Já não vejo pelas ruas cães vadios como no
outro tempo em que fazia a pé o caminho de casa até à escola. Vejo cães de
companhia, pela trela, presos na perna da mesa da esplanada enquanto os seus
donos tomam café. Ladram e assustam as crianças nas entradas dos
estabelecimentos. Os cães vadios devem ter sido exterminados ou vejo-os com
olhos diferentes de quando era criança. Numa das poucas fotografias na qual
pouso, na época da minha adolescência, vejo-me acompanhado por um cão lá de casa
que se chamava Benfica. Reconheço a roupa que me
cobria o corpo magro. Faz, quase sempre, calor pelas terras do sul. E o Benfica,
indiferente, acompanha-me mal sabendo que aquela é uma das poucas roupas daquele
tempo do nada acontecer. Um dia os meus pais esqueceram-se, não sei a razão, do
Benfica para os lados dos campos de meus avós maternos. Contaram-me que uns dias
depois voltaram ao local e lá estava o Benfica, resistente, na paciente espera.
Sempre me quis parecer que ficaram roídos de dores na consciência e que foram na
busca do acaso ao reencontro. E tudo correu pelo melhor para felicidade de todos
e, em particular, do Benfica. Um dia o Benfica morreu mas não me lembro os
detalhes. Devem ter-me escondido o infausto evento ou fui eu que me escondi
dele. Mas para mim o Benfica, mesmo perdendo-se na ganância de ganhar, nunca
morre.
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