terça-feira, setembro 9

CESARE PAVESE

Cesare Pavese

Terra vermelha terra negra
que vens do mar
dos campos queimados,
onde estão as palavras
antigas e as fadigas do sangue
e gerânios entre os rochedos –
não sabes quanto tens
de mar palavras e fadiga,
tu rica como a lembrança,
como os campos agrestes,
tu dura e dulcíssima
palavra, antiga pelo sangue
que afluiu aos olhos;
jovem, como um fruto
que é estação e eco –
o teu hálito repousa
ao céu de Agosto,
as azeitonas do teu olhar
adoçam o mar,
e tu vives e renasces
sem espanto, segura
como a terra, escura
como a terra, lagar
de estações e de sonhos
que à lua se descobre
antiquíssimo, como
as mãos da tua mãe,
a pedra gasta da lareira.

27 de Outubro de 1945

[“Terra e a Morte” in “Virá a morte e terá os teus olhos.”
“Trabalhar Cansa” – Tradução de Carlos Leite, Cotovia]

Hoje celebra-se o centenário do nascimento de Cesare Pavese.

Outros poemas que já publiquei: Estate/Verão - Last blues, to be read some day -PASSERÒ PER PIAZZA DI SPAGNA/Passarei pela Praça de Espanha - La casa/A casa
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domingo, setembro 7

DISCURSOS

Cheguei de ver o filme “Aquele Querido Mês de Agosto” – a não perder! – e deparo-me com a notícia da consumação do “discurso de rentrée política” de Manuela Ferreira Leite.

Como sempre, nestes casos, vou em busca da versão integral do mesmo. A montanha pariu um rato. Tudo o que Ferreira Leite afirma já tinha sido, antes, afirmado por ela com ligeiras mudanças de tom. Fico-me por três citações demonstrativas da tentação populista presente no seu discurso:

"Por isso, as pessoas reagem com indiferença ou até desprezo ao que os políticos dizem." … "Este clima de mistificação só tem sido possível porque está apoiado por uma máquina de comunicação e de acção pouco democrática.", …"Mas Portugal está longe de beneficiar da democracia na sua plenitude."

A natureza do discurso de Ferreira Leite está próxima do comentário político constituindo, de facto, uma pura peça de propaganda. Repete afirmações antigas e deixa-se aprisionar pela lógica da comunicação e imagem que a própria aponta como um dos maiores vícios da acção do governo do PS: "O Governo gasta imensa energia e recursos a tratar da comunicação e imagem, mas o objectivo não é informar, não é esclarecer ou mobilizar. O objectivo é enganar-nos ou distrair-nos."

Para confirmar o que se afirma antes basta fazer um exercício simples, e despretensioso, acerca da estrutura do discurso: ele é constituído por 119 frases curtas ou curtíssimas; nenhuma delas – na versão online – tem uma extensão superior a 4 linhas: 5 frases são compostas por 4 linhas; 13 frases por 3 linhas; 64 frases por 2 linhas e 37 frases por 1 linha. Aqui está, pois, um discurso com 119 frases das quais 101 são compostas por 1 ou 2 linhas.

Se isto não é um discurso de pura propaganda política o que será um discurso de propaganda politica? Se isto não é “comunicação e imagem” o que será “comunicação e imagem”? Depois volto ao filme que é muito interessante a respeito do tema dos discursos que o próprio filme, aliás, ensaia debater. [ Imagem daqui.]
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sábado, setembro 6

Os Dois PSD s

Original a modalidade da aparição pública de Menezes na véspera da aparição pública de Manuela Ferreira Leite. A afirmação da política espectáculo contra a afirmação da política institucional. O “falar” como regra contra o “falar” por excepção. As cores vivas da emoção contra o cinzento do discurso escrito. O ruído suburbano contra a circunspecção do Terreiro do Paço. Menezes em poucos minutos de voo marca, de forma subliminar, as diferença.
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JOCK STURGES

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sexta-feira, setembro 5

MES - Os dirigentes fundadores (I)

(Publicado originalmente nos Caminhos da Memória)

Prosseguindo uma breve digressão pelas memórias do MES (Movimento de Esquerda Socialista) julgo interessante enunciar as personalidades que, ao nível de direcção, desde os primórdios da sua criação, deram vida ao seu programa de acção. [Todas as informações que vou aqui divulgar são reproduzidas de documentos originais que tenho em minha posse.]

Na vertente de identificação dos dirigentes fundadores do MES não serei exaustivo, prevenindo qualquer involuntária omissão, nem, porventura, serei capaz de fazer vir à memória de todos a figura física de alguns nomes que a voragem do tempo fez esquecer. Mas, desta forma, far-se-á justiça a algumas personalidades que não tendo obtido consagração pelos seus feitos políticos deram, no entanto, por regra, um contributo notável na esfera do activismo sectorial.

Os nomes dos primeiros dirigentes fundadores do MES surgiram como subscritores da «DECLARAÇÃO DO MOVIMENTO DE ESQUERDA SOCIALISTA (MES)» (sem data), tornada pública imediatamente após o 25 de Abril de 1974 o que é comprovado tanto pelo seu teor, como por anunciar a Sede Central do Movimento na Av. D. Carlos I, 146 - 1º Dto., em Lisboa, com indicação do horário de funcionamento que, em boa verdade, nunca foi cumprido. [Por curiosidade aqui deixo o «horário»: das 14 às 20 horas e das 21,30 às 24,30 horas de 2ª a 6ª e das 9 às 24,30 horas aos sábados e domingos.]

Nesta primeira «Declaração do Movimento de Esquerda Socialista (M.E.S.)» explicitam-se os seus princípios fundadores sob o lema: «A emancipação dos trabalhadores tem de ser obra dos próprios trabalhadores», abrangendo os campos da «luta de fábrica e sindical», «luta anti-colonial», «luta estudantil», «luta urbana» e, surpreendentemente, nos seus termos, no campo da luta «pelo aumento dos tempos livres», título sob o qual se aborda, na verdade, a temática laboral.

«Pela Comissão Organizadora» a declaração é subscrita por dirigentes agrupados por área de intervenção: Manuel Lopes, António Rosas, António Santos Júnior (militantes sindicalistas); Rogério de Jesus, António Machado, Francisco Farrica, Edilberto Moço, Luís Filipe Fazendeiro, Luís Manuel Espadaneiro (militantes operários); Carlos Pratas e José Galamba de Oliveira (militantes estudantis); Víctor Wengorovius, Joaquim Mestre e José Manuel Galvão Teles (candidatos da CDE de Lisboa, em 1969); Eduardo Ferro Rodrigues (consultor sindical e ex-dirigente estudantil); Nuno Teotónio Pereira (militante cristão) e César Oliveira (historiador do movimento operário).

A origem dos subscritores deste documento assume a confluência na designada esquerda socialista de uma nova vaga de dirigentes, não comunistas, oriundos dos movimentos operário, sindical, católico progressista e estudantil que se tinham destacado, desde o início dos anos 60, na condução de lutas contra a ditadura nas respectivas áreas de intervenção. Outros activistas prestigiados, e influentes, não subscreveram esta declaração fundadora, por meras razões tácticas, mas surgirão pouco tempo passado, de uma forma mais ou menos discreta, associados à direcção política do Movimento.
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quinta-feira, setembro 4

Yoani Sanchez

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ANIVERSÁRIO

Fotografia de Família

Há dias que nunca esquecem mesmo quando os dias se esquecem de nós. Fui um filho tardio, talvez fruto do acaso, mas sempre me senti desejado. Meus pais guardaram-me como um tesouro e nunca lhes agradeci o suficiente. Sou daqueles que vêem o mundo povoado de gente singular. Eu sempre me senti acompanhado mesmo quando rodeado de silêncio. Porque a família sempre foi o reduto inexpugnável da minha esperança. Hoje é o dia de aniversário de meu pai. Celebro-o envolto na áurea da sua infinita afabilidade.
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LÁ LONGE O FUTURO ... AQUI TÃO PERTO


Achei curiosa, e honesta, a reportagem do “Público” acerca da visita realizada, ontem, pelo 1º Ministro e pela Ministra da Educação, a algumas Escolas de Lisboa que estão em obras no âmbito do chamado “programa de modernização do secundário”.

A notícia está disponível no Público on-line e aproveitei para a transcrever para o IR AO FUNDO E VOLTAR tendo-me suscitado algumas simples, breves, reflexões:

1 – A Educação que é, desde há muito, uma sempre anunciada primeira prioridade dos governos não depende só do “software” mas também do “hardware”. O sucesso do projecto educativo de cada escola depende não só da qualidade, e organização, dos recursos humanos mas também das infra-estruturas físicas, dos edifícios e das condições para instalar e fazer funcionar os equipamentos. Trivial, mas é preciso fazer!

2 - Que pensará Manuela Ferreira Leite destes anunciados, e vultuosos, investimentos na modernização das escolas da rede pública após ter dito o que disse acerca do investimento … público? Ela que já foi Ministra da Educação! Sairá em defesa desta política no aguardado discurso de encerramento da Universidade de Verão do PSD no próximo fim-de-semana? Trivial, mas é preciso ter coragem!

2 - Fazer obras de fundo, mantendo os estabelecimentos a funcionar, exige um esforço suplementar aos órgãos de gestão das escolas, tal como aos professores, funcionários e alunos? O que pensarão os sindicatos de professores destes empreendimentos? Alguma crítica? Alguma palavra pública de incentivo ou congratulação? Trivial, mas é preciso ter vergonha!

3- Participei, há uns anos atrás, num movimento que conseguiu travar a saída da Escola Alemã de Lisboa para o concelho de Oeiras iniciativa que visava favorecer, certamente, algum empreendimento imobiliário nos valiosos terrenos que continua, e continuará, a ocupar na zona de Telheiras. A escola foi para obras de fundo, que estão em fase muito adiantada de conclusão, tendo muitas turmas funcionado, dois anos lectivos, em contentores. Trivial … trivial …
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terça-feira, setembro 2

JUSTIÇA

Joseph McDonald

A propósito desta notícia: Paulo Pedroso ganha acção por prisão ilegal no processo da Casa Pia . Imagino os comentários daqueles que só acreditam na justiça quando decide a favor dos seus interesses particulares ou das suas convicções. Lembro-me de uma das muitas reflexões de Camus acerca da justiça:

“Mas ninguém é culpado absolutamente, não se pode pois condenar ninguém absolutamente I) aos olhos da sociedade 2) aos olhos do indivíduo.”

Albert Camus – Cadernos
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Ainda a propósito da sentença de hoje, de novo, Albert Camus, nos Cadernos:

“O pensamento está sempre à frente. Ele vê muito longe, mais longe do que o corpo que está no presente. Suprimir a esperança, é reconduzir o pensamento para o corpo. E o corpo terá de apodrecer.”
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domingo, agosto 31

CAMINHOS DA MEMÓRIA

O passado também é agora. Caminhos da Memória regressam renovados a 1 de Setembro. Darei o meu modesto contributo como colaborador regular.
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PARA A HELENA E VIVAM AS EMPATIAS!


A Helena surpreendeu-me, na verdade, com uma dedicatória a propósito de uma obra sobre Camus. Obrigada pela lembrança. Vi a nota final na qual se reproduz uma frase de Camus . Fui buscar à estante o primeiro volume das Obras Completas, abri nas páginas do primeiro ensaio de “Noces”: “Noces à Tipasa” e, curiosamente, aquela frase está, por mim, sublinhada a lápis:

“Je comprends ici ce qu´on appelle gloire: le droit d´aimer sans mesure. Il n´y a qu´un seul amour dans ce monde. Étreindre un corps de femme, c´est aussi retenir contre soi cette joie étrange qui descend du ciel vers la mer.»

Camus escreveu « Noces », uma das suas primeiras obras, tinha 23/24 anos, em 1936 e 1937, sempre a considerou como um conjunto de ensaios, no sentido exacto e limitado do termo. Foi publicada, em Argel, em 1938. Para se compreender a natureza da obra, de forma breve, cito o que Camus escreveu, a propósito do manuscrito de “Noces à Tipasa”, numa carta dirigida a Marguerite Dobrenn, de 7 de Agosto de 1937: “ Il est écrit pour nous tous, pour nous de la mer”.
Vivam as empatias!
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