco Pereira no abrupto: a idade de Soares é o mais estúpido dos argumentos que se podem invocar contra ele.

Mas PP dá uma enorme a ajuda a Soares quando o coloca do lado da instabilidade política. Por uma razão simples: a maior desvantagem da candidatura de Soares seria a ideia de que, como presidente, se tornaria um indefectível apoiante do governo socialista e de que acabaria por se confundir com ele. Colocar Soares no lugar da oposição ou, ao menos, da critica ao governo socialista é a maior ajuda que alguém pode dar à candidatura de Soares.

segunda-feira, julho 25

Sabor a Sal


Fotografia de Margarida Delgado, in Sabor a Sal
Dois anos na blogosfera. Parabéns.


Setembro.

Se dizeis: “eu não compreendo o cristianismo, quero viver sem consolação”, então sois um espírito limitado e parcial. Mas se, vivendo sem consolação, dizeis: “compreendo a posição cristã e admiro-a”, sois um diletante sem profundidade. Começo a deixar de ser sensível à opinião.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 1 (Maio d 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

ANTES QUE ME DEITE


(Paula Rego)

Apresentando ANTES QUE ME DEITE

AMIGA, no te mueras.


AMIGA, no te mueras.
Óyeme estas palabras que me salen ardiendo,
y que nadie diría si yo no las dijera.

Amiga, no te mueras.

Yo soy el que te espera en la estrellada noche.
El que bajo el sangriento sol poniente te espera.

Miro caer los frutos en la tierra sombría.
Miro bailar las gotas del rocío en las hierbas.

En la noche al espeso perfume de las rosas,
cuando danza la ronda de las sombras inmensas.

Bajo el cielo del Sur, el que te espera cuando
el aire de la tarde como una boca besa.

Amiga, no te mueras.

Yo soy el que cortó las guirnaldas rebeldes
para el lecho selvático fragante a sol y a selva.
El que trajo en los brazos jacintos amarillos.
Y rosas desgarradas. Y amapolas sangrientas.

El que cruzó los brazos por esperarte, ahora.
El que quebró sus arcos. El que dobló sus flechas.

Yo soy el que en los labios guarda sabor de uvas.
Racimos refregados. Mordeduras bermejas.

El que te llama desde las llanuras brotadas.
Yo soy el que en la hora del amor te desea.

El aire de la tarde cimbra las ramas altas.
Ebrio, mi corazón. bajo Dios, tambalea.

El río desatado rompe a llorar y a veces
se adelgaza su voz y se hace pura y trémula.

Retumba, atardecida, la queja azul del agua.
Amiga, no te mueras!

Yo soy el que te espera en la estrella da noche,
sobre las playas áureas, sobre las rubias eras.

El que cortó jacintos para tu lecho, y rosas.
Tendido entre las hierbas yo soy el que te espera!

Pablo Neruda

domingo, julho 24

Presidenciais - Soares/Alegre/Cavaco

Notas breves acerca de um dia muito agitado no que respeita a candidaturas presidenciais
1- Ainda não há candidatos firmes mas tão somente movimentos, em força, para o posicionamento de candidatos;
2- O campo da esquerda que, para esta questão, é o campo socialista, está aparentemente dividido; está para ver se Alegre desiste de se apresentar e, no caso de desistir, quando e como desiste;
3- Parece ser evidente, face às posições públicas de Sócrates, Coelho e Ferro Rodrigues e do próprio Soares, que a sua intenção é de avançar como candidato presidencial e esta é uma verdadeira novidade;
4- As primeiras reacções da direita à provável candidatura de Soares demonstram muito nervosismo, receios evidentes da fragilidade de Cavaco num confronto político directo com Soares;
5- Marcelo Rebelo de Sousa, na RTP, agitado como poucas vezes se tem visto, assumiu uma posição de desvalorização de Soares evocando os seus 80 anos e a sua natureza de político puro. Marcelo quiz fazer passar a mensagem de um Soares candidato fora do nosso tempo (antiquado) contra Cavaco candidato do nosso tempo (moderno); Soares só teria passado, Cavaco só teria futuro; todos os argumentos foram demasiado redutores do real peso pessoal, político e cultural de Soares numa contenda eleitoral contra Cavaco; como Marcelo conhece os personagens de quem fala e sabe que eles também se conhecem reciprocamente o seu discurso tem o efeito de ricochete destinado a assustar Cavaco;
6- Pacheco Pereira no Abrupto trilha outro caminho: tenta colocar Soares no lugar da instabilidade em matéria política e no lugar da extrema esquerda em matérias de política externa e de desenvolvimento sócio-económico, contra Cavaco, factor de estabilidade politica e de apoio ao desenvolvimento; para Pacheco, com a vitória de Soares o governo socialista ganha um inimigo e com a derrota de Cavaco perde um amigo seguro; diria que se é verdade que os amigos em política podem ser os piores adversários, os inimigos são sempre péssimos aliados.
7- Resta saber o que decidirão os putativos candidatos, os partidos que são supostos apoiá-los e, por fim, o povo quando chegar a hora do voto.

ÚLTIMO SONETO

Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes – e vieste ...
- Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Com fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi ...

Pensei que fosse o meu o teu cansaço –
Que seria entre nós um longo abraço.
O tédio que, tão esbelta, te curvava...

E fugiste ... Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava? ...

Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)

Afinal, Mário Soares?

Gostaria de poder afirmar, sem ridículo, que a minha imaginação não tem limites. Mas precisaria cuidar de não a aplicar em nada de concreto. Afinal parece que a candidatura de Manuel Alegre era uma miragem. Aquela solução que, em tempos, tinha imaginado e defendido – como uma saudável provocação - a de Mário Soares ser candidato presidencial está prestes a tornar-se uma realidade. A imaginação, na política portuguesa, parece não conhecer os seus próprios limites. A acompanhar os próximos episódios.

"É preciso viver e criar."

“Setembro (1937)

(...) É preciso viver e criar. Viver e chorar – como diante desta casa de telhas arredondadas e portadas azuis sobre uma enorme encosta coberta de ciprestes.”
...
Montherland: Eu sou aquele a quem acontece qualquer coisa.”
...
“Em Marselha, felicidade e tristeza – Completamente no fundo de mim próprio. Cidade viva que eu amo. Mas, ao mesmo tempo, este gosto amargo da solidão.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 1 (Maio d 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

sábado, julho 23

Manuel Alegre - Candidato Presidencial

A candidatura de Manuel Alegre à Presidência da República é mais do que certa. Para que possa ser um clarão de esperança para os portugueses terá de ser capaz de olhar para o lado de lá. Compreender que a vida é muito difícil para muita gente. E que a vida é tanto mais difícil quanto menos se ouvem os protestos. Todos o sabem: os verdadeiros sofredores das nossas sociedades não têm voz. Sofrem em silêncio. A candidatura presidencial de Manuel Alegre tem de ser, em primeira linha, a voz da maioria dos sem voz.

"A descida para o Mediterrâneo."

“Agosto de 37
...
E ele entrou na água e nela lavou as imagens negras e contorcidas que o mundo lhe deixara na pele. De súbito renascia para ele o aroma da própria pele no jogo dos seus músculos. Talvez jamais tivesse sentido com tanta intensidade o seu acordo com o mundo, a sua marcha tão de acordo com a do sol. Àquela hora a que a noite transbordava de estrelas, os seus gestos desenhavam-se sobre o grande rosto mudo do céu. Se mexe um braço, desenha o espaço que separa aquele astro brilhante daquele que parece desaparecer por momentos, arrasta no seu impulso feixes de estrelas, filas de nuvens. Assim a água do céu agitada pelo seu braço e, à volta dele, a cidade como um manto de conchas resplandecentes.”

Albert Camus

“Caderno” n.º 1 (Maio d 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

sexta-feira, julho 22

À volta da noite

Uma noite destas estava um calor abrasador. Fui arejar, dar uma volta ao quarteirão. Na rua um grupo de personagens, com ar respeitável, discutia. A mulher aos gritos: “mas quem é ele para querer ser tratado com mais cuidado?”. Mostrava-se irritada com qualquer constrangimento ao exercício do seu poder! O poder transtorna a maioria das pessoas.

Mário Cesariny de Vasconcelos


Fotografia (e retribuição) Pentimento

OUTRA COISA

Apresentar-te aos deuses e deixar-te
entre sombra de pedra e golpe de asa.
Exaltar-te perder-te desconfiar-te
seguir-te de helicóptero até casa

dizer-te que te amo amo amo
que por ti passo raias e fronteiras
que não me chamo Mário que me chamo
uma coisa que tens nas algibeiras

lançar a bomba onde vens no retrato
de dez anos de anjinho nacional
e nove de colégio terceiro acto

pôr-te na posição sexual
tirar-te todo o bem e todo o mal
esquecer-me de ti como do gato

(Inédito, Londres, 1965)

Mário Cesariny de Vasconcelos

In “Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”
Selecção, prefácio e notas de Natália Correia,

"Antígona-Frenesi”

quinta-feira, julho 21

lembrar/esquecer


In sabor a sal

Aquilo que mais se quer esquecer
é aquilo que mais se lembra.
Porque querer esquecer é lembrar.
O que se não lembra é apenas
o que se esquece mas não se quer esquecer.

Vergilio Ferreira

Justificação


Fotografia de Camus jovem

Lutero: “É mil vezes mais importante acreditar firmemente na absolvição do que ser digno dela. Essa fé torna-nos dignos e constitui a verdadeira satisfação.”

(Sermão proferido em Leipzig, em 1519, sobre a Justificação).

Albert Camus

“Caderno” n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

Cruzeiro Seixas

Ao ler uma entrevista de Cruzeiro Seixas à pergunta : “A quem desejaria dar um grande abraço?”, respondeu: ”A muitos que morreram e me fazem tanta falta como o António Maria Lisboa, o Mário-Henrique Leiria, o Jose Pierre e os meus pais.”

Curiosa coincidência a nomeação de dois poetas aos quais , recentemente, fiz referência. Mas nunca tinha referido o próprio Cruzeiro Seixas.

Até quando
sementes
estaremos entregues
a este passar sobre a terra
exausta de nos esperar?

Até quando havemos de sonhar
ser flor e fruto
e não a dor infinita da morte
do teu olhar?

(Áfricas 957)

Cruzeiro Seixas, Poema Inédito (e entrevista) In “Poetas Visitados”, de Maria Augusta Silva – Edições Caixotim

A Demissão do Ministro das Finanças

O nosso atraso é ancestral. A educação é um seu revelador implacável. Mas, cuidado, que não são razões administrativas que o explicam. A administração é um reflexo de uma maneira de estar em sociedade, de uma mentalidade em que a condicionante central sempre foi, e ainda é, a miséria. Miséria moral e material. Ademais os ministros das finanças, em democracia, num país da UE, não podem reproduzir – nem sequer actualizado – o discurso de Salazar na sua tomada de posse, como ministro das finanças, em 27 de Abril de 1928. O problema é sempre o mesmo: falta a fazenda, onde sobra a cobiça. Sobra a intriga, onde falta a competência. Por isso, os ministros das finanças, sendo honestos, com eleições à vista, demitem-se.

quarta-feira, julho 20

O Interesse Público

Há dirigentes políticos que gostam de estragar a vida dos outros cuidando muito bem da sua. Os que gostam de cuidar da vida dos outros, sem cuidar da sua, são um perigo para o interesse público. Restam os tribunais para que se faça justiça.

Como um lábio húmido.

“13 de Fevereiro de 36

Eu peço às pessoas mais o que elas me podem dar. Vaidade de pretender o contrário. Mas que horror e que desesperança. E eu próprio talvez ..."
...

"Procurar os contactos. Todos os contactos Se pretendo escrever a respeito dos homens, como afastar-me da paisagem? E se o céu ou a luz me atrai, esquecerei eu os olhos ou a voz daqueles que amo? Dão-me, de cada vez, os elementos de uma amizade, os fragmentos de uma emoção, nunca a emoção, nunca a amizade.”

(...)

“Março

Dia atravessado por nuvens e pelo sol. Um frio salpicado de amarelo. Eu devia fazer um caderno do tempo de cada dia. Aquele belo sol transparente de ontem. A baía trémula de luz – como um lábio húmido. E trabalhei todo o dia.”

Albert Camus
“Caderno” n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).

Arrastão?

São cada vez mais as notícias “muito importantes” que não me interessam nada. Na hora da notícia do “arrastão” de Carcavelos confirmei a bondade do meu desinteresse. Ninguém vai investigar nada acerca da origem da falsa notícia?

terça-feira, julho 19

CAMUS (Novos Sublinhados)

Camus produziu uma obra muito centrada nos temas da justiça e da liberdade. O homem torturado entre a revolta e a resignação ao seu destino: viver, simplesmente, a vida que se lhe oferece viver. O homem fraterno confrontado com o absurdo do mundo que o rodeia. Surgem nas suas reflexões inúmeras referências à verdade, à religião, à revolta e ao terror. As suas reflexões acerca destes, e outros temas, filosóficos com incidência literária, estão muito bem plasmadas num “diário” a que chamou “Cadernos”. É um blog autentico “avant la lettre”. Vou aproveitar as férias para fazer algo que me dá um especial prazer: reler e fazer novos sublinhados nestes “Cadernos”. Uma série pequena para não aborrecer. Para que se entenda o contexto, em 1935, Camus tem 22 anos e os Cadernos foram escritos entre Maio de 1935 e Março de 1951, ou seja, no período da sua juventude, ante, durante e pós- 2ª guerra mundial. Mas, na minha apreciação, o seu pensamento é muito actual. A partir de amanhã. Dedico-o à Manuela E.S., porque sim!

O ESPADA É UM CHATO

O Espada deve ser um dos gajos mais chatos da Europa Ocidental. Livre e democrática. Ainda bem que publica aquela crónica no "Expresso". De vez em quando estou de acordo com ele quando defende a superioridade da liberdade sobre a tirania. É que eu, que também fui esquerdista, li o Camus aí pelos meus 20 anos. Lembro-me dele (o Espada) dos tempos da UDP. E da sua descolagem do esquerdismo para a direita alta. Lembro-me que o Dr. Mário Soares ficou deslumbrado com as novas ideias do rapaz. Hoje o Soares é um “esquerdista” para a direita e o Espada um “direitista” para a esquerda. Este deve sentir pena, com todo o respeito, do velhote. A grande diferença está em que Soares é divertido, mesmo quando dele se discorda, e o Espada é um chato, mesmo quando com ele se concorda.

segunda-feira, julho 18

FÉRIAS


Entrada de férias. A escrita transferida para aqui será, muito provavelmente, menos extensa. Ganha a própria ideia inicial. As imagens serão escassas. O suporte tecnológico mais rudimentar. A corrente que faz mover o artefacto, no entanto, não para. Mesmo perante a escassez de justiça se alcançam pequenas vitórias. O sol, deste lado do hemisfério, ilumina as torres das igrejas e aquece os corpos. Como são tristes as sombras quando se aspira a alcançar a luz. Como somos todos diferentes mesmo quando não parecemos. É o nosso olhar sobre os outros que nos faz diferentes.

CESÁRIO VERDE


Cesário Verde - Morreu a 19 de Julho de 1886

Lúbrica

Mandaste-me dizer,
no teu bilhete ardente,
que hás-de por mim morrer,
morrer muito contente.

Lançaste no papel
as mais lascivas frases;
a carta era um painel
de cenas de rapazes!

Ó cálida mulher,
teus dedos delicados
traçaram do prazer
os quadros depravados!

Contudo, um teu olhar
é muito mais fogoso,
que a febre epistolar
do teu bilhete ansioso:

Do teu rostinho oval
os olhos tão nefandos
traduzem menos mal
os vícios execrandos.

Teus olhos sensuais
libidinosa Marta,
teus olhos dizem mais
que a tua própria carta.

As grandes comoções
tu, neles, sempre espelhas;
são lúbricas paixões
as vívidas centelhas...

Teus olhos imorais,
mulher, que me dissecas,
teus olhos dizem mais,
que muitas bibliotecas!

sábado, julho 16

DRÁSTICAS


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Nos nossos dias fala-se muito em tomar medidas drásticas. No sentido de radicais e não de enérgicas. É a economia, a moral, a segurança, a soberania, a religião, a vida que as suscita, no fundo, tudo quanto indisponha o homem contra o seu tempo.

"Medida drástica" é uma frase própria de gente fraca que na boca dos políticos quase sempre desemboca em tragédia.

As decisões que mudam a vida dos povos nunca são drásticas. Pela simples razão que, em democracia, só são possíveis com o apoio da opinião pública e esta, nas nossas sociedades, quase nunca estabelece um consenso no sentido da radicalidade.

Note-se que digo apoio da opinião pública às decisões, consentimento - não constrangimento -pois neste caso, imperando a tirania, as medidas drásticas são uma espécie de banalização do mal.

As decisões drásticas, no sentido de radicais, estão do outro lado da firmeza e esta é património da democracia.

OLHO


Fotografia de Catedral para um poema de Alexandre O´Neill

Quando escrevi isto não tinha lido o que Pacheco Pereira escreveu no Público, disponível no Abrupto, nem o comentário postado na Cibertúlia.

O regresso


Um dia a senhora O. precisou de ser operada. Já não andava. O médico operador condoeu-se da sua situação. Era natural da terra da senhora O. e tinha condições para decidir uma intervenção cirúrgica imediata. O. foi transportada, pelo filho, do Algarve para um hospital de Lisboa. A operação correu bem e O. ficou na cama do hospital a recuperar.

Um dia fui visitá-la, uma camponesa pobre, com porte aristocrático. Amiga e servidora da minha família do campo já desaparecida. A quem ofereço a água do meu furo em troca dos seus cuidados pela casa. A quem ofereço a “apanha” de todos os frutos secos, com excepção das alfarrobas, em troca das memórias do passado.

Disse-me, nesse dia da visita, que não tinha como sair do hospital. Iam dar-lhe alta mas não podia regressar a casa de autocarro, não tinha dinheiro para um taxi, o filho não podia largar o trabalho e não lhe davam o acesso a uma ambulância. Não via como sair do hospital.

Na época eu tinha motorista. Entreguei-lhe o meu carro pessoal e numa folga ele foi levá-la a casa. A isto chama-se “estado social”. Ponto final.

Dusk in the Summer Days


Dusk in the Summer Days [oil on canvas 36 x 48 in]

George Xiong was born in 1948, China. 1970 he graduated from The Central Academy of Design With B.A. degree. 1989, he graduated from The City University of New York, with M.A. degree. Now he lives and works in New York.

(Série Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

sexta-feira, julho 15

Caleidoscópio


Apresentando Caleidoscopio

Ceguera

A final de cuentas qué importa.
Prometer el cielo y equivocarse... qué importa.
Prometer eternidades en cuerpos
que se hieren.

(Estoy ciega).
Y no veo más que el negro
de este pozo,
y no sueño con más que con mi propio soñar,
y no escribo más que para cortar este círculo
y salvarme
de la locura.

(2000)

Claridade dada pelo tempo


Fotografia In “O Coiso”, com a seguinte legenda, onde é identificado Mário-Henrique Leiria e um excerto com a “ficha técnica” de “O Coiso”

1975 – Almoço dos colaboradores de “O Coiso”, algures no Bairro Alto. À esquerda, em 1º plano, o Carlos Barradas, seguido do Mário-Henrique, o Zé Tó, a Mizé, a Mila e eu. À direita, o Rui Lemus, quatro tipos cujo nome me escapa, mas que trabalhavam no República e, lá ao fundo, de bigode, o Belo Marques
.

Em Novembro de 1976, ainda lançámos mais dois números de “O Coiso”, graças ao apoio de uns quantos esquerdistas amigos do Mário-Henrique. Foram dois números completamente malucos.

Transcrevo a ficha técnica:

“O Coiso – órgão oficial das agências funerárias; Director – Carlos Vidigal (quem seria este?); Propriedade: João das Regras; Colaboradores voluntários: bombeiros; Observadores: Júlio Quirino, Carlos Barradas, Cooperativa Buques e Smites (éramos nós), Painted Stones and Company, CIA, NATO, KGB e Pacto de Varsóvia, Afonso Henriques, Pantera Cor-de-Barreto, EFTA e CEE, dois ursos e um cubo, uma raiz quadrada e um integral de Lebesgue, António Crómio, Joaquim Beterraba, Antunes Candelário, Jorge Bisnaga, Vovô Gasosa (o Mário, claro), Álvaro Paz, e um grupo de doentes do Hospital de S. José, serviço 7, cama 2 e um conjunto finito, mensurável de botijas; De Coração: Sir Aiva (este era o Jorge, o namorado da irmã da Mila!… toda a família ajudava…) e Josefa de Óbidos; Desporto: Montenegro; Colaboradores involuntários: os tipos do costume”.


Claridade dada pelo tempo

I

Deixa-me sentar numa nuvem
a mais alta
e dar pontapés na Lua
que era como eu devia ter vivido
a vida toda
dar pontapés
até sentir um tal cansaço nas pernas
que elas pudessem voar
mas não é possível
que tenho tonturas e quando
olho para baixo
vejo sempre planícies muito brancas
intermináveis
povoadas por uma enorme quantidade
de sombras
dá-me um cão ou uma bola
ou qualquer coisa que eu possa olhar
dá-me os teus braços exaustivamente
longos
dá-me o sono que me pediste uma vez
e que transformaste apenas para
teu prazer
nos nossos encontros e nos nossos
dias perdidos e achados logo em
seguida
depois de terem passado
por uma ponte feita por nós dois
em qualquer sítio me serve
encontrar o teu cabelo
em qualquer lugar me bastam
os teus olhos
porque
sentado numa nuvem
na lua
ou em qualquer precipício
eu sei
que as minhas pernas
feitas pássaros
voam para ti
e as tonturas que a planície me dá
são feitas por nós
de propósito
para irritar aqueles que não sabem
subir e descer as montanhas geladas
são feitas por nós
para nunca nos esquecermos
da beleza dum corpo
cintilando fulgurantemente
para nunca nos esquecermos
do abraço que nos foi dado
por um braço desconhecido
nós sabemos
tu e eu
que depois de tudo
apenas existem os nossos corpos
rutilantes
até se perderem no
limite do olhar
dá-me um cigarro
mesmo que seja só um
já me basta
desde que seja dado por ti
mas não me leves
não me tires
as tonturas que eu teria
que eu terei
sempre que penso cá de cima
duma altura vertiginosa
onde a própria águia
nada mais é que um minúsculo
objecto perdido
onde a nuvem
mais alta de todas
se agasalha como um cão de caça
leva-me a recordação
apenas a recordação
da vida martelada
que em mim tem ficado
como herança dada há mil e
duzentos anos

deixa que eu fique
muito afastado
silencioso
e único
no alto daquela nuvem
que escolhi
ainda antes de existir

II

Deixa que eu quebre tudo que tenho e que terei
tudo o que é de todos e que só a mim pertence
deixa-me quebrar o cavalo que me deste
na noite do nosso primeiro encontro
deixa-me partir a bola o cão o espaço
deixa-me quebrar a minha casa e a minha cama
a minha única cama
não quero que me contem a aventura
nem que me dêem almofadas
não quero que me ofereçam sombras
só por mim construídas e logo abandonadas
nem sequer esquinas de ruas
não quero a vida
sei claramente que a não quero
a não ser que ela esteja partida quebrada
quebrada por mim e por ti
e a minha infância
essa dou-ta
inteira muito longa e cruel
deixa que dela me fique apenas
essa crueldade
e que nela só eu siga
ignorando o que me deste
e que
martelo ou pedra
eu continue partindo quebrando
esfacelando dilacerando
o teu corpo que já não está ao meu alcance
deixa-me ser anatomicamente autêntico
sem erro
sangrando
perdido para sempre

III

Viver com a crueldade
da criança que
tira os olhos ao pássaro
.
um desconhecido
movendo-se constantemente
no deserto
em que cada pegada deixa
bem marcada na areia
a imagem
dessa outra existência
em que a morte e a memória
ainda nada significam

mais alto

muito mais alto talvez
que a claridade
do voo das aves que
partem para o desconhecido

o próprio corpo nada mais é
do que a sombra
bem simples por sinal
em que,
por erro nosso ou dos outros,
já não existe
a persistência do que
foi perdido

e as mãos
as mãos que sentimos
bem presas seguras aptas
essas
todos sabemos
que podem ainda cada vez mais
esmagar com cuidado
com extremo cuidado
dilacerar suavemente

nos olhos
está o amor

IV

Simples como é
a claridade é a coisa
mais difícil de encontrar
talvez porque a distância que nos
separa longa muito longa
e nítida
seja a torre de chumbo do nosso
próprio isolamento
talvez porque sentir
o aparecimento da madrugada
seja a origem do desespero
sombra trópico lâmina
entre nós dois

ouve o que te digo
não esqueças os meus lábios
mesmo quando desfeitos
e a claridade
essa não a procures não nunca
deixa-a ir comigo
até ao esgotamento do meu sangue
até ao limite
do meu corpo em carne viva

V

Eu sei
que há um lugar por descobrir
um lugar tenebroso e cantante
como uma ponte de velhos manequins


o teu corpo
dois seios despedaçados
e o vento só o vento
soprado através
dos teus cabelos

(In Surreal Abjeccion(ismo)

MÁRIO-HENRIQUE LEIRIA

O Surrealismo na Poesia Portuguesa
organização, prefácio e notas
Natália Correia
2ª edição
frenesi
2002

quinta-feira, julho 14

O Perfil dos Bombistas de Londres


Labirinto Fotografia de Alimento del Alma

Notícias postas a circular traçam o perfil de três bombistas de Londres. São jovens ingleses, de origem paquistanesa, alguns (ou todos) já nascidos em Inglaterra. Pacatos cidadãos com famílias normais, estudos e participação na vida social.

Parece terem tomado a decisão de morrer fazendo morrer com eles outros pacatos cidadãos ingleses. É um fenómeno a que vulgarmente se chama terrorismo. O terrorismo não tem nada de novo e foi ganhando novas fórmulas ao longo dos tempos.

A intensificação dos actos terroristas antecede, habitualmente, períodos de exaltação nacionalista associados à emergência da aceitação popular de ideologias de vocação totalitária e ao esmorecimento do prestígio da democracia.

Os ventos de guerra são soprados pelo terrorismo. Dizem mesmo alguns especialistas que já estamos em guerra. Sustentam-se nesta ideia as propostas de limitação das liberdades, ou seja, a passagem de uma fase de vigilância selectiva de suspeitos para a vigilância de toda a sociedade.

A intransigência das democracias perante as ameaças de tirania é legitima. Tem um pequeno problema: como declarar o estado de guerra sem uma declaração de guerra. Assim as democracias tenderão a muscular as suas intervenções contra alvos exteriores. Mas os inimigos das democracias estão dentro do espaço físico das próprias democracias e, porventura, no seio das suas próprias instituições.

É o que prova o perfil dos terroristas de Londres, se for verdadeiro, ou seja, caso não seja uma montagem para impressionar as opiniões públicas ocidentais preparando-as para medidas proteccionistas.

Talvez fosse muito útil ao ocidente fazer um exame de consciência acerca do peso dos negócios ilícitos e criminosos na criação da sua própria riqueza e no armamento (ideológico e militar) dos seus inimigos.

Afinal que é feito de Bin Laden?

quarta-feira, julho 13

A Life as a Flower


A Life as a Flower 04-1 [oil on canvas 16 x 18 in]

Luo Fa Hui (b.1962-) is a metaphoric painter. In traditional Chinese art, the flower always symbolized sex. Luo painted his flowers as did the American painter O’Keefe, but in a Chinese way. Chinese sex culture is depressingly gentle, dark and implicit. Luo’s roses are dark, wet, gentle and soft, have a gentle beauty, but still reek with decay. In his later work, his roses are glittering and translucent, as charming and delicate as one could ever expect.

Luo’s roses are a woman’s sensuality as rendered by a man. Perhaps many Chinese men have the gentleness and delicacy of a woman and, within their culture, are normal and natural.

(Série Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

ESCOLA DA PONTE


Fotografia de Margarida Delgado in Sabor a Sal

APRESENTANDO A ESCOLA DA PONTE - Para aqueles que se interessam pelas questões da educação – não só em Portugal – e, em especial, para cumprir uma promessa que fiz à Sylvia Gomes, Niteroi, Rio de Janeiro.

Eis a rúbrica "Caixinha dos Segredos" retirada do site daquela Escola:

Como o objectivo dos objectivos é fazer das crianças pessoas felizes, foi instituída uma "caixinha dos segredos". É aí que a pesquisa das almas inquietas (indisciplinadas?) começa. Na caixa de papelão, os alunos deixam recados, cartas, pedidos de ajuda. A "caixinha dos segredos" ensina os professores a reaprender. É que nem sempre o que parece ser "indisciplina" o é. Os "recados-segredos" provam-no:

"Todas as manhãs, o Arnaldo já chega cansado de duas horas de trabalho. Antes de rumar à escola, o Rui foi ao lavrador buscar o leite, levou os irmãos mais pequenos ao infantário, fez os recados da Dona Alice, arrumou a casa toda. O Carlos falta quase todas as tardes. O pai manda-o distribuir por toda a vila as folhas que dão notícia dos falecimentos da véspera, ou tem que carregar as alfaias dos funerais".

Little Nemo


No NEW YORK ON TIME

LI HOJE A NOTÍCIA


Eugénio de Andrade – imagem com música no “Público” e "Prémio Camões 2001"

Um mês depois da morte física de Eugénio de Andrade, a 13 de Junho de 2005, aqui deixo a evocação breve do poeta. E um poema, em sua homenagem, que escrevi cerca de um ano antes da sua morte.

Li hoje a notícia. O Eugénio de Andrade está muito doente
Uma notícia não desfaz o mundo nem o inexorável destino.
Peguei num livro e os teus poemas límpidos como a água
Perto da nascente correram pela minha face como gotas
Salgadas que se desfaziam nas letras cerzidas a ouro que
Soletrei com um olhar subitamente luminoso vendo-te
De pé no lugar do poeta que se deixa tomar pela beleza.

Li hoje a notícia. É verdade. A pena parou de garatujar
Versos claros, transparentes, amorosos, mais que perfeitos.
“A beleza não é lugar de perfeição.” Retrato de Actriz (Eunice)
Nemésio (Vitorino): “Ninguém te lê os versos, tão admiráveis
Alguns, e a prosa não tem muitos leitores, …” Admirável
Admiração a tua fazendo belo o mundo à volta, talentosos
Os outros, admiráveis se tu os sonhaste belos por dentro.

Li hoje a notícia. Um velho livro de poemas de Federico.
Ao teu jeito português foi o primeiro que li dele. A paixão
Desabrida em sangue cigano escorrendo pelos lábios
Sedentos de um amor implacável que ardia em chamas.
Soube o que era a Espanha mais por ele e por ti juntos
Do que por mil e uma travessias de fronteiras que além
De nós tinham o encanto das mulheres que se assumiam.

Li hoje a notícia. Já sabia que havias de adoecer um dia.
E o anúncio ao menos evita que alguém amigo te faça
O que fizeste ao Sena: “É por orgulho que já não sobes
As escadas? Terás adivinhado...” Senti ternura. A mão
Escapuliu-se-me e tomou o lugar do coração que pulsou
Mais depressa agarrando tudo o que havia por perto
Fazendo uma concha de terra florida para te guardar.

A voz. Li hoje a notícia. Aguardo a tua despedida tal
Como se fosse a de um familiar íntimo perto de mim.
Seguro a tua mão ouço o suspirar do teu corpo no fim
Conheço os teus versos mas não sei se será suficiente.
E me interrogo que farão da tua memória os vindouros.
Não foste fonte de poder nem encantador de serpentes.
Simplesmente poeta. Quanto baste para não ser gente.

Lisboa, 7 de Junho de 2004

terça-feira, julho 12

DIAS DIFÍCEIS


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Os dias são difíceis. As notícias são más. Nada que não fosse previsível. O adiamento das decisões difíceis tornaria a situação ainda muito pior. Tudo leva a crer que o governo esteja a meio caminho de tomar as decisões de que o país carece. Estejamos certos que ainda as não tomou a todas e não sei se será capaz de as assumir até ao fim. As reformas decisivas serão, provávelmente, uma autêntica revolução: “Mudança política radical” (Houaiss).

O problema é que será necessário mudar o equilíbrio entre os poderes; estabelecer uma estratégia, a prazo, para a uma nova especialização produtiva do país; reinventar as alianças internacionais; mudar radicalmente o paradigma do processo de educação/formação; tornar consensual a necessidade de cada um trabalhar melhor e durante mais tempo; implodir diversas instituições “sagradas”; mudar a divisão político-administrativa do país; fazer com que a lei seja aplicada e o sistema de justiça funcione; diminuir drasticamente o peso do estado e qualificar as suas funções; importar contingentes massivos de mão-de-obra imigrante qualificada; perder o medo de arriscar na inovação criando uma rede pública de apoio efectivo aos empreendedores.

Em resumo: MUDAR DE VIDA reformando profundamente o "estado social" sem abdicar do "estado social".

Somos um país pequeno e que beneficia, em simultâneo, das vantagens de duas alianças com os países mais ricos do mundo: a UE e a chamada “Aliança Atlântica”. Ademais dispomos da diáspora e das vantagens do português ser a língua comum a um conjunto de países com elevado potencial de desenvolvimento, com destaque para o Brasil.

Que diabo! Os dias são difíceis, mas tudo é relativo na crise. O que importa assegurar, antes de mais, é que esta não seja mais uma crise que antecede a próxima com a mesma natureza. Por isso o governo não pode vacilar perante as dificuldades nem ceder à chantagem das corporações. Não pode recear dar todas as explicações aos portugueses nos momentos e nas sedes próprias.

O pior que poderia acontecer seria este governo, de maioria absoluta, ser tolhido pelo medo dos resultados das próximas batalhas eleitorais. Toda a gente sabe que o PS não pode, a esse respeito, aspirar a mais do que a uma política de “redução de danos”. Porque, em democracia, sempre foi assim e assim será: perde-se e ganha-se.

A novidade, em Portugal, será, desta vez, os cálculos eleitorais, normais em democracia, não deitarem a perder uma oportunidade de ouro para dar um passo decisivo no equilíbrio das contas públicas e no relançamento, a médio prazo, da economia e do emprego.

NÃO OMITO


Fotografia do Dias com árvores


Não omito nada do meu gostar
nem o sobressalto de descobrir um dia
que não queria nada do que quis

ofereço o tempo futuro todo
à descoberta da arte de transformar
amando o desconhecido ou quase

que é afinal o que é amar.


In "Ir pela sua mão"
Editora Ausência-2003

(Um poema meu porque sim.)

Min Jing


A Girl's Bed Room in Spring Time [oil on canvas 50 x 60 cm]

Min Jing (b.1959), graduated from Tianjin Academy of Fine Arts with B.A. degree 1983. Now he lives and teaches in China, his paintings have both the charm of ink painting and oils. The rhythms created through tension and looseness with sensitive fine lines while brushing bold and textured strokes with strong gestures stirred your nerves. He manipulated bright and dark, black and white, thickness and thinness, emptiness and fullness in a masterly way that looked effortless and seemed inhuman. You can always sense his drifting lightness without feeling attached to anything, the handsome and free and also romantic and poetic or even humorous natures in his art, and wonder how could he remain his purity and detachment in the contemporary world.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

segunda-feira, julho 11

António Maria Lisboa


Projecto de Sucessão

Para o Mário Henrique

Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra

Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos

Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.

António Maria Lisboa

poesia
Assírio & Alvim
1995

"Se eu não morresse,nunca!"


Fotografia do Outsider


(…)
Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas...
(...)

Cesário Verde



domingo, julho 10

Turismo

Foi apresentado, no dia 4 de Julho, no “II Congresso da Confederação de Turismo” o estudo produzido, no âmbito da Saer, elaborado por de Ernâni Lopes, “Reinventar o Turismo no 1º Quartel do séc. XXI”.

O “PÚBLICO”, na sua edição de 6 de Julho de 2005, publicou uma resenha desse estudo, de Inês Sequeira (com a LUSA), no qual se sublinha a importância do “Turismo Sénior” que, conjuntamente com o “turismo de negócios”, deveria ser uma aposta nacional para o desenvolvimento da actividade turística nacional.

Assinalável ainda é a informação de que Portugal ficará, em 2020, fora dos 10 principais destinos turísticos mundiais onde a China, na projecção da OMT, ocupará o primeiro lugar.

A resenha do “Público” antecedida por algumas notas está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR.

COR


A Colorful Day 04-1 [color on paper 32 x 32"]

Zhang Yu was born in 1959, China, is an advocate and one of the leaders of non-representational ink painting. By keeping the traditional techniques of ink painting, layer by layer, he tinted ink and produced new imagery, a depiction of Chinese ancient philosophy or Yin-Yang or the explanation of the universe. His series, Divine Light, painted exquisitely and meticulously, revealed the consciousness of the universe. Later, he experimented with mixed media and made collage painting by using newspapers, pencils, white paint, and the like. The News series consists of his new experimental works. He not only broadened the scope of the medium, but the subjects as well.

(Série Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

O Azul Ficou


Fotografia de Joana Darc in Om Namah Shivaya

Quando era criança e os meus pais foram viver para a vivenda nova, em S. Luís, entre hortas, eu adivinhei os primeiros sinais da guerra que tinha terminado havia já uns anos.

O céu da minha infância era sempre azul e cobria de uma luz radiosa a terra. Não sabia interpretar nem os exílios nem as guerras. Na casa da Horta do Rodolfo, ao fundo da minha rua, vivia uma família alemã.

Os mais jovens dessa família eram diferentes de todos nós. Louros e atléticos. O Otto era conhecido de todos e a irmã dele era um deslumbramento. Nunca cheguei a saber qual o estatuto daquela família. Fosse qual fosse eram muito estimados e admirados por todos.

De vez em quando desfila pelo écran da minha memória a imagem elegante e enérgica do Otto e de sua irmã. Um dia foram embora e nunca mais soube nada deles. Mas o azul ficou.

sábado, julho 9

Pedro Nuno de Sousa Mendes


Hoje, no Expresso, dá-se público conhecimento da morte, a 28 de Junho passado, de Pedro Sousa Mendes, filho mais velho de Aristides de Sousa Mendes (na imagem).

Neste Portugal, pátria de “merdas” e de cobardes, reino cadaveroso e “off-shore” de todas as invejas, os heróis portugueses são tratados, mesmo na morte, como proscritos que, disfarçadamente, as autoridades se afadigam em fazer esquecer. Assim foi, é e será.

Ao menos, na modesta carta, publicada sem qualquer destaque, a páginas 14 da secção “Obituário”, do Expresso, de autoria da historiadora Margarida de Magalhães Ramalho, se dá conta da morte do filho (Pedro) que, aos 20 anos, ajudou o pai, um herói português (Aristides) que, sendo Cônsul português em Bordéus, no verão de 1940, salvou milhares de vidas de judeus, “ganhando a honra” de ser castigado por Salazar com um ano de inactividade (curioso!) a que se seguiu a aposentação sem vencimento, a humilhação e a miséria.

Nesta carta se reproduz, a pedido do filho Pedro, a frase exacta que Aristides proferiu quando, após 3 dias deitado na cama, se decidiu a desobedecer às ordens do ditador: “Ouvi uma voz que me disse que me levantasse e fosse dar vistos a todos os que precisassem”. E assim fez.

RESISTIR


Na praia de Faro que todos os anos frequentei, desde que nasci, pelo menos alguns dias no verão, fazia férias um estrangeiro (inglês?) com uma característica física muito impressionante.

Usava uma prótese na cara desfigurada, profundamente desfigurada. Impressionava olhar a figura daquele homem diferente dos outros. Era um sobrevivente, ferido na 2ª grande guerra, dos primeiros turistas que usufruíram daquele Algarve, ainda desejável pela sua autenticidade, já quase desaparecido às mãos do “desenvolvimento turístico”.

Fixei naquele rosto a imagem terrível da heróica resistência da Inglaterra ao nazi-fascismo que nunca, de verdade, vivemos mas não mais esqueci.

sexta-feira, julho 8

A Morte da Imprensa Liberal


A Ler no NEW YORK ON TIME

A morte da imprensa liberal (Aqui deixo a abertura desse interessantíssimo post a não perder).

"A imprensa liberal usa o escândalo da tortura em Abu Ghraib para atacar Tio Sam. Daniel, do Blog do Daniel, sugere que eu escreva sobre a chamada imprensa liberal nos Estados Unidos; lembra que o símbolo dos jornalistas liberais, Dan Rather, fechou com Bush depois de 11 de Setembro (é verdade).

Segundo o jornalista Mark Herstsgaard, citado pelo Daniel, "a maior piada política nos Estados Unidos é que nós temos uma imprensa liberal".

Imprensa liberal é um xingamento inventado no governo Nixon para atacar os jornais e TVs que criticavam a condução da guerra do Vietnam. Na época o ícone do jornalismo era Walter Cronkite, o âncora da rede de TV CBS, que ousou concluir um telejornal dando a opinião dele a favor da retirada das tropas americanas do Vietnam. Segundo a direita, foi exatamente aí que a guerra começou a ser perdida. Uma traição.

Desde então a direita - o partido Republicano, a Coalizão Cristã e grupos de interesse ligados a ambos - passou a usar esse bicho-papão para assustar o americano médio. A imprensa liberal virou o símbolo de tudo que apavora a baixa classe média: drogas, homossexualismo, esquerdismo, adoração pela França, feminismo, multiculturalismo, arte de vanguarda, decadência do patriotismo americano."

Sea of Desire


Sea of Desire VI [Lithography]

Su XinPing (b. 1960) lithography was unique, a simple, unadorned and ingenuous style that probably came out off his life experiences in Inner Mongolia. The gentle and quiet energy in his paintings will always grab your eyes.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

Fuck you Mr. Bush


Fotografia de Catedral

A ler no Erotismo na Cidade Fuck you Mr. Bush I e II

quinta-feira, julho 7

Homenagem às vítimas do atentado de Londres


Fotografia de O Mundo deveria ser laranja ...

“Eles querem o bem do povo, mas não amam o povo. Não amam ninguém nem a si mesmos.”

Camus
in “Cadernos”

quarta-feira, julho 6

SINTO


Fotografia de Margarida Delgado
In Sabor a Sal

Não me sinto mal agora sinto
a minha pele quente às vezes sinto
um nervo duro solto do resto mais nada sinto
não sinto a gola apertada nem o corpo sinto
apertado no estreito istmo onde me deito sinto
um corpo terno que me procura mais nada sinto.

In “Ir pela sua mão”
(Editora Ausência – Maio 2003)

(Um poema meu porque me apeteceu.)

After Shower


After Shower [oil on canvas 31 x 39 "]

Zhang Jing Sheng ( b. 1940- ) is a devoted painter who for many years studied color. Of course there were influences from impressionism, but he has his own style. He tried to reveal the intensity of color, often painting with a palette knife to let his colors reach their most brilliant and richest point. He painted in layers, alternating the thick and the thin to give his colors a dynamic tension. There were also influences from ink painting in that he manipulated the emptiness and fullness, the tinting of colors, the flowing of energy as would an ink painter.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

TEMPO


Imagem e apresentação de Prozacland e, já agora, recomendando a leitura de "Donde vem a electricidade?"

Apetece-me fazer um comentário aos comentários, em geral, no mínimo cépticos, a propósito da entrevista de José Sócrates, à SIC, acerca dos projectos de desenvolvimento a realizar em Portugal nos próximos anos.

Não acreditar é a ideia dominante. Há razões para isso. Já sabemos. Mas só na política? Não será reduzir demasiado a vida social sacralizar o “não acreditar” à política e aos políticos? Mas o resto da vida não está quase toda fora da política? Acreditamos, afinal, em quê?

Política = criação de expectativas. Não se pode condenar um político por cumprir o seu papel. Criar expectativas. Porventura de sinais contrários. Mas, no caso de Sócrates, há uma vantagem evidente: é forte nas convicções e na afirmação de uma vontade política. Se lhe juntarmos a maioria absoluta convenhamos que não é nada pouco.

No fim resta julgar o sucesso ou fracasso das políticas anunciadas. É o ritual democrático que os saudosistas das tiranias de direita e de esquerda têm dificuldade em engolir. No fim o povo julgará: o governo cumpriu ou frustrou as expectativas? No entretanto é preciso acreditar, ao menos, no tempo. Tempo: “Medida de duração dos fenómenos” [Houaiss].

O governo, um dia, cairá. Mas parece-me que é manifestamente prematuro sonhar com a sua queda a breve prazo. Parece-me que vai durar e deixar fundas marcas. Porque este não é um governo com um lider fraco (como foram Guterres, Durão e Santana, cada um ao seu estilo).

Goste-se de Sócrates, ou não se goste, a personalidade dos lideres conta muito na orientação, durabilidade e na obra dos governos democráticos. Esse facto, aparentemente despiciendo, ajudará a que o Tempo se afirme como o mais forte aliado deste governo.

terça-feira, julho 5

À MEMÓRIA DE FERNANDO PESSOA


Fotografia retirada daqui

Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão -
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas,
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio de descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma intriga: as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver -
Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
Poetas, escutai-me. Transformemos
A nossa natural angústia de pensar -
Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!

António Botto

Poema de Cinza
As Canções de António Botto

Editorial Presença - 1999

segunda-feira, julho 4

A Casa de Bernarda Alba


A última peça de Federico Garcia Lorca escrita, dois meses antes de ser assassinado pelos fascistas de Franco, em 1936. Fui ver a encenação de Diogo Infante, no S. Luiz.

Tinha visto outras encenações de que me lembro de uma, muito encantatória, julgo que do TEP (Teatro Experimental do Porto), com encenação de João Guedes. Não saí defraudado desta encenação. Deu-me prazer.

E até me permite a liberdade de referir quão contrastante era a Espanha autoritária, retratada por Lorca, e a Espanha contemporânea cujo parlamento acaba de tomar a decisão de aprovar a lei do casamento entre homossexuais.

Nós por cá vamos discutindo a oportunidade de aprovar uma “lei do aborto”, com ou sem referendo, ganhando cada vez mais atraso. Assim seja...

Fica a fotografia de uma versão da mesma peça representada só por homens e a versão integral, em castelhano, de “La casa de Bernarda Alba”, drama de mujeres en los pueblos de España.

domingo, julho 3

POR VEZES


In Sabor a Sal

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto dos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos corpos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

David Mourão-Ferreira (póstumo)

In “O Livro de Natércia” – Edições Quasi (acabado e sair) no qual este poema surge com a seguinte nota: “Aqui republicamos, com a generosa autorização da família do autor, este poema de Matura Idade (1973), livro dedicado pelo autor a várias poetisas, entre as quais Natércia Freire. O poema escolhido era o que Natércia preferia de David Mourão-Ferreira."

O Teatro de Faro


Não podia deixar passar em branco a recente inauguração do Teatro Municipal de Faro. Tendo sido um dos pioneiros da prática teatral na cidade e na região, pela mão de Emílio Campos Coroa, esta era uma aspiração antiga. Uma conversa antiga como outras que fazem parte do imaginário de quem sonha com o progresso.

Existe o progresso? Pois existe! Aqui está um caso exemplar. Como explicar que a principal região turística de Portugal não pudesse acolher, em condições dignas, por exemplo, uma ópera.

Não sei como será a gestão, nem a programação, nem o orçamento real, nem a relação com os públicos, em suma, não sei qual será a estratégia de afirmação do novo teatro. Está feita a obra, resta dar-lhe o devido uso.

(Já agora, apesar de o actual presidente do município ser um independente, eleito pelo PSD, a criação deste projecto deve-se, por inteiro, aos governos socialistas e a um autarca socialista – é a chamada “pesada herança”!)

sábado, julho 2

AO PÉ DA CASA


Apresentando Marília Campos e marilia

Ontem, divagando por um bairro
mais distante, passei pela casa
onde eu às vezes ia, ao tempo de ser jovem.
De meu corpo o Amor se apoderou ali
com sua força incrível. Ontem,
quando passava pela velha rua,
lojas, calçada, pedras,
paredes e varandas e janelas,
tudo se transformou por magia do amor.
nada restou que fosse pobre e vil.

E enquanto eu me ficava olhando a porta,
parado, a demorar-me ao pé da casa,
de todo o ser me fluíam, restitutos,
os sensuais prazeres que tinha em mim guardados.

[1918]

Constantino Cavafy

In “90 e mais quatro poemas” – tradução de Jorge de Sena

(Era este o poema que desejava e não "Corpo, Lembra ..." já antes publicado.)


Reflection


Reflection [oil on canvas 36 x 36"]

Bao LeDe (b. 1959- ) came to US in 1989, and has been living and working in the Boston area for more than a decade. Abstract Expressionism has been always his genre. His paintings, in brilliant colors, were painted boldly and dynamically with gestures which were clearly the influenced by traditional Chinese calligraphy. Perhaps the distant between the United States and China made him think more about his own culture for he fell in love with ink painting, the beauty of black and white. He used a lot of black in his paintings. Bao continued his experiments with collage from fifteen years ago, gluing rice paper on canvas layer by layer, then painting over the result. He is a painter full of an inner energy that emerges in every stroke. His new collage paintings were gentle, but quietly powerful.
 
(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

sexta-feira, julho 1

Divas & Contrabaixos


Gostei muito de ler no Divas & Contrabaixos "A pele como órgão de revestimento”. E da fotografia também.

Para amenizar um poema de Carlos Drummond de Andrade

O CHÃO É CAMA

O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.

in “O Amor Natural”

A propósito das campanhas contra a política do governo socialista

Está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR e no site do "Semanário Económico" o artigo com o título em epígrafe, hoje publicado, de que transcrevo a abertura:

"Nenhum governo socialista pode esquecer as pessoas, nem pode esquecer a luta contra as desigualdades, logo a justiça social, nem esquecer a busca dos consensos, logo o diálogo social.

Mas o que está em causa, agora e aqui, é a questão da capacidade competitiva de um país que, como Portugal, aceitou integrar uma comunidade de países mais vasta: a UE."