Os ataques violentos, destes dias, ao PR, provindos da direita, são difíceis de entender. As vítimas da decisão do PR estão a falar muitos decibéis acima do que seria aceitável pela opinião pública. Pela simples razão de que a opinião pública desejava esta solução ou, pelo menos, não a considerou desajustada ao desempenho do governo.
O PR fez aquilo que a maioria dos portugueses ansiava que fizesse. Ainda por cima faltam jogar imensos lances. O PR ainda nem sequer tomou a palavra para explicar as razões políticas da sua decisão. Os partidos do governo ainda não decidiram se avançam em coligação ou cada um por si; o PS ainda não apresentou o seu programa de governo embora tenha feito emergir Vitorino.
Uma coisa é certa: o PR tomou uma decisão que vai ao encontro da crescente insatisfação popular. As eleições são uma válvula de escape essencial para evitar males maiores. Trata-se de dar a palavra ao povo, um princípio sagrado da democracia representativa.
As razões da decisão do PR estão bastante explicadas pelos acontecimentos recentes conhecidos por “trapalhadas”. Mas, certamente, o PR terá outras informações que lhe permitiram assumir os riscos políticos da sua decisão.
A maioria daqueles que assumiram funções de gestão na administração pública, a todos os níveis, compreende as razões do PR. A partir de certo momento o que parecia é que só o PR as não compreendia.
A injustiça pode resultar, por uma vez, de um julgamento involuntariamente errado. A liberdade pode ser, por uma vez, ingenuamente posta em causa. Mas as injustiças reiteradas e indiscriminadas e as limitações à liberdade, assumidas como programa de governo (embora não escrito), são sinais perigosos para a democracia que não é uma conquista definitiva para todo o tempo e em qualquer circunstância.
Para salvaguardar a democracia, em última instância, é que existe no nosso sistema político a instituição Presidente da República. Que não é a “Rainha de Inglaterra” ou o “Notário da República”.
Os que hoje são governo e atacam o PR desta forma desbragada já desistiram de ser governo amanhã. Estão a caminhar para um beco sem saída. Porque, além do mais, o PR vai ser o mesmo, durante quase um ano, após as eleições gerais de 6 ou 13 de Fevereiro próximo.
E depois dele outro virá, por eleição directa, que não será, certamente, da simpatia da actual liderança do PSD e PP.
Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
terça-feira, dezembro 7
segunda-feira, dezembro 6
O poema pouco original do medo
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis (o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos
Alexandre O´Neill
(In Abandono Vigiado - 1960)
pernas
ambulâncias e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis (o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com a certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos
Alexandre O´Neill
(In Abandono Vigiado - 1960)
António Vitorino
Acabei de ver a sua entrevista na SIC – Notícias. O que me interessa sublinhar é que ele abordou algumas questões essenciais para a construção de um programa político vencedor sem cedências à demagogia e ao populismo.
Algumas dessas questões são mesmo quase sempre esquecidas ou pouco valorizadas. A questão demográfica e o envelhecimento acelerado da população em Portugal, na Europa e no Mundo; a imigração e as complexas questões que a inevitabilidade do seu crescimento colocam às nossas sociedades; a relação entre o exercício da função política (ou outra qualquer) e a apetência e gosto individual do cidadão no seu desempenho.
Enfim uma prestação superior de alguém que se disponibiliza para participar num projecto colectivo afirmando a sua individualidade.
Assim o PS seja capaz de congregar as energias, a experiência e o saber daqueles que seriamente, com gosto e prazer, se disponibilizem para construir um projecto de governo realista, mobilizador e de esperança para Portugal.
A postura, as palavras e as ideias de António Vitorino são um bom sinal.
Algumas dessas questões são mesmo quase sempre esquecidas ou pouco valorizadas. A questão demográfica e o envelhecimento acelerado da população em Portugal, na Europa e no Mundo; a imigração e as complexas questões que a inevitabilidade do seu crescimento colocam às nossas sociedades; a relação entre o exercício da função política (ou outra qualquer) e a apetência e gosto individual do cidadão no seu desempenho.
Enfim uma prestação superior de alguém que se disponibiliza para participar num projecto colectivo afirmando a sua individualidade.
Assim o PS seja capaz de congregar as energias, a experiência e o saber daqueles que seriamente, com gosto e prazer, se disponibilizem para construir um projecto de governo realista, mobilizador e de esperança para Portugal.
A postura, as palavras e as ideias de António Vitorino são um bom sinal.
domingo, dezembro 5
Panfletos no Chão da Gare
Os tempos de liberdade que vivemos são uma conquista da luta daqueles que nunca aceitaram a tirania. É um lugar comum. Uma tirada antiga, porventura obsoleta. Mas no longo tempo da ditadura havia que lutar pela liberdade. Realizar as tarefas mais comezinhas como elaborar, imprimir e distribuir panfletos.
Em todas as lutas se redigem, imprimem e distribuem panfletos. As tecnologias mudam mas a essência da tarefa é sempre a mesma: passar uma mensagem. Normalmente apelar à revolta, à contestação, à desobediência. O contrário da subserviência e do medo.
Nestas caminhadas pela acção subversiva no combate à ditadura cumpriu-me um dia entregar uma remessa de panfletos contra a guerra colonial ao José Galamba que me esperava numa cervejaria na avenida do Uruguai, perto de minha casa, onde costumava ir o Carlos Paredes.
Fiz o percurso até Benfica de Metro. Ao sair da carruagem, nesta estação, o saco rebentou e os panfletos inundaram o chão da gare à vista de toda a gente. Calmamente, mas com o coração a saltar, recolhi-os de novo para dentro do que restava do saco. Toda a gente se fingiu distraída e ninguém deu especial atenção ao acidente.
Duas extraordinárias coincidências: se me não falha a memória ia acompanhado pelo José Catela, neto de um célebre inspector da polícia política, e muito perto da saída da estação do Metro funcionava a “Escola” da polícia que sempre ficou conhecida por PIDE.
Há dias de sorte.
Absorto - 1º Aniversário (10 de 17)
Em todas as lutas se redigem, imprimem e distribuem panfletos. As tecnologias mudam mas a essência da tarefa é sempre a mesma: passar uma mensagem. Normalmente apelar à revolta, à contestação, à desobediência. O contrário da subserviência e do medo.
Nestas caminhadas pela acção subversiva no combate à ditadura cumpriu-me um dia entregar uma remessa de panfletos contra a guerra colonial ao José Galamba que me esperava numa cervejaria na avenida do Uruguai, perto de minha casa, onde costumava ir o Carlos Paredes.
Fiz o percurso até Benfica de Metro. Ao sair da carruagem, nesta estação, o saco rebentou e os panfletos inundaram o chão da gare à vista de toda a gente. Calmamente, mas com o coração a saltar, recolhi-os de novo para dentro do que restava do saco. Toda a gente se fingiu distraída e ninguém deu especial atenção ao acidente.
Duas extraordinárias coincidências: se me não falha a memória ia acompanhado pelo José Catela, neto de um célebre inspector da polícia política, e muito perto da saída da estação do Metro funcionava a “Escola” da polícia que sempre ficou conhecida por PIDE.
Há dias de sorte.
Absorto - 1º Aniversário (10 de 17)
Nada se perde, tudo se transforma...
O JPN no respirar o mesmo ar lembra, a propósito do meu artigo “Há silêncios que não podem ser eternos”, um episódio, muito interessante, passado antes com um jornalista do Independente.
Esse episódio merece ser conhecido pois, como diz o povo, “isto anda tudo ligado”.
Esse episódio merece ser conhecido pois, como diz o povo, “isto anda tudo ligado”.
sábado, dezembro 4
Outro Testamento
Quando eu morrer deitem-me nu à cova
Como uma libra ou uma raiz,
Dêem a minha roupa a uma mulher nova
Para o amante que a não quis.
Façam coisas bonitas por minha alma:
Espalhem moedas, rosas, figos.
Dando-me terra dura e calma,
Cortem as unhas aos meus amigos.
Quando eu morrer mandem embora os lírios:
Vou nu, não quero que me vejam
Assim puro e conciso entre círios vergados.
As rosas sim; estão acostumadas
A bem cair no que desejam:
Sejam as rosas toleradas.
Mas não me levem os cravos ásperos e quentes
Que minha Mulher me trouxe:
Ficam para o seu cabelo de viúva,
Ali, em vez da minha mão;
Ali, naquela cara doce...
Ficam para irritar a turba
E eu existir, para analfabetos, nessa correcta irritação.
Quando eu morrer e for chegando ao cemitério,
Acima da rampa,
Mandem um coveiro sério
Verificar, campa por campa
(Mas é batendo devagarinho
Só três pancadas em cada tampa,
E um só coveiro seguro chega),
Se os mortos têm licor de ausência
(Como nas pipas de uma adega
Se bate o tampo, a ver o vinho):
Se os mortos têm licor de ausência
Para bebermos de cova a cova,
Naturalmente, como quem prova
Da lavra da própria paciência.
Quando eu morrer...
Eu morro lá!
Faço-me morto aqui, nu nas minhas palavras,
Pois quando me comovo até o osso é sonoro.
Minha casa de sons com o morador na lua,
Esqueleto que deixo em linhas trabalhado:
Minha morte civil será uma cena de rua;
Palavras, terras onde moro,
Nunca vos deixarei.
Mas quando eu morrer, só por geometria,
Largando a vertical, ferida do ar,
Façam, à portuguesa, uma alegria para todos;
Distraiam as mulheres, que poderiam chorar;
Dêem vinho, beijos, flores, figos a rodos,
E levem-me – só horizonte – para o mar.
Vitorino Nemésio
(Na sequencia de ter acabado de ver na RTP – Memória uma daquelas “charlas” extraordinárias de Nemésio realizada em 1975. Para além, claro, de Vitorino Nemésio ser um grande poeta português esquecido e este, para mim, um poema de primeira água. Um tudo nada longo para um blog mas, que querem, a crise política, deu-me para isto…)
Como uma libra ou uma raiz,
Dêem a minha roupa a uma mulher nova
Para o amante que a não quis.
Façam coisas bonitas por minha alma:
Espalhem moedas, rosas, figos.
Dando-me terra dura e calma,
Cortem as unhas aos meus amigos.
Quando eu morrer mandem embora os lírios:
Vou nu, não quero que me vejam
Assim puro e conciso entre círios vergados.
As rosas sim; estão acostumadas
A bem cair no que desejam:
Sejam as rosas toleradas.
Mas não me levem os cravos ásperos e quentes
Que minha Mulher me trouxe:
Ficam para o seu cabelo de viúva,
Ali, em vez da minha mão;
Ali, naquela cara doce...
Ficam para irritar a turba
E eu existir, para analfabetos, nessa correcta irritação.
Quando eu morrer e for chegando ao cemitério,
Acima da rampa,
Mandem um coveiro sério
Verificar, campa por campa
(Mas é batendo devagarinho
Só três pancadas em cada tampa,
E um só coveiro seguro chega),
Se os mortos têm licor de ausência
(Como nas pipas de uma adega
Se bate o tampo, a ver o vinho):
Se os mortos têm licor de ausência
Para bebermos de cova a cova,
Naturalmente, como quem prova
Da lavra da própria paciência.
Quando eu morrer...
Eu morro lá!
Faço-me morto aqui, nu nas minhas palavras,
Pois quando me comovo até o osso é sonoro.
Minha casa de sons com o morador na lua,
Esqueleto que deixo em linhas trabalhado:
Minha morte civil será uma cena de rua;
Palavras, terras onde moro,
Nunca vos deixarei.
Mas quando eu morrer, só por geometria,
Largando a vertical, ferida do ar,
Façam, à portuguesa, uma alegria para todos;
Distraiam as mulheres, que poderiam chorar;
Dêem vinho, beijos, flores, figos a rodos,
E levem-me – só horizonte – para o mar.
Vitorino Nemésio
(Na sequencia de ter acabado de ver na RTP – Memória uma daquelas “charlas” extraordinárias de Nemésio realizada em 1975. Para além, claro, de Vitorino Nemésio ser um grande poeta português esquecido e este, para mim, um poema de primeira água. Um tudo nada longo para um blog mas, que querem, a crise política, deu-me para isto…)
Uma Brincadeira
O que o primeiro-ministro disse ontem na Póvoa a propósito do PR faz parecer todas as críticas que lhe foram feitas, a partir de 9 de Julho, pela esquerda uma brincadeira de crianças.
O primeiro-ministro – não se sabe se nessa qualidade se na de líder do PSD – chamou mentiroso ao PR. Com as letras todas. Não vale a pena dourar a pílula.
Por este caminho não se sabe como pode o país aguentar 3 meses com este primeiro-ministro à frente de um governo em funções plenas e não em funções de gestão. Com o seu orçamento aprovado e tudo.
Em campanha eleitoral permanente, como gosta, o PM vai misturar, em cada minuto, todas as funções. Como nunca se viu. Vai ser um festival de mentiras, insultos e indignidades.
O primeiro-ministro – não se sabe se nessa qualidade se na de líder do PSD – chamou mentiroso ao PR. Com as letras todas. Não vale a pena dourar a pílula.
Por este caminho não se sabe como pode o país aguentar 3 meses com este primeiro-ministro à frente de um governo em funções plenas e não em funções de gestão. Com o seu orçamento aprovado e tudo.
Em campanha eleitoral permanente, como gosta, o PM vai misturar, em cada minuto, todas as funções. Como nunca se viu. Vai ser um festival de mentiras, insultos e indignidades.
sexta-feira, dezembro 3
Um fartar-vilanagem
“O primeiro-ministro garantiu hoje que o Orçamento de Estado para 2005 será aprovado na próxima semana, mas criticou a decisão "sem precedentes" de Jorge Sampaio ter anunciado a dissolução do Parlamento sem explicar os motivos.”
(Lusa)
Santana Lopes vai passar o tempo a atacar o PR. A direita vai juntar no mesmo saco PR, PS, os empresários e todas as forças “irresponsáveis”.
Já se percebeu como “uma parte da campanha de Santana Lopes será feita: o governo caiu porque os grandes interesses económicos não queriam o OE, as suas medidas de combate á fraude fiscal, e de imposição de impostos à banca. É hábil, apela ao populismo, e aos amadores das teorias da conspiração, mas não é verdade.”
Por outro lado alguém tem de acautelar os perigos reais de 3 meses de “governo de gestão” com Santana Lopes e Paulo Portas em campanha eleitoral.
Como afirma Miguel Sousa Tavares a rematar o seu artigo “Escrito nas Estrelas”, no Público de hoje, “Ao menos uma coisa Jorge Sampaio tem obrigação de fazer: não deixar que estes dois ou três meses de governo de gestão (até nisto, na inacreditável demora para demitir um governo, convocar eleições e nomear outro, não aprendemos nada com o passado) se transformem num fartar-vilanagem …” (link não disponível)
(Notas acerca das eleições antecipadas – 3)
(Lusa)
Santana Lopes vai passar o tempo a atacar o PR. A direita vai juntar no mesmo saco PR, PS, os empresários e todas as forças “irresponsáveis”.
Já se percebeu como “uma parte da campanha de Santana Lopes será feita: o governo caiu porque os grandes interesses económicos não queriam o OE, as suas medidas de combate á fraude fiscal, e de imposição de impostos à banca. É hábil, apela ao populismo, e aos amadores das teorias da conspiração, mas não é verdade.”
Por outro lado alguém tem de acautelar os perigos reais de 3 meses de “governo de gestão” com Santana Lopes e Paulo Portas em campanha eleitoral.
Como afirma Miguel Sousa Tavares a rematar o seu artigo “Escrito nas Estrelas”, no Público de hoje, “Ao menos uma coisa Jorge Sampaio tem obrigação de fazer: não deixar que estes dois ou três meses de governo de gestão (até nisto, na inacreditável demora para demitir um governo, convocar eleições e nomear outro, não aprendemos nada com o passado) se transformem num fartar-vilanagem …” (link não disponível)
(Notas acerca das eleições antecipadas – 3)
Há silêncios que não podem ser eternos
"O facto que hoje evoco passou-se há dois anos. Merece ser recordado pois, entretanto, ganhou uma inusitada actualidade.
No dia 12 de Dezembro de 2002, cedo de manhã, fui acordado por um telefonema da Rádio Renascença, que me pedia um comentário às notícias que, nessa madrugada, circulavam acerca de “irregularidades” no INATEL a cuja direcção presidia."
Este texto é um extrato de um artigo publicado hoje no "Semanário Económico" que pode ser lido na sua versão integral no IR AO FUNDO E VOLTAR
No dia 12 de Dezembro de 2002, cedo de manhã, fui acordado por um telefonema da Rádio Renascença, que me pedia um comentário às notícias que, nessa madrugada, circulavam acerca de “irregularidades” no INATEL a cuja direcção presidia."
Este texto é um extrato de um artigo publicado hoje no "Semanário Económico" que pode ser lido na sua versão integral no IR AO FUNDO E VOLTAR
Absorto - 1º Aniversário (9 de 17)
A Escola
“A escola é o único lugar do mundo onde aqueles que sabem as respostas é que fazem as perguntas” (Philippe Meirieu)
quinta-feira, dezembro 2
Uma Sala Vazia
O teatro foi uma escola para mim. Desde o liceu até ao teatro amador vivi uma experiência intensa fazendo teatro. No GTCCA (“Grupo de Teatro do Círculo Cultural do Algarve”), dirigido pelo Dr. Emílio Campos Coroa, encenaram-se os clássicos e fizeram-se representações e digressões sem conta.
Em salas pequenas e grandes, modestas e grandiosas, em ruas e praças, em barcos ancorados (“O Lugre”) e praias douradas (Albufeira), de dia e de noite. Uma loucura. A acção da família Campos Coroa na promoção do teatro foi, e é, uma gesta heróica. O exagero está na realidade e não na fantasia do teatro.
Representamos a “Trilogia das Barcas”, de Gil Vicente, versão integral, vezes sem conta. Desempenhava, nessa trilogia, três papéis, um em cada acto: o “Procurador”, no primeiro, o “Tafúl” (cena final do segundo acto) e o “Cardeal”, no terceiro. O dispêndio de energias era fenomenal e as cabeleiras nunca me cabiam na cabeça. O meu desempenho era somente razoável para um actor autodidacta, sem escola, nem formação específica.
Mas os espectáculos eram uma festa tensa e exigente. O espectáculo de Portimão (ou de Lagos?) ficou-me vincado na memória por uma razão oposta à maioria dos outros. Antes do início, perto da hora marcada, a sala apresentava-se deserta. Não sei já, ao certo, mas sentavam-se na plateia um ou dois espectadores. Tinha falhado, certamente, a divulgação.
O Dr. Emílio Campos Coroa (enfurecido!) reuniu a “companhia” nos bastidores e fez uma prédica que nunca mais esqueci. A sua mensagem era cristalina: o espectáculo realiza-se, de qualquer maneira, como se estivéssemos perante uma sala cheia. Com a mesma energia e dedicação, sem falhas nem hesitações.
Fez-se. Correu bem. Reforcei a convicção de que os compromissos são para respeitar mesmo na adversidade. Obrigado doutor.
Em salas pequenas e grandes, modestas e grandiosas, em ruas e praças, em barcos ancorados (“O Lugre”) e praias douradas (Albufeira), de dia e de noite. Uma loucura. A acção da família Campos Coroa na promoção do teatro foi, e é, uma gesta heróica. O exagero está na realidade e não na fantasia do teatro.
Representamos a “Trilogia das Barcas”, de Gil Vicente, versão integral, vezes sem conta. Desempenhava, nessa trilogia, três papéis, um em cada acto: o “Procurador”, no primeiro, o “Tafúl” (cena final do segundo acto) e o “Cardeal”, no terceiro. O dispêndio de energias era fenomenal e as cabeleiras nunca me cabiam na cabeça. O meu desempenho era somente razoável para um actor autodidacta, sem escola, nem formação específica.
Mas os espectáculos eram uma festa tensa e exigente. O espectáculo de Portimão (ou de Lagos?) ficou-me vincado na memória por uma razão oposta à maioria dos outros. Antes do início, perto da hora marcada, a sala apresentava-se deserta. Não sei já, ao certo, mas sentavam-se na plateia um ou dois espectadores. Tinha falhado, certamente, a divulgação.
O Dr. Emílio Campos Coroa (enfurecido!) reuniu a “companhia” nos bastidores e fez uma prédica que nunca mais esqueci. A sua mensagem era cristalina: o espectáculo realiza-se, de qualquer maneira, como se estivéssemos perante uma sala cheia. Com a mesma energia e dedicação, sem falhas nem hesitações.
Fez-se. Correu bem. Reforcei a convicção de que os compromissos são para respeitar mesmo na adversidade. Obrigado doutor.
Absorto - 1º Aniversário (8 de 17)
Lisbon Revisited (1923)
NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço.
Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
Álvaro de Campos
(Publiquei antes um extracto de "Lisbon Revisited (1926)". Mais tarde o publicarei, de novo, na sua versão integral. A crise política de-me para isto...).
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço.
Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
Álvaro de Campos
(Publiquei antes um extracto de "Lisbon Revisited (1926)". Mais tarde o publicarei, de novo, na sua versão integral. A crise política de-me para isto...).
Orçamento de Estado - 2005
É um facto extraordinário que se pretenda impor ao PR a garantia antecipada de promulgação do OE. Então alguma vez seria possível garantir a aprovação daquilo que se não conhece?
Além do mais é uma chantagem intolerável visando o PR que é um órgão de soberania. Concordo com Vital Moreira que, no Causa Nossa, defende, com argumentos coerentes, a não aprovação, nestas circunstâncias, do OE.
"Sampaio recusa aprovar OE´2005 por antecipação
Apesar das exigências da coligação governamental para que diga antecipadamente se vai ou não aprovar o Orçamento de Estado para 2005 (OE`2005), o Presidente da República, Jorge Sampaio, recusa-se a avançar para uma aprovação antecipada do documento, frisando que «o Presidente não trabalha com cenários»."
(Notas acerca das Eleições Antecipadas - 2)
Além do mais é uma chantagem intolerável visando o PR que é um órgão de soberania. Concordo com Vital Moreira que, no Causa Nossa, defende, com argumentos coerentes, a não aprovação, nestas circunstâncias, do OE.
"Sampaio recusa aprovar OE´2005 por antecipação
Apesar das exigências da coligação governamental para que diga antecipadamente se vai ou não aprovar o Orçamento de Estado para 2005 (OE`2005), o Presidente da República, Jorge Sampaio, recusa-se a avançar para uma aprovação antecipada do documento, frisando que «o Presidente não trabalha com cenários»."
(Notas acerca das Eleições Antecipadas - 2)
quarta-feira, dezembro 1
Fernando Pessoa (dois poemas)
Eu amo tudo o que foi
Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Fernando Pessoa, 1931.
Eu tenho idéias e razões
Eu tenho idéias e razões,
Conheço a cor dos argumentos
E nunca chego aos corações.
Fernando Pessoa, 1932
Eu amo tudo o que foi,
Tudo o que já não é,
A dor que já me não dói,
A antiga e errônea fé,
O ontem que dor deixou,
O que deixou alegria
Só porque foi, e voou
E hoje é já outro dia.
Fernando Pessoa, 1931.
Eu tenho idéias e razões
Eu tenho idéias e razões,
Conheço a cor dos argumentos
E nunca chego aos corações.
Fernando Pessoa, 1932
(A crise política deu-me para isto...)
A Grandeza
Desculpem a inconveniência. Na nossa sociedade há pessoas boas e competentes. Mas a necrologia política está cheia de cruzes anunciando o seu falecimento. Uma pequena parte delas é, por vezes lembrada, para um “adeus, até sempre”.
É esse um pouco o sentido do artigo de Cavaco Silva. O seu regresso à política partidária é improvável. Mesmo a sua candidatura presidencial é uma incógnita. “O sistema”, como diria o Dias da Cunha, está a funcionar. Para desmontar “o sistema”, desculpem a frontalidade, será porventura necessária uma revolução.
É horrível pensar nestes termos pois eu sei que a democracia representativa contém, em si mesma, a “capacidade para se regenerar”. Contém? Todos os debates, em curso, são tão “com água lisa, por favor”. Sempre os mesmos “pesos pesados”.
Mas a democracia representativa não poderá inventar uma revolução de novo tipo? Basta assegurar que a maioria dos governantes não sejam profissionais da política. Quero dizer os políticos têm que ser obrigados a aproximar-se da vida real. Não nas voltas das campanhas aos beijos e abraços com o povo.
A democracia representativa tem que se reformar a sério. É difícil? Utópico? Basta minguar o peso do estado sem lançar às urtigas as suas responsabilidades. É a produtividade? Pois é. Basta refundar o conceito de serviço público. O facto do cidadão estar ao serviço da comunidade ser mais do que uma nova pena para os crimes leves. Passar a ser uma “grande coisa” e não uma atitude de “totós”.
Os valores senhores, os valores! Não esses, os que se escondem na arca, ou se desvalorizam na banca. Os outros. Os intangíveis! Os não mercantis! Não faz mal nenhum haver eleições anuais até se descobrir uma nova fórmula de devolver à política a sua grandeza.
GRANDEZA. O contrário de sacanice. De sabujice. De aldrabice. De cobardia. É o que me apraz comentar neste primeiro dia depois do PR ter ressuscitado.
(Notas acerca das Eleições Antecipadas - 1)
(Notas acerca das Eleições Antecipadas - 1)
No Parapeito
Não fui ao lançamento do livro da Rita. Estava doente. Mas foram a Guida e o Manuel. Sei como ela escreve bem. Já o li.
Identifico muitas personagens reais e algumas situações. Bonitos textos. A Rita escreve bem. Desde sempre.
“No Parapeito”, Rita Ferro Rodrigues, Edições Quasi, prefácio de Jorge Reis-Sá.
terça-feira, novembro 30
Poemas para Lili
Pia, pia, pia
O mocho.
Que pertencia
A um coxo.
E meteu o mocho
Na pia, pia, pia...
------------------
Levava eu um jarrinho
P'ra ir buscar vinho
Levava um tostão
P'ra comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.
Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro p'ra o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!
Se eu não levasse um jarrinho,
Nem fosse buscar vinho,
Nem trouxesse uma fita
Pra ir bonita,
Nem corresse atrás
De mim um rapaz
Para ver o que eu fazia,
Nada disto acontecia.
Fernando Pessoa
(Os últimos acontecimentos dão-me para isto!)
O mocho.
Que pertencia
A um coxo.
E meteu o mocho
Na pia, pia, pia...
------------------
Levava eu um jarrinho
P'ra ir buscar vinho
Levava um tostão
P'ra comprar pão:
E levava uma fita
Para ir bonita.
Correu atrás
De mim um rapaz:
Foi o jarro p'ra o chão,
Perdi o tostão,
Rasgou-se-me a fita...
Vejam que desdita!
Se eu não levasse um jarrinho,
Nem fosse buscar vinho,
Nem trouxesse uma fita
Pra ir bonita,
Nem corresse atrás
De mim um rapaz
Para ver o que eu fazia,
Nada disto acontecia.
Fernando Pessoa
(Os últimos acontecimentos dão-me para isto!)
Adiamento
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...
Álvaro de Campos
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...
Álvaro de Campos
Manuel Paiva (II)
O "Público", de hoje, publica ainda uma pequena resenha acerca de Manuel Paiva, e das suas opiniões, que não está disponível na edição online. O seu teor interessa-me, por diversas razões, e é o seguinte:
“Manuel Paiva, físico de 62 anos, queria, há muitos anos, visitar escolas básicas da Serra da Estrela. Fê-lo na semana passada. “Tenho uma grande admiração pelas pessoas que trabalham toda a vida. É triste ver que as gerações actuais não transformaram o trabalho manual no gosto pelo trabalho intelectual. Há que cultivar o mérito.”
Conta que nessas escolas encontrou professores incríveis: “São pessoas simples, mas ninguém quer saber o que têm feito pela divulgação da ciência”.
O físico acha que temos de ter uma especial atenção pelos filhos dos imigrantes do leste europeu: “São pessoas que estimam o conhecimento. São cérebros de obra, mais do que mão de obra. O populismo vai apregoar que estão a roubar o nosso lugar. Mas isso é porque o fascismo modelou a nossa mentalidade.”
Manuel Paiva
Manuel Paiva um cientista português, consagrado no estrangeiro, afirma que "Os Portugueses Não Perdoam o Sucesso". A frase pode servir para encobrir muita mediocridade mas, no essencial, é uma verdade que explica muito bem as dificuldades do processo de desenvolvimento em Portugal.
“Manuel Paiva, físico, director do Laboratório de Física Biomédica da Universidade Livre de Bruxelas, lembra-se ainda do dia em que, em 1964, partiu num comboio, de Celorico da Beira, "com raiva entre os dentes." Queria ser físico, mas isso significava então ser professor do secundário. Por isso partiu para a Bélgica. Hoje olha para o que Portugal faz pela investigação.“
Público on line
“Manuel Paiva, físico, director do Laboratório de Física Biomédica da Universidade Livre de Bruxelas, lembra-se ainda do dia em que, em 1964, partiu num comboio, de Celorico da Beira, "com raiva entre os dentes." Queria ser físico, mas isso significava então ser professor do secundário. Por isso partiu para a Bélgica. Hoje olha para o que Portugal faz pela investigação.“
Público on line
segunda-feira, novembro 29
Exames
Ao longo da nossa vida somos submetidos a provas sem fim. Exames, análises, diagnósticos, avaliações, classificações; um interminável cortejo de sujeições às leis da vida em sociedade. Comparam-nos e comparamo-nos com os outros numa incessante competição pela sobrevivência. Com mais ou menos bonomia vamos passando ou chumbando.
Os veredictos são ditados por outros que aceitamos que, de uma forma ou outra, nos julguem. Contei, tempos atrás, como chumbei num exame oral de filosofia. No meu 6º ano de liceu fui admitido à oral de filosofia com 15 valores. De nada me valeu o brilhantismo dessa nota. O “imperativo categórico” de Kant serviu de pretexto à examinadora para me mostrar quem mandava e quem devia obedecer.
Doutra vez, já na faculdade, fui confrontado com uma situação oposta. Na oral de uma cadeira ministrada pela saudosa professora Aurora Murteira o meu evidente desejo de chegar ao fim do acto levou-a a indagar-me se não gostaria de obter uma boa nota final. Fiquei surpreendido pelo seu interesse no meu sucesso. Sempre me surpreende o interesse dos outros por mim.
Disse-lhe, com sinceridade, que não me preocupava, em especial, a nota que haveria de me atribuir. Ficou, claramente, surpreendida com o meu desprendimento. A nota foi a que foi. Não me lembro qual mas, certamente, a nota justa para ela e a suficiente para mim.
Os veredictos são ditados por outros que aceitamos que, de uma forma ou outra, nos julguem. Contei, tempos atrás, como chumbei num exame oral de filosofia. No meu 6º ano de liceu fui admitido à oral de filosofia com 15 valores. De nada me valeu o brilhantismo dessa nota. O “imperativo categórico” de Kant serviu de pretexto à examinadora para me mostrar quem mandava e quem devia obedecer.
Doutra vez, já na faculdade, fui confrontado com uma situação oposta. Na oral de uma cadeira ministrada pela saudosa professora Aurora Murteira o meu evidente desejo de chegar ao fim do acto levou-a a indagar-me se não gostaria de obter uma boa nota final. Fiquei surpreendido pelo seu interesse no meu sucesso. Sempre me surpreende o interesse dos outros por mim.
Disse-lhe, com sinceridade, que não me preocupava, em especial, a nota que haveria de me atribuir. Ficou, claramente, surpreendida com o meu desprendimento. A nota foi a que foi. Não me lembro qual mas, certamente, a nota justa para ela e a suficiente para mim.
Absorto - 1º Aniversário (7 de 17)
domingo, novembro 28
Estabilidade
Não esperem qualquer medida drástica do PR. A demissão de um ministro não passa de um acontecimento vulgar. As suas razões divulgadas, em extensa missiva, não passam de um despautério próprio da mais baixa intriga política.
Desagregação do governo? Só por se ter demitido um ministro? Não exageremos. Ele há tantos! A estabilidade está mais do que garantida. E o regular funcionamento das instituições democráticas. Mais que fixe. Venha o orçamento de “continuidade” e está fechado o círculo que levará, em bonança, o governo até ao verão de 2005.
Há pessoas que não compreendem a verdadeira estabilidade. Estabilidade é "isto"!
Desagregação do governo? Só por se ter demitido um ministro? Não exageremos. Ele há tantos! A estabilidade está mais do que garantida. E o regular funcionamento das instituições democráticas. Mais que fixe. Venha o orçamento de “continuidade” e está fechado o círculo que levará, em bonança, o governo até ao verão de 2005.
Há pessoas que não compreendem a verdadeira estabilidade. Estabilidade é "isto"!
A tropa
Em Outubro de 1971 cumpri a jornada obrigatória de me apresentar em Mafra. O velho Convento era o destino de todos os jovens licenciados que fossem considerados aptos para cumprir o serviço militar obrigatório.
O problema maior era o espectro da mobilização para uma das frentes da guerra colonial. No primeiro dia fiz a viagem de autocarro. Fui sem revolta e em busca de nada. Cumprir uma obrigação e, se possível, lutar contra a guerra colonial. Eu sabia que o quartel era uma instituição concentracionária clássica.
A tropa, naquela época, não era uma curta experiência de aprendizagem dos métodos próprios da guerra. Era um longo exercício de sobrevivência psicológica e física às exigências da defesa de Portugal como “Pátria una e indivisível do Minho a Timor”.
Era um teste à capacidade pessoal de resistência a uma caminhada pelo inferno dos labirintos da irracionalidade da guerra. Fui e ganhei forças para combater, por dentro, a solidão e as provações.
Um dia, na parada, o Major, Comandante da Companhia, em voz ciciada, avisou-me de que estava na lista dos “subversivos”. Ouvi e calei. Nunca mais esqueci o seu gesto que tomei à conta de generosidade. Não o conhecia. Era um oficial discreto que cumpria com os seus deveres. Eu cumpria com os meus. Nada o obrigava a correr o risco de me avisar.
Este episódio ajudou-me a aprender como é difícil, no mundo dos homens, ajuizar acerca da sua natureza e dos valores que os movem na sua relação com os outros. Não esqueci a nobreza do major.
O problema maior era o espectro da mobilização para uma das frentes da guerra colonial. No primeiro dia fiz a viagem de autocarro. Fui sem revolta e em busca de nada. Cumprir uma obrigação e, se possível, lutar contra a guerra colonial. Eu sabia que o quartel era uma instituição concentracionária clássica.
A tropa, naquela época, não era uma curta experiência de aprendizagem dos métodos próprios da guerra. Era um longo exercício de sobrevivência psicológica e física às exigências da defesa de Portugal como “Pátria una e indivisível do Minho a Timor”.
Era um teste à capacidade pessoal de resistência a uma caminhada pelo inferno dos labirintos da irracionalidade da guerra. Fui e ganhei forças para combater, por dentro, a solidão e as provações.
Um dia, na parada, o Major, Comandante da Companhia, em voz ciciada, avisou-me de que estava na lista dos “subversivos”. Ouvi e calei. Nunca mais esqueci o seu gesto que tomei à conta de generosidade. Não o conhecia. Era um oficial discreto que cumpria com os seus deveres. Eu cumpria com os meus. Nada o obrigava a correr o risco de me avisar.
Este episódio ajudou-me a aprender como é difícil, no mundo dos homens, ajuizar acerca da sua natureza e dos valores que os movem na sua relação com os outros. Não esqueci a nobreza do major.
Absorto - 1º Aniversário (6 de 17)
Henrique Chaves
A Lusa anuncia e o Público replica a notícia da demissão de Henrique Chaves empossado, há 4 dias, pelo PR.
Ah Senhor Presidente, estabilidade como esta, não há outra igual!
“Ministro do Desporto e Juventude apresenta demissão.
O Ministro do Desporto, Juventude e Reabilitação, Henrique Chaves, anunciou hoje a sua demissão do Governo, menos de uma semana após ter assumido o cargo.Num comunicado citado pela Lusa, Henrique Chaves, até há poucos dias ministro-adjunto do primeiro-ministro, refere que não concebe "a vida política e o exercício de cargos públicos sem uma relação de lealdade entre as pessoas", nem "o exercício de qualquer missão privada ou pública, sem o mínimo de estabilidade e coordenação".
Ah Senhor Presidente, estabilidade como esta, não há outra igual!
“Ministro do Desporto e Juventude apresenta demissão.
O Ministro do Desporto, Juventude e Reabilitação, Henrique Chaves, anunciou hoje a sua demissão do Governo, menos de uma semana após ter assumido o cargo.Num comunicado citado pela Lusa, Henrique Chaves, até há poucos dias ministro-adjunto do primeiro-ministro, refere que não concebe "a vida política e o exercício de cargos públicos sem uma relação de lealdade entre as pessoas", nem "o exercício de qualquer missão privada ou pública, sem o mínimo de estabilidade e coordenação".
Jerónimo de Sousa
Até gostava de gostar de Jerónimo de Sousa. O operário que alcança o topo da hierarquia do PCP. Desde Bento Gonçalves que tal não acontecia. Mas não consigo gostar.
O problema não é a personagem apesar da política ser muito determinada pelos protagonistas. Nem o rito da sua entronização. Nem a contracção da sua face. O problema é que o PCP, assumindo o marxismo-leninismo, como doutrina, e o centralismo democrático, como modelo de organização, deixou de pertencer, definitivamente, ao nosso tempo.
Nada acrescenta à esquerda se a esquerda pretender acrescentar alguma coisa ao desenvolvimento da sociedade portuguesa. O PCP é, para falar claro, uma clareira de nada. Por mais que engrosse e endureça o seu discurso Jerónimo de Sousa representa a exaustão política e eleitoral do PCP.
É o crepúsculo de uma utopia que não tem mais realidade para se firmar. O regresso às origens é um sinal de que o PCP se aproxima do fim.
O problema não é a personagem apesar da política ser muito determinada pelos protagonistas. Nem o rito da sua entronização. Nem a contracção da sua face. O problema é que o PCP, assumindo o marxismo-leninismo, como doutrina, e o centralismo democrático, como modelo de organização, deixou de pertencer, definitivamente, ao nosso tempo.
Nada acrescenta à esquerda se a esquerda pretender acrescentar alguma coisa ao desenvolvimento da sociedade portuguesa. O PCP é, para falar claro, uma clareira de nada. Por mais que engrosse e endureça o seu discurso Jerónimo de Sousa representa a exaustão política e eleitoral do PCP.
É o crepúsculo de uma utopia que não tem mais realidade para se firmar. O regresso às origens é um sinal de que o PCP se aproxima do fim.
sábado, novembro 27
Cavaco Silva ao Ataque
Cavaco Silva escreve hoje um artigo no Expresso. O mesmo pode ser lido, na íntegra, no IR AO FUNDO E VOLTAR.
O artigo intitula-se “Os políticos e a lei de Gresham” e pode ser resumido por este destaque que o Expresso lhe confere:
«Cabe às elites profissionais contribuírem para afastar da vida partidária portuguesa a sugestão da lei de Gresham, isto é, contribuírem para que os políticos competentes possam afastar os incompetentes.»
Qual o verdadeiro significado deste artigo? Tal como a intervenção proferida tempos atrás por Guterres, que também publiquei na íntegra, este artigo indicia que Cavaco se prepara para se apresentar como candidato presidencial.
Desde logo porque, ao contrário dos escritos anteriores de Cavaco, este artigo assume uma natureza declaradamente política. O que Cavaco diz, com brutalidade, é que a qualidade dos políticos que ocupam a ribalta – e não só – atingiram o grau zero da competência. Quem são esses políticos a que Cavaco se refere? Não é difícil imaginar quais sejam!
Cavaco tem razão apesar de ter contribuído fortemente para esta degradação da qualidade dos políticos. Mas o seu ataque/alerta não deixa de colocar no centro do debate uma questão crucial para a democracia portuguesa: as reformas do nosso sistema partidário não pode ser eternamente adiadas nem circunscrever-se a uma mera questão de cosmética.
É preciso ir mais fundo. E para isso os “políticos competentes” devem afastar os “incompetentes”. Resta saber quem são uns e outros!
O artigo intitula-se “Os políticos e a lei de Gresham” e pode ser resumido por este destaque que o Expresso lhe confere:
«Cabe às elites profissionais contribuírem para afastar da vida partidária portuguesa a sugestão da lei de Gresham, isto é, contribuírem para que os políticos competentes possam afastar os incompetentes.»
Qual o verdadeiro significado deste artigo? Tal como a intervenção proferida tempos atrás por Guterres, que também publiquei na íntegra, este artigo indicia que Cavaco se prepara para se apresentar como candidato presidencial.
Desde logo porque, ao contrário dos escritos anteriores de Cavaco, este artigo assume uma natureza declaradamente política. O que Cavaco diz, com brutalidade, é que a qualidade dos políticos que ocupam a ribalta – e não só – atingiram o grau zero da competência. Quem são esses políticos a que Cavaco se refere? Não é difícil imaginar quais sejam!
Cavaco tem razão apesar de ter contribuído fortemente para esta degradação da qualidade dos políticos. Mas o seu ataque/alerta não deixa de colocar no centro do debate uma questão crucial para a democracia portuguesa: as reformas do nosso sistema partidário não pode ser eternamente adiadas nem circunscrever-se a uma mera questão de cosmética.
É preciso ir mais fundo. E para isso os “políticos competentes” devem afastar os “incompetentes”. Resta saber quem são uns e outros!
Populismo Justiceiro
O início do julgamento do processo “Casa Pia” serviu para mostrar a que ponto chegou, no nosso país, o “populismo justiceiro”. Deu para confirmar as piores expectativas a respeito das relações promíscuas entre os poderes e a comunicação social.
Sabemos que se não trata de um exclusivo português. As execuções sumárias estiveram à vista de todos. As condenações na praça pública tornaram-se um “programa de grande audiência”.
Não há limites para o espectáculo grosseiro dos insultos e dos apelos à fogueira. Os responsáveis políticos da extrema-direita rejubilam no seu silêncio manhoso. Os seus sequazes açulam a multidão a que se faça justiça.
Assim se faz o caminho para enfraquecer os poderes democráticos que deviam ser fortes. E para fortalecer os aspirantes a tiranos que deviam ser fracos. Ver, hoje no Público, Vasco Pulido Valente.
Sabemos que se não trata de um exclusivo português. As execuções sumárias estiveram à vista de todos. As condenações na praça pública tornaram-se um “programa de grande audiência”.
Não há limites para o espectáculo grosseiro dos insultos e dos apelos à fogueira. Os responsáveis políticos da extrema-direita rejubilam no seu silêncio manhoso. Os seus sequazes açulam a multidão a que se faça justiça.
Assim se faz o caminho para enfraquecer os poderes democráticos que deviam ser fortes. E para fortalecer os aspirantes a tiranos que deviam ser fracos. Ver, hoje no Público, Vasco Pulido Valente.
sexta-feira, novembro 26
Fernando Vale
Fernando Vale era um homem que pertencia aquela extirpe de homens invulgares pela coerência, simplicidade e longevidade. O PS histórico perdeu um dos seus fundadores que se confunde com a 1ª República.
Algumas coincidências: a sua morte foi anunciada pelo Presidente da Câmara Municipal de Arganil que conheci bem aquando da negociação do contrato de concessão da Estalagem de Piódão entre aquela edilidade e o INATEL. Vale é natural de Coja, terra da minha amiga Teresa, que, no ME, me tem dedicado uma amizade sem falhas à qual não tenho correspondido como devia.
Homens bons. Mulheres de fé. Depois dos acontecimentos de ontem, eivados de ódio e ressentimento, evocar a morte de Fernando Vale é, paradoxalmente, um bálsamo para a alma. Apesar do sentimento de perda.
Algumas coincidências: a sua morte foi anunciada pelo Presidente da Câmara Municipal de Arganil que conheci bem aquando da negociação do contrato de concessão da Estalagem de Piódão entre aquela edilidade e o INATEL. Vale é natural de Coja, terra da minha amiga Teresa, que, no ME, me tem dedicado uma amizade sem falhas à qual não tenho correspondido como devia.
Homens bons. Mulheres de fé. Depois dos acontecimentos de ontem, eivados de ódio e ressentimento, evocar a morte de Fernando Vale é, paradoxalmente, um bálsamo para a alma. Apesar do sentimento de perda.
quinta-feira, novembro 25
A Queda
O dia estava frio. Tinha nevado, com intensidade, nas terras altas nos dias anteriores. Sempre gostei de visitar os lugares onde decorrem actividades sob minha responsabilidade. E tanto quanto possível experimentar participar nas mesmas. Esta era uma actividade na área do designado “desporto aventura”. Num dos mais extraordinários rios de Portugal: o Paiva.
O degelo tinha começado e as águas corriam altas e rápidas por entre os rochedos. Tudo estava preparado para a expedição. A tarefa era a descida do rio Paiva na modalidade de “rafting”.
O degelo tinha começado e as águas corriam altas e rápidas por entre os rochedos. Tudo estava preparado para a expedição. A tarefa era a descida do rio Paiva na modalidade de “rafting”.
Nada de especial. Percurso de dificuldade intermédia. Julgo que éramos 7 ao todo. Os aventureiros iam vestidos a rigor sem descurar qualquer detalhe de segurança. O monitor era um profissional experimentado e sabedor. A equipa era forte e destemida. Não cito os nomes pois não me lembro de todos com exactidão.
O início da descida correu dentro do normal. Mas o ressalto numa rocha, não sei como, fez com que eu caísse do barco à água. Após a queda iniciei uma descida aos infernos. Fui abraçado pelas águas tumultuosas e arrastado pela corrente. Fui ao fundo e voltei vezes sem conta. Os meus companheiros de aventura bem procuraram agarrar-me mas a tarefa era difícil. Imagino a sua aflição.
Naveguei centenas de metros sem controlo e finalmente fiquei à tona numa zona protegida das correntes mais fortes. Sobrevivi. Seguiu-se a retirada trepando uma escapa íngreme que não tinha fim. À força de braços os meus companheiros, com o apoio de cordas, içaram-me até ao cimo. Só no fim recuperei da hipotermia.
No louco e aterrador mergulho pelas águas límpidas e turbulentas do Paiva passaram no visor da minha memória, exclusivamente, imagens do meu filho. Quando regressei a casa era tarde e estavam todos a dormir. As faces de minha mulher e do meu filho estavam serenas. Deitei-me e adormeci. Só muito mais tarde se aperceberam do que esteve para me acontecer.
O início da descida correu dentro do normal. Mas o ressalto numa rocha, não sei como, fez com que eu caísse do barco à água. Após a queda iniciei uma descida aos infernos. Fui abraçado pelas águas tumultuosas e arrastado pela corrente. Fui ao fundo e voltei vezes sem conta. Os meus companheiros de aventura bem procuraram agarrar-me mas a tarefa era difícil. Imagino a sua aflição.
Naveguei centenas de metros sem controlo e finalmente fiquei à tona numa zona protegida das correntes mais fortes. Sobrevivi. Seguiu-se a retirada trepando uma escapa íngreme que não tinha fim. À força de braços os meus companheiros, com o apoio de cordas, içaram-me até ao cimo. Só no fim recuperei da hipotermia.
No louco e aterrador mergulho pelas águas límpidas e turbulentas do Paiva passaram no visor da minha memória, exclusivamente, imagens do meu filho. Quando regressei a casa era tarde e estavam todos a dormir. As faces de minha mulher e do meu filho estavam serenas. Deitei-me e adormeci. Só muito mais tarde se aperceberam do que esteve para me acontecer.
Absorto - 1º Aniversário (5 de 17)
O Binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O Binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.
óóóó---óóóóóó óóó---óóóóóóó óóóóóóóó
Álvaro de Campos, 15-1-1928
(O vento lá fora.)
O que há é pouca gente para dar por isso.
óóóó---óóóóóó óóó---óóóóóóó óóóóóóóó
Álvaro de Campos, 15-1-1928
(O vento lá fora.)
quarta-feira, novembro 24
"O salto"
A época era de pesadelo. O último lustro da década de 60 foi duro. Lutas e mais lutas. Crises e mais crises. O Maio de 68. A crise de 69. Sentia-se no meio estudantil o ambiente pesado da vigilância e repressão policiais. Os activistas eram especialmente seguidos e provocados.
Quem se expunha na actividade associativa legal, tolerada, era inevitavelmente referenciado pela polícia política do regime. Corriam-se riscos. Temia-se a prisão a qualquer momento. Abundavam os rumores e choviam os avisos. Aqueles que, como eu, acreditavam, e acreditam, no progresso nunca se deixaram intimidar. A cada um de nós coube a sua sorte.
Um dia alguém me convenceu que a minha prisão estava iminente. Pois bem, havia que tomar uma decisão. Manter a actividade? Entrar na clandestinidade? Ficar ou partir? Não pertencia, nem nunca pertenci, ao Partido Comunista que era a única organização verdadeiramente organizada em termos de clandestinidade. Não podia arriscar uma caricatura de vida clandestina sem rede. Optei por “dar o salto”. Destino: Paris.
Combinei com uns amigos os detalhes. Fizeram-se os contactos com quem havia de nos “passar”. Tomei as providências necessárias. Despedida discreta e dramática de quem mais amava. Rapar a barba. Tomar o comboio na direcção do Porto. Ponto de encontro: restaurante “Ché-Lapin”, à hora de almoço. Almoçamos e esperamos uma eternidade pelo contacto. Não apareceu ninguém. O contacto falhara. Ainda hoje não sei a razão. Nunca mais falei com o dito.
Regresso a Lisboa. Reencontros inesperados. Ao tomar o meu lugar habitual na “Esplanada do Jardim da Estrela” senti a extraordinária sensação de não ser reconhecido por ninguém. Nem sequer pelo empregado que me servia todos os dias. Só a minha voz me atraiçoou. Sempre me reconhecem pela voz.
Nunca cheguei a ser preso. Segui o meu caminho. Por um triz estive para ser um "falso exilado". Felizmente o destino protegeu-me e nem os meus pais chegaram a saber da aventura.
Quem se expunha na actividade associativa legal, tolerada, era inevitavelmente referenciado pela polícia política do regime. Corriam-se riscos. Temia-se a prisão a qualquer momento. Abundavam os rumores e choviam os avisos. Aqueles que, como eu, acreditavam, e acreditam, no progresso nunca se deixaram intimidar. A cada um de nós coube a sua sorte.
Um dia alguém me convenceu que a minha prisão estava iminente. Pois bem, havia que tomar uma decisão. Manter a actividade? Entrar na clandestinidade? Ficar ou partir? Não pertencia, nem nunca pertenci, ao Partido Comunista que era a única organização verdadeiramente organizada em termos de clandestinidade. Não podia arriscar uma caricatura de vida clandestina sem rede. Optei por “dar o salto”. Destino: Paris.
Combinei com uns amigos os detalhes. Fizeram-se os contactos com quem havia de nos “passar”. Tomei as providências necessárias. Despedida discreta e dramática de quem mais amava. Rapar a barba. Tomar o comboio na direcção do Porto. Ponto de encontro: restaurante “Ché-Lapin”, à hora de almoço. Almoçamos e esperamos uma eternidade pelo contacto. Não apareceu ninguém. O contacto falhara. Ainda hoje não sei a razão. Nunca mais falei com o dito.
Regresso a Lisboa. Reencontros inesperados. Ao tomar o meu lugar habitual na “Esplanada do Jardim da Estrela” senti a extraordinária sensação de não ser reconhecido por ninguém. Nem sequer pelo empregado que me servia todos os dias. Só a minha voz me atraiçoou. Sempre me reconhecem pela voz.
Nunca cheguei a ser preso. Segui o meu caminho. Por um triz estive para ser um "falso exilado". Felizmente o destino protegeu-me e nem os meus pais chegaram a saber da aventura.
Absorto - 1º Aniversário (4 de 17)
Política plástica
Sou sincero. Não vi com atenção a entrevista do PM a Judite de Sousa. Passei por lá uns segundos. O suficiente para entender a natureza da entrevista.
Depois já li o que JPP escreveu. Está tudo dito. A lógica é a de aparecer ou morrer. Já escrevi aqui acerca da natureza da relação entre o PM e a comunicação.
Há uma banda musical que ostenta uma designação muito interessante: é a “banda plástica”. Fazem muito bem animação de rua, tocam bem, vestem-se de forma divertida, fazem da música uma autêntica diversão. Gosto muito da “banda plástica”.
A “política plástica” é bem menos divertida. Era preciso estar vestido a preceito, tocar boa música, aparentar, ao menos, um ar divertido. É provável que o problema seja meu. Não estou habituado ao estilo.
Tenho uma fé profunda na capacidade dos homens para se fazerem entender. Não creio que o PM não se faça entender. Aqueles que o ouvem têm que acreditar que ele acredita naquilo que diz. É esse o problema. O PM não faz com que os outros acreditem que ele acredita. É um problema de credibilidade.
Na “banda plástica” não é preciso acreditar. Gosta-se ou não se gosta. Com o PM é preciso acreditar. Mesmo que não se goste. Mas, além dos indefectíveis, alguém acredita? Há quem diga que este é um problema de toda a política contemporânea. É a autenticidade que se ausentou para parte incerta.
terça-feira, novembro 23
A Boleia Perdida
Nas férias de verão, em finais dos anos 60, costumava ir à boleia de Faro a Armação de Pêra. Era uma boleia certa. Ida e volta. Eu ia namorar. Mas um dia a boleia de volta falhou. Fiquei pendurado no sítio combinado. À beira da estrada. E nada. Fez-se noite e as minhas esperanças desvaneceram-se. Sem dinheiro, que só havia pouco, regressei a pé, à vila.
A namorada já estava longe e perto. Em casa de seus pais e eu lá não ia. Na época não havia telemóveis e na casa de meus pais nem telefone fixo. Só na loja mas tinha encerrado. Não os pude avisar da minha ausência para o jantar.
Havia que tomar medidas de emergência. Encontrar alguém amigo, ou conhecido, para pedir algum emprestado. A minha decisão, inevitável, tinha sido a de pernoitar em Armação de Pêra. Por sorte, à primeira volta pela vila, apareceu uma mão amiga. Procurei uma pensão. Havia quartos disponíveis apesar de ser verão. Sei que estávamos em 1968 pois retenho na memória as imagens dos Jogos Olímpicos, desse ano, que passavam na TV.
Dormi e de manhã regressei ao ponto de encontro habitual na praia. O meu surgimento, cedo, foi uma surpresa. Breves explicações e o resto foram as carícias de um verão promissor. Águas límpidas e areias finas, beber a vida de um trago, a reencarnação da própria beleza...
Nesse dia regressei a casa o mais depressa possível e, desta vez, sujeito ao horário do autocarro. Os meus pais não me pediram qualquer explicação, nem disseram uma palavra. Sofreram, em silêncio, a minha ausência inesperada. Imagino os seus receios e medos.
A namorada já estava longe e perto. Em casa de seus pais e eu lá não ia. Na época não havia telemóveis e na casa de meus pais nem telefone fixo. Só na loja mas tinha encerrado. Não os pude avisar da minha ausência para o jantar.
Havia que tomar medidas de emergência. Encontrar alguém amigo, ou conhecido, para pedir algum emprestado. A minha decisão, inevitável, tinha sido a de pernoitar em Armação de Pêra. Por sorte, à primeira volta pela vila, apareceu uma mão amiga. Procurei uma pensão. Havia quartos disponíveis apesar de ser verão. Sei que estávamos em 1968 pois retenho na memória as imagens dos Jogos Olímpicos, desse ano, que passavam na TV.
Dormi e de manhã regressei ao ponto de encontro habitual na praia. O meu surgimento, cedo, foi uma surpresa. Breves explicações e o resto foram as carícias de um verão promissor. Águas límpidas e areias finas, beber a vida de um trago, a reencarnação da própria beleza...
Nesse dia regressei a casa o mais depressa possível e, desta vez, sujeito ao horário do autocarro. Os meus pais não me pediram qualquer explicação, nem disseram uma palavra. Sofreram, em silêncio, a minha ausência inesperada. Imagino os seus receios e medos.
Fiquei a admira-los ainda mais. A sua confiança em mim era ilimitada. Nunca os esquecia e eles sempre me perdoavam.
Absorto - 1º Aniversário (3 de 17)
Os Corredores do Poder
Nos corredores corre uma aragem fria. Não me refiro a nenhum corredor em particular. Em todos os corredores. Neles se distribuem as entradas. É por isso que nos corredores corre uma aragem fria. Não se passa nada nos corredores. A não ser passar-se por eles a caminho de uma entrada. Nesse caso chamam-se os corredores do poder.
O poder tem sempre os corredores cheios de gente. Os habitantes dos corredores não se importam de sofrer com o frio. É o sacrifício necessário para espreitar a oportunidade de entrar. De vez em quando aparecem uns antigos militantes com cartão de um dígito e muitos galhardetes e cartas de recomendação.
Há mesmo militantes com vários cartões, de diversas cores, conforme as ocasiões. Estão sempre no lugar certo na hora certa. Se acaso entram sem se dar por eles apresentam logo o filho ou o sobrinho que está lá fora à espera de ocupar um lugar na hora.
Dizer que não a um militante de um dígito é o cabo dos trabalhos. Pode custar uma carreira. Há quem diga que não aos militantes de um dígito. Mas esses têm direito a uma ou várias campanhas na comunicação social. Ou, em alternativa, ao silêncio eterno.
Nos corredores corre uma aragem fria. Estão cheios de bactérias à espera de um órgão que esteja maduro para se instalarem. Vejo uma nuvem delas a pulular pelos corredores. Vivem enquanto dispõem de alimento de órgãos em decomposição. A decomposição de órgãos da administração é favorável para este tipo de cliente voraz e preparado para qualquer lugar.
Reparo que, neste momento, os clientes estão quase todos servidos. Os escolhidos, ao nível das estruturas partidárias locais, já devem ter entrado nos suplentes. É tudo a multiplicar por dois.
Ouve-se, à distância, o regurgitar de mil bocas a sorver o caldo da malga. O poder vai enlouquecê-los. Mas o pior virá depois.
segunda-feira, novembro 22
A Humilhação
Era uma linha recta, sem mais nada, rodeada de paredes brancas. Para mim todas as casas eram brancas e todas as ruas eram de terra batida. Guardo uma recordação muito intensa desses caminhos. A memória da minha infância fixou os recantos e os rostos das pessoas.
Caminhava nessas ruas, o tempo todo, a sonhar acordado. Como compreendo, hoje, o meu filho. A rua em que nasci, na cidade a sul, era habitada por muita e diversa gente. Pobres e remediados. Nada de gente rica.
A escola era um lugar de disciplina antes de ser um lugar de aprendizagem. Estávamos na primeira metade da década de 50. Então a revolta tomou um lugar relevante na minha vida. Não que tivesse sido castigado ou supliciado fisicamente na escola como tantos dos meus colegas. Mas bastava assistir.
Fui mandado para casa uma vez por ter sujado as mãos com a tinta azul (um belo colorido) da caneta de aparo que não cuidei de usar com a necessária perícia. A professora Pessanha não perdoou. Nesse dia senti a humilhação de ter de abandonar a escola fora do horário estabelecido.
Nada ficou igual na minha vida a partir desse pequeno incidente. Fazia calor. E nunca mais deixei de sentir no rosto esse calor do ar e da terra salpicados pela humilhação. Foi como um rasgo para sempre cravado na minha personalidade aquele dia em que não senti o habitual prazer do regresso a casa a pé.
Absorto - 1º Aniversário (2 de 17)
Caminhava nessas ruas, o tempo todo, a sonhar acordado. Como compreendo, hoje, o meu filho. A rua em que nasci, na cidade a sul, era habitada por muita e diversa gente. Pobres e remediados. Nada de gente rica.
A escola era um lugar de disciplina antes de ser um lugar de aprendizagem. Estávamos na primeira metade da década de 50. Então a revolta tomou um lugar relevante na minha vida. Não que tivesse sido castigado ou supliciado fisicamente na escola como tantos dos meus colegas. Mas bastava assistir.
Fui mandado para casa uma vez por ter sujado as mãos com a tinta azul (um belo colorido) da caneta de aparo que não cuidei de usar com a necessária perícia. A professora Pessanha não perdoou. Nesse dia senti a humilhação de ter de abandonar a escola fora do horário estabelecido.
Nada ficou igual na minha vida a partir desse pequeno incidente. Fazia calor. E nunca mais deixei de sentir no rosto esse calor do ar e da terra salpicados pela humilhação. Foi como um rasgo para sempre cravado na minha personalidade aquele dia em que não senti o habitual prazer do regresso a casa a pé.
O Horror da Guerra
O operador de câmara que fixou as imagens do soldado americano disparando sobre um iraquiano ferido é Kevin Sites. A descrição do acontecimento, pelo próprio operador, pode lida em Kevin Sites.
Poema de Aniversário
De que céu, se o céu em que desfaço
as mãos em flores, que trazia, parte
hei de esperar que pare este mudar-se
de outras claras manhãs nesta tristeza?
Alto sonhamos com imóveis águas,
setembros permanentes, garças fixas,
mas os olhos e as mãos nada conquistam,
e enegrece na mesa a maçã limpa.
Carda o rude luar a lã noturna.
A vida é só, e o pranto, pequenino.
Que fazer deste rastro sem sentido
que vem ao homem e parte do menino?
Alberto da Costa e Silva
as mãos em flores, que trazia, parte
hei de esperar que pare este mudar-se
de outras claras manhãs nesta tristeza?
Alto sonhamos com imóveis águas,
setembros permanentes, garças fixas,
mas os olhos e as mãos nada conquistam,
e enegrece na mesa a maçã limpa.
Carda o rude luar a lã noturna.
A vida é só, e o pranto, pequenino.
Que fazer deste rastro sem sentido
que vem ao homem e parte do menino?
Alberto da Costa e Silva
Golpes ou Imaginação Delirante?
Além de Mário Soares também Vasco Lourenço fez uma referência pública à hipótese do “golpe de estado militar” que só a integração de Portugal na UE tem evitado.
Parecem afirmações desproporcionadas, inventando riscos inexistentes, imaginários, oriundos de mentes perversas ou ansiosas de protagonismo.
Santana Lopes questionado acerca da afirmação de Soares sorriu e , surpreendido, disse qualquer coisa como “vamos trabalhar”.
Não penso que os autores dessas afirmações falem por falar. Seria do mais elementar bom senso levar os seus alertas a sério.
Não se trata de homenagear, com bonomia, o passado dos decanos fundadores da democracia portuguesa contemporânea.
Trata-se de tomar a sério a crise do regime de que tantos falam. E de buscar soluções políticas ousadas para essa crise de regime sem meter a cabeça na areia.
Parecem afirmações desproporcionadas, inventando riscos inexistentes, imaginários, oriundos de mentes perversas ou ansiosas de protagonismo.
Santana Lopes questionado acerca da afirmação de Soares sorriu e , surpreendido, disse qualquer coisa como “vamos trabalhar”.
Não penso que os autores dessas afirmações falem por falar. Seria do mais elementar bom senso levar os seus alertas a sério.
Não se trata de homenagear, com bonomia, o passado dos decanos fundadores da democracia portuguesa contemporânea.
Trata-se de tomar a sério a crise do regime de que tantos falam. E de buscar soluções políticas ousadas para essa crise de regime sem meter a cabeça na areia.
domingo, novembro 21
Solenidades e Rituais
Não queria ir. Não me sentia bem na minha pele. Mas estava tudo preparado. A teoria e o ritual. Sabia de cor as orações e o resto. Mas não queria ir. No dia dos actos solenes sempre me sinto com vontade de fugir. Não gosto de actos solenes. Depende das circunstâncias sofrer mais ou menos. Com os anos aprendi a defender-me e sofro menos. Porque não podemos fugir a todos os actos solenes.
Mas naquele dia fugi mesmo. A minha mãe correu atrás de mim. Fui à força a caminho da Sé. Cumpri, como sempre, com a minha obrigação. Percorri todos os caminhos de uma autêntica formação católica. Ficaram-me marcados na memória os personagens, os rostos e os cheiros. Alguns admiráveis e repousantes como os padres Patrício e Henrique. Outros execráveis e repugnantes. Aprendi a olhar para dentro e a falar comigo próprio.
Gosto de ler a poesia de Adélia Prado. E de ouvir o silêncio solene do interior de um templo vazio. De olhar as capelas e os altares. De admirar as obras de arte que os habitam. E de observar a crença dos que os frequentam. No fim da vida o meu pai, que eu julgava agnóstico, rezava. Mas não gosto de participar em rituais. Não gosto de seitas. Nem de associações secretas. Sejam religiosas, políticas ou outras. As suas obediências e silêncios não se conjugam com o meu conceito de liberdade. Isso explica muita coisa.
Fiz a comunhão solene. Tenho até uma fotografia, muito impressiva, acompanhado pelos meus pais e padrinhos (ou será do crisma?). Não me lembro como voltei a casa. Mas lembro-me de nunca ter acreditado na confissão. Nunca ninguém, verdadeiramente, se confessa. O que retenho, com nitidez, foram a vista e o cheiro das laranjeiras do largo da Sé de Faro. E um sorvete que comi, na Brasileira, às escondidas. Em pecado. Capital.
Absorto – 1º Aniversário (1 de 17)
Mas naquele dia fugi mesmo. A minha mãe correu atrás de mim. Fui à força a caminho da Sé. Cumpri, como sempre, com a minha obrigação. Percorri todos os caminhos de uma autêntica formação católica. Ficaram-me marcados na memória os personagens, os rostos e os cheiros. Alguns admiráveis e repousantes como os padres Patrício e Henrique. Outros execráveis e repugnantes. Aprendi a olhar para dentro e a falar comigo próprio.
Gosto de ler a poesia de Adélia Prado. E de ouvir o silêncio solene do interior de um templo vazio. De olhar as capelas e os altares. De admirar as obras de arte que os habitam. E de observar a crença dos que os frequentam. No fim da vida o meu pai, que eu julgava agnóstico, rezava. Mas não gosto de participar em rituais. Não gosto de seitas. Nem de associações secretas. Sejam religiosas, políticas ou outras. As suas obediências e silêncios não se conjugam com o meu conceito de liberdade. Isso explica muita coisa.
Fiz a comunhão solene. Tenho até uma fotografia, muito impressiva, acompanhado pelos meus pais e padrinhos (ou será do crisma?). Não me lembro como voltei a casa. Mas lembro-me de nunca ter acreditado na confissão. Nunca ninguém, verdadeiramente, se confessa. O que retenho, com nitidez, foram a vista e o cheiro das laranjeiras do largo da Sé de Faro. E um sorvete que comi, na Brasileira, às escondidas. Em pecado. Capital.
Absorto – 1º Aniversário (1 de 17)
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sexta-feira, novembro 19
Secretários de Estado por 4 meses, desemprego sobe
Os fenómenos estranhos são apresentados sob a capa da maior normalidade. Um Secretário de Estado de “última hora”, do PSD, “encostado” ao Dr. Portas, no Ministério da Defesa, sai o mais discretamente possível. Pasta sensível: "antigos combatentes."
Ficaram "amigos para sempre". Motivos da saída: "pessoais”. O habitual, mas 4 meses é muito pouco tempo.
Quais serão as verdadeiras razões? Alguma coisa se saberá quando surgir o sucessor?
“O ministro da Defesa elogiou hoje o secretário de Estado dos Antigos Combatentes, que vai deixar o cargo, sublinhando a relação "impecável e excelente" que mantiveram no Governo.
"Agradeço-lhe imenso a colaboração que me deu. Ficámos amigos", disse Paulo Portas para José Pereira da Costa, que anunciou hoje deixar o Governo por motivos pessoais.”
O ex-secretário de estado não é, certamente, mais um desempregado. Mas, por coincidência, foi divulgada a taxa de desemprego referente a Outubro: subida de 4,4%, face a Outubro de 2003.
A propósito sabiam que esta semana foi substituída a equipa dirigente do IEFP?
“O número de desempregados inscritos nos Centros de Emprego aumentou 4,4 por cento em Outubro, face ao mesmo mês do ano anterior, revelou hoje o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
No final do mês de Outubro estavam inscritos nos Centros de Emprego do Continente e Regiões Autónomas 467.809 indivíduos, mais 19.892 que no período homólogo de 2003.”
Notícias LUSA
Ficaram "amigos para sempre". Motivos da saída: "pessoais”. O habitual, mas 4 meses é muito pouco tempo.
Quais serão as verdadeiras razões? Alguma coisa se saberá quando surgir o sucessor?
“O ministro da Defesa elogiou hoje o secretário de Estado dos Antigos Combatentes, que vai deixar o cargo, sublinhando a relação "impecável e excelente" que mantiveram no Governo.
"Agradeço-lhe imenso a colaboração que me deu. Ficámos amigos", disse Paulo Portas para José Pereira da Costa, que anunciou hoje deixar o Governo por motivos pessoais.”
O ex-secretário de estado não é, certamente, mais um desempregado. Mas, por coincidência, foi divulgada a taxa de desemprego referente a Outubro: subida de 4,4%, face a Outubro de 2003.
A propósito sabiam que esta semana foi substituída a equipa dirigente do IEFP?
“O número de desempregados inscritos nos Centros de Emprego aumentou 4,4 por cento em Outubro, face ao mesmo mês do ano anterior, revelou hoje o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
No final do mês de Outubro estavam inscritos nos Centros de Emprego do Continente e Regiões Autónomas 467.809 indivíduos, mais 19.892 que no período homólogo de 2003.”
Notícias LUSA
Mário Soares Alerta
Não é a primeira vez que este tema vem à baila. Tenho ouvido, vezes sem conta, da boca das mais diversas categorias de cidadãos esta frase: “um dia destes vai haver uma revolta popular!”.
Tudo tem os seus limites! Estão ultrapassados, em muitas aspectos da vida portuguesa contemporânea, os limites do tolerável pelas pessoas de bom senso. Só não vê que não quiser ver.
Mário Soares, em vésperas de fazer 80 anos, só confirma uma situação de extrema crispação que paira no ar. Assino por baixo.
“Mário Soares alerta para o perigo de "revoltas descontroladas" em Portugal
Mário Soares afirmou ontem à noite, no Porto, que só a restituição da voz aos cidadãos pode evitar "revoltas descontroladas" e que só ainda não houve "aventuras militares" devido à integração de Portugal na União Europeia.”
Tudo tem os seus limites! Estão ultrapassados, em muitas aspectos da vida portuguesa contemporânea, os limites do tolerável pelas pessoas de bom senso. Só não vê que não quiser ver.
Mário Soares, em vésperas de fazer 80 anos, só confirma uma situação de extrema crispação que paira no ar. Assino por baixo.
“Mário Soares alerta para o perigo de "revoltas descontroladas" em Portugal
Mário Soares afirmou ontem à noite, no Porto, que só a restituição da voz aos cidadãos pode evitar "revoltas descontroladas" e que só ainda não houve "aventuras militares" devido à integração de Portugal na União Europeia.”
Referendo - um péssimo começo
A pergunta, segundo surgiu a público, acordada entre a maioria (PSD/PP) e o PS, para colocar aos portugueses no referendo à Constituição para a Europa é esta:
"Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?"
Ninguém percebe nada, não é? Estão a gozar com o pagode, não é? A campanha para o referendo, envolvendo o PR, o “Bloco Central” e alguns europeístas convictos, seria uma penosa tarefa transformando uma questão simples na maior das trapalhadas da história de 30 anos de democracia em Portugal.
A minha antevisão, para o resultado do referendo, se a pergunta fosse esta: 70% de abstenção.
Querem tornear uma revisão constitucional, não é? Mas não é possível a não ser com o sacrifício do mais importante: a plena participação de Portugal no projecto da UE ou a própria UE.
"Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?"
Ninguém percebe nada, não é? Estão a gozar com o pagode, não é? A campanha para o referendo, envolvendo o PR, o “Bloco Central” e alguns europeístas convictos, seria uma penosa tarefa transformando uma questão simples na maior das trapalhadas da história de 30 anos de democracia em Portugal.
A minha antevisão, para o resultado do referendo, se a pergunta fosse esta: 70% de abstenção.
Querem tornear uma revisão constitucional, não é? Mas não é possível a não ser com o sacrifício do mais importante: a plena participação de Portugal no projecto da UE ou a própria UE.
quinta-feira, novembro 18
Os Nossos
Os críticos não têm credibilidade. Os relatórios críticos não têm credibilidade.
Os críticos querem-se amigos e os relatórios previamente concertados.
Com muito contraditório. De confessionário. O pecador ajoelha e confessa os seus pecados.
O confessor, aquele que ouve confissões, decidirá, em consciência, a penitência a prescrever.
Tudo no maior sigilo. Em família. Os negócios sérios fazem-se na grande família. Assim seja.
O grande problema das democracias é a opinião pública. Opinião pública já se sabe que existe.
Mas não abuse das liberdades. As opiniões querem-se diversas mas cumpridoras, contrárias mas escorreitas, contestatárias mas previsíveis.
O sistema democrático só funcionará em pleno com uma informação domesticada.
Trata-se de uma operação muito simples para os audazes mentores do modelo nacional populista: os “nossos” aos lugares de chefia.
Simples. Só isso. Mais nada.
Os críticos querem-se amigos e os relatórios previamente concertados.
Com muito contraditório. De confessionário. O pecador ajoelha e confessa os seus pecados.
O confessor, aquele que ouve confissões, decidirá, em consciência, a penitência a prescrever.
Tudo no maior sigilo. Em família. Os negócios sérios fazem-se na grande família. Assim seja.
O grande problema das democracias é a opinião pública. Opinião pública já se sabe que existe.
Mas não abuse das liberdades. As opiniões querem-se diversas mas cumpridoras, contrárias mas escorreitas, contestatárias mas previsíveis.
O sistema democrático só funcionará em pleno com uma informação domesticada.
Trata-se de uma operação muito simples para os audazes mentores do modelo nacional populista: os “nossos” aos lugares de chefia.
Simples. Só isso. Mais nada.
Absorto - Um Ano
No dia 19 de Dezembro de 2003 escrevi, a título experimental as primeiras palavras neste blog: “Estreia absoluta. Um lugar de comunicação. Experiência para a primeira impressão dos outros. Uma primeira audição para inicio de trabalho.”
A propósito do 1º aniversário do absorto, efeméride quase familiar, vou publicar, a partir da próxima 2ª feira, um conjunto de posts com ressonâncias autobiográficas abrangendo acontecimentos de um longo período e sem sequência cronológica. Neles se misturam acontecimentos reais, de muitas épocas, nos quais participaram alguns protagonistas que, por vezes, não refiro.
A ideia nasceu da necessidade, meramente subjectiva, de relatar alguns acontecimentos únicos dos quais nasceram experiências pessoais enriquecedoras, nalguns casos, envolvendo riscos físicos não desprezíveis.
É, aliás, a continuação da série de 32 posts, sob o título genérico “25 de Abril - notas pessoais”, que publiquei nos meses de Março e Abril, aquando do 30º aniversário do 25 de Abril.
Quero, desta forma, assinalar esta aventura quotidiana, puramente individual, de manter vivo e actuante, durante um ano, um blog sem dependências de qualquer natureza.
Vou continuar mesmo que pairem no ar ameaças de censura que se estendem a todos os meios de comunicação, verdadeiramente livres, de que os blogs são, certamente, nos nossos dias, a expressão mais crítica e demolidora face a todos os poderes instalados.
Tenho a convicção de que os poderes convivem mal com a liberdade de crítica, mas que a liberdade de crítica sobreviverá, sempre, a todos os poderes.
A propósito do 1º aniversário do absorto, efeméride quase familiar, vou publicar, a partir da próxima 2ª feira, um conjunto de posts com ressonâncias autobiográficas abrangendo acontecimentos de um longo período e sem sequência cronológica. Neles se misturam acontecimentos reais, de muitas épocas, nos quais participaram alguns protagonistas que, por vezes, não refiro.
A ideia nasceu da necessidade, meramente subjectiva, de relatar alguns acontecimentos únicos dos quais nasceram experiências pessoais enriquecedoras, nalguns casos, envolvendo riscos físicos não desprezíveis.
É, aliás, a continuação da série de 32 posts, sob o título genérico “25 de Abril - notas pessoais”, que publiquei nos meses de Março e Abril, aquando do 30º aniversário do 25 de Abril.
Quero, desta forma, assinalar esta aventura quotidiana, puramente individual, de manter vivo e actuante, durante um ano, um blog sem dependências de qualquer natureza.
Vou continuar mesmo que pairem no ar ameaças de censura que se estendem a todos os meios de comunicação, verdadeiramente livres, de que os blogs são, certamente, nos nossos dias, a expressão mais crítica e demolidora face a todos os poderes instalados.
Tenho a convicção de que os poderes convivem mal com a liberdade de crítica, mas que a liberdade de crítica sobreviverá, sempre, a todos os poderes.
terça-feira, novembro 16
Está frio. Acho bem. É o tempo.
Está frio. Acho bem. É o tempo. O PR adiou a agenda. Acho bem. É o tempo.
Fui ao médico. Acho bem. É o tempo. Estou doente. Acho bem. É o tempo.
Não há crise na coligação. Acho bem. Não está no tempo.
O primeiro-ministro disse umas piadas. Acho bem. Antes que se faça tarde.
Que idade terá o Dr. Portas em 2014? Acho bem. A idade dá respeitabilidade.
Que declarações fará o Dr. Portas em 2014?
Umas tiradas de extrema-direita assumida. Acho bem. Mais vale assim.
Ainda existe coligação? O PR acha que sim? Acho bem. Estabilidade! Estabilidade! É precisa!
O orçamento é compatível com a dita? O endividamento das famílias aumentou? Acabou a austeridade?
Acho bem. Já não era sem tempo. Voltaram os tempos do consumo!
A Dra. Manuela Ferreira Leite era uma “bruxa má”. Acho bem. Morte à bruxa má!
Vamos refundar o PSD? Criar o PSL (Partido Social Liberal) como vaticina o Pacheco. Acho bem. Estabilidade! Estabilidade e Segurança!
Vamos partir isto tudo! Como proclama o Alberto João? Acho bem. Isto já chateia!
O PR adiou a agenda devido a uma inflamação nas “vias aéreas superiores”? Acho bem.
Eu adiei a agenda devido a uma inflamação nas “vias subterrâneas inferiores”. Acho bem.
Como cidadão comum as minhas queixas não podiam ganhar outra altura.
Cada um se inflama conforme a sua condição. Não onde quer, mas onde pode.
Está frio. Acho bem. É o tempo.
Fui ao médico. Acho bem. É o tempo. Estou doente. Acho bem. É o tempo.
Não há crise na coligação. Acho bem. Não está no tempo.
O primeiro-ministro disse umas piadas. Acho bem. Antes que se faça tarde.
Que idade terá o Dr. Portas em 2014? Acho bem. A idade dá respeitabilidade.
Que declarações fará o Dr. Portas em 2014?
Umas tiradas de extrema-direita assumida. Acho bem. Mais vale assim.
Ainda existe coligação? O PR acha que sim? Acho bem. Estabilidade! Estabilidade! É precisa!
O orçamento é compatível com a dita? O endividamento das famílias aumentou? Acabou a austeridade?
Acho bem. Já não era sem tempo. Voltaram os tempos do consumo!
A Dra. Manuela Ferreira Leite era uma “bruxa má”. Acho bem. Morte à bruxa má!
Vamos refundar o PSD? Criar o PSL (Partido Social Liberal) como vaticina o Pacheco. Acho bem. Estabilidade! Estabilidade e Segurança!
Vamos partir isto tudo! Como proclama o Alberto João? Acho bem. Isto já chateia!
O PR adiou a agenda devido a uma inflamação nas “vias aéreas superiores”? Acho bem.
Eu adiei a agenda devido a uma inflamação nas “vias subterrâneas inferiores”. Acho bem.
Como cidadão comum as minhas queixas não podiam ganhar outra altura.
Cada um se inflama conforme a sua condição. Não onde quer, mas onde pode.
Está frio. Acho bem. É o tempo.
Ingerência? Qual ingerência?
A propósito da demissão, em bloco, da direcção de informação da RTP.
Está mais que provado que nestas coisas não há ingerência (“interferência”, “intromissão” – Houaiss). Só mesmo coincidência (“ocorrência simultânea”).
Reparei ontem no fluxo de informação acerca da demissão do director de informação da RTP, e equipa, e é assinalável que a LUSA tenha colocado a notícia “no ar” às 19,22 h., depois de todos os outros meios de comunicação, antecedida de uma notícia desmentindo que tinha havido censura ao “Contra-Informação” que no dia anterior foi interrompido por “problemas técnicos".
A própria RTP “omitiu” a notícia remetendo-a para rodapé (pelo menos quase até ao fim do telejornal). A agência noticiosa oficial e o canal público de televisão fizeram objectivamente um bloqueio à notícia, atrasando-a e remetendo-a para o lote das notícias menores.
É a política dos “glutões” aqueles que “lavam mais branco”. Mas qualquer dia não há fazenda para lavar. Pensem nisso.
Direcção de Informação demitiu-se em blocoConselho de Redacção da RTP considera "abusivo" relacionar demissão com ingerências
Está mais que provado que nestas coisas não há ingerência (“interferência”, “intromissão” – Houaiss). Só mesmo coincidência (“ocorrência simultânea”).
Reparei ontem no fluxo de informação acerca da demissão do director de informação da RTP, e equipa, e é assinalável que a LUSA tenha colocado a notícia “no ar” às 19,22 h., depois de todos os outros meios de comunicação, antecedida de uma notícia desmentindo que tinha havido censura ao “Contra-Informação” que no dia anterior foi interrompido por “problemas técnicos".
A própria RTP “omitiu” a notícia remetendo-a para rodapé (pelo menos quase até ao fim do telejornal). A agência noticiosa oficial e o canal público de televisão fizeram objectivamente um bloqueio à notícia, atrasando-a e remetendo-a para o lote das notícias menores.
É a política dos “glutões” aqueles que “lavam mais branco”. Mas qualquer dia não há fazenda para lavar. Pensem nisso.
Direcção de Informação demitiu-se em blocoConselho de Redacção da RTP considera "abusivo" relacionar demissão com ingerências
Noções de linguística
Ouço os meus filhos a falar inglês
entre eles. Não os mais pequenos só
mas os maiores também e conversando
com os mais pequenos. Não nasceram cá,
todos cresceram tendo nos ouvidos
o português. Mas em inglês conversam,
não apenas serão americanos: dissolveram-se,
dissolvem-se num mar que não é deles.
Venham falar-me dos mistérios da poesia,
das tradições de uma linguagem, de uma raça,
daquilo que se não diz com menos que a experiência
de um povo e de uma língua. Bestas.
As línguas, que duram séculos e mesmo sobrevivem
esquecidas noutras, morrem todos os dias
na gaguês daqueles que as herdaram:
e são tão imortais que meia dúzia de anos
as suprime da boca dissolvida
ao peso de outra raça, outra cultura.
Tão metafísicas, tão intraduzíveis,
que se derretem assim, não nos altos céus,
mas na merda quotidiana de outras.
Jorge de Sena
Caliban, 3/4, 1972
entre eles. Não os mais pequenos só
mas os maiores também e conversando
com os mais pequenos. Não nasceram cá,
todos cresceram tendo nos ouvidos
o português. Mas em inglês conversam,
não apenas serão americanos: dissolveram-se,
dissolvem-se num mar que não é deles.
Venham falar-me dos mistérios da poesia,
das tradições de uma linguagem, de uma raça,
daquilo que se não diz com menos que a experiência
de um povo e de uma língua. Bestas.
As línguas, que duram séculos e mesmo sobrevivem
esquecidas noutras, morrem todos os dias
na gaguês daqueles que as herdaram:
e são tão imortais que meia dúzia de anos
as suprime da boca dissolvida
ao peso de outra raça, outra cultura.
Tão metafísicas, tão intraduzíveis,
que se derretem assim, não nos altos céus,
mas na merda quotidiana de outras.
Jorge de Sena
Caliban, 3/4, 1972
segunda-feira, novembro 15
Mais importante que o 2014 de Santana
Colin Powell apresenta demissão a George W. Bush
"O secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, apresentou hoje a sua demissão ao Presidente George W. Bush."
"O secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, apresentou hoje a sua demissão ao Presidente George W. Bush."
domingo, novembro 14
Imigração - "O problema social mais grave da Europa"
Já está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo, com o título em epígrafe, publicado em Outubro passado, no "Semanário Económico".
sábado, novembro 13
Discursos significativos
Constâncio falou. Não era sem tempo. Guterres orou. Já era tempo. Análises estruturadas e críticas da situação internacional e nacional. A gestão dos silêncios tem falado mais alto. Constâncio fala limitado pela função. As suas críticas ao Orçamento de Estado para 2005 acolhem o acordo do Ministro das Finanças. São tácticas para neutralizar danos e manter abertas as portas do diálogo. De qualquer modo a margem de manobra do ministro das finanças tem vindo a estreitar-se.
Guterres fala iluminado pela estrada de Belém. Chegou a hora de dar sinais públicos da sua disponibilidade para a candidatura presidencial. O discurso de Guterres é um pré anúncio de uma candidatura. Qual? É só esperar os próximos sinais. Mas as suas últimas palavras são eloquentes:
“Sei que por vezes nos sentimos num plano inclinado, viscoso e escorregadio, com um sentimento de impotência, como se nada pudesse evitar o deslizamento para baixo.
Talvez vivamos num plano inclinado e escorregadio. Mas há pelo menos duas coisas que sempre podemos fazer: Cravar uma estaca a que nos fixemos, seja ela feita de valores, de projectos ou do exemplo da acção e dar as mãos aos que ao nosso lado queiram subir connosco.
Talvez venhamos a descobrir que, um pouco mais acima, o plano deixa de ser escorregadio, mas feito de terra firme. Assim, ainda que íngreme, poderemos subi-lo mais depressa, em nome de um Portugal solidário, confiante, seguro de si e do seu futuro, em nome de uma Europa politicamente mais forte, unida e actuante e em nome da justiça nas relações internacionais, ao serviço de um Mundo melhor.”
Ver o discurso de Guterres, na íntegra, em IR AO FUNDO E VOLTAR.
Guterres fala iluminado pela estrada de Belém. Chegou a hora de dar sinais públicos da sua disponibilidade para a candidatura presidencial. O discurso de Guterres é um pré anúncio de uma candidatura. Qual? É só esperar os próximos sinais. Mas as suas últimas palavras são eloquentes:
“Sei que por vezes nos sentimos num plano inclinado, viscoso e escorregadio, com um sentimento de impotência, como se nada pudesse evitar o deslizamento para baixo.
Talvez vivamos num plano inclinado e escorregadio. Mas há pelo menos duas coisas que sempre podemos fazer: Cravar uma estaca a que nos fixemos, seja ela feita de valores, de projectos ou do exemplo da acção e dar as mãos aos que ao nosso lado queiram subir connosco.
Talvez venhamos a descobrir que, um pouco mais acima, o plano deixa de ser escorregadio, mas feito de terra firme. Assim, ainda que íngreme, poderemos subi-lo mais depressa, em nome de um Portugal solidário, confiante, seguro de si e do seu futuro, em nome de uma Europa politicamente mais forte, unida e actuante e em nome da justiça nas relações internacionais, ao serviço de um Mundo melhor.”
Ver o discurso de Guterres, na íntegra, em IR AO FUNDO E VOLTAR.
sexta-feira, novembro 12
O PS na Frente
As sondagens, nos próximos tempos, vão apresentar sempre um resultado semelhante a este. Nada que possa constituir surpresa.
O problema não é a maioria absoluta do PS é o PS da maioria absoluta.
"Um mês após a eleição de José Sócrates como secretário-geral do PS, os socialistas registam uma acentuada subida na intenção de voto dos portugueses. Com 40% na sondagem EXPRESSO-SIC-Renascença/Eurosondagem, o PS tem três pontos percentuais de vantagem sobre a soma de votos dos dois partidos da coligação governamental, PSD e CDS. E na projecção da Eurosondagem, com base num exercício meramente matemático de distribuição dos indecisos, os socialistas podem mesmo aspirar à maioria absoluta, com 44,7%, contra 36% do PSD e 5,5% do CDS."
Expresso on line
O problema não é a maioria absoluta do PS é o PS da maioria absoluta.
"Um mês após a eleição de José Sócrates como secretário-geral do PS, os socialistas registam uma acentuada subida na intenção de voto dos portugueses. Com 40% na sondagem EXPRESSO-SIC-Renascença/Eurosondagem, o PS tem três pontos percentuais de vantagem sobre a soma de votos dos dois partidos da coligação governamental, PSD e CDS. E na projecção da Eurosondagem, com base num exercício meramente matemático de distribuição dos indecisos, os socialistas podem mesmo aspirar à maioria absoluta, com 44,7%, contra 36% do PSD e 5,5% do CDS."
Expresso on line
quinta-feira, novembro 11
"Na morte do palestiniano"
Reparei no post, com o título em epígrafe, na NATUREZA DO MAL. Comungo do seu teor e tomo-o como meu.
"Era um homem com a pátria ocupada. Teve de fugir do Líbano aquando de uma grande matança de que o mundo civilizado e os seus irmãos árabes foram cúmplices e onde se forjaram os terroristas de hoje. Viveu na escuridão de uma antiga prisão colonial britânica. Foi-lhe negado o chão de Jerusalém por sepultura. Também o nosso Afonso Henriques foi brutal, Charles Magne impiedoso, Artur só se comoveu com Guinevere. O ministro da Justiça de Israel disse na sua morte que desaparecia um obstáculo à paz na região. Não sei se é verdade, mas seguramente que a frase se lhe aplica por inteiro a ele, de quem ninguém decorará o nome. Dawkins escreveu um dia que um relativista cultural era um hipócrita e não sei bem se o que sinto é justo. Em Ramallah, o que a Alexandra sentir estará certo.”
Para que se entenda a referência a Alexandra refiro que num post anterior se afirmava:
"(...) Alexandra Lucas Coelho em Ramallah. Descobrindo o que existe entre Deus e o Estado, essa impossibilidade tão necessária. (...)"
"Era um homem com a pátria ocupada. Teve de fugir do Líbano aquando de uma grande matança de que o mundo civilizado e os seus irmãos árabes foram cúmplices e onde se forjaram os terroristas de hoje. Viveu na escuridão de uma antiga prisão colonial britânica. Foi-lhe negado o chão de Jerusalém por sepultura. Também o nosso Afonso Henriques foi brutal, Charles Magne impiedoso, Artur só se comoveu com Guinevere. O ministro da Justiça de Israel disse na sua morte que desaparecia um obstáculo à paz na região. Não sei se é verdade, mas seguramente que a frase se lhe aplica por inteiro a ele, de quem ninguém decorará o nome. Dawkins escreveu um dia que um relativista cultural era um hipócrita e não sei bem se o que sinto é justo. Em Ramallah, o que a Alexandra sentir estará certo.”
Para que se entenda a referência a Alexandra refiro que num post anterior se afirmava:
"(...) Alexandra Lucas Coelho em Ramallah. Descobrindo o que existe entre Deus e o Estado, essa impossibilidade tão necessária. (...)"
Cedo ou tarde
Devias saber
que é sempre tarde
que se nasce, que é
sempre cedo
que se morre. E devias
saber também
que a nenhuma árvore
é lícito escolher
o ramo onde as aves
fazem ninho e as flores
procriam.
Albano Martins
Escrito a vermelho
(Vi ontem uma notícia em que se dava a conhecer que Albano Martins tinha ganho um importante prémio chileno. Pelo que entendi atribuído à sua obra poética e também à sua actividade como tradutor. Assino.)
que é sempre tarde
que se nasce, que é
sempre cedo
que se morre. E devias
saber também
que a nenhuma árvore
é lícito escolher
o ramo onde as aves
fazem ninho e as flores
procriam.
Albano Martins
Escrito a vermelho
(Vi ontem uma notícia em que se dava a conhecer que Albano Martins tinha ganho um importante prémio chileno. Pelo que entendi atribuído à sua obra poética e também à sua actividade como tradutor. Assino.)
Piada Certeira
People who do lots of work...
make lots of mistakes
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O Erro de Faluya
No dia em que Arafat foi, oficialmente, dado como morto abrindo as portas a um agravamento da crise no Médio Oriente ou, em alternativa, a uma oportunidade de paz, o editorial do "El País" deixa-nos uma mensagem de pessimismo:
"El error de Faluya
El regreso de imágenes de bombardeos, combates y muertos en el asalto a Faluya, 19 meses después de haber sido derrocado Sadam Husein, refleja el fracaso de la invasión americana de Irak."
"El error de Faluya
El regreso de imágenes de bombardeos, combates y muertos en el asalto a Faluya, 19 meses después de haber sido derrocado Sadam Husein, refleja el fracaso de la invasión americana de Irak."
quarta-feira, novembro 10
Uma pergunta oportuna
De um email de um amigo a propósito de outro assunto respigo, como comentário, a última frase:
"... aproveito para dar os parabéns pelo seu último artido do SE que antecipou o tópico estes dias na berlinda da vergonhosa propaganda eleitoralista à conta do IRS. Onde anda o Eng. Sócrates ?"
pp
"... aproveito para dar os parabéns pelo seu último artido do SE que antecipou o tópico estes dias na berlinda da vergonhosa propaganda eleitoralista à conta do IRS. Onde anda o Eng. Sócrates ?"
pp
terça-feira, novembro 9
O Gozo das Coisas
Ao receber o telefonema imaginem aquele silêncio da espera em que nos queremos tornar simpáticos ao interlocutor que se não identifica. E que confia que seremos capazes de o reconhecer.
Desta vez estava do outro lado o Infante da Costa. Queria à viva força que o reconhecesse pela voz. Mas eu não o vejo, nem falo com ele, vai para 15 anos! Nem a referência a Pombal ajudou.
Mas depois de se identificar viu-o na perfeição com os traços mais carregados do longo tempo que, entretanto, passou. É que somos capazes de desenhar, na nossa cabeça, imagens de que não temos ideia de que somos depositários. Os sonhos explicam-nos isso muito bem.
Ele queria que eu fizesse um depoimento acerca da primeira Escola Profissional criada em Portugal na época moderna. 1989 – Pombal. Assim foi, na verdade. Estava eu no GETAP, do ME, que já não existe, (o GETAP, é claro) a convite da Margarida Marques, que tinha sido convidada pelo Joaquim Azevedo, que tinha sido convidado pelo Roberto Carneiro.
Os principais mentores e entusiastas da Escola Profissional de Pombal foram, à época, o Guilherme Santos, Presidente da Câmara Municipal de Pombal e o Portela Fernandes, Presidente da Associação Industrial de Pombal.
O caso é tanto mais extraordinário pelo facto da Câmara Municipal ser de maioria socialista e o governo ser, em 1989, de maioria (absoluta) social-democrata. E foi esse o projecto escolhido para inaugurar a nova geração de escolas profissionais em Portugal. Em Pombal andaram mais depressa criando as condições para o lançamento do projecto.
Mas o caso ainda é mais dramático se nos lembrarmos que o Guilherme Santos faleceu em 1989, ainda antes da inauguração da escola, e o Portela Fernandes (por coincidência, meu colega de faculdade) faleceu em 1990. Mas o projecto sobreviveu aos seus principais mentores. São muitos ingredientes juntos para não despertarem uma reacção emocional.
Como tenho estado doente – fechado em casa – com estas coisas das febres, dores de cabeça, dores no corpo, falta de apetite …. aproveitando uma aberta, à base de “ben-u-ron”, redigi o depoimento e enviei-o pouco tempo depois para o Infante da Costa que é a verdadeira alma da Escola desde a sua criação.
É que participar na criação, desde a raíz, num projecto “pesado” e inovador, neste pobre país, e poder regozijar-se pelo seu 15º aniversário, não é para todos nem para todos os dias.
Fiz, a despropósito, acompanhar o envio do dito depoimento com um pedido de desculpas pela rapidez. O Infante da Costa vai compreender. É o gozo das coisas.
Desta vez estava do outro lado o Infante da Costa. Queria à viva força que o reconhecesse pela voz. Mas eu não o vejo, nem falo com ele, vai para 15 anos! Nem a referência a Pombal ajudou.
Mas depois de se identificar viu-o na perfeição com os traços mais carregados do longo tempo que, entretanto, passou. É que somos capazes de desenhar, na nossa cabeça, imagens de que não temos ideia de que somos depositários. Os sonhos explicam-nos isso muito bem.
Ele queria que eu fizesse um depoimento acerca da primeira Escola Profissional criada em Portugal na época moderna. 1989 – Pombal. Assim foi, na verdade. Estava eu no GETAP, do ME, que já não existe, (o GETAP, é claro) a convite da Margarida Marques, que tinha sido convidada pelo Joaquim Azevedo, que tinha sido convidado pelo Roberto Carneiro.
Os principais mentores e entusiastas da Escola Profissional de Pombal foram, à época, o Guilherme Santos, Presidente da Câmara Municipal de Pombal e o Portela Fernandes, Presidente da Associação Industrial de Pombal.
O caso é tanto mais extraordinário pelo facto da Câmara Municipal ser de maioria socialista e o governo ser, em 1989, de maioria (absoluta) social-democrata. E foi esse o projecto escolhido para inaugurar a nova geração de escolas profissionais em Portugal. Em Pombal andaram mais depressa criando as condições para o lançamento do projecto.
Mas o caso ainda é mais dramático se nos lembrarmos que o Guilherme Santos faleceu em 1989, ainda antes da inauguração da escola, e o Portela Fernandes (por coincidência, meu colega de faculdade) faleceu em 1990. Mas o projecto sobreviveu aos seus principais mentores. São muitos ingredientes juntos para não despertarem uma reacção emocional.
Como tenho estado doente – fechado em casa – com estas coisas das febres, dores de cabeça, dores no corpo, falta de apetite …. aproveitando uma aberta, à base de “ben-u-ron”, redigi o depoimento e enviei-o pouco tempo depois para o Infante da Costa que é a verdadeira alma da Escola desde a sua criação.
É que participar na criação, desde a raíz, num projecto “pesado” e inovador, neste pobre país, e poder regozijar-se pelo seu 15º aniversário, não é para todos nem para todos os dias.
Fiz, a despropósito, acompanhar o envio do dito depoimento com um pedido de desculpas pela rapidez. O Infante da Costa vai compreender. É o gozo das coisas.
Cartas e Encartes
“O primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, tenciona dar uma explicação alargada a todos os portugueses sobre as linhas gerais do Orçamento, mas «se é através de uma carta ou de um encarte ainda não está decidido», avançou ao EXPRESSO Online uma fonte do gabinete do primeiro-ministro.”
Se for através de carta sugiro que os portugueses, que tenham posses para pagar um selo de correio, respondam na volta do correio.
Se for através de carta sugiro que os portugueses, que tenham posses para pagar um selo de correio, respondam na volta do correio.
Desculpem lá a lembrança
- A guerra no Iraque não tinha já acabado? As notícias do dia são perturbadoras. “Grandes ofensivas”, atentados e mais atentados, “lutas corpo a corpo”…, são, certamente, só notícias para alimentar a falsa ideia dos profetas da desgraça como o Vasco Pulido Valente, na sua crónica inaugural no “Público”, afiançando que a guerra no Iraque está perdida para os EUA;
- Agora que a PT está na berra, por razões que só os superiores desígnios do interesse público podem explicar, com o DN no meio, mais que meio destroçado, coitado, nem sabem o sabor a justiça que esta agonia me provoca, uma pergunta: a PT paga IRC?
Uma notícia antiga, dos idos de finais de Março de 2004, dizia que, apesar dos lucros, a PT, em 2003, não pagou IRC. O mesmo ocorreria em 2004 e 2005. Tudo por conta de uma “engenharia” que consiste em afectar às contas as “menos valias dos investimentos efectuados no Brasil”. Tudo continua na mesma?
- Agora que a PT está na berra, por razões que só os superiores desígnios do interesse público podem explicar, com o DN no meio, mais que meio destroçado, coitado, nem sabem o sabor a justiça que esta agonia me provoca, uma pergunta: a PT paga IRC?
Uma notícia antiga, dos idos de finais de Março de 2004, dizia que, apesar dos lucros, a PT, em 2003, não pagou IRC. O mesmo ocorreria em 2004 e 2005. Tudo por conta de uma “engenharia” que consiste em afectar às contas as “menos valias dos investimentos efectuados no Brasil”. Tudo continua na mesma?
segunda-feira, novembro 8
As Surpresas da Minha Terra
Nunca duvidei que a minha terra podia ser um ninho de surpresas. Mas que fosse
possível manter um espólio, oferecido há 60 anos, sem nele achar nada de excepcional valor!
60 anos? Se isto for verdade, como espero, é mais um contributo para explicar muita coisa estranha que se passa no nosso país. A importância que se dá ao supérfluo e o desinteresse pelo importante. Não conheço os meandros da história que pode ter inúmeras peripécias.
Mas é um caso para a história da ingratidão. Então um diplomata, filho da terra, doou à Câmara um espólio, ao que parece, com cerca de mil peças, e deixam-nas ficar encerradas numa sala 60 anos? É de uma ingratidão miserável! Mas não deixa de estar estar conforme o padrão nacional. Nada mal! Viva a Cultura!
Obras de Gauguin, Lautrec e Rembrant descobertas em Faro
"Obras de Gauguin, Toulouse-Lautrec e Rembrandt foram recentemente descobertas numa sala do Museu Municipal de Faro, revelou um especialista, baseando-se em análises da leiloeira internacional Sotheby´s.
«Há um desenho de carvão sobre papel do impressionista francês Paul Gauguin (1848-1903), que data de 1875, e depois de analisadas a assinatura e o traço não restam dúvidas da sua autenticidade», garante o especialista André Bento em declarações à agência Lusa.O estudioso analisa desde Maio passado o espólio que o diplomata algarvio Amadeu Ferreira de Almeida doou à Câmara de Faro em 1944 e tem estado numa sala interdita ao público."
TSF on Line
possível manter um espólio, oferecido há 60 anos, sem nele achar nada de excepcional valor!
60 anos? Se isto for verdade, como espero, é mais um contributo para explicar muita coisa estranha que se passa no nosso país. A importância que se dá ao supérfluo e o desinteresse pelo importante. Não conheço os meandros da história que pode ter inúmeras peripécias.
Mas é um caso para a história da ingratidão. Então um diplomata, filho da terra, doou à Câmara um espólio, ao que parece, com cerca de mil peças, e deixam-nas ficar encerradas numa sala 60 anos? É de uma ingratidão miserável! Mas não deixa de estar estar conforme o padrão nacional. Nada mal! Viva a Cultura!
Obras de Gauguin, Lautrec e Rembrant descobertas em Faro
"Obras de Gauguin, Toulouse-Lautrec e Rembrandt foram recentemente descobertas numa sala do Museu Municipal de Faro, revelou um especialista, baseando-se em análises da leiloeira internacional Sotheby´s.
«Há um desenho de carvão sobre papel do impressionista francês Paul Gauguin (1848-1903), que data de 1875, e depois de analisadas a assinatura e o traço não restam dúvidas da sua autenticidade», garante o especialista André Bento em declarações à agência Lusa.O estudioso analisa desde Maio passado o espólio que o diplomata algarvio Amadeu Ferreira de Almeida doou à Câmara de Faro em 1944 e tem estado numa sala interdita ao público."
TSF on Line
"Guerra Civil"
As notícias acerca da “guerra civil”, em curso nas estradas portuguesas, surgem com regularidade. Mas deixaram de apresentar comparações com o passado. Omite-se a evolução, positiva ou negativa, dos danos. Escamoteia-se o sucesso, ou insucesso, das políticas de prevenção e de combate à sinistralidade. Enfim, ficamos às cegas.
“Desde o início do ano morreram 863 pessoas
Acidentes nas estradas fizeram 21 mortos na semana passada
Vinte e uma pessoas morreram e 592 ficaram feridas, 46 delas com gravidade, nos 2551 acidentes registados pela Brigada de Trânsito (BT) da GNR durante a semana passada, divulgou hoje a corporação.”
“Público on line”
“Desde o início do ano morreram 863 pessoas
Acidentes nas estradas fizeram 21 mortos na semana passada
Vinte e uma pessoas morreram e 592 ficaram feridas, 46 delas com gravidade, nos 2551 acidentes registados pela Brigada de Trânsito (BT) da GNR durante a semana passada, divulgou hoje a corporação.”
“Público on line”
Duas Citações
“Escreve-se nos momentos de desespero. Mas o que é o desespero?”
“O homem que eu seria se não houvesse sido a criança que fui!”
Albert Camus, Cadernos
“O homem que eu seria se não houvesse sido a criança que fui!”
Albert Camus, Cadernos
domingo, novembro 7
"O IRS para os pobres"
Já está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo com o título em epígrafe publicado, na sexta feira passada, no "Semanário Económico"
sexta-feira, novembro 5
"Desaparecimento"
Já tinha reparado no desaparecimento do PM, Pedro Santana Lopes. Passam os dias e nada, nem uma palavra ao país, nem uma visita, de estado ou privada, nem uma reunião do Conselho de Ministros. Nada. É o Congresso do PSD que aí vem? É cansaço? É desânimo?
Sem comparar o incomparável sei que Salazar tinha largos períodos de “nojo” em que se recolhia e não falava com ninguém, muito menos com os ministros. (salvo com a D. Maria!). Mas os recolhimentos de Salazar não tinham eco público pois não havia liberdade de informação. Além do mais faziam parte da sua imagem que ninguém, verdadeiramente, se atrevia a questionar.
Santana Lopes tem a imagem oposta. Do “eremita” ao “homem de sociedade” vai um abismo de diferenças. Por isso ao “desaparecer” de cena Santana Lopes corre o risco de "morrer" para a política ao contrário de Salazar que fazia das suas escassas viagens e intervenções publicas autenticas liturgias que o tornavam omnipresente.
Eis uma questão interessante que o jumento aborda ao seu estilo.
Sem comparar o incomparável sei que Salazar tinha largos períodos de “nojo” em que se recolhia e não falava com ninguém, muito menos com os ministros. (salvo com a D. Maria!). Mas os recolhimentos de Salazar não tinham eco público pois não havia liberdade de informação. Além do mais faziam parte da sua imagem que ninguém, verdadeiramente, se atrevia a questionar.
Santana Lopes tem a imagem oposta. Do “eremita” ao “homem de sociedade” vai um abismo de diferenças. Por isso ao “desaparecer” de cena Santana Lopes corre o risco de "morrer" para a política ao contrário de Salazar que fazia das suas escassas viagens e intervenções publicas autenticas liturgias que o tornavam omnipresente.
Eis uma questão interessante que o jumento aborda ao seu estilo.
quinta-feira, novembro 4
A morte anunciada de Arafat
Quando Arafat morrer, dir-se-á, secretamente, nos meios da “inteligência” israelita, americana, e de outras mais discretas, que “morreu um terrorista”. Para alguns será um alívio, para outros o início de um pesadelo. Mas pergunto, por antecipação: se um “terrorista” tem um povo inteiro, em revolta, a chorar no seu funeral, o que é afinal o “terrorismo”? Quem é, afinal, aquele "terrorista"?
Porque razão se dão conselhos aos soldados e ao povo de Israel para “evitar qualquer expressão de alegria no caso do anúncio da morte”? Têm medo de quê? Passaram muitos anos mas alguns nada aprenderam com o holocausto!
“Yasser Arafat em estado de coma
Yasser Arafat está em estado de coma, depois de a sua saúde se ter subitamente deteriorado nas últimas horas. O líder palestiniano foi ontem internado na Unidade de Cuidados Intensivos do hospital militar francês onde recebe tratamento.
Os soldados têm ordens para fazer tudo o que puderem para travar eventuais motins ou explosões de violência, e sobretudo para evitar que manifestantes palestinianos tentem entrar nos colonatos ou ultrapassar os "checkpoints". Mas foram também aconselhados a respeitar as manifestações de luto e a evitar qualquer expressão de alegria no caso do anúncio da morte.”
Público on line
Porque razão se dão conselhos aos soldados e ao povo de Israel para “evitar qualquer expressão de alegria no caso do anúncio da morte”? Têm medo de quê? Passaram muitos anos mas alguns nada aprenderam com o holocausto!
“Yasser Arafat em estado de coma
Yasser Arafat está em estado de coma, depois de a sua saúde se ter subitamente deteriorado nas últimas horas. O líder palestiniano foi ontem internado na Unidade de Cuidados Intensivos do hospital militar francês onde recebe tratamento.
Os soldados têm ordens para fazer tudo o que puderem para travar eventuais motins ou explosões de violência, e sobretudo para evitar que manifestantes palestinianos tentem entrar nos colonatos ou ultrapassar os "checkpoints". Mas foram também aconselhados a respeitar as manifestações de luto e a evitar qualquer expressão de alegria no caso do anúncio da morte.”
Público on line
quarta-feira, novembro 3
Bush ganhou, não é?
A derrota de Kerry é a nossa derrota. Mesmo que muitos tenham dito que nada seria muito diferente com a vitória do candidato democrata tudo seria, de facto, diferente.
Ganhou quem tinha de ganhar. O normal é que o Presidente candidato ganhe a reeleição. Agora vamos ter de aturar, o mundo vai ter de aturar, a política imperial e belicista da administração Bush e a sua arrogância, assim como a dos seus próceres europeus e domésticos.
Agora mais do que nunca a UE não pode quebrar apesar de todas as suas dificuldades. Incluindo a desastrosa prestação inicial do nosso JMB. Quanto aos efeitos colaterais da vitória de Bush o mundo não ganhará mais estabilidade; os conflitos, entre regiões, estados e religiões, não serão contidos; a estratégia ambiental, no plano global, caminhará para o desastre anunciado e a paz e concórdia entre os povos e as nações dançará ao som do cornetim dos senhores da Casa Branca.
Bush ganhou, não é? Assim seja. As escolhas democráticas não deixam de ser legítimas mesmo quando não nos agradam. Já temos muita experiência e, como dizia o outro, “calos no cu” para aguentar a parada. Venham eles!
Ganhou quem tinha de ganhar. O normal é que o Presidente candidato ganhe a reeleição. Agora vamos ter de aturar, o mundo vai ter de aturar, a política imperial e belicista da administração Bush e a sua arrogância, assim como a dos seus próceres europeus e domésticos.
Agora mais do que nunca a UE não pode quebrar apesar de todas as suas dificuldades. Incluindo a desastrosa prestação inicial do nosso JMB. Quanto aos efeitos colaterais da vitória de Bush o mundo não ganhará mais estabilidade; os conflitos, entre regiões, estados e religiões, não serão contidos; a estratégia ambiental, no plano global, caminhará para o desastre anunciado e a paz e concórdia entre os povos e as nações dançará ao som do cornetim dos senhores da Casa Branca.
Bush ganhou, não é? Assim seja. As escolhas democráticas não deixam de ser legítimas mesmo quando não nos agradam. Já temos muita experiência e, como dizia o outro, “calos no cu” para aguentar a parada. Venham eles!
ARRE, que tanto é muito pouco!
ARRE, que tanto é muito pouco!
Arre, que tanta besta é muito pouca gente!
Arre, que o Portugal que se vê é só isto!
Deixem ver o Portugal que não deixam ver!
Deixem que se veja, que esse é que é Portugal!
Ponto.
Agora começa o Manifesto:
Arre!
Arre!
Oiçam bem:
ARRRRRE!
Álvaro de Campos
Poesias
Arre, que tanta besta é muito pouca gente!
Arre, que o Portugal que se vê é só isto!
Deixem ver o Portugal que não deixam ver!
Deixem que se veja, que esse é que é Portugal!
Ponto.
Agora começa o Manifesto:
Arre!
Arre!
Oiçam bem:
ARRRRRE!
Álvaro de Campos
Poesias
"Finanças dão depósitos de tesouraria ao BCP"
Isto tem um nome que não digo qual é. Talvez o Dr. Víctor Constâncio, que nada diz, há tanto tempo, acerca de coisa nenhuma, ao contrário de outros tempos, possa esclarecer cabalmente o assunto.
De facto, o processo de concentração dos recursos financeiros, em particular, dos organismos e fundos autónomos, na Direcção Geral do Tesouro, é antigo. Foi uma medida do governo socialista controversa ou, pelo menos discutível, mas tinha fundamentos técnicos e financeiros razoáveis. Agora esta, se for verdade, de entregar, directamente, ao BCP o negócio da “Tesouraria do Estado” é inimaginável. Bom, mas já nos vamos habituando.
Veja aqui a notícia do "DN".
"Os milhões de euros de organismos públicos passam para o BCP. Concorrência critica protocolo. Bagão Félix autorizou a entrada do banco liderado por Jardim Gonçalves no negócio da Tesouraria do Estado. Restante banca fica à espera
O ministério das Finanças concedeu ao Millennium bcp o direito de captar depósitos dos «organismos públicos» dependentes da Direcção-Geral do Tesouro (DGT). Serão centenas de milhões de euros mobilizados em depósitos e geridos via banco tutelado por Jardim Gonçalves e que, até ontem, passavam pela Caixa Geral de Depósitos, CGD. De fora do «negócio» acordado com o Estado estão os restantes bancos privados."
De facto, o processo de concentração dos recursos financeiros, em particular, dos organismos e fundos autónomos, na Direcção Geral do Tesouro, é antigo. Foi uma medida do governo socialista controversa ou, pelo menos discutível, mas tinha fundamentos técnicos e financeiros razoáveis. Agora esta, se for verdade, de entregar, directamente, ao BCP o negócio da “Tesouraria do Estado” é inimaginável. Bom, mas já nos vamos habituando.
Veja aqui a notícia do "DN".
"Os milhões de euros de organismos públicos passam para o BCP. Concorrência critica protocolo. Bagão Félix autorizou a entrada do banco liderado por Jardim Gonçalves no negócio da Tesouraria do Estado. Restante banca fica à espera
O ministério das Finanças concedeu ao Millennium bcp o direito de captar depósitos dos «organismos públicos» dependentes da Direcção-Geral do Tesouro (DGT). Serão centenas de milhões de euros mobilizados em depósitos e geridos via banco tutelado por Jardim Gonçalves e que, até ontem, passavam pela Caixa Geral de Depósitos, CGD. De fora do «negócio» acordado com o Estado estão os restantes bancos privados."
terça-feira, novembro 2
O medo da verdade
Um dia fora de Lisboa, a trabalhar, sem notícias e logo no dia das eleições na América. Original. Agora que vejo as notícias não encontro nada de novo. Reparo que JA Barreiros se despediu de colunista do DN e que todos descobrem o que eu já tinha experimentado vai para 2 anos. Bolas, estavam todos ceguinhos ou quê?
Essa teia promíscua entre os poderes político, económico e mediático, que agora tantos condenam, não é dos tempos deste governo. Já vem do anterior. A diferença está na gestão que se tornou, dia a dia, mais grosseira, descarada e disparatada. Nada de essencial mudou. Mas atenção que muitos dos que agora clamam contra a manipulação desesperada dos “media”, em favor da maioria governamental, amanhã a defenderão se ela satisfizer os seus próprios interesses.
Os únicos que podem ser os verdadeiros detentores do equilíbrio entre a verdade, a justiça e a liberdade, na gestão comunicacional, são os fazedores da própria notícia, ou sejam, os jornalistas. Os jornalistas profissionais, não os comentadores ou colaboradores de ocasião.
Quando se revoltam os jornalistas? Quando decidem tomar a palavra e colocá-la ao serviço da denúncia da corrupção dos seus próprios órgãos de comunicação? Têm medo? A democracia faz medo aos jornalistas? Que estranha democracia é esta em que os jornalistas têm medo da verdade?
Essa teia promíscua entre os poderes político, económico e mediático, que agora tantos condenam, não é dos tempos deste governo. Já vem do anterior. A diferença está na gestão que se tornou, dia a dia, mais grosseira, descarada e disparatada. Nada de essencial mudou. Mas atenção que muitos dos que agora clamam contra a manipulação desesperada dos “media”, em favor da maioria governamental, amanhã a defenderão se ela satisfizer os seus próprios interesses.
Os únicos que podem ser os verdadeiros detentores do equilíbrio entre a verdade, a justiça e a liberdade, na gestão comunicacional, são os fazedores da própria notícia, ou sejam, os jornalistas. Os jornalistas profissionais, não os comentadores ou colaboradores de ocasião.
Quando se revoltam os jornalistas? Quando decidem tomar a palavra e colocá-la ao serviço da denúncia da corrupção dos seus próprios órgãos de comunicação? Têm medo? A democracia faz medo aos jornalistas? Que estranha democracia é esta em que os jornalistas têm medo da verdade?
Diários de Motocicleta - título original
Tempo atrás dei a notícia de que tinha estreado, no Festival de Cannes, o filme brasileiro “Diários de Motocicleta”, de que tinha lido muitas referências positivas na blogosfera do Brasil.
Fui ontem, finalmente, ver o filme que já está em exibição em Portugal. A sala, ao contrário da minha expectativa, estava quase cheia. Não esperava uma profunda reflexão filosófica acerca da revolução. Nem sequer um retrato da mitologia criada em torno de Che Guevara. O filme não caíu nessas tentações.
É simplesmente um filme. Uma sequência de belas imagens da américa latina e da situação social nela vivida no início do anos 50. Gostei porque me suscitou prazer e me comoveu. É o que me interessa, simplesmente. Além do mais o meu pai, na mesma época, tinha uma Norton, igualzinha à "Poderosa" na qual viajaram os dois amigos até certa altura da acção.
Vão ver que vale a pena.
Fui ontem, finalmente, ver o filme que já está em exibição em Portugal. A sala, ao contrário da minha expectativa, estava quase cheia. Não esperava uma profunda reflexão filosófica acerca da revolução. Nem sequer um retrato da mitologia criada em torno de Che Guevara. O filme não caíu nessas tentações.
É simplesmente um filme. Uma sequência de belas imagens da américa latina e da situação social nela vivida no início do anos 50. Gostei porque me suscitou prazer e me comoveu. É o que me interessa, simplesmente. Além do mais o meu pai, na mesma época, tinha uma Norton, igualzinha à "Poderosa" na qual viajaram os dois amigos até certa altura da acção.
Vão ver que vale a pena.
domingo, outubro 31
Cavafy na hora roubada
Eu aproveitei a hora para Federico Garcia Lorca. Preciso, de vez em quando, lá ir. Não sei explicar muito bem a razão mas isso também não interessa para nada.
Mas verifiquei que Pacheco Pereira no Abrupto voltou a Cavafy com o poema “O prazo de Nero”.
Entendi, embora estejam prometidas, para depois, outras notas. E, como da outra vez, eu volto com a tradução, diversa, de Jorge de Sena:
O PRAZO DE NERO
Inquieto, Nero não ficou, ouvindo,
do oráculo a resposta em Delfos:
“Que devia temer setenta anos mais três”.
Pois tem imenso tempo de gozar a vida.
Com trinta anos de idade! Como ainda vem longe
o prazo que o Deus lhe demarcou
para temer de perigos iminentes.
Voltará para Roma, cansado um pouco,
mas tão deliciosamente cansado de uma viagem
que nada foi que dias de prazer –
- nos teatros, nos parques, nos estádios…
o entardecer das cidades da Acaia…
E mais: a volúpia da nudez dos corpos…
Assim Nero pensava. Mas na Espanha Galba
secretamente reúne e prepara um exército:
um velho de setenta e mais três anos.
[1918]
Nota de Jorge de Sena dedicada a este poema:
“É o outro poema que tem Nero como personagem (ou outro intitula-se “As passadas”, anterior a 1911). A fonte pode ser qualquer história romana suficientemente vasta, mas o episódio vem narrado por Seutónio (70-c.122), no De Vita Caesarum, em que conta as biografias dos Césares, desde Júlio César até ao Imperador Domiciano. É histórico que Nero fez uma viagem triunfal à Grécia, em 67, de onde foi chamado, porque as conspirações se sucediam. Galba, general de alta linhagem e governador em Espanha, aceitou, nos princípios de 68, chefiar a revolução que derrubou Nero e o levou ao poder, quando Nero se suicidou. Mas Galba, por sua vez, foi assassinado no ano seguinte. Parece que ou o oráculo de Delfos ou Seutóneo (que recolhia tudo quanto há para a sua deliciosa e pérfida história) se enganaram quanto à idade de Galba que tinha cerca de 62 anos ao conspirar e reinar. Mas isso é de somenos importância para o belo poema."
Poema e Nota in “90 e Mais Quatro Poemas”, Constantino Cavafy, com tradução, prefácio, comentários e notas de Jorge de Sena, Edições ASA.
Mas verifiquei que Pacheco Pereira no Abrupto voltou a Cavafy com o poema “O prazo de Nero”.
Entendi, embora estejam prometidas, para depois, outras notas. E, como da outra vez, eu volto com a tradução, diversa, de Jorge de Sena:
O PRAZO DE NERO
Inquieto, Nero não ficou, ouvindo,
do oráculo a resposta em Delfos:
“Que devia temer setenta anos mais três”.
Pois tem imenso tempo de gozar a vida.
Com trinta anos de idade! Como ainda vem longe
o prazo que o Deus lhe demarcou
para temer de perigos iminentes.
Voltará para Roma, cansado um pouco,
mas tão deliciosamente cansado de uma viagem
que nada foi que dias de prazer –
- nos teatros, nos parques, nos estádios…
o entardecer das cidades da Acaia…
E mais: a volúpia da nudez dos corpos…
Assim Nero pensava. Mas na Espanha Galba
secretamente reúne e prepara um exército:
um velho de setenta e mais três anos.
[1918]
Nota de Jorge de Sena dedicada a este poema:
“É o outro poema que tem Nero como personagem (ou outro intitula-se “As passadas”, anterior a 1911). A fonte pode ser qualquer história romana suficientemente vasta, mas o episódio vem narrado por Seutónio (70-c.122), no De Vita Caesarum, em que conta as biografias dos Césares, desde Júlio César até ao Imperador Domiciano. É histórico que Nero fez uma viagem triunfal à Grécia, em 67, de onde foi chamado, porque as conspirações se sucediam. Galba, general de alta linhagem e governador em Espanha, aceitou, nos princípios de 68, chefiar a revolução que derrubou Nero e o levou ao poder, quando Nero se suicidou. Mas Galba, por sua vez, foi assassinado no ano seguinte. Parece que ou o oráculo de Delfos ou Seutóneo (que recolhia tudo quanto há para a sua deliciosa e pérfida história) se enganaram quanto à idade de Galba que tinha cerca de 62 anos ao conspirar e reinar. Mas isso é de somenos importância para o belo poema."
Poema e Nota in “90 e Mais Quatro Poemas”, Constantino Cavafy, com tradução, prefácio, comentários e notas de Jorge de Sena, Edições ASA.
O não blog de Clara Ferreira Alves
Trancrevo a crónica de Clara Ferreira Alves publicada, ontem, no "Expresso". Serei um, entre muitos, a dar blog a Clara.
"O meu «blog»
«Aqui para nós que ninguém nos ouve, seria uma péssima ideia ser directora do 'Diário de Notícias'.»
Não tenho um «blog» mas, há alturas em que um «blog» dá muito jeito. Se eu tivesse um «blog» faria estes breves apontamentos.
1. Quem me convidou ao certo para dirigir o «Diário de Notícias»? O Governo, o primeiro-ministro, o presidente da PT, os accionistas da PT, ou o Mário Bettencourt Resendes e o Luís Delgado? Ou será que sonhei? Porque esse lugar de director não estava vago.
2. Uns dias antes da minha recusa em dirigir o «Diário de Notícias» apareceu publicado nesse jornal um texto de uma assessora política do primeiro-ministro. Eis o tipo de texto que eu jamais publicaria se fosse directora do «Diário de Notícias» mas, curiosamente, enquanto os jornalistas se afadigavam a atacar-me e ao meu famoso «santanismo», ninguém com excepção de José Pacheco Pereira no seu «blog» (o jeito que dá um «blog») reparou neste exemplo de independência, isenção e critério jornalístico do «Diário de Notícias».
3. No dia seguinte à minha recusa em dirigir o «Diário de Notícias», o mesmo «Diário de Notícias» não dava uma única notícia sobre o assunto, ignorando-o jornalisticamente, olimpicamente. Foi o único órgão de comunicação social a fazê-lo. No «Diário de Notícias», que fui convidada para dirigir, eu não sou notícia nem breve nem «fait-divers». Coisa interessante. E tudo na mesma como dantes. Mais isenção.
4. Na mesma semana agitada, daquelas semanas em que mais valia estarmos, como dizia o cómico W. C. Fields, em Filadélfia, uma «fonte governamental» confirmou que a minha decisão «estava tomada». Coisa interessante. Como é que a «fonte governamental» sabe o que eu estou a pensar? E como é que se arroga o direito de responder por mim? Aqui, remeto para a minha carta ao Abrigo do Direito de Resposta que o EXPRESSO publica neste número.
5. O wittgensteiniano Não sei Quantos Cintra Torres, que sempre confundo com alguém que vendia parabólicas, e que para escrever sobre um «reality show» cita Kant, Hegel e o neo-confusionismo, presume de culto e de saber de tudo. E lá veio ele, lesto e molesto, acusar-me de ser uma «santanete» colocada no «Diário de Notícias» para manipular e controlar o jornal a favor do Governo. É bom que Cintra Torres, que também posso confundir com o homem das cervejas Cintra, deixe de se meter comigo, o que ele tem feito modestamente até aqui. Porque eu, ao contrário do que ele pensa, sou incontrolável, e escrevo melhor do que ele (sem citar Wittgenstein). E já agora, Cintra Torres está a fazer um projecto de uma série, ou um filme, ou lá o que é, com o actual director do «Diário de Notícias», (não, não sou eu, não seria, não fui...) para a RTP. A mesma RTP para quem Cintra Torres trabalha como colaborador e crítico imparcial. Será que é ele que vai criticar o trabalho dele na RTP? Mais um caso de isenção e imparcialidade nos «media».
6. Aqui para nós que ninguém nos ouve, seria uma péssima ideia ser directora do «Diário de Notícias», porque deixava de poder escrever estas coisas. Ou então, arranjava um «blog» (o jeito que dá um «blog»).
7. Mudando de assunto, para refrescar, o actual procurador da República veio dizer esta frase «Eu seria o último a prejudicar o PS». Isto, porque foi o PS que lhe deu este emprego. Eis um dos raríssimos casos dos últimos tempos em que não foi Santana Lopes o culpado de tudo. Imaginem se o procurador dissesse «Eu seria o último a prejudicar o PSD». Era mau, não era?
8. Conheço o Pedro Santana Lopes há muitos anos e nem ele nem eu temos culpa disso. Mas, se eu sou «santanete», por que não há-de ele ser «clarete»? Eis mais um caso flagrante de discriminação e perseguição das mulheres. Nunca teremos poder suficiente para... E, com mulheres a recusarem cargos de chefia de jornais, nunca teremos. Porque, vê-se bem que todos os jornais em Portugal são feitos por homens (e quase todos os «blogs» também, embora elas comecem a crescer e multiplicar-se.).
9. Na melhor tradição machista e misógina da praça portuguesa, ou melhor, da praceta portuguesa, assim que se soube por esses jornais fora que eu tinha sido convidada para directora do «Diário de Notícias», coisa que todos os jornais sabiam menos o «Diário de Notícias» (coisa interessante), começaram logo a debochar sobre o meu corte e cor de cabelo e os meus «bâtons» berrantes e por aí fora. Nos «blogs». Um tal Luís Nazaré escreve uma palhaçada sobre mim por causa disso. Será o mesmo homem simpático e educado que me convidou há tempos (e à minha probidade intelectual) para um Encontro sobre Educação do Partido Socialista? Não deve ser. Devo dizer que sem um bom corte de cabelo e um bom «bâton», considero impossível dirigir um jornal sério como o «Diário de Notícias». É uma condição contratual tão importante como a garantia da autonomia, independência e isenção.
10. E, a finalizar, por que é que eu não fui afinal dirigir o «Diário de Notícias»? Bom, esperem pelas minhas Memórias. Ou talvez nem seja preciso. Depois do tempo perdido com o jornalismo português contemporâneo, que tão doente anda, bem preciso de regressar aos livros. E escrever um livro é um acto solitário perfeito, como o onanismo.
11. Finalizo em tom nostálgico e «esquerdista», naquele estilo que os meus inimigos literários abominam. Tenho saudades do tempo português em que existiam Natálias Correias (e Veras Lagoas). Muita saudade. O que por aí anda não presta. Muito silêncio, muito medo, muita agenda política disfarçada, muito emprego a segurar. Muita ambição sem talento. Muito cabotinismo.
"O meu «blog»
«Aqui para nós que ninguém nos ouve, seria uma péssima ideia ser directora do 'Diário de Notícias'.»
Não tenho um «blog» mas, há alturas em que um «blog» dá muito jeito. Se eu tivesse um «blog» faria estes breves apontamentos.
1. Quem me convidou ao certo para dirigir o «Diário de Notícias»? O Governo, o primeiro-ministro, o presidente da PT, os accionistas da PT, ou o Mário Bettencourt Resendes e o Luís Delgado? Ou será que sonhei? Porque esse lugar de director não estava vago.
2. Uns dias antes da minha recusa em dirigir o «Diário de Notícias» apareceu publicado nesse jornal um texto de uma assessora política do primeiro-ministro. Eis o tipo de texto que eu jamais publicaria se fosse directora do «Diário de Notícias» mas, curiosamente, enquanto os jornalistas se afadigavam a atacar-me e ao meu famoso «santanismo», ninguém com excepção de José Pacheco Pereira no seu «blog» (o jeito que dá um «blog») reparou neste exemplo de independência, isenção e critério jornalístico do «Diário de Notícias».
3. No dia seguinte à minha recusa em dirigir o «Diário de Notícias», o mesmo «Diário de Notícias» não dava uma única notícia sobre o assunto, ignorando-o jornalisticamente, olimpicamente. Foi o único órgão de comunicação social a fazê-lo. No «Diário de Notícias», que fui convidada para dirigir, eu não sou notícia nem breve nem «fait-divers». Coisa interessante. E tudo na mesma como dantes. Mais isenção.
4. Na mesma semana agitada, daquelas semanas em que mais valia estarmos, como dizia o cómico W. C. Fields, em Filadélfia, uma «fonte governamental» confirmou que a minha decisão «estava tomada». Coisa interessante. Como é que a «fonte governamental» sabe o que eu estou a pensar? E como é que se arroga o direito de responder por mim? Aqui, remeto para a minha carta ao Abrigo do Direito de Resposta que o EXPRESSO publica neste número.
5. O wittgensteiniano Não sei Quantos Cintra Torres, que sempre confundo com alguém que vendia parabólicas, e que para escrever sobre um «reality show» cita Kant, Hegel e o neo-confusionismo, presume de culto e de saber de tudo. E lá veio ele, lesto e molesto, acusar-me de ser uma «santanete» colocada no «Diário de Notícias» para manipular e controlar o jornal a favor do Governo. É bom que Cintra Torres, que também posso confundir com o homem das cervejas Cintra, deixe de se meter comigo, o que ele tem feito modestamente até aqui. Porque eu, ao contrário do que ele pensa, sou incontrolável, e escrevo melhor do que ele (sem citar Wittgenstein). E já agora, Cintra Torres está a fazer um projecto de uma série, ou um filme, ou lá o que é, com o actual director do «Diário de Notícias», (não, não sou eu, não seria, não fui...) para a RTP. A mesma RTP para quem Cintra Torres trabalha como colaborador e crítico imparcial. Será que é ele que vai criticar o trabalho dele na RTP? Mais um caso de isenção e imparcialidade nos «media».
6. Aqui para nós que ninguém nos ouve, seria uma péssima ideia ser directora do «Diário de Notícias», porque deixava de poder escrever estas coisas. Ou então, arranjava um «blog» (o jeito que dá um «blog»).
7. Mudando de assunto, para refrescar, o actual procurador da República veio dizer esta frase «Eu seria o último a prejudicar o PS». Isto, porque foi o PS que lhe deu este emprego. Eis um dos raríssimos casos dos últimos tempos em que não foi Santana Lopes o culpado de tudo. Imaginem se o procurador dissesse «Eu seria o último a prejudicar o PSD». Era mau, não era?
8. Conheço o Pedro Santana Lopes há muitos anos e nem ele nem eu temos culpa disso. Mas, se eu sou «santanete», por que não há-de ele ser «clarete»? Eis mais um caso flagrante de discriminação e perseguição das mulheres. Nunca teremos poder suficiente para... E, com mulheres a recusarem cargos de chefia de jornais, nunca teremos. Porque, vê-se bem que todos os jornais em Portugal são feitos por homens (e quase todos os «blogs» também, embora elas comecem a crescer e multiplicar-se.).
9. Na melhor tradição machista e misógina da praça portuguesa, ou melhor, da praceta portuguesa, assim que se soube por esses jornais fora que eu tinha sido convidada para directora do «Diário de Notícias», coisa que todos os jornais sabiam menos o «Diário de Notícias» (coisa interessante), começaram logo a debochar sobre o meu corte e cor de cabelo e os meus «bâtons» berrantes e por aí fora. Nos «blogs». Um tal Luís Nazaré escreve uma palhaçada sobre mim por causa disso. Será o mesmo homem simpático e educado que me convidou há tempos (e à minha probidade intelectual) para um Encontro sobre Educação do Partido Socialista? Não deve ser. Devo dizer que sem um bom corte de cabelo e um bom «bâton», considero impossível dirigir um jornal sério como o «Diário de Notícias». É uma condição contratual tão importante como a garantia da autonomia, independência e isenção.
10. E, a finalizar, por que é que eu não fui afinal dirigir o «Diário de Notícias»? Bom, esperem pelas minhas Memórias. Ou talvez nem seja preciso. Depois do tempo perdido com o jornalismo português contemporâneo, que tão doente anda, bem preciso de regressar aos livros. E escrever um livro é um acto solitário perfeito, como o onanismo.
11. Finalizo em tom nostálgico e «esquerdista», naquele estilo que os meus inimigos literários abominam. Tenho saudades do tempo português em que existiam Natálias Correias (e Veras Lagoas). Muita saudade. O que por aí anda não presta. Muito silêncio, muito medo, muita agenda política disfarçada, muito emprego a segurar. Muita ambição sem talento. Muito cabotinismo.
Romance de la guardia civil española
A Juan Guerrero
Cónsul General de la Poesía
Los caballos negros son.
Las herraduras son negras.
Sobre las capes relucen
manchas de tinta y de cera.
Tienen, por eso no lloran,
de plomo las calaveras.
Con el alma de charol
vienen por la carretera.
Jorobados y nocturnos,
por donde animan ordenan
silencios de goma oscura
y miedos de fina arena.
Pasan, si quieren pasar,
y ocultan en la cabeza
una vaga astronomía
de pistolas inconcretas.
*
¡Oh ciudad de los gitanos!
En las esquinas banderas.
La luna y la calabaza
con las guindas en conserva.
¡Oh ciudad de los gitanos!
¿Quién te vio y no te recuerda?
Ciudad de dolor y almizcle,
con las torres de canela.
*
Cuando llegaba la noche,
noche que noche nochera,
los gitanos en sus fraguas
forjaban soles y flechas.
Un caballo malherido,
llamaba a todas las puertas.
Gallos de vidrio cantaban
por Jerez de la Frontera.
El viento vuelve desnudo
la esquina de la sorpresa,
en la noche platinoche
noche, que noche nochera.
*
La Virgen y San José,
perdieron sus castañuelas,
y buscan a los gitanos
para ver si las encuentran.
La Virgen viene vestida
con un traje de alcaldesa
de papel de chocolate
con los collares de almendras.
San José mueve los brazos
bajo una capa de seda.
Detrás va Pedro Domecq
con tres sultanes de Persia.
La media luna soñaba
un éxtasis de cigüeña.
Estandartes y faroles
invaden las azoteas.
Por los espejos sollozan
bailarinas sin caderas.
Agua y sombra, sombra y agua
por Jerez de la Frontera.
*
¡Oh ciudad de los gitanos!
En las esquinas banderas.
Apaga tus verdes luces
que viene la benemérita.
¡Oh ciudad de los gitanos!
¿Quién te vio y no te recuerda?
Dejadla lejos del mar, sin
peines para sus crenchas.
*
Avanzan de dos en fondo
a la ciudad de la fiesta.
Un rumor de siemprevivas
invade las cartucheras.
Avanzan de dos en fondo.
Doble nocturno de tela.
El cielo, se les antoja,
una vitrina de espuelas.
*
La ciudad libre de miedo,
multiplicaba sus puertas.
Cuarenta guardias civiles
entran a saco por ellas.
Los relojes se pararon,
y el coñac de las botellas
se disfrazó de noviembre
para no infundir sospechas.
Un vuelo de gritos largos
se levantó en las veletas.
Los sables cortan las brisas
que los cascos atropellan.
Por las calles de penumbra
huyen las gitanas viejas
con los caballos dormidos
y las orzas de monedas.
Por las calles empinadas
suben las capas siniestras,
dejando atrás fugaces
remolinos de tijeras.
En el portal de Belén
los gitanos se congregan.
San José, lleno de heridas,
amortaja a una doncella.
Tercos fusiles agudos
por toda la noche suenan.
La Virgen cura a los niños
con salivilla de estrella.
Pero la Guardia Civil
avanza sembrando hogueras,
donde joven y desnuda
la imaginación se quema.
Rosa la de los Camborios,
gime sentada en su puerta
con sus dos pechos cortados
puestos en una bandeja.
Y otras muchachas corrían
perseguidas por sus trenzas,
en un aire donde estallan
rosas de pólvora negra.
Cuando todos los tejados
eran surcos en la sierra,
el alba meció sus hombros
en largo perfil de piedra.
*
¡Oh ciudad de los gitanos!
La Guardia Civil se aleja
por un túnel de silencio
mientras las llamas te cercan.
¡Oh ciudad de los gitanos!
¿Quién te vio y no te recuerda?
Que te busquen en mi frente.
Juego de luna y arena.
Federico Garcia Lorca
Cónsul General de la Poesía
Los caballos negros son.
Las herraduras son negras.
Sobre las capes relucen
manchas de tinta y de cera.
Tienen, por eso no lloran,
de plomo las calaveras.
Con el alma de charol
vienen por la carretera.
Jorobados y nocturnos,
por donde animan ordenan
silencios de goma oscura
y miedos de fina arena.
Pasan, si quieren pasar,
y ocultan en la cabeza
una vaga astronomía
de pistolas inconcretas.
*
¡Oh ciudad de los gitanos!
En las esquinas banderas.
La luna y la calabaza
con las guindas en conserva.
¡Oh ciudad de los gitanos!
¿Quién te vio y no te recuerda?
Ciudad de dolor y almizcle,
con las torres de canela.
*
Cuando llegaba la noche,
noche que noche nochera,
los gitanos en sus fraguas
forjaban soles y flechas.
Un caballo malherido,
llamaba a todas las puertas.
Gallos de vidrio cantaban
por Jerez de la Frontera.
El viento vuelve desnudo
la esquina de la sorpresa,
en la noche platinoche
noche, que noche nochera.
*
La Virgen y San José,
perdieron sus castañuelas,
y buscan a los gitanos
para ver si las encuentran.
La Virgen viene vestida
con un traje de alcaldesa
de papel de chocolate
con los collares de almendras.
San José mueve los brazos
bajo una capa de seda.
Detrás va Pedro Domecq
con tres sultanes de Persia.
La media luna soñaba
un éxtasis de cigüeña.
Estandartes y faroles
invaden las azoteas.
Por los espejos sollozan
bailarinas sin caderas.
Agua y sombra, sombra y agua
por Jerez de la Frontera.
*
¡Oh ciudad de los gitanos!
En las esquinas banderas.
Apaga tus verdes luces
que viene la benemérita.
¡Oh ciudad de los gitanos!
¿Quién te vio y no te recuerda?
Dejadla lejos del mar, sin
peines para sus crenchas.
*
Avanzan de dos en fondo
a la ciudad de la fiesta.
Un rumor de siemprevivas
invade las cartucheras.
Avanzan de dos en fondo.
Doble nocturno de tela.
El cielo, se les antoja,
una vitrina de espuelas.
*
La ciudad libre de miedo,
multiplicaba sus puertas.
Cuarenta guardias civiles
entran a saco por ellas.
Los relojes se pararon,
y el coñac de las botellas
se disfrazó de noviembre
para no infundir sospechas.
Un vuelo de gritos largos
se levantó en las veletas.
Los sables cortan las brisas
que los cascos atropellan.
Por las calles de penumbra
huyen las gitanas viejas
con los caballos dormidos
y las orzas de monedas.
Por las calles empinadas
suben las capas siniestras,
dejando atrás fugaces
remolinos de tijeras.
En el portal de Belén
los gitanos se congregan.
San José, lleno de heridas,
amortaja a una doncella.
Tercos fusiles agudos
por toda la noche suenan.
La Virgen cura a los niños
con salivilla de estrella.
Pero la Guardia Civil
avanza sembrando hogueras,
donde joven y desnuda
la imaginación se quema.
Rosa la de los Camborios,
gime sentada en su puerta
con sus dos pechos cortados
puestos en una bandeja.
Y otras muchachas corrían
perseguidas por sus trenzas,
en un aire donde estallan
rosas de pólvora negra.
Cuando todos los tejados
eran surcos en la sierra,
el alba meció sus hombros
en largo perfil de piedra.
*
¡Oh ciudad de los gitanos!
La Guardia Civil se aleja
por un túnel de silencio
mientras las llamas te cercan.
¡Oh ciudad de los gitanos!
¿Quién te vio y no te recuerda?
Que te busquen en mi frente.
Juego de luna y arena.
Federico Garcia Lorca
Um poema longo de Federico Garcia Lorca
Um poema longo significa um intervalo e uma dificuldade.
Os posts querem-se curtos tal como o instante em que a hora mudou. Foi há momentos atrás. Passou a ser uma hora mais cedo.
Vale a pena conhecer Federico Garcia Lorca.
Os posts querem-se curtos tal como o instante em que a hora mudou. Foi há momentos atrás. Passou a ser uma hora mais cedo.
Vale a pena conhecer Federico Garcia Lorca.
sábado, outubro 30
União Europeia - um fracasso e o que está para vir
Está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo “ELEIÇÕES EUROPEIAS – SINAIS DE PREOCUPAÇÃO” publicado no rescaldo das eleições europeias de Junho de 2004.
O recente fracasso de José Manuel Barroso, na aprovação da proposta de Comissão pelo Parlamento Europeu, é só um primeiro sinal das dificuldades que se vão seguir.
Os processos de ratificação da Constituição Europeia, ontem assinada em Roma, pelos Chefes de Estado e de Governo, de cada um dos 25 países membros, revelarão que, como se afirma, na parte final do artigo, “os sentimentos euro-cépticos e euro-fóbicos, assim como os nacionalismos radicais, que afloraram, com veemência, nas últimas eleições europeias, podem transformar-se em verdadeiras ameaças ao desenvolvimento do projecto europeu e à própria democracia representativa que gerações sucessivas construíram à custa de milhões de mortos e de sacrifícios sem fim.”
E concluo: “A propósito destas preocupações lembro sempre o que Albert Camus escreveu e que é a chave para entender muitas mudanças que, à primeira vista, nos podem surpreender: “Organiza-se tudo: É simples e evidente. Mas o sofrimento humano intervém e altera todos os planos”
O recente fracasso de José Manuel Barroso, na aprovação da proposta de Comissão pelo Parlamento Europeu, é só um primeiro sinal das dificuldades que se vão seguir.
Os processos de ratificação da Constituição Europeia, ontem assinada em Roma, pelos Chefes de Estado e de Governo, de cada um dos 25 países membros, revelarão que, como se afirma, na parte final do artigo, “os sentimentos euro-cépticos e euro-fóbicos, assim como os nacionalismos radicais, que afloraram, com veemência, nas últimas eleições europeias, podem transformar-se em verdadeiras ameaças ao desenvolvimento do projecto europeu e à própria democracia representativa que gerações sucessivas construíram à custa de milhões de mortos e de sacrifícios sem fim.”
E concluo: “A propósito destas preocupações lembro sempre o que Albert Camus escreveu e que é a chave para entender muitas mudanças que, à primeira vista, nos podem surpreender: “Organiza-se tudo: É simples e evidente. Mas o sofrimento humano intervém e altera todos os planos”
Um ano é muito tempo - II
Nicolau Santos, no Expresso, faz qualquer pessoa de bom senso alinhar nas críticas de Cavaco Silva. É uma ironia da história. Mas a realidade tem mais força do que a ideologia.
A política económica de um governo tomado por uma deriva eleitoralista pode colocar Portugal numa situação ainda mais difícil não só face ao cumprimento dos critérios da UE mas à criação de condições para a criação de riqueza nacional e a uma sua mais justa distribuição.
Não é o programa da direita no poder que está em causa é o futuro de uma outra qualquer política económica de um futuro governo socialista.
"Já estamos todos a rezar, professor - Cavaco dá sinal de que não gosta do OE 2005
CAVACO Silva pediu esta semana aos portugueses para rezarem para que o poder político não lance Portugal noutra crise de finanças públicas. Eu, pela minha parte, já comecei. Mas em verdade lhe digo, professor, que embora os ventos divinos sempre tenham estado connosco - e é ver o caso do «Prestige», que só não poluiu as águas marítimas portuguesas por intervenção de Nossa Senhora de Fátima, segundo o ministro Paulo Portas - desta vez o milagre vai ser mais difícil do que o Sporting ganhar jogos com o auxílio do Além, por interposto padre Vítor Melícias.
É que, logo por azar, no mesmo dia em que Cavaco fazia tão lancinante apelo, o comissário europeu Joaquín Almunia, divulgava as previsões de Outono da Comissão Europeia, onde se afirma que em 2005 Portugal não vai violar um, mas os três critérios do Pacto de Estabilidade. Não vamos cumprir o défice de 3%, a dívida será superior a 60% do PIB (já vai em 62%) e o défice estrutural não descerá meio ponto do produto como nos dois anos anteriores.
Sejamos justos: dois dos critérios não vamos cumprir. Mas o défice, com mais alguma desorçamentação, com mais algum fundo de pensões transferido para a Caixa Geral de Aposentações, com mais alguma venda de património, acabará por ser cumprido.
O mais importante, contudo, é que já se deitou por terra todo o trabalho de contenção feito nos dois anos anteriores e a política económica mudou radicalmente.
Como Cavaco disse, tem dúvidas sobre o rumo do país e as grandes orientações estratégicas da política económica. Nós também, professor. E uma única certeza: isto não é obra do Demo, mas de um Governo e de um ministro das Finanças que vão andar por cá até ao final de 2006."
Nicolau Santos
"Expresso"
A política económica de um governo tomado por uma deriva eleitoralista pode colocar Portugal numa situação ainda mais difícil não só face ao cumprimento dos critérios da UE mas à criação de condições para a criação de riqueza nacional e a uma sua mais justa distribuição.
Não é o programa da direita no poder que está em causa é o futuro de uma outra qualquer política económica de um futuro governo socialista.
"Já estamos todos a rezar, professor - Cavaco dá sinal de que não gosta do OE 2005
CAVACO Silva pediu esta semana aos portugueses para rezarem para que o poder político não lance Portugal noutra crise de finanças públicas. Eu, pela minha parte, já comecei. Mas em verdade lhe digo, professor, que embora os ventos divinos sempre tenham estado connosco - e é ver o caso do «Prestige», que só não poluiu as águas marítimas portuguesas por intervenção de Nossa Senhora de Fátima, segundo o ministro Paulo Portas - desta vez o milagre vai ser mais difícil do que o Sporting ganhar jogos com o auxílio do Além, por interposto padre Vítor Melícias.
É que, logo por azar, no mesmo dia em que Cavaco fazia tão lancinante apelo, o comissário europeu Joaquín Almunia, divulgava as previsões de Outono da Comissão Europeia, onde se afirma que em 2005 Portugal não vai violar um, mas os três critérios do Pacto de Estabilidade. Não vamos cumprir o défice de 3%, a dívida será superior a 60% do PIB (já vai em 62%) e o défice estrutural não descerá meio ponto do produto como nos dois anos anteriores.
Sejamos justos: dois dos critérios não vamos cumprir. Mas o défice, com mais alguma desorçamentação, com mais algum fundo de pensões transferido para a Caixa Geral de Aposentações, com mais alguma venda de património, acabará por ser cumprido.
O mais importante, contudo, é que já se deitou por terra todo o trabalho de contenção feito nos dois anos anteriores e a política económica mudou radicalmente.
Como Cavaco disse, tem dúvidas sobre o rumo do país e as grandes orientações estratégicas da política económica. Nós também, professor. E uma única certeza: isto não é obra do Demo, mas de um Governo e de um ministro das Finanças que vão andar por cá até ao final de 2006."
Nicolau Santos
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