sexta-feira, fevereiro 6

Igual - desigual

Eu desconfiava:
Todas as histórias em quadrinhos são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os "best-sellers" são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda são iguais.
Todas as experiências de sexo são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas, e rondóis são iguais
e todos, todos
os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais, iguais, iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho
ímpar.

Carlos Drummond de Andrade


A mais importante notícia do dia

CIA Nunca Considerou o Iraque Uma "Ameaça Iminente"

O Público dá notícia que George Tenet, o director da CIA, afirmou ontem que os analistas da agência "nunca disseram que havia uma ameaça iminente" no Iraque antes da guerra, defendeu o trabalho e as conclusões dos serviços secretos mas, ao mesmo tempo, ilibou a Administração Bush de pressões para que fosse exagerada a ameaça colocada pelo arsenal de Saddam Hussein.
Já toda a gente percebeu...uns mais cedo, outros mais tarde, que os argumentos invocados para justificar a guerra contra o Iraque eram falsos, mas o petróleo permanece no local, não é?

Os favoritos de um iniciado...

Os meus favoritos resultam de uma escolha que, por sua vez, resulta da vontade, do acaso, da tradição, do preconceito, do conhecimento prévio, do tempo disponível e do facto, determinante, da minha capacidade de conhecimento ser limitada. Quando dou uma volta pela imensidão da internet - blogosfera incluída - fico estarrecido com a pequenez do nosso contributo individual no caudal de informação que deveria aplacar a ignorância e parece adensá-la quanto mais informação se liberta. Sem falar, claro, da contra-informação. A nossa ignorância é um mar imenso no qual emergem poucas ilhas paradisíacas de conhecimento e sabedoria. Quando, por exemplo, passo a limpo os sublinhados dos "Cadernos de Camus" buscando, através da net, informações actualizadas, acerca dos escritores, pensadores e filósofos citados, fico surpreendido. O manancial de informação, acerca de cada um deles, pela sua extensão e detalhe, é quase irreal. Ainda bem, dirão os investigadores devotos da net, e eu estou de acordo. Nesta coisa da informação mais vale o mais do que o menos. Mais vale a liberdade, com erros, do que a correcção, com omissões impostas pela censura, seja qual for a sua natureza. Mas afinal só queria dar-vos a conhecer os favoritos de um iniciado no universo dos blogs. Quais são os meus favoritos no dia de hoje? O Abrupto (uma referência intelectual livre, crítica de si mesma) os Cadernos de Camus (um projecto interessante, no qual participo) a Causa Nossa (uma referência política não dogmática, crítica do maioria) o BlogDaMiuda (uma referência individual, crítica do quotidiano) o Turing-Machine (referência inicial do absorto, uma amizade solidária). Nos últimos dias fiquei fiel de outros dois: o Noparapeito e o recém-nascido EscritanaMesa. Espero que os editores respectivos escrevam mais que os conheço e sei que a escrever são águias... E basta…

quinta-feira, fevereiro 5

"Vivam, apenas"


Vivam, apenas.
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes.
Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.
Mas não queiram convencer os cardos
a transformar os espinhos
em rosas e canções.
E principalmente não pensem na Morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.
Vivam, apenas.
A Morte é para os mortos!

José Gomes Ferreira
Poesia I (1948)

A mais importante notícia do dia - Entre os Rios

(...)"Os familiares das vítimas da queda da ponte de Entre-os- Rios estão satisfeitos com um relatório, divulgado esta quinta-feira, que atribui a culpa do incidente à extracção de areias no rio Douro, mas os areeiros rejeitam responsabilidades.
O relatório pericial sobre as causas da queda da ponte de Entre-os-Rios solicitado pelo Tribunal de Castelo de Paiva, revelado pelo Jornal de Notícias, indica que a extracção de areias contribuiu em 80% para o rebaixamento do leito do rio e foi a causa principal do incidente.
O presidente da Associação dos Familiares das Vítimas da Queda da Ponte de Entre-os-Rios, Horácio Moreira, referiu que a organização "está satisfeita" com o novo relatório, porque o processo tem sido bastante moroso, mas "nota-se agora que a justiça funciona", após três anos.
Diferente é a interpretação de quem defende os areeiros, como é o caso do advogado Nelson Correia, para quem a erosão do Rio Douro pode ter como causa a extracção de areias, sem que isso signifique a responsabilidade dos areeiros pela queda da Ponte de Entre-os-Rios." (LUSA)
Um caso exemplar de "desenvolvimento in-sustentável". Quando começou o processo de extracção das areias? Quem autorizou? Quem beneficiou?












quarta-feira, fevereiro 4

Jacques Delors


Este é um político experiente ao qual, pelo seu passado de acção política em prol da construção europeia, se deve dar muita atenção.

"É sempre preciso partir de um consenso dinâmico."

"A Europa tem uma escolha entre a marginalização ou a sobrevivência, o declínio ou a sobrevivência. Porque o mundo anda depressa. No plano tecnológico, económico, das relações geopolíticas."

"...três finalidades da construção europeia: a paz, a modernização económica e a existência política. É preciso acrescentar um outro: a coesão económica e social."

"O que digo é que é preciso praticar a linguagem da verdade perante os cidadãos. Dizer-lhes o que pensamos e respeitá-los, mas é também fazer apelo à sua inteligência e à sua razão."

"Se tivéssemos esperado que os quinze estivessem de acordo ainda hoje não teríamos o euro. É tão simples como isto. Não é a Europa a duas velocidades. Mas hoje o clima é de tal ordem que não deixa passar nenhuma ideia positiva."

"Depois da queda do muro, o medo era grande. Dizia-se que ia haver confrontos, milhares de mortos. Nada disso aconteceu. Um pouco por sorte, mas também graças á sabedoria de muitos homens e mulheres que eram responsáveis na altura.(...) Isso serve para dizer aos jovens que a política nem sequer é desencorajadora, que há momentos de grandeza, que não estamos condenados à regressão, ao crime, às guerras, ao ódio."

(Excertos da entrevista ao Público de 4 de Fevereiro de 2004)



Para a Rita com amor



A Rita descobriu o absorto e eu descobri a Rita. Aqui está o programa do absorto que a Rita destacou hoje, 4 de Fevereiro, um dia especial para mim. É um texto do género prosa poética que estabelece a coluna vertebral desta intervenção pública.

Deixar uma marca

Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado,
sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez
no encontro com eles,

nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão
olhando o mundo e tomando a medida exacta
da nossa pequenez,

atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus,
usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós
porque por amor nos iluminam,

observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra,
a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino
e acreditar no futuro do homem,

louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar,
mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte
ou á lei da vida,

guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular
ou da espingarda apontada á fronte
do combatente irregular,

incensar o gesto ameno e contemporizador
que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,

ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação
e desejar a amizade das mulheres,

admirar a vista do mar azul frente á terra atapetada de flores de amendoeira
em silêncio e paz.


A mais importante notícia do dia


O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, reconheceu quarta-feira perante a Câmara dos Comuns que, ao contrário do que esperava, o Grupo de Inspecções no Iraque (ISG) "não encontrou armas prontas para serem imediatamente utilizadas".
"Admito que o ISG não encontrou o que eu e muitas outras pessoas, como David Kay (ex-chefe do ISG), esperavam que encontrasse, isto é, armas prontas para serem imediatamente utilizadas", declarou Tony Blair, num debate consagrado ao relatório Hutton sobre o suicídio do especialista em armamento David Kelly, em Julho passado.
(Notícia da LUSA)
Sem comentários...

terça-feira, fevereiro 3

Camões dirige-se aos seus contemporâneos


Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

Assis, 11 Junho 61

Jorge de Sena
In"Metamorfoses [1963]
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Liberdade - 6


Não me venham com ameaças, medos, vigias, perseguições, listagens de grevistas, bufos, cartas anónimas, silêncios, arrecuas, cartões partidários a dobrar, acusações de excessos na luta pela liberdade e contra o colonialismo. Passaram 30 anos e todos já esqueceram o passado! É o que dizem alguns cronistas encartados do regime. É uma mentira grosseira. Ninguém esqueceu o passado. Todos têm o passado nas suas veias. Um povo é uma sucessão de gerações. Entrelaçadas. O cronista Delgado não tem passado? O governante Portas não tem passado? O Dr. Soares (Mário) não tem passado? O Presidente Sampaio não tem passado? O Presidente Lula não tem passado? O falecido General Kaúlza não tem passado? Todos nós temos passado. Mas alguns têm mais passado do que outros. Os conservadores a sério não brincam com o passado. Assumem o passado. Honram o passado. Todos os cidadãos decentes respeitam a tradição. Cada vez se ouve mais nítido o apelo a que, ao menos, haja decência na vida pública, na comunicação social, no simples exercício da cidadania na vida de todos os dias. Decência! Não é pedir muito! Quem toma posse em funções de Estado é responsável por tudo o que compete. De hoje e de ontem. Tem por obrigação tratar o presente e o passado com decência. O passado é sempre de outros? Não! É de todos. Quer gostemos ou não gostemos é nosso! A liberdade é um dado adquirido? Não! A liberdade é uma conquista quotidiana. A vantagem da liberdade é que nela cabem os indecentes e os inimigos da liberdade. Como dizia Camus: "A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário".

Com licença poética


Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
-vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo.
Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável.
Eu sou.

Adélia Prado

segunda-feira, fevereiro 2

Cadernos de Camus - 6



Estes não são os últimos sublinhados no Caderno n.º5 pois resolvi, por demasiado extensa, dividir em duas partes os excertos para inserir nos Cadernos de Camus. Como em anteriores excertos há casos de citações de citações. Hesitei na forma da sua apresentação. Tentei sempre ser o mais claro possível colocando-me do lado do leitor destas notas.

Omito nesta série de sublinhados a transcrição de um excerto por ser demasiado longo e apresentar uma configuração que não se enquadra bem com este formato. Não resisti a acrescentar, em contrapartida, o único excerto não sublinhado, que surgirá na próxima entrada, que é exactamente aquele que encerra o Caderno n.º5, do volume Cadernos III (edição portuguesa), respeitante ao período Setembro de1945/Abril de 1948:

"Palante diz com razão que se há uma verdade una e universal, a liberdade não tem razão de ser."

"É como se fosse absolutamente necessário escolher entre o aviltamento e o castigo."

"Mas ninguém é culpado absolutamente, não se pode pois condenar ninguém absolutamente I) aos olhos da sociedade 2) aos olhos do indivíduo."

""Sócrates atingido por um pontapé. "Se um burro me tivesse batido iria porventura apresentar queixa?" (Diógenes Laércio, II, 2I)""

""Para Schopenhaurer : a existência objectiva das coisas, a sua "representação" é sempre agradável, ao passo que a existência subjectiva é sempre dor.
"Todas as coisas são belas à vista e terríveis no seu ser, donde a ilusão, tão corrente e que sempre me impressiona, da unidade exterior da vida dos outros.""

""Problema da transição. Deveria a Rússia passar pelo estádio da revolução burguesa e capitalista, como o exigia a lógica da história? Neste ponto só Tkatchev (com Netchaev e Bakunine) é o predecessor de Lénine. Marx e Engels eram mencheviques. Eles só tinham em vista a revolução burguesa futura.
As constantes discussões dos primeiros marxistas sobre a necessidade do desenvolvimento capitalista da Rússia e a sua tendência para acolherem esse desenvolvimento. Tikhomirov, velho membro do partido da vontade do povo, acusa-os de se fazerem "os paladinos das primeiras capitalizações.""

"Finalmente, á a vontade do proletariado que transforma o mundo. Há por conseguinte verdadeiramente no marxismo uma filosofia essencial que denuncia a mentira da objectivação e afirma o triunfo da actividade humana."

"Em russo volia significa igualmente vontade e liberdade."

"Lénine afirma a primazia do político sobre o económico (a despeito do marxismo)."

"Lucaks: O sentido revolucionário é o sentido da totalidade. Concepção do mundo total em que a teoria e a prática são identificadas.
Sentido religioso segundo Bardiaev."
(Andava eu, certamente, a ler Lucaks)

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).










Promoção de Portugal - Turismo


O turismo é uma das grandes actividades do futuro. As economias de todos continentes, regiões e países, o mundo empresarial e associativo e, muito em especial, as famílias e os cidadãos terão muito a ganhar, no futuro, com o desenvolvimento da actividade turística.
Portugal é o 10º destino turístico da Europa e o 17º do mundo (valores de 2002) o que significa que, atendendo à sua pequena dimensão territorial e demográfica, Portugal é uma potência do turismo europeu e mundial.
No ano de 2004 Portugal organiza o Campeonato de Europa de Futebol, um dos maiores eventos desportivos a nível mundial, que vai contribuir para a promoção de sua imagem na Europa e no Mundo.
Podemos não gostar de futebol ou discordar com o investimento público necessário à organização desse evento mas seria uma grande oportunidade perdida não aproveitar este evento para impulsionar a qualidade da promoção da imagem de Portugal.
Veja-se, por, exemplo, como o site oficial do turismo de PORTUGAL fica a perder, não só em imagem mas também em conteúdo e design de interface, na comparação com os sites correspondentes da IRLANDA, da ESPANHA e mesmo de MARROCOS.
Era uma boa ocasião para o Governo mostrar que existe efectiva vontade de modernização do país e capacidade para utilizar as novas tecnologias de informação. Em proveito de Portugal e dos portugueses e não da promoção das medidas que já foram promovidas vezes sem conta..



sábado, janeiro 31

Dedicatórias, leituras e políticas…


Aqueles que pensam que conhecem tudo e todos iludem-se com as aparências. Alguns amigos devem achar, no mínimo bizarro o meu interesse por Camus. Mas só a imagem que de nós fazem aqueles que nos amam é que se aproxima da nossa verdadeira alma. Esse círculo restrito não se esgota na família próxima mas não vai muito mais além. Criam-se estereótipos e cada um de nós carrega a vida toda com as penas próprias e as penas que os outros decidem que carreguemos para descanso da sua consciência (deles). Vem isto a propósito de um livro, o último, de Albert Camus - "O Primeiro Homem" (Edições Livros do Brasil) - que encontrei na estante do meu filho no qual escrevi a seguinte dedicatória:
" Para o MM:
A mãe comprou em Paris a edição francesa (1ª edição) e agora comprei a 1ª edição portuguesa. MM fez 4 anos no passado dia 27 e esta literatura à para ele com outras obras de Camus que tenho comprado ao longo do tempo, em particular, os "Cadernos". É, ao mesmo tempo, um acto de esperança na vida e no desejo de ler na era do áudio visual que vai ser cada vez mais esmagador na altura em que MM souber apreciar estas coisas.
Hino à vida, saudação àqueles que não têm voz activa, pensamento ligado à acção, defesa da justiça e da liberdade, alerta contra o fanatismo e o totalitarismo…
94/11/02"
Reparei na data e já passaram quase dez anos. MM ainda não leu o livro. Já tem 13 anos. Recebeu, por sinal, ontem as notas deste período (Escola Alemã) que foram razoáveis e eu fiquei muito contente pela nota máxima na disciplina de Música. É um bom sinal para que um dia venha a decidir, livremente, ler este livro. A música devia ser obrigatória, pelo menos até ao 9º ano, em todas as escolas portuguesas. Ia ajudar a melhorar o desempenho dos jovens em todas as disciplinas e, em particular, no português e na matemática. Tal seria possível. È necessário dinheiro mas principalmente capacidade de sonhar com o futuro. Dedicatórias, leituras e políticas …das verdadeiras são precisas!

Cavafy


DESEJOS

Como corpos belos dos que morrem sem ter envelhecido
- e são guardados, em lágrimas, num mausoléu magnífico,
com rosas na fronte e com jasmins nos pés -
assim os desejos são, desejos que esfriaram
sem serem consumados, sem que um só fruísse
uma noite de prazer, ou uma aurora que a lua inda ilumina.

[antes de 1911]

Já entrados no último dia de Janeiro de 2004 lembrei-me de divulgar um poema de Cavafy, na tradução de Jorge de Sena, acrescentando umas notas acerca da tradução para português da obra do grande poeta grego. Ainda a questão das traduções...Jorge de Sena descreve no livro "Constantino Cavafy 90 e mais quatro poemas", Edições ASA, o processo que o levou à tradução de parte da obra do poeta (conhecem-se 187 poemas de Cavafy; Sena traduziu 90 dos 154 poemas que "constituem o cânon de Cavafy"+quatro dos 33 "primeiros poemas", ulteriormente revelados).
Jorge de Sena descreve o contexto em que realiza a tradução: "As traduções apoiam-se nas de Mavrogordato e Dalven (em inglês), nas de Papoutsakis, Griva e Marguerite Yourcenar (em francês), nas de Steiner (em alemão), nas de Pontani (em italiano), todas cotejadas entre si e com o original grego da edição de Atenas, 1952".
Era intenção expressa de Sena traduzir os restantes 64 dos 154 poemas maiores de Cavafy, o que nunca veio a acontecer.
.


sexta-feira, janeiro 30

Imigração

Irlanda



Descobri que um estudo recente de um instituto de pesquisa Irlandes prevê que a Irlanda necessite, no período que decorre entre 2001 e 2010, de 300.000 novos licenciados para dar resposta ao crescimento da sua economia.

Desses 300.000 licenciados o estudo prevê que a Irlanda deva acolher, nesse período de 10 anos, cerca de 100.000 licenciados, oriundos de outros países.

Fazendo umas contas simples a Irlanda precisa, por ano, de cerca de 10.000 imigrantes licenciados que deverão ser recrutados, preferencialmente, nos países do leste da Europa. Tal situação deve-se ao facto de ser previsível que, até 2010, ocorra na Irlanda uma diminuição de 15% no número de jovens entre os 15 e os 24 anos.

Em Portugal também há estudos oficiais credíveis mas o governo anunciou uma quota de ingresso no país, em 2004, de 6.500 imigrantes indiferenciados.

A este propósito o Presidente da CIP, Francisco Van Zeller em entrevista, ao Diário Económico, de 29 de Janeiro, já deu uma resposta elucidativa ao significado daquela quota: " Ninguém faz caso dela, porque os imigrantes vão continuar a entrar ilegalmente e as empresas a empregá-los."

Nem mais!

quinta-feira, janeiro 29

Dr. Cadilhe - pessimismo e decadentismo


O Dr. Cadilhe surpreendeu. Julgava-o capaz de manter uma saudável distância face ao pensamento económico vulgar e à comunicação tablóide da qual, aliás, tem razões para sentir horror.

Mas estava enganado. O Dr. Cadilhe pisca o olho à esquerda social-democrata nas questões orçamentais, "mais déficit", investimento público "virtuoso" e não ostentatório,... Mas, ao mesmo tempo, quer enviar os desempregados e a tropa para as florestas. Os desempregados, para o Dr. Cadilhe, são um mero indicador macro económico e a tropa é uma inutilidade à espera de uma guerra que não vem.

O Dr. Cadilhe está contra a "EXPO 98", o "Euro 2004", a "Capital Europeia da Cultura", os submarinos...ou seja, o Dr. Cadilhe não resistiu à moda dos discursos populistas. O taxista que me transportava gostou de ouvir. Aquele discurso tem o sabor de um ajuste de contas com o passado. Mas a defesa de uma política social-democrata exigiria um pouco mais de distanciamento face às facilidades do discurso populista. Os desempregados são pessoas com família, filhos, aspirações profissionais... a tropa tem missões a cumprir, vertidas na Constituição e na lei... e o Dr. Cadilhe não percebe nada de florestas nem de logística. Mas mesmo que se julgue um génio da gestão e seja livre para emitir opiniões sinceras, no exercício de um direito que aplaudo, o problema do Dr. Cadilhe é que não é um cidadão qualquer. É um alto funcionário do Estado, foi Secretário de Estado e Ministro e, hoje, é o responsável máximo pela entidade nacional que tem como missão atrair o investimento estrangeiro para Portugal.

O estado de alma que o Dr. Cadilhe deixou transparecer, nas palavras que proferiu, não é compatível com a tarefa de atrair investidores estrangeiros para Portugal. Parecia um ex-ministro das Finanças no dia seguinte à sua própria demissão! Será este o discurso que o Dr. Cadilhe faz no exercício das suas funções? Compreendo que as declarações recentes do decano do Grupo Melo, acerca da inutilidade da independência de Portugal, tenham sido demasiado fortes. O Dr. Cadilhe não quis ficar atrás. Ao discurso pessimista do Grupo Melo juntou o Dr. Cadilhe uma pitada de decadentismo e miserabilismo tão ao "estilo português".

O problema destes discursos, eivados de um populismo ostensivamente irracional, é que não visam nem a integração em Castela nem a modernização do país. São o fermento de um ambiente político e social favorável à conquista do poder pelas correntes ultra conservadoras. Estes discursos não surgem por acaso. Eles servem uma estratégia de tomada do poder. E os mentores desta estratégia já estão no Governo e até já têm candidato à Presidência da República! E por estranha ironia o Dr. Cadilhe já foi, no passado, uma vítima daqueles que agora ajuda, espero que involuntariamente, com o seu discurso populista!

quarta-feira, janeiro 28

Cadernos de Camus - 5


Nos meus sublinhados de juventude destes Cadernos omito, pela primeira vez, dois excertos de diálogos que viriam a integrar a futura peça de teatro "Os Justos". A sua transcrição integral tornaria demasiadamente longa esta contribuição para o projecto Cadernos de Camus. Mantenho, no entanto, um excerto dos diálogos preparatórios dessa peça.
Esta é a penúltima série de excertos do Caderno nº 5, que constam do volume Cadernos III, respeitante ao período Setembro de1945/Abril de 1948:

"Há quem se remanseie numa mentira como os que se refugiam na religião."
(Esta frase sublinhada faz parte de um texto longo, que não transcrevo na íntegra, no qual, à margem, escrevi à mão: "cuidado!")

"Conheço-me bem de mais para crer na virtude completamente pura."

"O problema mais sério que se põe aos espíritos contemporâneos: o conformismo."

"O grande problema da vida é saber como viver entre os homens"
(Apresenta uma nota de pé de página onde se lê: "No manuscrito, encontra-se entre parênteses: A.F.")

"X. "Sou um homem que não crê em nada e que não ama ninguém, pelo menos no âmago. Há em mim um vazio, um deserto horrível..."

"Marc condenado à morte na prisão de Loos. Recusa que lhe tirem os ferros durante a Semana Santa para se parecer mais com o seu salvador. Antigamente disparava contra os crucifixos que encontrava nas estradas."

"Cristãos felizes: Guardaram a graça para si próprios e deixaram-nos a caridade."

"Peça.
D. - O que há de triste, Yanek, é que tudo isso nos envelhece. Nunca mais, nunca mais seremos crianças. Podemos morrer desde este instante, já esgotámos o homem (o homicídio é o limite.)
- Não, Yanek, se a única solução é a morte, então não seguimos a boa vida. A boa vida é a que leva à vida.
- Tomámos sobre nós o mal do mundo, este orgulho há-de ser castigado.
- Passámos dos amores infantis a essa inicial e derradeira amante que é a morte. Andámos depressa de mais. Não somos homens."

(Este excerto é o único que transcrevo daqueles que sublinhei dos textos preparatórios da peça de teatro "Os Justos". Esta peça foi concluída, após uma viagem à América Latina, no Verão de 1949, estando Camus gravemente doente. Nela é abordada a questão, fundamental para Camus, da violência política cujo debate requer, em qualquer circunstância, um adequado enquadramento filosófico e histórico.)

"Miséria deste século. Ainda não há muito tempo eram as más acções que precisavam de ser justificadas, hoje são as boas."

"A solidão perfeita. No urinol de uma grande estação à uma hora da manhã."
(Contém uma nota de pé de página onde se escreve. "Esta observação foi acrescentada à mão sobre a primeira redacção à máquina").

Bayle": pensamentos diversos sobre o cometa.
"Não de deve julgar a vida de um homem nem pelas suas crenças nem pelo que publica nos livros.""

"Como fazer compreender que uma criança pobre pode ter vergonha sem ter inveja"
(Clara referência à infância pobre do próprio Camus.)

Vigny (correspondência): " A ordem social é sempre má: de tempos a tempos é apenas suportável. Para se ir do mau ao suportável, a disputa não vale uma gota de sangue" Não, o suportável merece, se não o sangue, pelo menos o esforço de uma vida inteira.
Misantropo em grupo, o individualista perdoa ao indivíduo."

Sait-Beuve: "Sempre pensei que se as pessoas dissessem o que pensam durante um minuto apenas a sociedade ruiria."


Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).







Liberdade 5



Liberdade



Como se de asas se tratasse
invoco teu nome liberdade.

Acendo silenciosamente no teu corpo
o gesto puro de apenas despir-te
e em ti encontrar-me.

Procuro nos teus seios de lava
palavras nuas à beira da morte.
Âncoras de sol,
frutos indistintos que prometam
um porto com a forma do corpo.

Casimiro de Brito
In Jardins de Guerra


(Transcrito da edição original editado pela Portugália Editora em Novembro de 1966.
Foi o primeiro livro de poesia que comprei em Março de 1967)

terça-feira, janeiro 27

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável


Presidência Aberta


Em todos os países os recursos disponíveis são sempre, em cada tempo, escasso e, em todos os tempos, finitos. Portugal não é excepção.
O território do país é constituído por uma multiplicidade de recursos, naturais e culturais, que são o bem mais precioso que as gerações contemporâneas devem salvaguardar para legar às gerações do futuro. É este o princípio no qual se alicerça o conceito de desenvolvimento sustentável.
O Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, iniciou hoje uma Presidência Aberta dedicada ao tema do ambiente e desenvolvimento sustentável. Bem-haja.
Volto a ele para reafirmar que os desafios do crescimento contínuo e sustentável do turismo, não podem ser prosseguidos a "pensar pequeno", sem ambição de futuro, atropelando os valores ambientais e à margem de uma efectiva integração em projectos de desenvolvimento local e regional.
Estes são, em Portugal, princípios de aceitação geral mas de prática excepcional, situados fora da ortodoxia dominante, que carecem ser valorizados para que venham, num futuro próximo, de forma séria e estruturada, a servir de "grelha" de avaliação ao mérito dos projectos turísticos inclusivé para a obtenção de apoios e incentivos financeiros do Estado.
Que a cegueira do lucro rápido, a pretexto da actividade turística, não contribua para que se continue a delapidar, em extensão e profundidade, o património natural e cultural do país, inviabilizando o futuro de uma actividade em que Portugal pode ser competitivo à escala internacional.