quinta-feira, junho 19

VICTOR WENGOROVIUS

Um texto que escrevi em memória de Victor Wengorovius retomado pela Joana Lopes nos Caminhos da Memória.

A propósito de uma homenagem familiar que se realiza hoje e que a sua filha Marta apresenta assim:

Na rua

Vimos convidar para participar num encontro de registo de memórias e empatias de Victor Wengorovius. O encontro será realizado no Jardim do Príncipe Real, mais precisamente junto ao quiosque do Oliveira.

Escolhi um encontro para o meu pai ao ar livre por razões que a todos os que o conheceram devem fazer sorrir: na verdade procurava uma esquina, e uma esquina porque há uma estória de que gosto muito: conta a Sofia que um dia encontrou o pai numa esquina dentro do centro comercial das amoreiras, o centro estava cheio de gente e o pai estava tranquilamente numa esquina a ler um livro de poesia… (porque o pai sempre referiu este seu tão doce e forte mistério: sou nervoso por fora e calmo muito calmo por dentro - frase que repetiu até ao fim da sua vida)

Também a rua porque era natural, ao passear com meu o pai, encontrar pessoas na rua que o gostavam de ver e trocar estórias…Victor mudaste a minha vida é uma das frases que me lembro. Essa acção cívica penso que era parte da acção politica do meu pai.

Para não falar da estória da bomba de gasolina em que o senhor da bomba perguntava ” Dr. é para atestar ou para encostar? e dormitar…

Na rua para que o pai reparasse em tudo o que estava à sua roda sobretudo: as pessoas mas também as flores, os cães…

Com esse reparo, com essa atenção construiu ao longo de toda a vida um testemunho por contar que está dentro de cada um de nós.

O meu pai escrevia muito bem e com uma letra bonita, mas isso significava um uso do tempo que lhe roubaria tempo de vida visível, aquela que era feita de interacção e da qual ele não prescindia.

Através dessa vida visível, dessa vida acontecida ao vivo fez também o seu percurso político, e também este está por contar ou sobretudo por reunir e entender porque mais uma vez foi urgente viver a politica, faze-la acontecer mais do que escreve-la.

Penso que há também algumas originalidades nesse estar politico que com muito gosto quero registar neste encontro. Secalhar, assim como o pai não prescindia desse lado de acção (deixando a contemplação para ao seus tempos a sós onde fotografava velozmente em sequencias quase fílmicas tudo o que lhe despertava empatia, saboreava a vida, reflectia atenciosamente, lia, fazia sumos de laranja e apanhava todos os papelinhos que encontrava no chão, dobrava a roupa cuidadosamente como a Rita um dia me chamou atenção ao ver as fotografias tiradas pelo pai verifica-se e visualizasse esta atenção) também eu proponho como registo um registo visível e oral e em festa em detrimento de esperar anos pelo texto que não faremos tão cedo….

Assim peço que neste dia (onde o meu pai faria 71 anos) me passem para a câmara esta sequência, nunca organizada, de alguma dessas estórias que correspondem para mim à vida visível, activa do meu pai.


O meu pai deixou para todos nós esta ideia de um registo posterior, uma tarefa de realizar um puzzle (a sua vida politica como a de afectos foi vivida em peças) onde o fio à meada terá que ser descoberto por nós. E todos nós sabemos que a vida do meu pai nesse sentido está por contar… (de novo sobretudo por juntar) e que esse quase jogo implica um convívio entre nós, umas trocas de impressões (!) e que este faria todo o sentido ser a sua proposta a todos nós.

(1) Escreve o pai no seu livro de curso


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