I
AVE-MARIAS
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.
Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.
E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.
Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!
Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!
II
NOITE FECHADA
Toca-se às grades, nas cadeias. Som
Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!
O Aljube, em que hoje estão velhinhas e criancas,
Bem raramente encerra uma mulher de "dom"!
E eu desconfio, até, de um aneurisma
Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes;
À vista das prisões, da velha Sé, das Cruzes,
Chora-me o coração que se enche e que se abisma.
A espaços, iluminam-se os andares,
E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos
Alastram em lençol os seus reflexos brancos;
E a Lua lembra o circo e os jogos malabares.
Duas igrejas, num saudoso largo,
Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:
Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,
Assim que pela História eu me aventuro e alargo.
Na parte que abateu no terremoto,
Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas;
Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,
E os sinos dum tanger monástico e devoto.
Mas, num recinto público e vulgar,
Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,
Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,
Um épico doutrora ascende, num pilar!
E eu sonho o Cólera, imagino a Febre,
Nesta acumulação de corpos enfezados;
Sombrios e espectrais recolhem os soldados;
Inflama-se um palácio em face de um casebre.
Partem patrulhas de cavalaria
Dos arcos dos quartéis que foram já conventos;
Idade Média! A pé, outras, a passos lentos,
Derramam-se por toda a capital, que esfria.
Triste cidade! Eu temo que me avives
Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes,
Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,
Curvadas a sorrir às montras dos ourives.
E mais: as costureiras, as floristas
Descem dos magasins, causam-me sobressaltos;
Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos
E muitas delas são comparsas ou coristas.
E eu, de luneta de uma lente só,
Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:
Entro na brasserie; às mesas de emigrados,
Ao riso e à crua luz joga-se o dominó.
III
AO GÁS
E saio. A noite pesa, esmaga. Nos
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.
Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.
As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.
Num cutileiro, de avental, ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.
E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem;
Casas de confecções e modas resplandecem;
Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.
Longas descidas! Não poder pintar
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos reverberos,
E a vossa palidez romântica e lunar!
Que grande cobra, a lúbrica pessoa,
Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!
Sua excelência atrai, magnética, entre luxo,
Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa.
E aquela velha, de bandós! Por vezes,
A sua traîne imita um leque antigo, aberto,
Nas barras verticais, a duas tintas. Perto,
Escarvam, à vitória, os seus mecklemburgueses.
Desdobram-se tecidos estrangeiros;
Plantas ornamentais secam nos mostradores;
Flocos de pós-de-arroz pairam sufocadores,
E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.
Mas tudo cansa! Apagam-se nas frentes
Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga um cauteleiro rouco;
Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.
"Dó da miséria!... Compaixão de mim!..."
E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Pede-me sempre esmola um homenzinho idoso,
Meu velho professor nas aulas de Latim!
IV
HORAS MORTAS
O tecto fundo de oxigénio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.
Por baixo, que portões! Que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, às escuras:
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.
E eu sigo, como as linhas de uma pauta
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma longínqua flauta.
Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!
Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitações translúcidas e frágeis.
Ah! Como a raça ruiva do porvir,
E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes,
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!
Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.
E nestes nebulosos corredores
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.
Eu não receio, todavia, os roubos;
Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.
E os guardas que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!
Cesário Verde
(Em Portugal a Camões, publicação extraordináriado
Jornal de Viagens do Porto, no dia 10 de Junho de 1880)
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quinta-feira, maio 16
quarta-feira, maio 15
AS EVIDÊNCIAS
Jorge de Sena nasceu em 2 de Novembro de 1919. Engenheiro de
profissão dedicou a sua vida à literatura, sendo grande como poeta, romancista,
contista, tradutor e estudioso de obras alheias e é, para mim, com Pessoa, o
poeta mais importante do século XX português.
Li finalmente, este fim-de-semana, os “Diários” livro no
qual a sua mulher Mécia reuniu os escritos do género ao qual Sena dedicou pouca
importância. Além dos textos acerca da sua viagem, como cadete, na Sagres, o
livro vale a pena por duas peças, uma referente a um período do ano de 1953/54
e outra ao ano de 1968 que permitem conhecer, além das circunstâncias da época,
os seus gostos pessoais, processos de trabalho, amizades e ódios de estimação.
Retive, do período de 1953/54, um conjunto de referências à
escrita dos 21 sonetos que compõem “As Evidências”, com data de publicação de
1955, que mais tarde viriam a integrar “Poesia I” em cujo prefácio, à 2ª
edição, escrito pouco antes da sua morte, lhes faz referência:
“… Nos princípios de 1954, entre Fevereiro e Abril, escrevi
os 21 sonetos de As Evidências, sequência que não queria publicar como parte de
um livro de poemas, aonde ficasse submersa, mas para a qual não encontrava
editor. Foi quando, nesse ano, me foi oferecida, se não estou em erro,
paralelamente por Armindo Rodrigues e por João José Cachofel, a possibilidade
de uma edição daqueles sonetos na série “Cancioneiro Geral” do Centro
Bibliográfico. O livrinho ficou impresso nos primeiros dias de Janeiro de 1955,
foi logo apreendido pela PIDE que assaltou então o dito Centro, e só pôde ser
distribuído um mês depois de repetidas visitas à Censura, para onde se entrava
por uma portinha da Calçada da Glória, embora os censores estivessem realmente
instalados no Palácio Foz ocupado pelo SNP ou SNI, ou lá como se chamava na
altura. O livro era, além de subversivo, pornográfico, segundo me repetia
sistematicamente, com um sorriso ameno e algum sarcasmo nos olhos pontilhados
de ramela branca, por trás de uns óculos de aro finamente metálico, suponho que
o subdirector que era um major ou tenente-coronel. Eu contestava que o livro,
ora essa, não era nem uma coisa nem outra, e ele, dando-me palmadinhas no
joelho mais próximo, dizia: - Ora, ora … nós sabemos -. Ao fim de um mês destas
periódicas sessões, o livro foi libertado, e para dizer a pura verdade
evidente, era realmente subversivo e, se não propriamente pornográfico, sem
dúvida que respeitavelmente obsceno. …”
Integrado num conjunto de iniciativas pessoais, em homenagem
a Jorge de Sena, pelo 90º aniversário do seu nascimento, que agora inicio, e
que terminarei com uma surpresa para os meus amigos, publicarei os 21 sonetos
de “As Evidências” fazendo anteceder cada um deles com as referências, mais ou
menos detalhadas, que o autor lhes faz nos “Diários”.
No Diário referente ao período de 23 de Agosto de 1953 a 20
de Outubro de 1954, no dia 12 de Fevereiro de 1954, escreveu:
“Hoje, pela manhã, surgiram-me vários fragmentos de versos
ou versos inteiros, que se me organizaram num poema e num soneto, que espero
seja o primeiro da sequência por que anseio há tanto. Julgo-os do melhor que
tenho feito, e satisfazem-me em comparação com o que, e raramente, andava
fazendo.”
I
Ao desconcerto humanamente aberto
entendo e sinto: as coisas são reais
como meus olhos que as olharam tais
a luz ou treva que há no tempo certo.
De olhá-las muito não as vejo mais
que a luz mutável com que a treva perto
sempre outras as confunde: entreaberto,
menos que humano, só verei sinais.
E sinta que as pensei, ou que as senti
eu pense, ou julgue nos sinais que vi
ler a harmonia, como ali surpresa,
oculta que era para eu vê-la agora,
meu desconcerto é o desconcerto fora,
e Deus um só pudor da Natureza.
12-2-1954
Jorge de Sena
segunda-feira, maio 13
POLÍTICA (5)
Banaliza-se o passado, o adquirido, a tradição, a herança,
abrindo caminho para a rasura da memória e das bases materiais do bem-estar para
o qual a maioria trabalhou – lutou – abrangendo famílias/gerações. Não estamos
a falar de criminosos que teriam amealhado recursos por meios ilícitos – que também
os há - mas de cidadãos que pela sua iniciativa, pelo trabalho e sucesso dos
empreendimentos a que meteram ombros, próprios e alheios – os empreendedores não são uma descoberta
do nosso tempo – aforraram, investiram e ganharam para assegurar o seu futuro e
o dos seus. São pequenos médios e grandes patrimónios, vidas livres da tutela de patrões e de tiranias de todas as estirpes, mais ou menos
florescentes , mais ou menos cuidados, acima de tudo, assumidamente, diversos. Sempre podem ocorrer cataclismos – terramotos, guerras,
incêndios, bancarrotas – mas foram criados, ao longo do tempo, seguros para cobertura
dos riscos, mútuas, um modelo de contrato social que é o fundamento essencial
da nossa forma de organização política e social, de um modo de viver em sociedade. A Europa
organizou-se, no pós 2ª guerra, sob um modelo, com a marca UE, evolutivo na diversidade de nações (algumas delas federadas em estados),
que nesse modelo de organização buscaram prosperidade, que se julgava assentar num compromisso pela
manutenção da paz, na solidariedade e no socorro mútuo em caso de
calamidade, fosse de que tipo fosse. Ao que somos dados assistir hoje, agora, aqui,
em palavras simples, é à vitória da ditadura do dinheiro que sequestrou a
coesão e a solidariedade social. Começam a chover os sinais de desagregação dos valores fundamentais em que assentou o mais longo período de paz na Europa.
PARA A MINHA TIA LUCÍLIA
domingo, maio 12
OS TRÊS ABSURDOS
“21 de Fevereiro de 1941.
Terminado Sisyphe. Os três Absurdos estão acabados.
Começos de liberdade.”
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Camus refere-se à primeira trilogia constituída pelas obras reunidas em torno do conceito do absurdo: o romance “O Estrangeiro”, o ensaio “O Mito de Sísifo” e o drama “Calígula”; ver bibliografia completa de Camus aqui.)
Terminado Sisyphe. Os três Absurdos estão acabados.
Começos de liberdade.”
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Camus refere-se à primeira trilogia constituída pelas obras reunidas em torno do conceito do absurdo: o romance “O Estrangeiro”, o ensaio “O Mito de Sísifo” e o drama “Calígula”; ver bibliografia completa de Camus aqui.)
Dia do mar no ar
Dia do mar no ar, construído
Com sombras de cavalos e de plumas
Dia do mar no meu quarto – cubo
Onde os meus gestos sonâmbulos deslizam
Entre o animal e a flor como medusas.
Dia do mar no ar, dia alto
Onde os meus gestos são gaivotas que se perdem
Rolando sobre as ondas, sobre as nuvens.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In Coral - 1950
Com sombras de cavalos e de plumas
Dia do mar no meu quarto – cubo
Onde os meus gestos sonâmbulos deslizam
Entre o animal e a flor como medusas.
Dia do mar no ar, dia alto
Onde os meus gestos são gaivotas que se perdem
Rolando sobre as ondas, sobre as nuvens.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In Coral - 1950
sexta-feira, maio 10
ARCOS DE VALDEVEZ
Faz muitos anos, quando no final dos estudos secundários se fazia uma excursão em território nacional - com muitas referências ao mestre Orlando Ribeiro - como se continuam a fazer hoje com outros destinos, embarquei durante uma semana numa volta a Portugal em autocarro. Estas memórias fazem parte daquela componente de nós que puxamos para cima quando, por qualquer razão, as circunstâncias da viva, nos querem puxar para baixo. É a visitação aos lugares da pertença mais funda de nós, face a nós mesmos. Nessa deambulação por muitas terras do nosso país que para mim, à época, eram desconhecidas tirei uma única fotografia com uma máquina emprestada, apesar de haver lá em casa uma (Kodak - das boas) da qual meu pai nunca se deixava afastar, fixando uma vista de Arcos de Valdevez. Aqui a deixo em homenagem a todos os amadores das pessoas, e coisas, amadas que nunca, na verdade, se chegam a possuir...
AGOSTINHO ROSETA
“A virtude é meritória, hoje. Os grandes sacrifícios não são continuados. Os mártires são esquecidos. Eles erguem-se. As pessoas olham-nos. Uma vez tombados, os jornais continuam.”
Albert Camus - in Cadernos
Albert Camus - in Cadernos
[Pelo 18ª aniversário da morte do Agostinho Roseta.]
(Jantar de Extinção do MES - 7 de Novembro de 1981)
quarta-feira, maio 8
POST 6000
6000 posts registado neste espaço que criei em 2003 por razões que um dia, mais próximo do que longe, hei-de revelar. Num tempo que é o nosso este espaço evolui, move-se, persiste na medida da minha incontida vontade de intervenção cidadã. Nada de muito importante como quase tudo nas nossas vidas. Mas alimento-o também, em boa medida, porque sei que meia dúzia de amigas, e amigos, sentem, de forma autêntica, a minha falta se um dia lhes faltar. E na justa medida em que Albert Camus, sua vida e obra, uma paixão antiga que nunca me abandonará, tem sido alimento substancial deste espaço aqui vos deixo, a preencher o 6000º post uma fotografia dele no ano do centenário do seu nascimento. Que vivam!
terça-feira, maio 7
A MINHA TURMA DO 1º ANO
Uma ressonância antiga no dia em que voltaram os exames da "4ª classe". Pela minha parte, à falta de um, fiz dois: um para acesso à escola técnica, outro para acesso ao liceu. Fui para o liceu! Quem me acompanhou de perto foi a minha professora Maria José Espanhol, tão bonita, tão amável, tanto que nos gostávamos... até que um dia soube que morreu e fiquei triste como agora que a recordo sem saber qual a ciência em que se fundamentam os exames da "4ª classe".
Tenho na minha frente a fotografia da turma que frequentei nesse 1º ano em cujo verso a minha mãe escreveu: "Recordação do 1º ano – Faro – 10-4-1959".
Naquela fotografia dos professores que ilustra uma crónica de Lina Vedes pareceu-me, a um primeiro olhar, reconhecer onze (11) professoras e professores que me calharam em sorte. O tempo é traiçoeiro e a legenda, colocada posteriormente, permitiu-me identificar mais professores do que aqueles 11 que, no primeiro relance, tinha reconhecido.
O envio da fotografia da minha turma do 1º ano, adornada com uma surpreendente legenda, que mão cuidada se deu ao trabalho de fixar, permitiu-me mergulhar na memória de um convívio distante e reconhecer muitos rostos que nunca mais vi.
Na verdade entrei para o 1º ano do Liceu de Faro no ano lectivo de 1958/59. Um ano recheado de muitos, e significativos, acontecimentos políticos dos quais destaco, por curiosidade, as eleições presidenciais, às quais se candidatou Humberto Delgado (1958), e a chamada “Revolta da Sé” (1959).
Hoje sou capaz de associar o meu quotidiano juvenil, as ambiências familiares e escolares, com os acontecimentos de um tempo político, do qual guardo viva recordação, e que marcam, com nitidez, os antecedentes de um percurso pessoal que só a memória pode revelar de forma tão coerente e fiel.
Vejo os meus professores de liceu, entre os finais da década de 50 e inícios de 60, como uma mistura de conservadorismo pardo e de progressismo ilustrado encontrando-se gente de ambos os campos entre os "novos" e os "velhos" professores. A certa altura, no início dos anos 60, no Liceu de Faro, esquecendo os pardos, juntaram-se, por exemplo, no campo do progressismo ilustrado, os “velhos” Neves Júnior e Joaquim Magalhães, com os “novos” Gastão Cruz e Luísa Neto Jorge.
Já entre os alunos, além das marcas próprias da juventude de todas as épocas, é mais difícil vislumbrar, ou adivinhar, o resultado, nas suas vidas, da mistura das influências de mestres e funcionários, ilustrados ou pardos. O que é certo é que os jovens estudantes retratados ostentam uma pose compenetrada e, não lhes sendo permitido o convívio com as meninas, era-lhes imposta a “autoridade professoral” através de duas mulheres/professoras.
A fotografia foi tirada no Ginásio, onde todas eram tiradas, e no meio do grupo lá estão a Prof. ª Isabel Madruga e a Prof. ª Maria José Santos, a primeira das quais, por boas razões, nunca esquecerei. No Natal de 2007 ofereci uma cópia desta fotografia ao meu amigo Bexiga (António) e era bem capaz de mandar fazer tantas cópias quantos os personagens retratados, fazendo renascer em cada um de nós a memória de um tempo feliz.
Tenho na minha frente a fotografia da turma que frequentei nesse 1º ano em cujo verso a minha mãe escreveu: "Recordação do 1º ano – Faro – 10-4-1959".
Naquela fotografia dos professores que ilustra uma crónica de Lina Vedes pareceu-me, a um primeiro olhar, reconhecer onze (11) professoras e professores que me calharam em sorte. O tempo é traiçoeiro e a legenda, colocada posteriormente, permitiu-me identificar mais professores do que aqueles 11 que, no primeiro relance, tinha reconhecido.
O envio da fotografia da minha turma do 1º ano, adornada com uma surpreendente legenda, que mão cuidada se deu ao trabalho de fixar, permitiu-me mergulhar na memória de um convívio distante e reconhecer muitos rostos que nunca mais vi.
Na verdade entrei para o 1º ano do Liceu de Faro no ano lectivo de 1958/59. Um ano recheado de muitos, e significativos, acontecimentos políticos dos quais destaco, por curiosidade, as eleições presidenciais, às quais se candidatou Humberto Delgado (1958), e a chamada “Revolta da Sé” (1959).
Hoje sou capaz de associar o meu quotidiano juvenil, as ambiências familiares e escolares, com os acontecimentos de um tempo político, do qual guardo viva recordação, e que marcam, com nitidez, os antecedentes de um percurso pessoal que só a memória pode revelar de forma tão coerente e fiel.
Vejo os meus professores de liceu, entre os finais da década de 50 e inícios de 60, como uma mistura de conservadorismo pardo e de progressismo ilustrado encontrando-se gente de ambos os campos entre os "novos" e os "velhos" professores. A certa altura, no início dos anos 60, no Liceu de Faro, esquecendo os pardos, juntaram-se, por exemplo, no campo do progressismo ilustrado, os “velhos” Neves Júnior e Joaquim Magalhães, com os “novos” Gastão Cruz e Luísa Neto Jorge.
Já entre os alunos, além das marcas próprias da juventude de todas as épocas, é mais difícil vislumbrar, ou adivinhar, o resultado, nas suas vidas, da mistura das influências de mestres e funcionários, ilustrados ou pardos. O que é certo é que os jovens estudantes retratados ostentam uma pose compenetrada e, não lhes sendo permitido o convívio com as meninas, era-lhes imposta a “autoridade professoral” através de duas mulheres/professoras.
A fotografia foi tirada no Ginásio, onde todas eram tiradas, e no meio do grupo lá estão a Prof. ª Isabel Madruga e a Prof. ª Maria José Santos, a primeira das quais, por boas razões, nunca esquecerei. No Natal de 2007 ofereci uma cópia desta fotografia ao meu amigo Bexiga (António) e era bem capaz de mandar fazer tantas cópias quantos os personagens retratados, fazendo renascer em cada um de nós a memória de um tempo feliz.
Lisbon revisited (1926)
Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.
Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...
Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.
Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.
(.....)
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)
segunda-feira, maio 6
CARREIRISMO
Após ter surripiado por três vezes a compota da despensa, seu pai admoestou-o.
Depois de ter roubado a caixa do senhor Esteves da mercearia da esquina, seu pai pô-lo na rua.
Voltou passados vinte e dois anos, com chofér fardado.
Era Director Geral das Polícias. Seu pai teve o enfarte.
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Depois de ter roubado a caixa do senhor Esteves da mercearia da esquina, seu pai pô-lo na rua.
Voltou passados vinte e dois anos, com chofér fardado.
Era Director Geral das Polícias. Seu pai teve o enfarte.
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Mário Henrique Leiria nasceu em Lisboa em 1923. Frequentou por pouco tempo a Escola de Belas Artes. Entre 1949 e 1951 participou nas actividades da movimentação surrealista em Portugal. Teve vários empregos: marinha mercante, caixeiro de praça, operário metalúrgico, construção civil. Viajou. Em 1961 foi para a América Latina onde desenvolveu várias actividades, entre as quais a de encenador de teatro e de director literário de uma editora. Voltou nove anos depois. Colaborou em várias revistas e jornais nacionais.
CAMÕES - SETE SONETOS
Um ressonância de uma outra ressonância de 26 de Agosto de 2004. Nesse dia publiquei o último de sete sonetos de Camões, segundo a “Edição de Lobo Soropita de 1595”, por sinal um dos menos conhecidos:
Oh! Como se me alonga de ano em ano
Oh! Como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano!
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
Perde-se-me um remédio que inda tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.
Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo, a ver se inda parece
Da vista se me perde e da esperança.
---------------------------------------------------------------------------------
Ou restantes seis podem ser lidos clicando em baixo no respectivo primeiro verso:
Sete anos de pastor Jacob servia
Tanto de meu estado me acho incerto,
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Busque Amor novas artes, novo engenho
Aquela triste e leda madrugada,
Alma minha gentil, que te partiste
---------------------------------------------------------------------------------
Ou restantes seis podem ser lidos clicando em baixo no respectivo primeiro verso:
Sete anos de pastor Jacob servia
Tanto de meu estado me acho incerto,
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Busque Amor novas artes, novo engenho
Aquela triste e leda madrugada,
Alma minha gentil, que te partiste
domingo, maio 5
O COELHINHO QUE NASCEU NUMA COUVE
Era uma vez um coelhinho que nasceu numa couve.
Como os pais do coelhinho nunca mais aparecessem a couve passou a cuidar dele como se do seu próprio filho se tratasse.Com ervinhas tenras que cresciam ao seu redor a couve foi criando o coelhinho dentro do seu seio até que este passou a procurar a sua própria alimentação.O coelhinho, que tinha um coração muito bondoso, retribuindo o afecto que a couve lhe dedicava considerava-a como sua verdadeira mãe.A mãe couve e o seu filhinho adoptivo foram vivendo muito felizes até que um dia uma praga de gafanhotos se abateu sobre aquelas terras.O coelhinho ao ver que aqueles insectos vorazes devoravam tudo o que era verde cobriu com o seu próprio corpo o corpo da mãe couve e assim conseguiu que os gafanhotos pouco dano lhe fizessem.Quando aqueles insectos daninhos levantaram voo os campos em volta passaram a ser um imenso deserto de areias e pedra.O pobre coelhinho, que sempre tinha vivido nas proximidades da sua mãe couve, teve de deslocar-se para muitos quilómetros de distância a fim de procurar comida.Mas já nada havia que se pudesse mastigar naquelas terras.Passaram muitos dias e o pobre coelhinho estava cada vez mais magro mais magro e faminto.Então a mãe couve disse-lhe assim: “Ouve meu filho: é a lei da vida que os velhos têm de dar o lugar aos novos, por isso só vejo uma solução: assim como tu viveste durante algum tempo no meu seio, passarei a ser eu agora a viver dentro do teu. Compreendes, meu filho, o que eu quero dizer?”O pobre coelhinho compreendeu e, embora com grande tristeza na alma não teve outro remédio, comeu a mãe.
Pedro Oom
IN “2 HISTÓRIAS PARA CRIANÇAS (EMANCIPADAS) QUE ILUSTRAM A DIFERENÇA ENTRE O AMOR FILIAL E O AMOR CONJUGAL” (Também magistralmente dito por Mário Viegas em Humores, 1980)
Actuação Escrita, edição & etc (1980)
----------------------------------------------------------------------------
PEDRO OOM
Francisco Pedro dos Santos Oom do Vale nasceu em Santarém, a 24 de Junho de 1926.
Aos 2 anos acompanha a família para Setúbal e a partir dos 11 fixa-se em Lisboa. A aspiração do pai a que ingressasse no Colégio Militar nunca foi cumprida pois Pedro Oom se recusou.
Ingressa na Escola António Arroio onde conheceu Júlio Pomar, Vespeira, Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas e outros que viriam a aderir ao surrealismo.
Aos 24 anos, órfão de pais, ingressa no INE, como funcionário público, onde segue uma carreira desconcertante de disciplina em relação ao período anterior da sua vida e um “interregno”, afastando-se de toda a actividade artística e literária ligada ao surrealismo.
Dedicou-se, entretanto, com entusiasmo, ao xadrez modalidade na qual se distinguiu.
Em 1962 dá por finda a sua vida de funcionário público, sai do INE, reingressando, dois anos passados, desta vez, no Ministério da Educação onde se dedicou a estudos de estatística sobre o ensino.
A sua obra literária, poética e panfletária, ficou dispersa sendo impregnada de uma ironia que vai dos tons mais violentos da contestação à mordacidade pessoal.
Morreu no dia 26 de Abril de 1974, pelas duas e trinta da tarde, no Restaurante “13” quando, com alguns amigos, festejava os acontecimentos que então se viviam apaixonadamente.
A sua obra foi publicada em dois volumes sob o título “Actuação Escrita” pelas Edições & etc de cujas “notas biográficas” se respigou o presente texto.
Como os pais do coelhinho nunca mais aparecessem a couve passou a cuidar dele como se do seu próprio filho se tratasse.Com ervinhas tenras que cresciam ao seu redor a couve foi criando o coelhinho dentro do seu seio até que este passou a procurar a sua própria alimentação.O coelhinho, que tinha um coração muito bondoso, retribuindo o afecto que a couve lhe dedicava considerava-a como sua verdadeira mãe.A mãe couve e o seu filhinho adoptivo foram vivendo muito felizes até que um dia uma praga de gafanhotos se abateu sobre aquelas terras.O coelhinho ao ver que aqueles insectos vorazes devoravam tudo o que era verde cobriu com o seu próprio corpo o corpo da mãe couve e assim conseguiu que os gafanhotos pouco dano lhe fizessem.Quando aqueles insectos daninhos levantaram voo os campos em volta passaram a ser um imenso deserto de areias e pedra.O pobre coelhinho, que sempre tinha vivido nas proximidades da sua mãe couve, teve de deslocar-se para muitos quilómetros de distância a fim de procurar comida.Mas já nada havia que se pudesse mastigar naquelas terras.Passaram muitos dias e o pobre coelhinho estava cada vez mais magro mais magro e faminto.Então a mãe couve disse-lhe assim: “Ouve meu filho: é a lei da vida que os velhos têm de dar o lugar aos novos, por isso só vejo uma solução: assim como tu viveste durante algum tempo no meu seio, passarei a ser eu agora a viver dentro do teu. Compreendes, meu filho, o que eu quero dizer?”O pobre coelhinho compreendeu e, embora com grande tristeza na alma não teve outro remédio, comeu a mãe.
Pedro Oom
IN “2 HISTÓRIAS PARA CRIANÇAS (EMANCIPADAS) QUE ILUSTRAM A DIFERENÇA ENTRE O AMOR FILIAL E O AMOR CONJUGAL” (Também magistralmente dito por Mário Viegas em Humores, 1980)
Actuação Escrita, edição & etc (1980)
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PEDRO OOM
Francisco Pedro dos Santos Oom do Vale nasceu em Santarém, a 24 de Junho de 1926.
Aos 2 anos acompanha a família para Setúbal e a partir dos 11 fixa-se em Lisboa. A aspiração do pai a que ingressasse no Colégio Militar nunca foi cumprida pois Pedro Oom se recusou.
Ingressa na Escola António Arroio onde conheceu Júlio Pomar, Vespeira, Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas e outros que viriam a aderir ao surrealismo.
Aos 24 anos, órfão de pais, ingressa no INE, como funcionário público, onde segue uma carreira desconcertante de disciplina em relação ao período anterior da sua vida e um “interregno”, afastando-se de toda a actividade artística e literária ligada ao surrealismo.
Dedicou-se, entretanto, com entusiasmo, ao xadrez modalidade na qual se distinguiu.
Em 1962 dá por finda a sua vida de funcionário público, sai do INE, reingressando, dois anos passados, desta vez, no Ministério da Educação onde se dedicou a estudos de estatística sobre o ensino.
A sua obra literária, poética e panfletária, ficou dispersa sendo impregnada de uma ironia que vai dos tons mais violentos da contestação à mordacidade pessoal.
Morreu no dia 26 de Abril de 1974, pelas duas e trinta da tarde, no Restaurante “13” quando, com alguns amigos, festejava os acontecimentos que então se viviam apaixonadamente.
A sua obra foi publicada em dois volumes sob o título “Actuação Escrita” pelas Edições & etc de cujas “notas biográficas” se respigou o presente texto.
sábado, maio 4
POLÍTICA (4)
A UE numa encruzilhada - a união bancária marca passo, a união política idem, os nacionalismos arregimentam forças, cavam-se as divisões entre regiões, os dirigentes parecem ter perdido convições, os povos desconfiam das vantagens da democracia ... - tudo parece já ter sido dito, e redito, faltando somente juntar-se à espiral recessiva (onde a Holanda já colocou um pé...) uma espiral da violência, como sempre acontece, sem que se saibam antecipar as formas. O tempo politico parece tornar-se cada vez mais escasso para desatar os nós. Se as elites se deixarem capturar pelas lógicas das soluções únicas abdicando da sua liberdade de promover o debate (com suas dificuldades, e virtudes, quando exercido em democracia) e vacilarem perante todas as chantagens, se os partidos democráticos não forem capazes de buscar, e acordar, soluções realistas e inovadoras (do modelo politico democrático, à criação de uma nova economia, ou de uma economia renovada, com criação de empregos e reorganização do trabalho digno ...) surgirão em breve as soluções salvificas de que nossa própria história está pejada de mordaças e cadáveres. O tempo escasseia!
JOSÉ GOMES FERREIRA
"Viver sempre também cansa"
Descobri pelos meus apontamentos nos Cadernos de Camus a leitura entusiástica que, pelos meus 19/20 anos, fiz da poesia de José Gomes Ferreira. Aqui está a explicação, dada pelo próprio poeta, das circunstâncias em que surgiu o poema "Viver sempre também cansa" e de como, nesse momento, se afirmou a própria identidade do poeta. Esta é uma época muito marcada pela resistência comunista ao Estado Novo quando a ditadura vivia a sua primeira fase ainda antes da Constituição de 1933. A qualidade deste poeta e do seu trabalho ultrapassa, no entanto, as circunstâncias históricas da época em que iniciou a sua criação poética. Vale a pena revisitar este poeta e a sua poesia.
"Na noite de 8 de Maio de 1931, num segundo andar da Rua Marquês de Fronteira, encontrei, finalmente, a expressão autêntica do poeta autêntico, há tanto procurada. À terceira tentativa, para uma série de poesias que eu intitulava Poemas de Reincidência, escrevi dum jacto e quase sem emendas o poema 'Viver sempre também cansa'. Mostrei-o ao Carlos Queiroz, então meu amigo de todos os dias, que, sem me consultar (e se consultasse daria logo o meu consentimento, claro), o enviou a João Gaspar Simões. Pouco depois aparecia na Presença. E assim entrei no âmbito da chamada Poesia Modernista. A propósito, devo dizer que nunca fiz parte do grupo presencista. Como nunca pertenci a qualquer grupo saudosista . Ou à Seara Nova. voltemos à noite de 8 de Maio de 1931 e à poesia de 'Viver sempre também cansa', onde já havia - coisa insólita na época! - uma referência a Mussolini...Desde então senti que surgia em mim a expressão do poeta verdadeiro. E para marcar bem, para separar bem o novo do antigo poeta, acrescentei sub-repticiamente ao Gomes Ferreira, com que assinara os 'Lírios do Monte' e as duas edições de 'Longe', o meu nome próprio: José! Passei a bagatela, reputo eu de valor psicológico importantíssimo. E, assim, num novelo terrível de ganhar a vida com artigos diversos, crónicas anedóticas, contos e contecos, anúncios das cintas Pompadour, publicidade, traduções de fitas, etc., iniciei a minha carreira de poeta, a que mais tarde chamei de poeta militante."
"Na noite de 8 de Maio de 1931, num segundo andar da Rua Marquês de Fronteira, encontrei, finalmente, a expressão autêntica do poeta autêntico, há tanto procurada. À terceira tentativa, para uma série de poesias que eu intitulava Poemas de Reincidência, escrevi dum jacto e quase sem emendas o poema 'Viver sempre também cansa'. Mostrei-o ao Carlos Queiroz, então meu amigo de todos os dias, que, sem me consultar (e se consultasse daria logo o meu consentimento, claro), o enviou a João Gaspar Simões. Pouco depois aparecia na Presença. E assim entrei no âmbito da chamada Poesia Modernista. A propósito, devo dizer que nunca fiz parte do grupo presencista. Como nunca pertenci a qualquer grupo saudosista . Ou à Seara Nova. voltemos à noite de 8 de Maio de 1931 e à poesia de 'Viver sempre também cansa', onde já havia - coisa insólita na época! - uma referência a Mussolini...Desde então senti que surgia em mim a expressão do poeta verdadeiro. E para marcar bem, para separar bem o novo do antigo poeta, acrescentei sub-repticiamente ao Gomes Ferreira, com que assinara os 'Lírios do Monte' e as duas edições de 'Longe', o meu nome próprio: José! Passei a bagatela, reputo eu de valor psicológico importantíssimo. E, assim, num novelo terrível de ganhar a vida com artigos diversos, crónicas anedóticas, contos e contecos, anúncios das cintas Pompadour, publicidade, traduções de fitas, etc., iniciei a minha carreira de poeta, a que mais tarde chamei de poeta militante."
quinta-feira, maio 2
ACONTECEU-ME
Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos!
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.
Almada Negreiros
Publicado em Almada: O Escritor - O Ilustrador, 1993
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos!
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.
Almada Negreiros
Publicado em Almada: O Escritor - O Ilustrador, 1993
quarta-feira, maio 1
POLÍTICA (3)
Com o governo da Itália - 3ª economia da UE - a adotar este discurso o caldo vai ferver ...
«É preciso mostrar aos cidadãos que a Europa está a ajudá-los. Se a Europa desmoraliza os cidadãos, isso levar-nos-á a um desastre democrático. Se a Europa não significar bem-estar, oportunidades e crescimento, se os europeus considerarem que a Europa é uma má mãe, isso constituirá um grande problema democrático. Os cidadãos vão reagir contra essa má mãe.»
«É preciso mostrar aos cidadãos que a Europa está a ajudá-los. Se a Europa desmoraliza os cidadãos, isso levar-nos-á a um desastre democrático. Se a Europa não significar bem-estar, oportunidades e crescimento, se os europeus considerarem que a Europa é uma má mãe, isso constituirá um grande problema democrático. Os cidadãos vão reagir contra essa má mãe.»
terça-feira, abril 30
Um 1º de Maio especial!
Quase a chegar ao dia 1º de maio uma variante de post antigo ilustrado com as quatro fotografias (únicas!) da primeira aparição pública do MES na manifestação do 1º de maio de 1974, em Lisboa, com um comentário da autora das fotografias: Rosário Belmar da Costa.
No dia 1 de Maio de 1974, o mais memorável dia do trabalhador da história contemporânea portuguesa, o país desceu à rua para celebrar a liberdade. Os relatos são incontroversos acerca da adesão em massa da população aos festejos.
Miguel Torga, por exemplo, no seu “Diário” escreveu: “Coimbra, 1 de Maio de 1974 – Colossal cortejo pelas ruas da cidade. Uma explosão gregária de alegria indutiva a desfilar diante das forças de repressão remetidas aos quartéis.
- Mais bonito do que a Rainha Santa … – dizia uma popular. “
- Mais bonito do que a Rainha Santa … – dizia uma popular. “
Por mim estive remetido ao quartel e não pude participar na grande festa da liberdade. Ao contrário do que Torga escreveu as forças de repressão já não estavam remetidas aos quartéis pela simples razão de que tinham sido subjugadas ou aderido à revolução.
Nesse dia, na grandiosa manifestação de Lisboa, surgiu, pela primeira vez, em público, o MES (Movimento de Esquerda Socialista). Alguém tomou a iniciativa de desenhar num pano MOVIMENTO DA ESQUERDA SOCIALISTA (EM ORGANIZAÇÃO) e juntar atrás dele os activistas que antes militavam em diversos movimentos sociais e sectoriais.
Publico as quatro fotografias, de autoria de Rosário Belmar da Costa, que me chegaram às mãos através do António Pais que, por sua vez, as recebeu de Inês Cordovil.
Estas fotografias, 39 anos depois de terem sido fixadas, são, certamente, documentos únicos que testemunham o nascimento de um partido com vida efémera pois que, como é sabido, se auto dissolveu, num jantar, em 7 de Novembro de 1981.
Eduardo,
Estivemos, eu e o Xico (Camões), a puxar pela memória e o que nos lembramos é que começámos o dia por ir ao Bombarral buscar uns livros de capa preta que o Mil Homens tinha conseguido imprimir numa tipografia de lá (sobre o que eram os livros já não nos lembramos - textos de antes do 25 de Abril e prefácio posterior, mas talvez tu saibas*).
Depois viemos ter com o Agostinho (Roseta) (lá para os lados da Portugália) que, fardado, não queria aparecer em evidência. Não sei mesmo mas penso que é o tipo de costas ao pé do pau do lado esquerdo.
A ideia do cartaz foi do César de Oliveira (creio que ainda houve alguma discussão sobre se era Movimento da Esquerda ou Movimento de Esquerda...), que esteve o tempo todo esfuziante aos gritos. Ao pé de nós apareceu um grupo, de desertores e refractários acabadinhos de chegar de Paris, animadíssimo (bem animadíssimos estávamos todos) capitaneado pelo Zé Mário Branco aos gritos de “Desertores, Refractários, Amnistia Total!”. Foi uma tarde de sonho, tal era o entusiasmo, a quantidade de gente toda feliz, a alegria que estava no ar!
Quanto à fotografia o problema é lembrarmo-nos dos nomes…A partir de uma determinada altura já não foi possível fotografar mais nada, já que era tanta a gente que só do alto e com grandes angulares, meios fora do alcance dos amadores que éramos. Felizmente foram a preto e branco que têm muita mais conservação que as feitas a cores!
.
Rosário Belmar da Costa
segunda-feira, abril 29
O MEU AVÔ DIMAS EDUARDO
domingo, abril 28
ANIVERSÁRIO
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.]
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),]
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!]
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...]
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,]
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado –,]
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
15 de Outubro de 1929
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
sábado, abril 27
POLÍTICA (2)
Os discursos. No palco da política os discursos
desvalorizam-se cada dia que passa. Por vezes aflora no discurso político uma
ou outra, rara, faceta de autêntica inovação. Aí surge uma réstia de esperança
no ressurgimento do prestígio perdido da política. Ontem na sic notícias Ferro
Rodrigues ensaiou, uma vez mais, um discurso promissor que, em síntese, assenta
na ideia de que é preciso, e urgente, criar uma alternativa política no lugar da
tradicional alternância. Ou seja, ir além de
um modelo de alianças entre os partidos tradicionalmente situados à esquerda ou
à direita, conforme a lógica tradicional do entendimento de esquerda e direita.
Ir mais longe nos alinhamentos políticos/partidários em prol de uma alternativa
política de governo aberta. Não um governo de iniciativa presidencial mas um governo
de iniciativa cidadã através de partidos que a tenham sido capazes de reconquistar representando aspirações e interesses de todos e de cada um dos cidadãos.
No fundo a manifestação de uma exigência de reforma do próprio modelo de representação
politica através do voto livre e democrático, não contra os partidos, mas com
partidos renovados através da sua autêntica abertura à participação (repito –
participação!). É preciso promover uma reforma do modelo da democracia
representativa para que, nas minhas palavras, não seja a própria democracia a
ser posta em causa. E a paz. E a liberdade.
(raramente me pronuncio acerca de pronunciamento públicos de
políticos e ainda mais raramente acerca dos pronunciamentos públicos do Ferro
Rodrigues por pudor que resulta de uma amizade duradoura e antiga. Mas na
presente situação não dá mais para estar calado.)
sexta-feira, abril 26
POLÍTICA
O PS entra em cena, como outras vezes no passado, com uma liderança que aparece, aos olhos de muitos, como fraca. Não menosprezem a liderança do PS os que nela - dentro e fora - se não revêem. Nem o PS, que se revê na sua liderança, menospreze os que a menosprezam. Apesar do calor dos discursos, e sua coreografia, a política, em democracia, persiste em reclamar dos que aspiram ao poder capacidade de convencer os que do poder nada mais esperam do que justiça e liberdade. POLÍTICA!
quinta-feira, abril 25
25 de Abril
Deixo que a palavra
tão incerta
teça
a liberdade a meio
deste Abril
para que a memória em Portugal não esqueça
tomando da flor
o cravo na matriz
teimando que a paixão
a tudo vença
dizendo não àquilo
que não quis
Maria Teresa Horta
Março 99
tão incerta
teça
a liberdade a meio
deste Abril
para que a memória em Portugal não esqueça
tomando da flor
o cravo na matriz
teimando que a paixão
a tudo vença
dizendo não àquilo
que não quis
Maria Teresa Horta
Março 99
quarta-feira, abril 24
25 de ABRIL
Neste mesmo dia, 39 anos passados, pela hora a que escrevo,
devo ter passado pela casa do Ferro (Rodrigues) para o avisar de que algo de
muito especial estava a ser preparado para o dia seguinte. Estava a decorrer a
transmissão de um jogo de futebol na Alemanha de Leste – Magdeburgo-Sporting
(para a Taça das Taças?), não me lembro já das palavras, mas retenho a memória
viva do ambiente. Saí para me juntar ao João Mário Anjos (que será feito dele!)
e do António Dias, na casa deste, em Benfica, de onde haveríamos de sair (se
tudo, desta vez, corresse conforme as nossos desejos), a caminho do quartel do Campo
Grande onde, como milicianos, prestávamos serviço militar. Era, se não erro uma
quarta-feira, primavera em flor, e esperámos pacientemente pelos sinais em forma
de canções. Deixei-me dormir enquanto esperava. De súbito alguém me acordou
dando-me a notícia de que havia tocado a canção/senha. Devemos ter-nos
apressado a sair tomando lugar no Datsun branco, conduzido pelo António Dias, o
João Mário Anjos e eu próprio a caminho do Campo Grande mas antes ainda demos
umas voltas para medir o pulso ao ambiente nas ruas e no quartel do Lumiar. Prevalecia
a quietude, nada mexia, receamos um falso arranque e mais um fracasso. Após algumas
voltas reentramos na 2ª circular e, chegados perto do quartel, demos de frente
com uma coluna militar da qual não sabíamos mais do que nos era dado ver. Voltamos
a acreditar e em lugar de cumprir com o plano decidimos seguir a coluna – já sem
o João Mário que deixamos no quartel – descendo a caminho da baixa. Já antes
contei este episódio improvável que fez com que tivéssemos sido os únicos civis que, como mais tarde soubemos, fizeram parte da coluna de Salgueiro Maia. Depois da coluna
militar ter estacionado na Ribeira das Naus seguimos em frente retomando o
plano inicial e, de caminho, cruzou-se connosco, em sentido contrário, uma coluna
de tanques pesados. A desproporção das forças em presença era brutal e pensamos, caso se
tratassem, como se tratavam, de forças de campos opostos esta última coluna destruiria
sem esforço a que havíamos seguido. Afinal tudo se passou ao contrário: a fraca
força militar, comandada pelo capitão Salgueiro Maia, venceu a forte força
militar, comandada pelo brigadeiro Junqueira dos Reis. Ali, naquele preciso
momento, a coragem serena de Salgueiro Maia, olhando de frente o soldado que se
recusou a premir o gatilho, desobedecendo às ordens de fogo, decidiu a sorte da
revolução. Honra à sua memória!
Com o meu amigo João Mário Mascarenhas, na porta de armas do Quartel do Campo Grande, num dos dias de fogo da revolução. |
domingo, abril 21
quarta-feira, abril 17
segunda-feira, abril 15
domingo, abril 14
quinta-feira, abril 11
COISAS ANTIGAS
Outro dia alguém falou da crise de 1984 e seus efeitos terríveis na vida de quase todos os portugueses. Passaram quase 30 anos e estavamos nas vésperas da adesão de Portugal à CEE (atual UE) e, na verdade, sofrendo as dores do parto dessa adesão. A qualidade de vida da maior parte dos portugueses melhorou muito nos anos seguintes. Já quase ninguém se lembra de como viviam os portugueses antes do 25 de abril de 74, nem como viviam antes de 85, ano da adesão à CEE. O tempo e a escala fazem esquecer e distorcem a avaliação das conquistas alcançadas. Para dizer que salvo se a UE se desfizer - o que faria perfilar no horizonte um tempo de ameaça de guerra - os defensores da saída do € laboram em cenário de catástrofe, recuando a 84, e os defensores - ainda envergolhados - da saída da democracia laboram em cenário de catástrofe, recuando a 73. Todos os esforços sensatos para evitar ruturas são benvindos, algo assim como se fosse possível fazer vencimento uma ideologia e uma prática política antigas que cairam em desuso: o centrismo radical!
quarta-feira, abril 10
sábado, abril 6
A CRISE DA CRISE
Fortes incertezas, hesitações e desgaste. Ninguém escapa ao julgamento politico no cumprimento de suas responsabilidades. Não vale a pena gritar alto mesmo através de silêncios estridentes. Nem repreender os tribunais. Devemos saber reconhecer que os juizes em Portugal são, salvo rarissimas exceções, cidadãos exemplares no exercício das suas funções. Incluindo os que integram o Tribunal Constitucional. Há momentos em que são necessários politicos corajosos e clarividentes. Não serão os extremos do espetro politico partidário, nem as radicalizações táticas, nem a vozearia dos comentadores encartados que contribuirão para resolver problema algum. Nem se resolverá a crise da crise através de quaisquer soluções fora do quadro partidário. Há muitos bons exemplos na sociedade portuguesa, a nível macro e micro, de compromisso, acordo, concertação, diálogo e cooperação partidária na resolução dos problemas.
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