quarta-feira, fevereiro 18

Viver sempre também cansa!


Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda me
nina no meu colo..."

José Gomes Ferreira (1931)

terça-feira, fevereiro 17

A notícia mais importante do dia


Contributos dos Imigrantes na Demografia Portuguesa


Foi hoje apresentado, em livro, o estudo que se intitula "Contributos dos Imigrantes na Demografia Portuguesa", de Maria João Valente Rosa, Hugo de Seabra e Tiago Santos. O Estudo conclui que a imigração é necessária e os seus efeitos são positivos atenuando o envelhecimento demográfico. Os interessados no tema, lendo o estudo, aliás, muito completo e interessante, entenderão a complexidade do fenómeno da imigração e a sua importância no futuro do desenvolvimento económico e social do Portugal e da Europa.

A LUSA divulgou uma síntese do estudo de que reproduzimos alguns passos.

"Os imigrantes contribuíram em um quinto para o aumento da população em Portugal, mas para que se conseguisse travar o envelhecimento do país teriam de entrar a cada ano mais 161 mil estrangeiros.

O mesmo se aplica à manutenção do número de pessoas em idade activa por pessoa em idade idosa. Para que o número de pessoas em idade activa por pessoa idosa mantivesse níveis idênticos aos observados em 2001, seria necessário (...), de 2001 a 2021, um saldo migratório anual em Portugal de mais 188 mil efectivos", conclui também a autora.

... na última década (a imigração) contribuiu "para que houvesse um movimento de reequilíbrio dos dois sexos". Porque "sem as populações estrangeiras, o predomínio das mulheres teria aumentado em Portugal, ao invés de diminuir".

Impacto também no reforço do volume de efectivos nas idades activas (em especial as mais jovens), atenuando os níveis de envelhecimento (em especial no topo) da população.

Os imigrantes contribuíram igualmente para atenuar os desequilíbrios de povoamento, porque se inicialmente optaram por residir nas regiões da Grande Lisboa e Península de Setúbal, mais recentemente, principalmente os do leste europeu e do Brasil, dispersaram-se pelo país todo.

Ao estarem na sua maioria em idades férteis, contribuíram também para o aumento de nados-vivos, e pelo mesmo motivo apresentaram uma inferior contribuição no aumento de mortalidade.

Em síntese, resume a professora, embora as populações de nacionalidade estrangeira sejam demograficamente diversas e ainda representem uma magra fatia da população residente em Portugal (2,2 por cento, segundo o Censo de 2001), as suas interferências no sistema demográfico português já assumem alguma importância.
Sem elas os níveis de envelhecimento seriam mais significativos, os níveis de natalidade mais baixos e o volume da população inferior.

Esta questão, diz também o livro, é comum a toda a Europa. O continente poderá perder na primeira metade deste século importância demográfica, o que aliás já está a acontecer, passando de 22 por cento em 1950 para 12 por cento em 2000. Em 2050 poderá chegar aos sete por cento.

Perante esta realidade a imigração para os países da União Europeia é "uma componente essencial do crescimento demográfico", sendo que na segunda metade da década passada se observaram saldos migratórios positivos em todos os Estados-membros. Segundo o Eurostat este saldo foi, aliás, responsável por cerca de três quartos do crescimento da população da UE após 1999."

EUROPA-jogos perigosos


"UE
Bruxelas aconselha Lisboa a gastar mais nas pessoas e menos em auto-estradas

Portugal vai ter de reorientar os fundos estruturais comunitários de apoio ao seu desenvolvimento para o reforço da qualificação dos recursos humanos, investigação científica e inovação, de modo a diminuir o peso das estradas e auto-estradas nos financiamentos da União Europeia (UE)." Público

Portugal tem, à partida, assegurado um volume razoável de fundos comunitários para o período 2007/2013. A negociação vai ser longa e decorre até 2006. O resultado final permitirá ao governo, em véspera das eleições legislativas, se forem no prazo previsto, "cantar vitória". A lógica da aplicação dos fundos vai ter de mudar. Ironicamente trata-se da aplicação da chamada "Agenda de Lisboa", do tempo do anterior governo, o tal da "pesada herança". O financiamento comunitário cresce 212% para as chamadas "prioridades de Lisboa", ou seja, "Competitividade para o crescimento e emprego" abarcando: investigação, rede transeuropeia de transportes, educação e diálogo social). Estranhos termos! Desta forma Portugal vai beneficiar da "pesada herança" do anterior governo.

O resultado final das negociações permitirá que Portugal, entre os 15, continue a beneficiar do Fundo de Coesão, ao contrário da Espanha e da Irlanda, e que sejam criadas condições para que diversas regiões europeias, como Lisboa e Vale do Tejo, ainda beneficiem de apoios financeiros através da criação de um novo estatuto, enquanto os 10+2 novos países aderentes receberão metade dos recursos financeiros disponíveis totais.

O que não se compreende é o facto do governo de Portugal subscrever declarações políticas de fidelidade ao PEC, contrariando posições recentes, conjuntamente com dirigentes conservadores dos países do sul (Itália, Espanha e Portugal) +Polónia+Holanda+Estónia, num claro afrontamento ao núcleo duro da EU. Qual a vantagem, em concreto, de hostilizar a França? Trata-se de apoiar Aznar, em plena pré-campanha eleitoral, sendo que a Espanha corre o risco de perder o Fundo de Coesão? Trata-se de fazer a política dos EUA, fragilizando a EU, através da "ameaça" do isolamento da França? Não esqueçamos que a França é um dos pilares centrais da EU e corre o risco de perder muito no quadro comunitário de apoio 2007/2013...assim como os outros países contribuintes líquidos…

A hostilização e o isolamento político da França, ou de qualquer outro país central na EU, só pode reverter contra aqueles que agora jogam esses jogos perigosos ou, se forem longe demais, na criação de um cenário de crise explosiva na EU...e depois?

segunda-feira, fevereiro 16

A notícia mais importante do dia

"Pessimismo em Portugal está deslocado e sem fundamento, diz Constâncio


O governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, afirmou esta segunda-feira que o pessimismo que se vive em Portugal "está deslocado e sem fundamento".
O economista, que intervinha num almoço com associados das câmaras de comércio Portugal-Holanda e Luso-Francesa, afastou a pertinência dos receios sobre a capacidade de crescimento e concorrência da economia portuguesa, particularmente acentuados após a entrada desta em tendência recessiva.
Argumentou, inclusive, que já estivera em "momentos bastante mais difíceis do que os actuais" ao longo da sua carreira pública.
Constâncio entende que se está a viver apenas a correcção "necessária e inevitável" de um crescimento forte da economia, alimentado por um endividamento igualmente forte.
Tendência que chegou ao seu limite e começou a proceder, de forma espontânea, à sua auto-correcção, acentuou, sublinhando estar convicto de que a retoma da economia portuguesa já começou." Lusa
Bem podem os responsáveis ao mais nível, como o Dr. Constâncio, puxar pela ideia de que a retoma da economia está aí a chegar! Que a crise actual é um simples processo de reajustamento! O pessimismo, o optimismo, o conformismo, o estado de espírito... resultam de uma gestão das expectativas. O governo anda há quase dois anos a fazer uma desastrosa gestão das expectativas. Tudo começou e continua com a política da "pesada herança". Depois temos o Dr. Cadilhe, o Dr. Santana Lopes, o Dr. Jardim, o Dr. Portas, a Dra. Celeste Cardona...O governo entrou naquela fase em que tudo parece complicar-se ao contrário da propaganda. Além disso não é capaz de se libertar da tentação de invocar a "pesada herança" à qual o Dr. Constâncio, por acaso, também pertence. O pessimismo, infelizmente, está muito bem colocado e tem fundamentos. Até um dia...

IMIGRAÇÃO-alguns indicadores


A imigração não é uma questão de opção ideológica, de modelo económico ou de estratégia política. É uma realidade objectiva que resulta do envelhecimento demográfico. O que não quer dizer que acerca desta realidade não se perfilem diversas opções ideológicas, económicas ou políticas. Este é um assunto, aliás, onde se exercitam as tendências populistas dos partidos ultraconservadores.

O EUROSTAT aponta para Portugal, em estimativa, uma população, em Janeiro de 2004, de 10.840.000, comparável com 10.408.000, em Janeiro de 2003. Observa-se um saldo demográfico positivo mas que se fica a dever à imigração.

Esse saldo é o resultado da relação entre o crescimento natural em 2003 (diferença entre o n.º de nascimento e o n.º de mortes) que foi de 0,9 p/ mil habitantes e a migração líquida (diferença entre o n.º de imigrantes e o n.º de emigrantes) que foi de 6,1 p/ mil habitantes.

É interessante assinalar que, em 2003, a média do crescimento total da população, na EU, foi de 3,4 p/mil habitantes. A Irlanda é o país que apresenta o crescimento da população mais elevado, com 15,3 p/ mil habitantes, seguido da Espanha (7,2) e de Portugal (6,9).

Os saldos demográficos positivos ficam a dever-se, em todos estes países, à imigração. A posição destacada da Irlanda explica-se pelo facto deste país apresentar um indicador de "crescimento natural" muito elevado (8,3 p/ mil habitantes) ao contrário de Portugal (0,9) e de Espanha (1,7).

A Irlanda é, aliás, o país da EU que apresenta indicadores de crescimento da população mais encorajadores para uma estratégia de desenvolvimento sustentada adoptando, ao mesmo tempo, políticas de imigração menos restritivas.

domingo, fevereiro 15

A notícia mais importante do dia


Operadoras têm de revelar dados


"A ministra da Justiça, Celeste Cardona, anunciou hoje que os operadores de comunicações vão ser obrigados a facultar às autoridades policiais informações transmitidas através da Internet que sejam "úteis para a perseguição de criminosos".

"Com este projecto de diploma, que o Ministério da Justiça já tem pronto, vai ser possível aceder, com todo o respeito pelos direitos, liberdades e garantias, às informações transmitidas através da Internet, através de suporte electrónico, e que sejam úteis para a perseguição de criminosos", disse hoje Celeste Cardona."

Compreendem-se os cuidados postos no anúncio. Mas ainda muito haverá por esclarecer acerca desta medida que surge num contexto em que os governantes estimam como populares as opções securitárias. A Comissão de Base de Dados já se pronunciou, se bem entendi, contra o princípio geral do fornecimento das comunicações transmitidas, via Internet, salvo no caso de tal fornecimento ser determinado por mandato judicial.

Ontem, em entrevista a Teresa de Sousa, publicada no Público Manuel Castells afirma "…os governos odeiam a Internet…Porque a Internet rompe o monopólio da comunicação e da informação sobre o qual esteve assente o poder ao longo da História….A Internet facilita o terrorismo, há que controlar o terrorismo, por conseguinte, há que controlar a Internet. É esta a imagem que querem fazer passar. …o fenómeno do terrorismo é muito importante mas é muito mais séria e mais grave a reacção histérica e interessada do Governo dos EUA e de outros governos, como o espanhol, ao problema. Os conservadores do mundo acreditam que encontraram uma forma de governar para sempre assustando a gente: a política do medo".

Concordo com Castells. O poder dos governos é posto em causa pela Internet. Mas é mais provável que a Internet vença os governos do que o contrário. Quanto aos criminosos é preciso persegui-los cumprindo a lei. Para isso basta que haja vontade política e leis justas que não ponham em causa a liberdade de comunicação e informação, essenciais ao funcionamento dos Estados Democráticos. Parece ser um pouco complicado técnicamente "abrir todas as cartas" que circulam no tempo da sociedade da informação. E haja quem nos assegure que os criminosos não tenham capacidade para manipular as decisões dos governos ou dos parlamentos. Basta ler os clássicos… Maquiavel, entre outros. Mais vale correr os riscos da liberdade do que usufruir dos "benefícios da segurança", sem liberdade. As tiranias não nascem "por obra e graça do espírito santo" mas pela acção de homens determinados e providenciais...


O QUE A MUSA ETERNA CANTA


Cesse de uma vez meu vão desejo
de que o poema sirva a todas as fomes.
Um jogador de futebol chegou mesmo a declarar:
"Tenho birra de que me chamem de intelectual,
sou um homem como todos os outros."
Ah, que sabedoria, como todos os outros,
a quem bastou descobrir:
letras eu quero é pra pedir emprego,
agradecer favores,
escrever meu nome completo.
O mais são as mal-traçadas linhas.

Adélia Prado

sábado, fevereiro 14

Cadernos de Camus - 8



O Caderno n.º 6, integrado, na edição portuguesa, no volume Cadernos III, respeita ao período que decorre entre Abril de 1948 e Março de 1951.
Os sublinhados desde caderno n.º 6 serão divididos em duas partes para efeitos de inserção nos Cadernos de Camus. Eis a primeira parte dos mesmos:

"Arte moderna. Encontram o objecto porque ignoram a natureza. Refazem a natureza e não lhes resta outro recurso porque a esqueceram. Quando esse trabalho estiver concluído, começarão os grandes anos."

""Sem uma liberdade ilimitada de imprensa, sem uma liberdade absoluta de reunião e de associação, o domínio de largas massas populares é inconcebível" (Rosa Luxemburgo - A Revolução Russa).""

""Salvador de Madariaga: "A Europa só recobrará os seus sentidos quando a palavra revolução evocar vergonha e não orgulho. Um país que se ufana da sua gloriosa revolução é tão fátuo e absurdo como um homem que se ufanasse da sua gloriosa apendicite."
Verdade num certo sentido, mas discutível.""

"Segundo Richelieu, os rebeldes, sendo em tudo iguais, são sempre menos fortes do que os defensores do sistema oficial. Por causa da má consciência."

""G. Greene: ...
Id. "Para quem não crê em Deus, se as pessoas não forem tratadas segundo os seus méritos, o mundo é um caos, é-se levado ao desespero""
(Sublinhado parcial de um conjunto de citações de G. Green. No final escrevi: "Atenção")

"Peça. O Orgulho. O orgulho nasce no meio das trevas"

"Os artistas querem ser santos, não artistas. Eu não sou um santo. Queremos o consentimento universal e não o teremos. Então?"
(Escrevi "Poema José Gomes Ferreira" cuja Poesia I, de 1948, deveria andar a ler)

""Título da peça. A inquisição em Cádis. Epígrafe: "A Inquisição e a Sociedade são os dois grandes flagelos da verdade." Pascal""

"Dilaceração por ter aumentado a injustiça julgando-se servir a justiça. Reconhecê-lo pelo menos e descobrir então essa dilaceração maior: reconhecer que a justiça total não existe. Ao cabo da mais terrível revolta, reconhecer que não se é nada, isso é que é trágico."

"Gobineau: Não descendemos do macaco, mas aproximamo-nos dele a toda a velocidade."

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº6 (Abril de 1948/ Março de 1951).










sexta-feira, fevereiro 13

POEMA ERÓTICO


Vai ter início, por estes dias, o festival de poesia erótica de Veneza. Aqui fica um modesto contributo. Uma palavra de saudação ao meu amigo VR, que tão bem as declama e tão vasto reportório apresenta, "em família", deste género de poesia a que se dedicaram grandes poetas universais, também portugueses e brasileiros, como é o caso de Carlos Drummond de Andrade.


NÃO QUERO SER O ÚLTIMO A COMER-TE


Não quero ser o último a comer-te.
Se em tempo não ousei, agora é tarde.
Nem sopra a flama antiga nem beber-te
aplacaria sede que não arde

em minha boca seca de querer-te,
de desejar-te tanto e sem alarde,
fome que não sofria padecer-te
assim pasto de tantos, e eu covarde

a esperar que limpasses toda a gala
que por teu corpo e alma ainda resvala,
e chegasses, intata, renascida,

para travar comigo a luta extrema
que fizesse de toda a nossa vida
um chamejante, universal poema.

Carlos Drummond de Andrade

Em O Amor Natural
Editora Record


A NOTÍCIA MAIS IMPORTANTE DO DIA


"Governo agrava combustíveis


O preço dos combustíveis volta a aumentar a partir de segunda-feira. Esta subida resulta de um novo agravamento do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) estabelecido numa portaria conjunta dos ministérios das Finanças e Economia, ontem publicada Diário da República, apenas dois meses após a última revisão, em 31 de Dezembro.

De acordo com aquela portaria, a carga fiscal sobre o gasóleo será agravada em 0,85 cêntimos, mais IVA, o que significa, na prática, uma subida de um cêntimo por litro. Já nas gasolinas o imposto sobe 0,60 cêntimos, ou sejam 12 tostões por litro.

As três maiores distribuidoras do mercado português - Galp, BP e Shell - já admitiram que estão a ponderar um aumento dos preços para os próximos dias, uma vez que esse é, dizem, o caminho lógico.

Os revendedores é que não conseguem encontrar lógica numa liberalização que resulta num sistemático aumento de preços. Em declarações ao DN, o presidente da Associação Nacional dos Revendedores de Combustíveis (Anarec) lembra que, desde 31 de Dezembro, o preço da gasolina já aumentou três escudos e vinte centavos por litro(...)" Diário de Notícias

O mercado, o sacrosanto mercado, em Portugal, não funciona como vem nos manuais de economia. Pensavam que isto é a América, ou quê? O mercado, por cá, é assim uma espécie de elevador que só tem um sentido - sobe, sobe...e não desce...Estranho é que se não ouça bulir uma voz do lado dos vários operadores de transportes, em tempos idos, tão buliçosos...

Uma boa notícia do dia 13


SONDAGEM
"Kerry derrotava Bush se as eleições fossem hoje
O candidato favorito à corrida democrata para as presidenciais norte-americanas, John Kerry, venceria o actual presidente, George W.Bush, se o escrutínio de Novembro próximo se realizasse hoje, segundo uma sondagem hoje divulgada."

E as eleições não podem ser já hoje?




quinta-feira, fevereiro 12

KANT - um chumbo humilhante!


Honra seja feita ao PÚBLICO pelo destaque dado ao bicentenário da morte de KANT. A Universidade de Bonn disponibilizou, em língua alemã, na Internet o maior banco de dados mundial sobre o filósofo. Além da importância da obra de Kant o destaque dado ao filósofo alemão é um verdadeiro gesto de coragem do Público acima do populismo reinante e da "apagada e vil tristeza" que imperam na comunicação social nacional.

Em diversos blogs como o causa nossa traçam-se as grandes linhas do pensamento de Kant: "o filósofo dos direitos humanos". Não vou enfileirar por esse caminho mas simplesmente contar uma "pequena história" pessoal na qual Kant tem o lugar de protagonista.

Foi uma das maiores humilhações da minha vida. Explico em duas palavras. No meu 7º ano de liceu, à época, ano terminal do secundário, faziam-se exames finais em algumas disciplinas incluindo filosofia. A nota da prova escrita necessária para dispensar da oral era 16. Obtive, na escrita, 15. Estranho! Na realidade ninguém obtinha, na escrita, 15. Ou se obtinha 14 ou então 16. Fui, assim, "condenado" a ir à oral com 15.

Na oral fui confrontado com a primeira (e única) pergunta: fale-me do "imperativo categórico" de Kant. Iniciei uma dissertação acerca do tema! A examinadora considerou a resposta insuficiente. Insistiu no tema. Eu titubeie. Não era (nem sou) um especialista em Kant mas - que diabo - tinha estudado a matéria. Mas a examinadora é que não mudava de tema! Fale-me do "imperativo categórico" de Kant! Se bem me lembro tentei de novo satisfazer a exigência. Em vão! Percebi, então, que nada iria resultar. Estava condenado a chumbar fosse qual fosse o meu desempenho!

Levantei-me e saí da sala perante o espanto dos meus colegas que assistiam à cena. Desci a avenida e fui tomar um café na esplanada da Gardy, que ainda lá está apesar dos factos se terem passado à quase 40 anos, na baixa de Faro. O chumbo era certo! Não valia a pena ir ver a pauta. Eu era um pouco irreverente (talvez mesmo bastante irreverente) é verdade! Não dominava de cor as matérias todas! É verdade! Mas na segunda época de exames obtive na escrita a nota de 18 na mesmíssima disciplina de filosofia! Assunto arrumado.

A professora que me sujeitou aquela humilhação oral já faleceu. Nunca cheguei a saber, nem saberei, das verdadeiras razões daquele inusitado chumbo! Mas hoje ao ler o trabalho, limpo e clarividente, do Público, acerca de Kant, a minha memória retomou o caminho da explicação para o chumbo: "Com o seu "Imperativo Categórico" Kant estabeleceu um novo princípio ético: introduziu a ideia de que a moral é algo inerente à estrutura da razão, não decorrendo portanto, por exemplo, de imperativos religiosos. Segundo ele, cada homem deverá actuar de forma a que cada um dos seus actos possa ser tomado como princípio universal. Cada um desses gestos é um objectivo e um fim em si mesmo, não um meio para um outro fim (como o "Bem" praticado na religião católica que surge como uma forma de atingir a salvação). Para Kant, o gesto imoral acontece quando alguém tenta estabelecer para os outros um padrão de comportamento diferente daquele que ele próprio adopta."

Hoje estou convicto (não me atrevo a dizer: estou certo!) que a razão do chumbo naquela oral está sintetizado neste texto, de Vanessa Rato, no Público, acerca do "imperativo categórico". Hoje, como ontem, o mundo está repleto de "gestos imorais", ou seja, de gente que julga o comportamento do outros por critérios que se dispensam de aplicar a si próprios.


A notícia mais importante do dia


Título do "Público":
"Bactéria multi-resistente congela admissões no Hospital de Pombal"

Entrou para o governo?

quarta-feira, fevereiro 11

Oportunismo Amorfo ou o (Des)Envolvimento


O Parapente em Linhares vai acabar?

Fui supreendido com algo que chegou à minha caixa de correio e em que não queria acreditar. Fiquei perplexo, para não dizer coisa pior. Então não é que começaram a cobrar 3 euros a cada praticante de parapente que põe os pés na aldeia serrana de Linhares da Beira, mais concretamente, na aterragem oficial da capital do voo livre Portuguesa?? Inacreditável !!

Recentemente foi ganha uma dura batalha contra interesses privados de instalação de um parque eólico, precisamente por se defender um modelo de desenvolvimento para o local (e região envolvente) que passa pelo aproveitamento das (excelentes) condições geomorfológicas e de aerologia para a prática daquela modalidade, que atrai inumeros visitantes ao longo do ano. Um dos poucos locais que possui recursos endógenos para a sua dinamização económica, social e turística.

Ao ler um texto do Vitor Baía, pioneiro da modalidade no local e durante muitos anos responsável pela Escola de Parapente do INATEL em Linhares (que deixou recentemente), publicado no Forum dos Parapentistas Portugueses (só este fórum tem 380 praticantes), relembro o tortuoso percurso de afirmação daquela modalidade e daquele local como referência nacional e internacional, e concluo que na situação a que se assiste, mesmo sabendo de que se trata de propriedade privada, se torna óbvio o oportunismo e a tentativa de lucro fácil por parte de quem, em desespero de causa, mais nada consegue ou sabe fazer. Só que este tipo de pessoas não se apercebe que será o fim do parapente em Linhares...

E assim se perderá todo o investimento financeiro e humano de mais de uma década (apoiado por dinheiros públicos nacionais e europeus).

É nestas situações que as entidades públicas podem e devem fazer a diferença, tomando atitudes que permitam continuar estratégias de desenvolvimento sustentáveis. Não quer isto dizer pactuar com chantagens ou oportunismos mas sim encontrar soluções alternativas que os impeçam. Haveria que encontrar uma alternativa viável áquele terreno de aterragem, e rápido. É triste ver o INATEL por um lado e os parapentistas por outro, a voltar as costas a Linhares da Beira e perceber que a aldeia e seus habitantes serão quem vai perder mais no meio disto tudo. Será que nem a Câmara Municipal, nem ninguém com responsabilidades, vêem isto ou fazem alguma coisa? Enfim…uma impressionante falta de visão, uma atitude amorfa de quem parece querer compactuar com a situação. Será este o fim de um dos projectos de desenvolvimento local de referência, como era o da aldeia histórica de Linhares da Beira? Espero que não.

Pedro Brilhante Pedrosa

terça-feira, fevereiro 10

Estranhas notícias


"Portugueses preocupados com economia são os menos satisfeitos da UE

Os portugueses são a população da União Europeia (UE) menos satisfeita com a sua vida, sentimento negativo que poderá estar relacionado, em parte, com a situação económica de Portugal, conclui o último Eurobarómetro, divulgado esta terça-feira.
Segundo o documento, "56% dos portugueses sentem-se satisfeitos com a sua vida, a percentagem mais baixa obtida por este indicador desde 1989 e consideravelmente inferior à média da UE, que é de 79%".
O Eurobarómetro - instrumento de medida da opinião pública utilizado regularmente pela Comissão Europeia - indica que os gregos são o segundo povo da UE menos satisfeito com a vida que leva, seguidos pelos alemães e os franceses.
Os países nórdicos - Dinamarca, Suécia, Finlândia e Países Baixos - destacam-se dos restantes estados-membros por registarem as percentagens de satisfação com a vida mais elevadas." Lusa
É curioso que ainda ontem foi divulgada uma sondagem na qual se pretendeu fazer passar a ideia de que os portugueses estavam muito contentes com as medidas tomadas pelo Governo nas áreas económica e financeira

" David Kay considera inútil procurar armas de destruição maciça no Iraque

O ex-chefe do grupo de peritos encarregues de encontrar armas de destruição em massa (ADM) no Iraque David Kay afirmou terça-feira ser inútil continuar a procurar estas armas naquele país, porque elas "não existem".
Contrariamente ao que afirmou o secretário da Defesa norte- americano, Donald Rumsfeld, tentar encontrar estas armas no Iraque "é provavelmente a pior aproximação, a pior estratégia", declarou Kay em conferência de imprensa.
"O Iraque é maior do que a Califórnia e Bagdad é maior que Los Angeles", acrescentou Kay.
"Estou certo de que em 20 anos, ou mesmo em 50 anos, as pessoas continuarão a escavar" para tentar encontrar alguma coisa, disse David Kay, reafirmando que "não existem realmente" ADM no Iraque." Lusa
É inútil continuar a afirmar que é inútil procurar as armas de destruição maçica no Iraque pois a administração americana (e inglesa, espanhola, polaca, portuguesa..., até às eleições respectivas, vão continuar a campanha militar e sempre se descobrem...uns documentos, enfim, isto vai durar ainda uns tempos largos. Mas o petróleo continua no local.







A mais importante notícia do dia


"COMISSÃO EUROPEIA

Fundos comunitários mudam de prioridades
A União Europeia inicia, esta terça-feira, o debate do pacote financeiro de 2007/2013. Em vez de se apostar no betão, os fundos comunitários viram-se agora para a formação e tecnologia. Portugal não deverá sofrer cortes significativos."


A notícia pretende ser optimista. Compreendo. As eleições europeias estão próximas. Compreendo. Hoje saíram muitas notícias acerca do eventual cabeça de lista do PS: Sousa Franco. Compreendo. Portugal não vai perder, no futuro quadro comunitário de apoio, fundos...mas pode perder fundos...Não compreendo. É preciso dar ânimo ao país. Compreendo. Mas que diabo de confusão...a uma observação mais detalhada não se entende nada. Deu para fazer uma manchete. As regiões mais "ricas", parte da região de Lisboa e Vale do Tejo, Algarve e Madeira, não vão perder fundos… mas vão perder fundos. Os fundos não vão mais apoiar o betão (inclui-se o exemplo das estradas e pavilhões gimnodesportivos), vai ser dado privilégio á educação, formação e novas tecnologias...Mas já ouvi esta história outras vezes, em qualquer lado. Bom o melhor é apresentarem dados estatísticos comparativos. Mostrar a cara dos nossos negociadores. Algo de concreto. Para que todos nós não fiquemos como quando ouvimos as "conversas em família" do Prof. Marcelo: com a sensação de que ele fala sempre verdade excepto nos assuntos que conhecemos a fundo...em que é tudo mentira. Era um grande favor que todos os portugueses e instituições (governo, oposição, comunicação social, parceiros sociais...) tratassem este tema, de verdadeiro alcance estratégico nacional, a sério. Obrigado.

50 Anos


Duas amigais - dois jantares de celebração de 50 anos. Duas mulheres interessantes nos planos pessoal e profissional. Ambas mantêm excelentes formas (e belezas) física e intelectual. MM e MAB levaram os amigos - muitos - a jantar em dois belos lugares de Lisboa. MM levou-nos ao Museu da Água, magnífico espaço, do tipo industrial, muito bem cuidado, mas pouco conhecido, ali na zona da Calçada dos Barbadinhos, perto de Santa Apolónia. Tudo o que é bom, no nosso país, parece que tem de ser esconjurado ou escondido... MAB optou por um pequeno Restaurante na Rua da Esperança. Neste caso uma zona que me é familiar. Percebi que os "Caracóis da Esperança" fecharam. Na minha juventude fiz, vezes sem conta, os caminhos daquele Bairro a pé. A deambulação nocturna, da noite passada, fez-me regressar à Rua das Trinas - levando-me à porta de uma casa que frequentei durante meses e onde alberguei, no meu quarto, um amigo desertor que se me apresentou sem aviso prévio - levou-me a passear pelas transversais, estreitas e silenciosas, com estendais carregados de roupas (e carros estacionados a eito) e levou-me a revisitar a Rua do Quelhas. Muitos anos da minha vida - dos melhores - passaram, naqueles minutos, em flash, pela minha cabeça e ouvi, na distância de tantos anos, a esperança dos meus passos que julguei servirem para a salvação do mundo… obrigado às duas.

Soneto

Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

Carlos de Oliveira

In "Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa"
de Eugénio de andrade


segunda-feira, fevereiro 9

Cadernos de Camus - 7


Estes são os últimos sublinhados do Caderno nº5 para os Cadernos de Camus. Neste conjunto de excertos acrescentei um único texto não sublinhado na minha leitura de juventude. É exactamente o que encerra o Caderno n.º5. Acrescento uma remissão para LUKÁCS, referido no conjunto anterior, para quem estiver interessado em o conhecer ou revisitar.

""O que existe na Rússia é uma liberdade colectiva "total" e não pessoal. Mas que é uma liberdade total? É-se livre de alguma coisa - em relação a. Visivelmente, o limite é a liberdade em relação a Deus. Vê-se então claramente que essa liberdade significa a sujeição ao homem.""

"Peça Dora: Se tu não amas ninguém, isso não pode vir a acabar bem."
(Mais uma vez a peça "Os Justos", assim como nalguns excertos que surgirão a seguir.)

""Quantos eram os membros da "Vontade do povo"? 500. E o Império Russo? Mais de cem milhões.""
(Sublinhei somente "500")

""Vera Figner: "Eu devia viver, viver para ser julgada, pois o processo coroa a actividade do revolucionário.""

""Peça. Dora ou outra: "Condenados, condenados a serem heróis e santos. Heróis à força. Por isso não nos interessa, compreendem, não nos interessam nada os sórdidos negócios deste mundo envenenado e estúpido que se pega a nós como visco. - Confessai, confessai-o, que o que vos interessa são os seres e o seu rosto... E que, pretendendo procurar uma verdade, não esperais no fim de contas senão amor.""

"É o cristianismo que explica o bolchevismo. Conservemos o equilíbrio para não nos tornarmos assassinos."

"Formas e revolta. Dar uma forma aquilo que é informe, é o fim de toda a obra. Não há apenas criação, mas correcção (ver mais acima). Daí a importância da forma. Daí a necessidade de um estilo para cada assunto, não de todo diferente porque a língua do autor é sempre sua. E é justamente esta que fará quebrar não a unidade deste ou daquele livro mas a da obra inteira."

"Retirei-me do mundo não porque tivesse inimigos, mas porque tinha amigos. Não que eles não me fossem prestáveis como é habitual, mas julgavam-me melhor do que sou. É uma mentira que eu não posso suportar"

"Para os cristãos, a Revelação está no início da história. Para os marxistas, está no fim. Duas religiões."
(Coloquei ? no fim da frase)

"Pequena baía antes de Tenés, na base de uma cadeia de montanhas. Semicírculo perfeito. Ao cair da noite uma plenitude angustiada plana sobre as águas silenciosas. Compreende-se então porque é que os Gregos formaram a ideia do desespero e da tragédia sempre através da beleza e do que nela há de opressivo. É uma tragédia que culmina. Ao passo que o espírito moderno produz o seu desespero a partir da fealdade e do medíocre.
É o que Char quer dizer talvez. Para os Gregos, a beleza é o ponto de partida. Para um europeu, é um fim, raramente atingido. Não sou moderno."

"Verdade deste século: À força de vivermos grandes experiências, tornamo-nos mentirosos. Acabar com tudo o mais e dizer o que tenho de mais profundo."

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).





(Dos mentirosos)


"E não há nada onde a força de um cavalo melhor se conheça do que ao fazer uma paragem súbita."
Camus, ainda a propósito das justificações para a guerra no Iraque.