sexta-feira, março 26

Um livro de Lorca (IV)

Neste último excerto, José Viale Moutinho, no texto de apresentação do livro de Federico García Lorca intitulado: "ALOCUÇÃO AO POVO DA ALDEIA DE FUENTEVAQUEROS", conclui:

Recomendando-lhes uma visita à casa natal de Federico García Lorca em Fuentevaqueros, nos arredores de Granada, recordo-lhes também a leitura do seu livrinho "Seis Poemas Galegos", que ele escreveu como reflexo das duas vezes que esteve na Galiza. Este livro foi publicado por Anxel Casal, editor e que foi o último alcaide republicano de Santiago de Compostela.

Quis a sorte que Lorca e o seu editor galego fossem assassinados no mesmo dia, eles e centenas, milhares de outros republicanos espanhóis. E foram mortos apenas porque eram gente de bem, homens para quem a II República constituía um instrumento para construir a felicidade dos seus povos.

Um dia pude deixar um cravo na campa de Anxel Casal, porém, como disse, não se sabe onde efectivamente se encontram os restos mortais de Federico García Lorca, os restos deles e de uns quantos que no mesmo dia, à mesma hora e no mesmo secreto sítio, foram abatidos pela sanha dos fascistas incondicionais de Queipo de Llano, esbirro sinistro do tenebroso Franco que se fez enterrar no monumento Valle de los Caídos, arredores de Madrid, uma construção onde foi utilizado o trabalho escravo de republicanos condenados à miséria.

Para que conste."

José Viale Moutinho: excerto da apresentação do livro ALOCUÇÃO AO POVO DA ALDEIA DE FUENTEVAQUEROS, de Federico Garcia Lorca, editado pelo Sector Intelectual da DORP do PCP, Auditório da Junta de Freguesia de Massarelos.


Obrigada!

O Público assegura que o governo garante que as "Comemorações do 25 de Abril não vão substituir a diversidade ideológica"

Por outro lado vejo na Lusa uma referência ao Diário de Notícias:" Sondagem apresenta socialistas perto da maioria absoluta e PSD em queda.
Os socialistas estão à beira da maioria absoluta, com 43,9% das intenções de voto, de acordo com uma sondagem divulgada sexta-feira pelo Diário de Notícias que aponta ainda para uma quebra no PSD (34,9%).Em relação às intenções de Fevereiro, em Março o PS subiu 1,7% e o PSD desceu 3,8%. Se as eleições legislativas de 2006 fossem hoje, o CDS-PP subia 1,5%, para 3,8%, o PCP alcançaria 6,9% dos votos e o Bloco de Esquerda 5,7%."

Aparentemente o governo não tem razões para ficar preocupado porque a diversidade ideológica está assegurada. De qualquer maneira obrigada pelos cuidados!



25 de Abril - notas pessoais

António Santos Júnior


No movimento operário de base destacou-se, emergindo das lutas da TAP, que antecederam o 25 de Abril, António Santos Júnior. Ele liderou um movimento de novo tipo, associando as reivindicações tradicionais do operariado urbano com os novos desígnios da participação do movimento operário na acção política.

É um admirável homem de acção e de organização, persuasivo e generoso. Aliás Santos Júnior deveria ter discursado na grande manifestação, em Lisboa, do 1º de Maio de 1974, em representação do MES, mas tal objectivo foi impedido pela aliança PCP-PS.

Foi nessa manifestação que surgiu, pela primeira vez, em público a sigla MES inscrita num pano onde se podia ler "Movimento de Esquerda Socialista - em organização".

Outros dois destacados activistas do movimento operário e sindical, com relevante participação no MES, foram Manuel Lopes (sindicalista que aderiu à CGTP, já falecido) e o ideólogo das lutas da TAP, Jerónimo Franco.

(10 de 32 continua)

quinta-feira, março 25

LLANTO POR IGNACIO SÁNCHEZ MEJÍAS (1935)


La cogida y la muerte

A las cinco de la tarde.
Eran las cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana
a las cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida
a las cinco de la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte
a las cinco de la tarde.

El viento se llevó los algodones
a las cinco de la tarde.
Y el óxido sembró cristal y níquel
a las cinco de la tarde.
Ya luchan la paloma y el leopardo
a las cinco de la tarde.
Y un muslo con un asta desolada
a las cinco de la tarde.
Comenzaron los sones del bordón
a las cinco de la tarde.
Las campanas de arsénico y el humo
a las cinco de la tarde.
En las esquinas grupos de silencio
a las cinco de la tarde.
¡ Y el toro solo corazón arriba !
a las cinco de la tarde.
Cuando el sudor de nieve fue llegando
a las cinco de la tarde,
cuando la plaza se cubrió de yodo
a las cinco de la tarde,
la muerte puso huevos en la herida
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
A las cinco en punto de la tarde.

Un ataúd con ruedas es la cama
a las cinco de la tarde.
Huesos y flautas suenan en su oído
a las cinco de la tarde.
El toro ya mugía por su frente
a las cinco de la tarde.
El cuarto se irisaba de agonía
a las cinco de la tarde.
A lo lejos ya viene la gangrena
a las cinco de la tarde.
Trompa de lirio por las verdes ingles
a las cinco de la tarde.
Las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde,
y el gentío rompía las ventanas
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
¡ Ay qué terribles cinco de la tarde !
¡ Eran las cinco en todos los relojes !
¡ Eran las cinco en sombra de la tarde !

Federico García Lorca

Um livro de Lorca (III)

Neste terceiro excerto, José Viale Moutinho, no texto de apresentação do livro de Federico García Lorca intitulado: "ALOCUÇÃO AO POVO DA ALDEIA DE FUENTEVAQUEROS", afirma:

"Ora queria ainda falar-lhes de outra coisa, de algo tão idiota como o propalado apoliticismo de Federico Garcia Lorca. Ian Gibson, seu biógrafo mais atento, nas vésperas de apresentar uma reedição da sua obra "El asesinato de Garcia Lorca", creio que em finais dos anos 70 do século passado, ainda nas provas desse livro mostrou-me documentos que me surpreenderam porque revelavam um Lorca a intervir directa e politicamente.

Eu conhecia alguma correspondência sua a Teixeira de Pascoais, tanto mais que era amigo do sobrinho, o pintor João Teixeira de Vasconcelos.

Porém uma notícia intitulada Comité de Amigos de Portugal, editada no "El Socialista", de 6 de Maio de 35, dava nota da recente constituição de um Comité de Amigos de Portugal "que se propunha popularizar em Espanha os métodos brutais de repressão da ditadura fascista de Salazar em Portugal, organizando uma campanha de protesto entre as massas populares espanholas, assim como a ajuda em todas as suas formas às vítimas do fascismo português".

Entre outros, integravam o comité Ramón J. Sender, Rafael de Olmo, Victoria Kent, Pasionaria, Teresa Leon, Ortega y Gasset e Federico Garcia Lorca. O segundo documento a que me queria referir data de 4 de Julho de 1936 e é considerado como o último que ele assinou, pois foi fuzilado em 19 de Agosto seguinte.

É uma carta aberta do referido comité a Salazar formulando "um enérgico protesto em nome dos direitos e sentimentos que constituem a conquista mais apreciada da civilização: o direito e a liberdade de análise e de crítica e o sentimento de defesa e amparo da dignidade humana." diz depois a mensagem: "calam os escritores e os homens de pensamento em Portugal que não podem iludir a coacção brutal das suas armas, Sr. Salazar. Mas outros portugueses fazem a partir de fora do seu país a melhor homenagem ao seu próprio patriotismo e à sua cidadania, chamando a nossa consciência e a de todos os homens livres do mundo a favor dos lares portugueses desfeitos, dos milhares de concidadãos presos em condições desumanas, de centenas de homens inermes, cujo martírio se renova cada dia, e de milhões de seres humanos, a grande massa do povo português, que você procura envilecer na escravidão e na miséria".

Com Lorca, assinam este documento Largo Caballero, Ramón J, Sender, António Machado, Rafael Alberti, bem como milhares de outros antifascistas espanhóis."

(3 de 4 continua)

Um grito

"Senhor Aznar, é responsável pela morte do meu filho" gritou alguém na cerimónia fúnebre de Madrid.

Uma mãe disse, num telefonema, á rádio SER: "Não me sinto capaz de estar face a face com Aznar, Power e Blair, o meu filho colou um cartaz contra a guerra na janela do seu quarto." Daniel tinha 20 anos e morreu no atentado. Pilar, a mãe, não foi a Almudena. Como não foram os fiéis adventistas e muçulmanos, familiares de muitos mortos, por considerarem que a diferença da sua fé não foi respeitada". Vem no Público.

Espero que o Director do Público leia o Público de hoje como um simples cidadão. Um dia, de vez em quando, os directores dos órgãos de comunicação social deviam ser demitidos. No dia seguinte podiam retomar funções se provassem que tinham lido as suas próprias notícias e editoriais, do dia anterior, com os olhos de um vulgar cidadão.

E hoje leia também a entrevista de Saramago no Diário de Notícias. Os ideólogos da direita, de todos os matizes, têm de suportar aquilo que não gostam de ouvir. E, por favor, tenham contenção nas comparações com o nazi/fascismo. Assassinos há muitos e nem todos usam ostensivamente farda, religião ou ideologia ...basta serem fanáticos.

25 de Abril - notas pessoais

Agostinho Roseta


No movimento operário e sindical o activista mais importante do MES foi Agostinho Roseta, já falecido. Ele associava juventude (ou talvez melhor, jovialidade), capacidade teórica e sentido prático de organização, era persuasivo, sedutor e desprendido do poder.

Morreu num 9 de Maio, muitos anos depois do MES ter sido extinto, na plena pujança das suas qualidades humanas e intelectuais A sua morte prematura impediu que tivesse, muito provavelmente, exercido uma influência marcante, a partir de 1995, no movimento sindical (UGT) e no Partido Socialista.

Falar de pessoas é sempre muito delicado. Mas não é possível falar do 25 de Abril sem referir o papel daqueles que foram decisivos na nossa própria formação pessoal e na conformação do nosso percurso político. Sempre que hajam referências pessoais cingir-me-ei às personalidades que, no meu ponto de vista, foram as mais relevantes.

Farei referência a um número restrito de pessoas pois, dessa forma, reduzo os riscos de ser injusto ou mal interpretado. Além do mais o MES foi uma escola de quadros políticos que ocupam, e continuarão a ocupar, no futuro próximo, posições de grande destaque na vida pública portuguesa.

Julgo que isso se deve ao facto, incontroverso, de se terem reunido no MES, na volúptia política dos anos 70, um escol de quadros de grande qualidade humana e intelectual que, discretamente, se orgulham do seu passado de empenhamento cívico e político.

(9 de 32 continua)

quarta-feira, março 24

Romance Sonambulo


Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas.

Verde que te quiero verde.
Grandes estrellas de escarcha,
vienen con el pez de sombra
que abre el camino del alba.
La higuera frota su viento
con la lija de sus ramas,
y el monte, gato garduño,
eriza sus pitas agrias.
¿Pero quién vendrá? ¿Y por dónde?
Ella sigue en su baranda,
verde carne, pelo verde,
soñando en la mar amarga.

-Compadre, quiero cambiar
mi caballo por su casa,
mi montura por su espejo,
mi cuchillo por su manta.
Compadre, vengo sangrando,
desde los puertos de Cabra.
-Si yo pudiera, mocito,
este trato se cerraba.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
-Compadre, quiero morir,
decentemente en mi cama.
De acero, si.puede ser,
con las sábanas de holanda.
¿No ves la herida que tengo
desde el pecho a la garganta?
-Trescientas rosas morenas
lleva tu pechera blanca.
Tu sangre rezuma y huele
alrededor de tu faja.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
-Dejadme subir al menos
hasta las altas barandas,
dejadme subir!, dejadme
hasta las verdes barandas.
Barandales de la luna
por donde retumba el agua.

Ya suben los doscompadres
hacia las altas barandas.
Dejando un rastro de sangre.
Dejando un rastro de lágrimas.
Temblaban en los tejados
farolillos de hojalata.
Mil panderos de cristal
herían la madrugada.

Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
Los dos compadres subieron.
El largo viento dejaba
en la boca un raro gusto
de hiel, de menta y de albahaca.
-¡Compadre! ¿Dónde está, dime?
¿Dónde está tu niña amarga?
¡Cuántas veces te esperó!
¡Cuántas veces te esperara,
cara fresca, negro pelo,
en esta verde baranda!

Sobre el rostro del aljibe
se mecía la gitana.
Verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Un carámbano de luna
la sostiene sobre el agua.
La noche se puso íntima
como una pequeña plaza.
Guardias civiles borrachos
en la puerta golpeaban.
Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
El barco sobre la mar.
Y el caballo en la montaña.

Federico García Lorca

(Há uma magnífica tradução em português
deste poema de autoria de
Eugénio de Andrade em "Trinta
e Seis Poemas e Uma Aleluia Erótica",
Editorial Inova, 1968)

Federico García Lorca

Federico García Lorca fue un poeta, en el sentido más determinante y profundo que puede tener esta afirmación. Fue un poeta porque la poesía condicionó toda su vida e incluso su misma muerte: de no ser el escritor triunfante que era y la criatura radicalmente libre que la poesía le enseñó a ser, es probable que la barbarie no lo hubiera asesinado. Él lo dijo en una ocasión: "...yo no como, ni bebo, ni entiendo más que en la Poesía".

Su poesía fue, en efecto, su médula y su raíz, su supremo y cotidiano alimento terrestre. Lejos de toda torre de marfil, para él ser poeta era ante todo ser fiel a la voz de la muerte, a la voz del arte, a la voz del amor: las tres voces que escuchaba el poeta, según reclamó. La voz de la muerte, "con todos sus presagios" llamaba al canto exasperado y agudo de la vida; la voz del arte decía la superior verdad de las formas, el equilibrio cenital en el que la palabra del poeta se llena de sentido y trasciende el tiempo, sin dejar de ser tiempo, la voz del amor hacía llamear la plenitud de los cuerpos y las almas, la belleza divina de la creación. Nunca hubo en él oposición entre poesía y vida. Por eso hablaba de "la inmensa alegría consciente de crear".

Porque la poesía no era una huida del mundo; bien al contrario, representaba la inmersión en el mundo.

(De la monografía de Miguel García-Posada en la Agenda Cultural 1998)

Um livro de Lorca (II)

Continuando, José Viale Moutinho, no texto de apresentação do livro de Federico García Lorca intitulado: "ALOCUÇÃO AO POVO DA ALDEIA DE FUENTEVAQUEROS", afirma:

"Ora em Setembro de 1931, cinco meses já desde que Manuel Azaña, outro grande escritor da língua castelhana, tivesse tomado posse como primeiro presidente da II República de Espanha, Lorca, com 33 anos, está em Fuentevaqueros, num acto público.

Folheando as actas municipais nota-se uma actividade vertiginosa. O ministro Fernando de los Rios, primeiro-ministro da Justiça da jovem Republica, é distinguido com o título de "filho adoptivo de Fuentevaqueros". Militante do Partido Socialista Operário, com os seus camaradas Indalecio Prieto e Largo Caballero formavam a ala esquerda do Governo Provisório.

A 9 de Maio, Fuentevaqueros pede a abolição da pena de morte no Estado Espanhol e a expulsão das ordens religiosas, que controlavam grande parte da economia espanhola. Por outro lado, na natural mudança das placas toponímicas, foi deliberado que a Rua da Igreja passaria a chamar-se Rua de Federico García Lorca, que ele agradece nesta alocução.

E verdade é que a sugestão de 1929, a da biblioteca popular, transformara-se, entretanto, em obra prioritária da autarquia republicana em 1931. E isso entusiasmava Federico. Conta o irmão Francisco que este discurso foi pronunciado a coberto do sol por uns toldos, rodeado por balancés e barracas de tiro ao alvo da feira de Fuentevaqueros, estando mudos os músicos enquanto Lorca falava. Informa-nos ainda que o produto daquela festa, que metia bailes e verbenas se destinava à biblioteca popular e que a organização era da Juventude Socialista.

Ora esta segunda alocução não a percam, não deixem de a ler, leiam-na em voz alta, aos vossos amigos, aos vossos filhos, que terão gosto em sentir tão maravilhosamente a história do livro, dos livros de pedra aos livros de papel.

Quando conheci este texto, vindo do entusiasmo do Francisco Duarte Mangas, também me empolguei porque, raio de feitio, também acho que um discurso como este vale tanto como As filhas de Bernarda Alba ou qualquer poema. Apesar de ser um texto pequeno, que escapou aos lorquianos até meio século depois da morte do seu autor."

(Foi introduzida uma correcção necessária a um erro de minha responsabilidade:
o nome do poeta é: Federico García Lorca.)

(2 de 4 continua)

25 de Abril - notas pessoais

Independentes e rebeldes


A nossa visão do papel da luta operária e do movimento sindical era muito diferente da perspectiva do PCP. Defendíamos a "auto organização" dos trabalhadores e a emancipação do movimento sindical fora do controle político partidário do PCP ou de qualquer outra formação partidária.

A raiz da nossa concepção da organização operária e sindical bebia da tradição anarco-sindicalista e dos ideais auto-gestionários. As diferenças entre as nossas concepções da vida, da luta de emancipação dos trabalhadores e da organização do Estado, tornaria muito difícil qualquer tentação de aliança estratégica com o PCP e, por maioria de razão, tornava-nos imunes a ser absorvidos pela sua reconhecida vocação hegemónica.

No MES confluíram quadros intelectuais e operários cujos destinos pessoais não eram compatíveis com a submissão a qualquer autoridade. Éramos (e somos!) ferozmente independentes e rebeldes.

Por isso não admira que o MES tenha sido o único Partido, criado na aurora do 25 de Abril, que se extinguiu, por vontade da maioria dos seus militantes, com uma festa.

Nem sequer admira que sejam raros os ex-activistas do MES que tenham, algum dia, aderido ao PCP, ou às teses neoconservadoras, ao contrário do que aconteceu com muitos ex-activistas dos movimentos políticos marxistas-leninistas que se reivindicavam do maoismo.

Anti-autoritários e de esquerda toda a vida...

(8 de 32 continua)

terça-feira, março 23

Um livro de Lorca (I)

O José Viale Moutinho enviou-me, gentilmente, o texto de uma sua apresentação de um livro de Frederico Garcia Lorca intitulado: "ALOCUÇÃO AO POVO DA ALDEIA DE FUENTEVAQUEROS".

O assunto interessa-me, não só pelo autor, e sua obra, como pelo enquadramento político no qual laborou, pelo que decidi divulgar, apesar da sua extensão, em quatro posts, uns excertos deste trabalho de JVM. As escolhas dos excertos são de minha responsabilidade assim como algumas pequenas correcções, de detalhe, ao texto que o autor não levará a mal tenham sido efectuadas e que está sempre a tempo de corrigir.


"Este texto de Lorca devemo-lo ao poeta andaluz, naturalmente, mas a sua descoberta entre nós, ou para nós, é honra e glória de um excelente escritor e jornalista, (…) que, um dia, vai para uns quinze anos, fazendo a ronda das livrarias madrilenas, o Francisco Duarte Mangas, que é dele que falo, encontrou um pequeno livro, aliás numa edição muito bonita de Alocución al pueblo de Fuentevaqueros, combinando o nome de Lorca, que ele já admirava, à surpresa de um seu título novo, titulo este que tinha a bondade dessa maravilhosa expressão "Alocução ao Povo", povo este que era Fuentevaqueros, topónimo arvoradamente rural, tão ao seu gosto.

Pois abriu-o, viu referência a biblioteca popular, naquela aldeia, enfim tudo apelava a que o comprasse. (…)

Então, começamos por saber que Fuentevaqueros é a aldeia natal de Frederico Garcia Lorca. A 21 de Maio de 1929, quando, com retumbante êxito, era representada em Granada a peça de Lorca "Mariana Pineda", a população dos patrícios do poeta decidiu oferecer-lhe um jantar de homenagem.

O alcaide de Fuentevaqueros, Rafael Sánchez, em nome da terra saudou o poeta, seguindo outros dois entusiásticos oradores. Respondeu-lhe Lorca num pequeno texto, que foi publicado apenas num jornal granadino na época e, em 1994, no primeiro tomo das prosas do escritor, reunidas e anotadas por Miguel Garcia-Posada.

Dado que está este texto relacionado com o que aqui se apresenta em volume, entendo traduzi-lo no que se conhece em discurso directo.

É que o jornalista que fez a notícia resumiu a entrada do discurso de Lorca dizendo que "o senhor Garcia Lorca agradeceu a oferta desta homenagem, fazendo um brilhante elogio de Fuentevaqueros. E acrescentou já pela pena do poeta:

E já que estamos juntos, não quero deixar de elogiar a vossa maravilhosa fonte de água fresca. A fonte de água é um dos motivos que mais definem a personalidade desta aldeiazinha. As aldeias que não têm fonte pública são insociáveis, tímidas, apoucadas.

A fonte é o sítio de reunião, o ponto onde convergem todos os vizinhos e onde trocam impressões e arejam os espíritos. A propósito da fonte falam as mulheres, encontram-se os homens, e à beira da água cristalina crescem os seus espíritos e aprendem, não só a amarem-se, como a compreender-se melhor.

A aldeia sem fonte está fechada, como que escurecida, e cada casa é um mundo aparte que se defende do vizinho.
Fonte se chama esta aldeia, fonte que tem o seu coração na fonte da água benfazeja.

Diz a notícia que transcreve esta primeira alocução de Lorca na sua terra, que o orador foi ovacionado. Prossegue a notícia dizendo que Ricardo Rodríguez Garcia leu uma "formosa poesia", também aplaudida, tendo ainda falado Fernando de los Rios e Miguel Molinero.

E diz ainda o anónimo repórter que o alcaide Rafael Sánchez, dando execução a uma proposta de Lorca para criar naquela autarquia uma biblioteca popular ofereceu trezentos livros da sua propriedade. Reparem que isto acontece no penúltimo ano do reinado de Alfonso XIII, um ano e um mês antes de implantada a II República de Espanha.

(1 de 4 continua)

25 de Abril - notas pessoais

O PCP


Ao longo da década de 60 travaram-se duras lutas contra a ditadura. Nessas lutas surgiram novas ideias e novos protagonistas. O PCP tinha estratégia e táctica alicerçadas numa apreciável implantação popular, embora circunscrita ás zonas operárias e rurais do sul. A sua organização clandestina era experimentada tendo mesmo, nas vésperas do 25 de Abril, criado a ARA, organização vocacionada para a luta armada.

O MES nunca aderiu à luta armada embora chegasse a desfrutar de uma razoável implantação nas Forças Armadas. Mas participou em organizações de natureza frentista, vocacionadas para a luta política legal, animadas pelo PCP, a mais importante das quais foi, antes do 25 de Abril, o MDP/CDE e, no período pós-25 de Abril, a "coligação", contra o PCP, apoiante da candidatura presidencial de Otelo, em 1976.

Participei, entre muitas outras iniciativas, com o Víctor Wengorovius, no início da década de 70, em diversas reuniões, numa casa da Av. Duque de Loulé, em Lisboa, com um alto dirigente do PCP, na clandestinidade, para tentar encontrar os caminhos de uma coordenação política entre o embrionário MES e o PCP.

É preciso ter presente que naquela época ninguém pensava ou agia, na oposição política portuguesa, escapando à influência do PCP.

(7 de 32 continua)

segunda-feira, março 22

Guerra à vista?

Parece que vivemos num tempo de assassinos. Um tempo de fanatismo. De todas as cores e credos. A propósito dos acontecimentos, de hoje, na Palestina lembrei-me de uma frase que Albert Camus escreveu no seu Caderno, em plena 2ª Guerra Mundial:

"1 de Setembro de 1943.
Aquele que desespera dos acontecimentos é um cobarde, mas aquele que tem esperança na condição humana é um louco."


Livro incómodo para George W. Bush

Uma notícia da SIC On Line


"Presidente dos EUA tem feito um "péssimo trabalho" na luta contra o terror, revela Clarke

O antigo assessor para as questões de segurança dos EUA, Richard Clarke, veio dizer que George W. Bush não tem lidado da melhor forma com o terrorismo, que ignorou as ameaças da Al-Qaeda antes do 11 de Setembro e que Bush queria ligar Saddam Hussein aos ataques de 2001. Críticas no dia em que é publicado o livro de Clarke "Contra Todos os Inimigos".

A polémica lançada com a publicação do livro de Richard A. Clarke (esta segunda-feira) vem na pior altura para George W. Bush dada a caminhada para as presidenciais de 2 de Novembro deste ano.

Neste livro "Against All Enemies" (Contra Todos os Inimigos), o antigo assessor para as questões de segurança propõe-se contar "a verdade" sobre a guerra ao terror levada a cabo pela Administração Bush. E, de acordo com Richard A. Clarke - que durante 11 anos fez parte do núcleo duro da Casa Branca para a prevenção do terrorismo - a resposta que o actual Presidente dos Estados Unidos tem vindo a dar é "terrível".

Em entrevista à rede de televisão norte-americana CBS, Clarke afirma que Bush ignorou as ameaças da Al-Qaeda antes do 11 de Setembro de 2001, não soube lidar com o terrorismo e revela que, no dia seguinte aos ataques, o líder norte-americano queria, por força, que fossem encontradas ligações entre os atentados terroristas e Saddam Hussein, quando elas não existiam.

- "Revejam tudo, tudo. Vejam se Saddam fez isto
- Mas, senhor Presidente, foi a Al-Qaeda que fez isto
- Eu sei, eu sei, mas... vê se Saddam está envolvido. Procura. Eu quero alguma prova"

Este é um excerto de uma alegada conversa entre George W. Bush e Richard Clarke na noite de 12 de Setembro de 2001 e que vem publicada no livro que hoje chega às livrarias dos Estados Unidos. Mesmo com todos os responsáveis pela segurança a afirmar que os atentados eram da responsabilidade da organização de Bin Laden, o Presidente norte-americano queria mostrar que o então líder iraquiano também estava envolvido.

Em declarações à CBS, Clarke adiantou ainda que no dia a seguir aos atentados, o secretário norte-americano da Defesa, Donald Rumsfeld apelou a ataques de retaliação no Iraque, mesmo sabendo que a Al-Qaeda estava sediada no Afeganistão.

Richard Clarke - assessor para as questões de segurança até Fevereiro de 2003 - diz ter ficado tão espantado que pensou, inicialmente, tratar-se de uma brincadeira.

Em relação à conselheira para a Segurança Nacional, Clarke conta que Condoleezza Rice mostrou-se "céptica" quando foi avisada, no início de 2001, para a ameaça que a Al-Qaeda constituía e pareceu-lhe que ela nunca devia ter ouvido falar naquela organização terrorista.

Clarke critica ainda a resposta dada por Bush aos atentados terroristas de Nova Iorque e Washington e diz ser "revoltante" que o combate ao terrorismo seja uma das bandeiras da campanha eleitoral de Bush, quando ele não soube lidar com o assunto desde o início.

A Casa Branca nega as acusações contra o Presidente e adianta que Richard Clarke entendeu as coisas "de forma errada". A mesma fonte sugere que as alegações de Clarke têm uma motivação política. Ou seja, pretendem prejudicar George W. Bush- que procura a reeleição.

No entanto, Clarke é uma figura respeitada no meio e as suas afirmações, provavelmente, irão causar algum constrangimento à Casa Branca."

Ainda esta semana, o antigo assessor para as questões de segurança será interrogado pela comissão independente que investiga dos atentados de 11 de Setembro.












25 de Abril - notas pessoais


O MES (Movimento de Esquerda Socialista)


Em 1971 o país ainda vivia na esperança de uma solução política para a crise do Estado Novo. Sabíamos que o futuro não podia esperar muito mais. Mas não sabíamos quanto iria ainda durar a ditadura apesar das timoratas tentativas de abertura política de Marcelo Caetano.

O MES (Movimento de Esquerda Socialista) nasceu da confluência de três movimentos que despontaram e ganharam corpo ao longo das décadas de 60 e 70. O movimento operário e sindical, o movimento católico progressista e o movimento estudantil.

A cumplicidade entre um numeroso grupo de activistas que actuavam, com autonomia, contra o regime, nestes diversos movimentos sectoriais, foi sendo reconhecida por alguns de nós o que, a certa altura, desembocou na consciência de que estávamos perante um movimento político informal. Daí até à ideia da sua institucionalização foi um pequeno passo.

Lembro sempre entre os esquecidos criadores do movimento o designer Robin Fior, um estrangeiro em Lisboa. Foi ele que desenhou o símbolo do MES o único, adoptado pelos partidos portugueses, com uma declarada feição feminil; Robin foi também o autor da linha gráfica do jornal "Esquerda Socialista" e concebeu um conjunto de cartazes surpreendentes pela sua ousada modernidade. Quantas horas passadas na sua companhia, e de sua mulher, desenhando uma imagem que ficou gravada, para sempre, na minha memória. Admirável Robin...

(6 de 32 continua)

domingo, março 21

Justiça

Juíza pode mandar repetir todos os actos de Rui teixeira

O "Jornal de Notícias" coloca este titulo na sua edição de hoje que vi na versão on line. A leitura da notícia é muito útil para entender o processo. Muito pedagógico nas vésperas do início da chamada instrução.

DIA MUNDIAL DA POESIA

Os dias evocativos valem o que valem. Mas está bem de ver que a poesia marca um espaço relevante no meu espírito e ocupa uma boa parte do meu tempo livre. Resolvi, aquando da criação deste blogue, nele não publicar senão poesia de outros. E, entre todos os poetas portugueses, vivos ou mortos, o meu preferido é Jorge de Sena. Assim não admira que, neste dia, tenha escolhido publicar um dos poemas mais extraordinários de sua autoria e da poesia portuguesa de todos os tempos.


UMA PEQUENINA LUZ


Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una piccola ... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não iluminam também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui.
no meio de nós.
Brilha.

1950

Jorge de Sena
In Fidelidade (1958)


Ópera "Os fugitivos"


Fui ver "Os Fugitivos" uma ópera original criada por portugueses e falada em português. Quantas vezes na história recente da nossa cultura foi construída uma ópera por encomenda de uma qualquer entidade? Poucas. Raramente e quase sempre só a propósito de grandes eventos nacionais.

Mas esta foi uma encomenda resultante de um projecto de teatro musical e popular que o Teatro da Trindade, através da iniciativa do seu director, Carlos Fragateiro, concebeu e que o INATEL, em tempo oportuno, sob a minha direcção, aprovou.

É um caso exemplar da "pesada herança" socialista assumida, neste caso, pela actual direcção do INATEL. Ainda bem, pois demonstra bom senso e bom gosto. Vamos a ver as cenas dos próximos capítulos…

Gostei da Ópera. Contemporânea. Aderindo aos problemas do nosso tempo. Aberta ao quotidiano. Estruturada e surpreendente nos planos musical e cenográfico. Sem o aparato das grandes óperas de reportório. Mais na linha da "Ópera de Estúdio". Irreverente e criativa. Com alguns bons interpretes. Uma verdadeira lição de como se pode produzir um espectáculo de qualidade com um pequeno orçamento. Muitos apreciadores do género gostariam de ter participado neste aventura. Tive a felicidade de ter participado e tenho muito orgulho nisso. Obra limpa e séria.

Esta Ópera vai ser gravada pela RTP, ao contrário do que aconteceu com o musical "O Navio dos Rebeldes", o que foi uma pena e uma perda. Estes registos são importantes não só para a história como para a divulgação de obras originais que são produzidas à margem dos teatros nacionais....que, aliás, produzem muito pouco.

sábado, março 20

Setembro de 1941

Albert Camus escreveu no seu Caderno, em Setembro de 1941, uma frase cheia de actualidade:

"Organiza-se tudo: É simples e evidente. Mas o sofrimento humano intervém e altera todos os planos"

"In Caderno n.º 3 - Abril de 1939/Fevereiro de 1942"

Parapente em Linhares acabou?



A notícia de que a Escola de Parapente, dirigida por Vítor Baía, vai abandonar a Aldeia Histórica de Linhares da Beira e passar a funcionar em Manteigas é uma realidade.

A imprensa regional
tinha dado relevo a essa possibilidade.


O INATEL promete manter a actividade do parapente em Linhares mas não parece muito convincente.

O Parapente e, em particular, o Open de Linhares da Beira, são uma realidade que representa muitos anos de trabalho sistemático e estruturado. É o desenvolvimento sustentável…na prática.

O Parapente em Linhares acabou?

(A partir de um alerta do Pedro Pedrosa)

sexta-feira, março 19

19 de Março de 1941

Neste dia Albert Camus escreveu no seu Caderno esta frase primaveril:

"Em cada ano, o florir das raparigas sobre as praias. Elas só têm uma estação. No ano seguinte, são substituídas por outros rostos de flores que, na estação maior, ainda eram garotas. Para o homem que as contempla, são vagas anuais cujo peso e esplendor se derrama sobre a areia amarela."

"In Caderno n.º 3 - Abril de 1939/Fevereiro de 1942"

Aborto - uma lembrança

"O acto sexual é para fazer filhos"

Poema de Natália Correia
a João Morgado (CDS)

"O acto sexual é para ter filhos" - disse, com toda a boçalidade, o deputado do CDS, no debate de 1982, sobre a legalização do aborto. A resposta, em poema, fez rir todas as bancadas parlamentares. Veio da deputada Natália Correia:


Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o orgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

NATÁLIA CORREIA
Diário de Lisboa, 5 de Abril de 1982.

25 de abril - notas pessoais


O tempo das ilusões


Depois de concluída a especialidade fiquei a dar instrução militar, o tempo todo, no 2º GCAM, no Campo Grande, em Lisboa. Passaram-me pelas mãos muitas centenas de jovens soldados recrutas aos quais industriei, o melhor que sabia, na área da administração militar. Foram sucessivas "semanas de campo" e incessantes sessões de instrução de tiro na Carregueira. Estas davam-me um prazer especial com excepção do "lançamento de granadas".

Assim correu o tempo, desde meados de Abril de 1972, até ao 25 de Abril de 1974. A minha vida fazia-se entre o quartel e encontros de conspiração com os amigos e activistas que haveriam de confluir no MES (Movimento de Esquerda Socialista). Tinha a cabeça povoada de todas as ilusões que resultavam das leituras libertárias e marxistas, liberais e heróicas, sonhadoras e utópicas de Huxley, Camus, Gramsci, Luckac, Lenin, Marx, Rosa Luxemburgo, Mao, José Gomes Ferreira, Aquilino, António José Saraiva...

As ideias da democracia directa, das comunas, da plena participação popular, tinham-se sobreposto à realidade, bem mais prosaica, da democracia representativa. Os ecos próximos da experiência do Maio de 68, em França, tinha dado asas à utopia de que o caminho para a felicidade se poderia encontrar na revolta contra o poder burguês. O tempo das ilusões...

(5 de 32 continua)

quinta-feira, março 18

18 de Março de 1941

Neste dia Albert Camus escreveu, em plena 2ª Guerra Mundial, no seu Caderno: "Os montes por cima de Argel trasbordam de flores na primavera. O aroma a mel das flores derrama-se pelas ruazinhas. Enormes ciprestes negros deixam jorrar dos seus cumes reflexos de glicínias e de espinheiros cujo percurso se mantém dissimulado no interior. Um vento suave, o golfo imenso e plano. Um desejo forte e simples - e o absurdo de abandonar tudo isto.

"Santa Cruz e a subida através dos pinheiros. O alargamento contínuo do golfo até ao alto de onde a vista se perde sobre uma imensidade. Indiferença - e eu também tenho as minhas peregrinações."

In Caderno n.º 3 - Abril de 1939/Fevereiro de 1942

25 de Abril - notas pessoais

O serviço militar


A minha entrada para o serviço militar deu-se em 7 de Outubro de 1971. Passei à disponibilidade em 4 de Outubro de 1974. Cumpri 3 anos menos dois dia de serviço militar obrigatório. Apesar daquele incidente no dia 16 de Março a minha folha de serviços está impecávelmente limpa.

Como todos os futuros oficiais milicianos, nessa época, fui incorporado em Mafra. Lembro-me, com nitidez, do primeiro dia do serviço militar. Fui no autocarro da carreira com partida de Lisboa. À chegada a inspecção médica, o corte do bigode, pois já tinha antes cortado a barba que, ao longo da vida de adulto, sempre me tem acompanhado.

Seguiram-se três meses de dura instrução. Os meus companheiros mais próximos foram o José Pratas e Sousa e o Raúl Pinheiro Henriques. Na tropa faziam-se fortes amizades e cumpriam-se as regras estritas da instituição militar. Não me desgostou.

No fim da instrução seguiram-se três meses de "especialidade" cumpridos na EPAM, Lumiar, Lisboa. Por ironia do destino nunca fui mobilizado. A conjugação da classificação no curso com a abundância de oficiais do ramo da administração militar fizeram com que não fosse mobilizado para as colónias.

Fui desta forma poupado à decisão dramática que se colocava a muitos que, como eu, tinham assumido uma opção contra a guerra colonial: desertar ou embarcar. Pessoalmente, ainda bem que assim foi. Os meus pais foram poupados à angústia de ver um filho partir para longe de onde podia não mais regressar.

(4 de 32 continua)

quarta-feira, março 17

Música

As notícias acerca do volume de jovens que, em Portugal, abandonam precocemente a escola é preocupante. Sejam os valores apresentados pela UE (quase 50%), ou outros valores mais suaves, é uma situação de emergência nacional.

Não está em causa a estatística mas as vidas que se escondem por detrás da estatística. Os jovens, na maior parte dos casos, abandonam a escola por razões económicas no quadro de situações familiares à beira do limiar da sobrevivência.

Contrariar esta tendência é uma tarefa do Estado, quer dizer, da comunidade. O núcleo essencial para atacar o problema é a escola. A comunidade escolar conhece os problemas dos alunos, as suas dificuldades, as tensões que atravessam as suas vidas concretas.

O combate ao abandono da escola, antes do fim da escolaridade obrigatória, deveria ser considerado um grande desígnio nacional. Assim uma espécie de Euro 2004. Com prazos fatais. E obras emblemáticas. E figuras públicas reconhecidas envolvidas na promoção. Uma campanha a sério com objectivos quantificados e fiscalização da sua execução. Assim uma espécie da campanha, realizada anos atrás, para o uso do cinto de segurança nos automóveis.

Não sei se seremos capazes de planear a médio/longo prazo um projecto de reducção drástica desta hemorragia de recursos que representa o abandono escolar. Seria necessário muita clareza nas medidas e muita determinação e rigor nos procedimentos e nas acções a empreender para as tornar mobilizadoras para toda a comunidade nacional. Não se trata tanto de uma questão de recursos materiais mas de vontade política e de mobilização cívica.

Mas o futuro de Portugal depende de sermos capazes de pôr fim a esta situação anómala de muitas famílias e jovens encararem a escola como uma obrigação que se pode abandonar sem uma fortíssima penalização social. É um projecto que exige uma complexa engenharia de meios financeiros, materiais e humanos. Exige o fim das querelas e disputas entre as instituições que gerem os recursos destinados à formação profissional e à educação. A participação empenhada dos parceiros com papel no terreno: professores, funcionários, sindicatos, associações de pais, autarquias, etc.

Eis uma tarefa gigantesca que exige ambição e vontade de reforma autêntica. O título deste post - música - deve-se ao facto de o ter pensado, inicialmente, para dar notícia que o meu filho, de 13 anos, obteve a nota máxima em mais um teste de música. Uma trivialidade que serve para concluir que o sucesso do processo educativo não passa só pela boa prestação dos alunos nas áreas tradicionais em que assumem papel prepoderante as disciplinas de matemática e português. Atenção às artes, às ciências e ao ensino profissional.

Um debate nacional é urgente. Quem o promove?

ÓPERA

" Os Fugitivos" sobem ao palco do Teatro da Trindade que acolhe, esta quarta-feira, a estreia de "Os Fugitivos", uma ópera em português com libreto escrito por Rui Zink. As récitas vão até ao dia 04 de Abril. Com o objectivo declarado de fazer uma ópera acessível, José Eduardo Rocha e Rui Zink criaram, a convite do Teatro da Trindade, "Os Fugitivos".
Esta notícia tem um especial significado para mim. A ideia de assumir este projecto foi do Carlos Fragateiro, director do Teatro da Trindade, desde 1999. Raros são aqueles que sabem mas o TT é uma estrutura do INATEL.
Quem aprovou a produção desta ópera foi o INATEL quando eu exercia as funções de Presidente da Direcção. Uma ousadia e um risco num país de sacanas onde impera a inveja e a vil baixeza. Felizmente que ninguém foi capaz de atropelar os fugitivos. Este é certamente um espectáculo digno e de qualidade, realizado com poucos recursos.
Onde estão as óperas do Teatro S. Carlos? E o Teatro D. Maria, que é feito?

Aniversário

O Governo ficou, de súbito, muito preocupado com a ameaça terrorista no território português. Ou melhor ficou preocupado com a vitória do PSOE. Os socialistas espanhóis têm na própria sigla um sem número de horrores: PSOE - Partido Socialista Operário Espanhol. Socialista e Operário. Ao fim de dois anos o Governo português tem, certamente, razões para estar preocupado. Mas os portugueses podem ficar descansados. A retoma vem aí. Os Ministros da Administração Interna, da Defesa e da Justiça dão garantias de segurança e o Dr. Delgado, à frente da Lusa, dá garantias de verdade e isenção na informação. Além do mais Portugal não é a Espanha. Aqui quem está no Governo não é o PP, é o PSD. Já repararam?

Soneto VI


De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.

Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça... -Ai quantos que eram novos
em vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade...Ó transfusão dos povos!

Não há verdade: o mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.

Jorge de Sena
In Génesis - Coroa da Terra (1946)

25 de Abril - notas pessoais


Intolerável absurdo


O golpe militar foi a consequência inevitável do predomínio dos ultraconservadores na governação. O Estado Novo, na sua fase terminal, esmagou a "ala liberal" na qual, muitos de nós, tínhamos depositado esperanças de mudança. De facto o grande acontecimento político do século XX português, depois da implantação da República, em 1910, teria sido a transição pacífica da ditadura para a democracia.

Depois da morte política de Salazar o que terá passado pela mente de Marcelo Caetano? Porque não agiu? Por falta de coragem? Por falta de um verdadeira desígnio reformista? A razão de fundo para essa trágica omissão terá sido a política colonial que, desde o início dos anos 60, foi conduzida com o recurso à guerra, em desfavor da negociação com os movimentos de libertação. O regime foi conduzido a um beco sem saída. Os reformistas civis não foram capazes de forjar uma aliança consequente com os reformistas militares.

Ainda hoje está por explicar, por outro lado, o papel da diplomacia das potências ocidentais nesta estranha situação de arrastamento de uma crise que se havia declarado, a partir de 1958, aquando da fracassada candidatura presidencial do General Humberto Delgado. As diplomacias ocidentais, que certamente estavam bem informadas dos acontecimentos em Portugal mantiveram, salvo raras e honrosas excepções, uma plácida e comprometedora inércia, que nem o cruel assassinato de Humberto Delgado desbloqueou. Será possível que os EUA e as potências europeias tenham sido apanhadas desprevenidas pelo 25 de Abril?

Intolerável absurdo!

(3 de 32 continua)

Mudança

Hoje processou-se uma mudança na apresentação do absorto. Três meses depois de ter iniciado a sua participaçãp na blogosfera era tempo de encetar uma mudança de visual. Por outro lado o editor do absorto tinha programado assumir plenamente a sua autoria passada uma primeira fase experimental. Apesar da próxima criação de um blogue colectivo, no qual participarei, e que deverá ser apresentado por alturas do dia 25 de Abril, o absorto manter-se-à com autoria individual. As mudanças vão continuar porque acreditamos que, apesar de todas as resistências, enganos e mal entendidos, a internet é o futuro.
Eduardo Graça

terça-feira, março 16

25 de Abril - notas pessoais

16 de Março - um mau prenúncio


O chamado "Golpe das Caldas" ocorreu a 16 de Março de 1974. Passam hoje exactamente 30 anos.

Cumpria, como Oficial Miliciano, o serviço militar obrigatório no 2º Grupo de Companhias de Administração Militar (2º GCAM), onde hoje está instalada, no Campo Grande, em Lisboa, a "Universidade Lusófona". Depois de conhecidas as notícias do avanço da coluna militar, a partir das Caldas da Rainha, instalou-se uma grande agitação no quartel. Era sábado mas eu estava lá talvez porque estivesse de serviço. Finalmente surgia uma manifestação concreta de revolta militar mas eram notórias as dúvidas e incerteza acerca do destino do golpe.

Pela manhã desse dia recebi ordem do Comandante para recolher ao quarto. Estive preso umas breves horas. Após o golpe ter fracassado, na manhã seguinte, mandaram-me sair. Fiquei aliviado. Iniciava-se, assim, a fase final do verdadeiro e decisivo golpe militar.

Não o podíamos adivinhar mas o "Estado Novo" que, desde a ditadura militar, instaurada pelo golpe de 28 de Maio de 1926, iria perfazer 48 anos, estava a breves semanas do fim. Várias gerações de portugueses viveram toda, ou grande parte, das suas vidas sem conhecerem a cor da liberdade, pesando sobre as cabeças dos conspiradores a responsabilidade de pôr fim ao pesadelo. (2 de 32 continua)

segunda-feira, março 15

As "Esquerdas Terroristas" ("ETs")

Bem me queria parecer que esta coisa das eleições podia dar chatices. É claro que a maioria dos "10 grandes educadores da opinião pública" ficaram tristes com o sentido do voto dos "nuestros hermanos". A democracia, para eles, não está em causa. O problema é a surpresa. O povo vota muitas vezes com o coração. Se a esquerda ganha o povo vota de uma forma impensada. Influenciado pelas más razões. É vingativo. Pouco generoso. A democracia não está educada mas não está em causa. No caso de "nuestros hermanos" este resultado foi uma vitória para os terroristas. A partir deste momento histórico sempre que a direita perder eleições quem ganha não é a esquerda, é o terrorismo! Eis um extraordinário argumento democrático. A associação da palavra esquerda a "terrorismo", tornando socialistas e social-democratas, nas suas diversas formulações no Mundo Ocidental, em "ETs" - "esquerdas terroristas". Tanto mais que na esquerda, que se saiba, são estas formações políticas que ganham eleições. A democracia é, para a direita, um valor absolutamente intocável caso ganhe as eleições. Mas, caso ganhe a esquerda, a democracia passa a ser um subtil instrumento dos desígnios tenebrosos do terrorismo internacional. Eis ao ponto a que chegou o rigor ético do pensamento político dos publicistas da direita. Bem vistas as coisas os 10 milhões e meio de espanhóis que votaram no PSOE são aliados dos terroristas e, nalguns casos, serão mesmo terroristas. Se Kerry ganhar as eleições nos EUA a maioria dos americanos passarão à condição de suspeitos de terrorismo senão mesmo terroristas... Este é o jogo da direita ultraconservadora e da extrema direita para descredibilizar a democracia. Que os "educadores da opinião pública", com passado e, nalguns casos, presente, socialista e social-democrata, caiam nesta armadilha é que espanta e … assusta!

domingo, março 14

25 de Abril - notas pessoais

O passado e o futuro


25 de Abril de 1974. Passaram 30 anos.

Pouco tempo na história de um país. Muito tempo para uma geração. As datas históricas ganham espessura com o passar do tempo. Mas os seus protagonistas não devem apresentar-se como sobreviventes de uma época em que fizeram história. Apesar de todas as vicissitudes, excessos e erros, o 25 de Abril foi o dia da reconquista da liberdade. A data é uma circunstância. Ela identifica o tempo dos acontecimentos.

Este é o primeiro de 32 textos, fragmentos sem cronologia, notas pessoais escritas de memória, com referências a factos, alguns inéditos, que não têm pretensão de escrever história. No Portugal contemporâneo celebrar o 25 de Abril, deveria ser uma oportunidade para debater os grandes desígnios nacionais do presente e do futuro: a reforma da democracia representativa e o reforço da integração de Portugal na Europa. São estes os temas que há que debater a nível nacional.

Não creio que esta celebração seja um contributo relevante para esse debate e para a consolidação e desenvolvimento das extraordinárias conquistas políticas e sociais dos últimos 30 anos. A tendência das celebrações é a de evocar o passado e Portugal precisa, com urgência, de repensar o futuro. Apesar da mentira espreitar, as mais das vezes, nas evocações do passado, realçando o lado mais favorável das nossas próprias memórias, escondendo erros, fracassos e injustiças próprias, que outro acontecimento foi mais importante, no Século XX português, do que o 25 de Abril?

Por isso decidi correr o risco...

(1 de 32 continua)



Eleições em Espanha

Se a participação popular nas eleições for forte será uma vitória para a democracia e para a liberdade. Ganhe quem ganhar. Isso é o mais importante. O terrorismo é uma realidade com a qual a Espanha convive desde há muitos anos. Não é uma novidade nem para os espanhóis nem para ninguém. A Europa não é, nem nunca foi, um paraíso imune ao terrorismo como nos querem fazer crer. Tem havido recentemente atentados na Europa. Desde logo em Espanha através da ETA mas lembremo-nos do assassinato da Ministra dos Estrangeiros Sueca, antes dela, do líder do partido de extrema-direita holandês, ou antes ainda Olof Palme e lembremo-nos dos atentados em Itália e da situação na Irlanda…É um assunto abordado por pensadores, políticos e artistas desde há muitos séculos. O cinismo e a mentira também não são novidade na política e na diplomacia. A propósito de atentados, como o de 11 de Março em Madrid, mais vale não acreditar no que afirmam os governos, em particular, em véspera de eleições. Mas, em qualquer circunstância, os povos têm direito a saber a verdade e os governos democráticos a obrigação de lhes dizer a verdade..

sábado, março 13

25 de Abril - notas pessoais

As 32 notas pessoais que publicarei, a partir de 2ª feira, dia 15 de Março, sob o título "25 de Abril - notas pessoais", podem ser desenvolvidas no futuro. Depende exclusivamente da minha vontade. Nunca nada está encerrado na nossa memória mas a memória individual não é eterna. Como disse Camus "Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos." Concordo plenamente. Resta sermos justos no exercício da nossa liberdade de expressão.

As notícias que se fazem…

Madrid - ainda os cadáveres das vítimas dos atentados de dia 11 não estavam todas identificadas e já a diplomacia espanhola dava orientações para todo o mundo para que os embaixadores tomassem a iniciativa de divulgar que tinha sido a ETA. Não acreditar em nenhuma informação...venha de onde vier.

Construção Civil - o sector da construção civil em Portugal apresentou, em 2003, o pior desempenho entre todos os países da EU. A construção civil é um bom barómetro da situação económica e esta notícia confirma a recessão de 2003. No entanto a primeira página do Expresso apresenta um mapa com uma análise comparativa de Portugal com as regiões de Espanha, simulando a Ibéria, e uma foto do Santana Lopes a ser recebido pelo Papa.

Aparição



Vens á tardinha, pousas a meu lado,
e a tua voz murmura como um canto...
Ondeia em névoas de astros o teu manto...
É um clarão do Além teu vulto alado!

Ergues mãos as rosas do Passado,
que ao seio apertas, lacrimosa, - enquanto
elas derramam úmidas de pranto,
o sangue dum amor crucificado...

Jardim lilás e oiro, a tarde finda,
toda a esfolhar-se em luz crepuscular...
Vens quando é noite já, e dia ainda...

Vens de enigma desta hora entercida,
quando a tarde é um beijo a soluçar,
- um beijo em pranto, como a nossa vida!

Bernardo de Passos



sexta-feira, março 12

Uma notícia com significado

O PÚBLICO noticia que "Numa circular enviada ontem às embaixadas de todo o mundo a Chefe da diplomacia espanhola instruiu embaixadores a defender tese da ETA.
A ministra dos Negócios Estrangeiros espanhola, Ana Palacio, enviou ontem uma circular aos embaixadores de Espanha, instruindo-os a defenderem a tese de que a ETA foi a autora dos atentados de Madrid, noticia a rádio Cadena Ser, que diz ter tido acesso a uma cópia do documento."

Tudo é possível com respeito á autoria dos atentados mas estas certezas, como já antes se provou, são muito duvidosas.

25 de Abril - notas pessoais


A partir de 2ª feira, dia 15 de Março, terá início a edição de 32 posts, sob o título "25 de Abril - notas pessoais", referindo acontecimentos em que o próprio editor do absorto participou.
.

Um soneto de Camilo Pessanha



Floriram por engano as rosas bravas
No inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...

Em redor do teu vulto é como um véu!
¿Quem as esparze - quanta flor! -, do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?



quinta-feira, março 11

IMIGRAÇÃO, REALISMO E POPULISMO - III

A Igreja, em Portugal, tem abordado a questão da imigração com frontalidade e coragem. D. Januário Torgal Ferreira, face ao discurso que identifica "os imigrantes com o espectro do desemprego dos portugueses", diz o essencial: "essa lógica restritiva é de pessoas que não conhecem o terreno..." e crítica os que se intitulam de cristãos (nos partidos do governo) afirmando que "esperava que aparecessem igualmente com a capacidade de utopia e de exigência que faz parte dos critérios do Evangelho".
Por sua vez o Presidente da CIP, Francisco Van Zeller, em entrevista, ao Diário Económico, de 29 de Janeiro passado, referindo-se à quota de 6.500 imigrantes, que o Governo estabeleceu para 2004 deu uma resposta elucidativa: "Ninguém faz caso dela, porque os imigrantes vão continuar a entrar ilegalmente e as empresas a empregá-los."
O que os números revelam é que estamos perante uma questão estruturante que condiciona a viabilidade do desenvolvimento económico e social da União Europeia e dos países que a constituem.
Por outras palavras toda a gente compreende que esta é uma questão em que o realismo é inimigo do populismo cujo discurso radical encobre, e favorece, a imigração clandestina, abre as portas aos sentimentos xenófobos e ao enfraquecimento das políticas de integração social das comunidades imigrantes.


Madrid - 11 de Março de 2004

Pelas 8,30 da manhã de hoje, 7,30 de Espanha, senti uma sensação de forte angústia, ao tomar o pequeno-almoço, no sítio habitual. Senti-me mal. Há muito que não tinha a visita deste tipo de sensação. Certamente uma mera coincidência. Mas exactamente à mesma hora, pois consultei o relógio, estavam a rebentar as bombas em Madrid. O terrorismo não tem ideologia. É sempre um fenómeno que favorece a tirania. Resta saber, neste caso, ao certo, quem foram os autores. Se existem ligações directas com a "guerra santa" e o apoio de Espanha à intervenção norte americana no Iraque. Ou terá sido a ETA, como afirmam as autoridades espanholas? As palavras de condenação são unânimes. Ninguém pode ficar de fora do protesto e da condenação deste tipo de actos. Mas estão as forças da direita ultra-conservadora, no poder em muitos países, como os EUA e Espanha, na melhor posição para travar um combate bem sucedido ao terrorismo? Acendo uma vela para que Kerry vença nos EUA. Posso estar enganado mas tenho a intuição de que a segurança no mundo ia melhorar
A notícia na sua brutalidade diz tudo.
"Atentado em Madrid faz 186 mortos e mais de 1.000 feridos, aponta novo balanço

Pelo menos 186 pessoas morreram e mais de 1.000 ficaram feridas nos atentados bombistas perpetrados hoje em comboios de Madrid e atribuídos à ETA pelo Ministro do Interior espanhol, Angel Acebes.
Segundo Acebes, os explosivos - 13 no total - usados nos atentados são do tipo normalmente utilizado pela organização separatista basca."


quarta-feira, março 10

IMIGRAÇÃO, REALISMO E POPULISMO - II

A imigração é efectivamente responsável pelos saldos demográficos positivos em todos os países. A posição destacada da Irlanda explica-se pelo facto deste país apresentar um indicador de "crescimento natural" muito elevado ao contrário de Portugal (0,9) e de Espanha (1,7).
A Irlanda é, aliás, o país da EU que apresenta indicadores de crescimento da população mais encorajadores para uma estratégia de desenvolvimento sustentada adoptando, ao mesmo tempo, políticas de imigração menos restritivas.
O estudo "CONTRIBUTOS DOS IMIGRANTES NA DEMOGRAFIA PORTUGUESA" é explícito: "Para que o número de pessoas em idade activa por pessoa idosa mantivesse níveis idênticos aos observados em 2001, (...) seria necessário observar-se, de 2001 a 2021, um saldo migratório anual em Portugal de +188.000 efectivos".
Um saldo migratório tão elevado é um sinal de que não é realista pensar que o envelhecimento possa ser travado exclusivamente à custa de saldos migratórios positivos.
Mas as políticas de imigração têm de ser flexíveis, de modo a que afastando o modelo de "portas abertas", que ninguém de bom senso defende, permitam que os países beneficiem das vantagens da imigração, em particular, favorecendo a inversão da tendência de diminuição dos efectivos nas idades jovens e activas.
De facto, em todos os países, os estudos contrariam as orientações políticas restritivas, facto para o qual veio hoje chamar a atenção o Comissário Europeu António Vitorino.
UM ESTUDO RECENTE, divulgado na Irlanda, assinala, por exemplo, que a Irlanda necessitará de cerca de 300.000 licenciados, entre 2001 e 2010, dos quais 100.000 serão imigrantes dos países do leste. Tal situação deve-se ao facto de ser previsível, na Irlanda, até 2010, uma diminuição de 15% no número de jovens entre os 15 e os 24 anos.
(continua)


terça-feira, março 9

PORTO

Grande Porto! Os Ingleses receberam uma lição que bem mereceram. A sua arrogância é insuportável e foi-lhes fatal. O FC Porto é uma preciosidade na promoção de Portugal na Europa e no Mundo. Vencedores, não é?

IMIGRAÇÃO, REALISMO E POPULISMO - I

Portugal já foi um país de emigração mas hoje é um país de imigração e será, no futuro, um país de imigração. A imigração não é uma questão de opção ideológica, de modelo económico ou de estratégia política. É uma realidade objectiva que resulta do envelhecimento demográfico. O que não quer dizer que acerca desta realidade não se perfilem diversas opções ideológicas, económicas ou políticas. Este é um assunto, aliás, onde se exercitam as tendências populistas dos partidos ultraconservadores. O EUROSTAT aponta para Portugal, em estimativa, uma população, em Janeiro de 2004, de 10.840.000, comparável com 10.408.000, em Janeiro de 2003. Observa-se um saldo demográfico positivo mas que se fica a dever à imigração. Esse saldo é o resultado da relação entre o crescimento natural em 2003 (diferença entre o n.º de nascimento e o n.º de mortes) que foi de 0,9 p/ mil habitantes e a migração líquida (diferença entre o n.º de imigrantes e o n.º de emigrantes) que foi de 6,1 p/ mil habitantes.
É interessante assinalar que, em 2003, a média do crescimento total da população, na EU, foi de 3,4 p/mil habitantes. A Irlanda é o país que apresenta o crescimento da população mais elevado, com 15,3 p/ mil habitantes, seguido da Espanha (7,2) e de Portugal (6,9).
(Continua)

25 de Abril - Comemorações

A notícia foi dada por um responsável governamental. O 30º Aniversário do 25 de Abril terá como lema a palavra "EVOLUÇÃO". Vejam como o prestigiado "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea", da Academia das Ciências de Lisboa, define "EVOLUÇÃO" e "REVOLUÇÃO":

EVOLUÇÃO

"Processo de transformação gradual que se opera ao longo de determinado período de tempo."

REVOLUÇÃO

"1. Acção de realizar mudanças profundas; acto ou efeito de revolucionar. (...) 2. Levantamento armado contra a autoridade, a ordem estabelecida. (...) 3. Movimento de caracter insurreccional, com o objectivo de instaurar uma alteração profunda no quadro político e institucional que pode conduzir à queda do regime."

Está claro que o 25 de Abril foi uma "EVOLUÇÂO"!

segunda-feira, março 8

Fecho de telejornal

Hoje, 2ª feira, o pivot do Telejornal da RTP, das 20 horas, anuncia uma reportagem com a chegada a Portugal dos medalhados dos Mundiais de Atletismo de Pista Coberta. Era a última notícia. A reportagem não entra e o pivot fecha, apressadamente, o Telejornal. A seguir entra o programa diário acerca do Euro 2004. Uma omissão vergonhosa…

União Europeia precisa de imigrantes

"A maioria dos europeus considera que os imigrantes são necessários em alguns sectores da economia, revela um eurobarómetro, publicado hoje pela Comissão Europeia. A sondagem mostra que 62 por cento dos portugueses considera que os imigrantes são necessários e 81 por cento admite que os que estão legalizados deviam ter os mesmos direitos que os cidadãos nacionais.
Os inquiridos apoiam as políticas europeias de asilo existentes e defendem que estas deviam ser iguais em todo o espaço comunitário. Nove em cada 10 europeus gostariam que houvesse uma cooperação judicial em matéria civil e familiar, ou seja, que questões relacionadas com o divórcio ou a custódia dos filhos fossem reconhecidas em toda a União Europeia. A sondagem foi realizada entre 8 e 16 de Dezembro e ouviu 7500 pessoas em todo o espaço comunitário".

Luís Salgado de Matos,

hoje no PÚBLICO, deixa cair esta frase: "Nos últimos anos adquirimos os hábitos dos ricos e conservámos os recursos dos pobres. Ganhámos vícios sociais demasiado caros para a nossa bolsa. Símbolo deste desequilíbrio é o aumento paralelo do desemprego e da imigração: os nossos desempregados acham que os postos de trabalho disponíveis estão abaixo deles". Há uma relação directa entre o aumento da imigração e o aumento do desemprego? Não está provado. Há um efeito perverso das regalias sociais na disponibilidade para aceitar ofertas de trabalho? Nalguns casos certamente. Mas será essa a regra? Não parece que estejamos à beira de constituir os desempregados como delinquentes potenciais. A tese das correntes da direita ultraconservadora associa desemprego com imigração e imigração com insegurança. Mas a maior parte dos estudos sérios não confirmam as teses da direita ultraconservadora. O ocidente precisa dos imigrantes na justa medida em que não consegue promover a reposição das gerações: é a questão demográfica; o ocidente não consegue dispor de uma massa crítica de mão de obra disponível capaz de assegurar o funcionamento da economia: é a questão económica. As sondagens podem ser discutíveis mas os estudos disponíveis, dos quais indiquei ontem alguns, são elucidativos do erro das posições radicais em matéria de imigração.

domingo, março 7

Imigração - para compreender a questão

Para os interessados na questão da imigração é útil ver uma notícia de hoje, domingo, no PÚBLICO referente à estratégia da extrema-direita face ás políticas de imigração na EU; reflectir acerca de um ESTUDO IRLANDÊS acerca das necessidades de licenciados, até 2010, naquele país e reflectir também nas conclusões do ESTUDO PORTUGUÊS: "Contributos dos Imigrantes para a Demografia Portuguesa".

Naide

Tenho acompanhado o seu percurso desportivo. Naide Gomes pareceu-me logo estar destinada a grandes feitos. Mas tudo podiam não passar de falsas expectativas. Ás vezes acontece não se confirmarem os talentos quando a competição começa a ser muito exigente. Mas neste caso temos seguramente uma campeã. Isto sim é uma bênção para qualquer país. Ainda por cima encanta o seu sorriso. Os seus gestos técnicos parecem perfeitos. A alta competição não a intimida. O seu corpo jovem promete estar muito longe de ter atingido a maturidade. Campeã do mundo do pentatlo é mais do que ser uma campeã qualquer. O pentatlo é uma prova que exige muita capacidade técnica. É diferente de uma maratona ou de uma corrida de fundo. Deveria ter enchido com a sua imagem as primeiras páginas dos jornais e preenchido longamente as aberturas dos telejornais. Mas não é muito popular! Ainda se fosse o Avelino…ou uma denúncia escandalosa.

sábado, março 6

A lista PS e a sua cabeça

Vejam este caso singular. Desta vez, com invejável distância e profissional rigor, o PS escolheu a sua lista às eleições europeias. Tudo foi feito e apresentado publicamente nos conformes. O Dr. Sousa Franco nem sequer é militante do PS. Até o director do Expresso que, nos últimos tempos, mais parece um "valium 10" fora de prazo, vem hoje reconhecer que o homem escolhido para encabeçar esta batalha pelo PS é de alta categoria, uma mais valia para o PS e, deduz-se, um contributo válido para a qualidade do debate político em Portugal. Mas nota-se uma reacção na opinião publicada de perplexidade pelo facto, imagine-se! de a lista escolhida ser boa demais. Assim os bons dirigentes do PS, participando nas eleições europeias, estariam a abandonar o barco. Por outro lado, dizem que o líder elevou a fasquia demais quando anunciou que quer ganhá-las. Ora para ganhar um "campeonato" tem de se ter uma boa equipa e, no PS, ninguém perdoaria ao líder se não entrasse para o ganhar. E ganhando-o, está bem de ver, ninguém estará em condições de pedir a cabeça do líder. Para "tramar" o líder teria de ter acontecido tudo ao contrário: Sousa Franco não ter aceite ser cabeça de lista e os melhores dirigentes do PS serem afastados de a integrar gerando profundas divisões internas. Nada disso aconteceu e o PS pode, além do mais, apresentar-se ao povo português como um partido que valoriza a questão europeia. O mesmo não poderá dizer o PSD ao ser "obrigado" ao embaraço de fazer uma coligação com o PP.

sexta-feira, março 5

SONETO POR OCASIÃO DA ASCENSÃO
DOS DOIS AERONAUTAS
MR POITEVIN E UM JUMENTO
NO PORTO, A 23 DE AGOSTO DE 1857


Intrépido francês! - Bem mal conheces
A terra onde aumentar tentas a glória!
Não deixarás aqui longa memória,
Nem aplausos terás - que os não mereces!

Se, um burro ao ar erguendo, te engrandeces,
Lá na França, onde tens fama notória,
Basta que esse país te dê na história
O lugar que te deve, e que apeteces:

Embora um asno aqui suba contigo,
Só porque vais com ele, exposto aos ventos,
Entre essas multidões achas abrigo:

Vai mais longe mostrar os teus inventos,
Que é costume, no Porto, muito antigo,
Subirem, mais que os homens, os jumentos.

epigrama


Um sujeito, em mim atento,
ver um mau homem, dizia.
- Reflectiam, como espelhos,
certos botões que eu trazia.

outro epigrama


Certo adorador de Baco
mandou fazer seu retrato
por afamado pintor.
para adorno de uma casa
de que ele era benfeitor.

"Percebo - lhe diz o artista
com afectados carinhos -
"Quer colocá-lo na sala
da Companhia dos Vinhos!"

de:
SÁTIRAS, de Faustino Xavier de Novais. Organização e prefácio de José Viale Moutnho. Lisboa: Ulmeiro, 1998.

(Poemas gentilmente enviados por José Viale Moutinho)






quinta-feira, março 4

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha


Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...


FLORBELA ESPANCA (1894-1930)


Envelhecimento activo

O envelhecimento activo é um dos grandes desafios do mundo ocidental para os próximos decénios. Uma utopia que assumiu a forma de objectivo colocado pela "Estratégia de Lisboa" sendo uma das primeiras prioridades da EU. O objectivo é atingir 50% de taxa de emprego, até 2010, para as pessoas do grupo etário dos 55 aos 64 anos. A taxa actual é de 40,1%. Este é um assunto politicamente relevante. Trabalhar até mais tarde, em boas condições físicas e mentais, é um sinal de progresso. Não é um objectivo conservador. Tem coerência social e económica num contexto de forte envelhecimento demográfico. Este é, nos nossos tempos, um dos maiores desafios de qualquer política progressista. Quem trata desta questão a sério no nosso País?


quarta-feira, março 3

Assoprando o lume do populismo

Sousa Franco

não presta para candidato às europeias pelo PS porque tem passado. É o que deixam no ar algumas opiniões publicadas. Por enquanto aludem, ao de leve, aos males de um passado que, pelo simples facto de existir, é em si mesmo um perigo. A "pesada herança" volta sempre à tona. Mais tarde virão, em força, as notícias desses males. O passado, em democracia, tornou-se um cutelo sobre a cabeça dos cidadãos que aspirem à participação cívica e política. O passado do primeiro governo do PS começa a ser um bocado longínquo. Governante ou gestor, público, semi-público ou privado, com experiência, desde que tenha passado, não presta. Mas será possível encontrar algum candidato, cidadão experiente, que não tenha passado? O PSD arrisca embarcar nesta dança perigosa. O populismo empurra a opinião pública para a depreciação ou excomunhão dos políticos experientes ("são todos iguais!") e estimula a veneração dos "impolutos salvadores da Pátria". No posicionamento dos partidos acerca do

"aborto"

avulta, pelo avesso, a mesma questão. Desta vez não é a opinião publicada mas alguns deputados do PSD que votam ao contrário das suas declaradas convicções políticas. "Estou de acordo, por isso voto contra!", ou seja, colocam a democracia no fio da navalha. Abrem o caminho à volúpia populista que tudo faz para minar a credibilidade das instituições democráticas. A direita radical exulta e a confiança do povo na democracia esmorece.

terça-feira, março 2

ESTRATÉGIA DE LISBOA

Teresa de Sousa escreveu hoje no Público um importante artigo sob o título: "Um Relatório aterrador e uma sala quase vazia". Já abordei, diversas vezes, este mesmo tema.
Não posso estar mais de acordo.

IMIGRAÇÃO

Estudo da UE

Um Estudo da União Europeia aponta para que, mesmo em caso de adopção de um modelo de plena livre circulação, os fluxos migratórios provenientes do conjunto dos 10 novos Estados aderentes para o conjunto dos 15 Estados membros actuais, ao longo dos próximos 5 anos, representariam cerca de 1% da população activa dos novos Estados da EU, ou seja, 220.000 pessoas, por ano, num universo de 450 milhões de habitantes da EU. Mostra-se assim como são infundados os receios de que venha a ocorrer uma "invasão" dos 15 actuais Estados membros por imigrantes provenientes dos 10 novos países aderentes.

Serra da Estrela

O post "Venha a Portugal" inserido hoje no blog da Direcção da Associação de Estudantes de Direito da Nova, cujo tema me interessa, suscita-me um comentário.

A Serra da Estrela tem sido um lugar de equívocos no que respeita à sua vocação turística. Desde há anos que alguns responsáveis da Região de Turismo e de outras entidades querem tornar a Serra da Estrela um destino turístico "de neve". Essa estratégia tem tido múltiplos desenvolvimentos e diversas associações de interesses. Mas há um pequeno problema: a Serra da Estrela não tem neve com abundância, previsibilidade e durabilidade. Para tornar a estratégia "destino neve" ainda mais absurda os pontos mais altos da Serra não são dotados de acessos que correspondam às expectativas dos visitantes nos poucos dias em que neva. Os autênticos destinos de neve, atraentes para os portugueses, estão fora de Portugal. Estão, para não ir mais longe, em Espanha. São destinos previsíveis, pois há sempre neve, e acessível em termos de distância e de preços. A Serra da Estrela, no contexto da Beira Interior, pode ser um magnífico destino turístico de Inverno no qual a neve é um factor complementar de atracção. O que existe, em permanência, na Serra da Estrela são a paisagem, as gentes e a gastronomia. A única estratégia turística, com viabilidade e rentabilidade, a desenvolver na Serra da Estrela, é a que assentar na natureza - "turismo em espaço rural", com alojamento qualificado e diferenciado, caminhos e "rotas", homologadas e seguras, para percorrer a pé, de bicicleta e em veículos todo-o-terreno, desporto aventura, termalismo, gastronomia...O desenvolvimento de uma estratégia de promoção da Serra da Estrela, a nível nacional e internacional, por outro lado, só será viável no contexto de uma região mais vasta: a Beira Interior. Em síntese: a Serra da Estrela não tem "massa crítica" para ser um "destino de neve" mas, no contexto da região da Beira Interior, é um destino de Inverno com imenso potencial.

segunda-feira, março 1

PRESIDENTE EUROPEISTA
A intervenção do Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, a que me referi num post anterior, foi proferida na Sessão de Abertura do Seminário: "QUE PORTUGAL NA NOVA EUROPA ?", organizado pelo Conselho Económico e Social, na Assembleia da República, em 27 de Fevereiro de 2004. Agora disponível, na íntegra, no site oficial da Presidência da República.

Faro Cidade desfigurada


Visitei este fim-de-semana uma cidade desfigurada. A minha cidade de Faro.

O processo de destruição é antigo. Mas acelerou nos últimos anos. A cidade foi desfigurada pela mistura de todos os géneros de prédios, fachadas, estilos e materiais. Em compensação podia ter-se desenvolvido uma nova dinâmica, em particular, através da preservação da "baixa alargada". Não foi assim. A cidade está desfigurada. Não se trata de ser contra a construção e sabemos que alguns responsáveis pelo gestão da cidade se preocuparam. Mas o panorama que se pode observar é um desastre. Não é possível aceitar que se não cumpram as regras mínimas nas intervenções urbanas. Parece que passou por ali uma "guerra civil" que feriu a cidade de morte. E a destruição continua. Observei, este fim-de-semana, demolições de prédios tradicionais. As poucas vivendas que resistem são aprisionadas por construções em altura. As casas antigas, com qualidade (outras existem sem interesse arquitectónico) são emparedadas, isoladas, privadas da luz do sol, cercadas pela especulação que abocanha o território sem piedade. As modernas zonas verdes são escassas e descuidadas e os tradicionais quintais desapareceram. O comércio mal sobrevive na paisagem desoladora da "baixa", com pouca animação e quase deserta de gente e de bulício. As grandes superfícies comerciais, criadas nas antigas hortas dos arrabaldes, são um atractivo mas não acrescentaram cidade à cidade. O cais industrial está abandonado à extracção de areias, as obras meritórias, como a Biblioteca Municipal, parecem escondidas e desvalorizadas. As novas obras, em curso, são projectos antigos e sobredimensionados. A eventual "Capital da Cultura", em 2005, pode dar visibilidade à cidade mas não acode aos seus verdadeiros problemas de fundo. O que falta é uma ideia clarividente e mobilizadora para a regeneração da cidade. Creio que muitos ainda acreditam que o progresso não é destruição, horror urbano e pura especulação.