Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quarta-feira, maio 25
MERGULHO
“Foto de António José Alegria, do amistad”
Escrevo pouco depois do anúncio das medidas de combate ao deficit sem conhecer ainda os seus detalhes. O deficit é, em termos simples, o “gap” entre as despesas e as receitas do Estado. É um clássico das finanças públicas e, em Portugal, um tema antigo.
Em 1928 num célebre discurso de tomada de posse, como ministro das finanças, Salazar já abordava o tema do deficit anunciando, em plena ditadura militar, a ditadura das finanças, prenunciando a ditadura que havia de perdurar até ao 25 de Abril de 74. Salazar dispôs de 46 anos (!) para, em ditadura, consolidar as contas públicas.
Hoje vivemos em democracia integrando o espaço da União Europeia. O anúncio das medidas de combate ao deficit não podem deixar de levar em conta essa realidade e são, aliás, um resultado do cumprimento de regras ditadas por essa mesma UE.
Sócrates dispõe, na prática, de 3 anos para reduzir o défice em 3,83%, ou seja, cerca de 1,27% por ano. É um esforço brutal, mas inevitável, para um país que quer pertencer a uma comunidade de nações democráticas como a UE.
Outra questão é o modo de promover, planear e executar as medidas de redução do deficit, ou seja, a questão política propriamente dita. Aqui é que vale a pena fazer incidir a nossa atenção.
Em democracia os sacrifícios que se pedem aos cidadãos, para serem exequíveis, carecem de ser assumidos pela maioria como necessários e inevitáveis. Todos os que conhecem um pouco de história sabem que é assim.
O Presidente Roosevelt, por exemplo, demorou anos a preparar a opinião pública americana antes de tomar a decisão, que sabia inevitável, de fazer os Estados Unidos entrar na Segunda Guerra Mundial.
Aliás a história da liderança da América por Roosevelt, após 1932 até à sua morte, imagine-se (!) em 1945, é notável.
As decisões que exigem sacrifícios aos povos têm que ser assumidas colectivamente, serem concentradas no tempo, comunicadas de forma determinada e convincente, não perderem de vista a equidade e tocarem a corda sensível de um valor, um pouco em desuso, que se chama patriotismo.
Vamos ver se as políticas que vão ser anunciadas apontarão no caminho certo, ou seja, se os sacrifícios exigidos à comunidade serão assumidos por todos e por todos suportados.
DÉFICIT
Ainda em busca na net de notícias acerca das medidas anunciada pelo PM - que tardam em aparecer mesmo na Lusa - deparo com este extraordinário post no INCURSÕES.
"Seisvirgulaoitentaetrês
Acompanhei esta manhã a visita do Senhor Ministro da Justiça a um dos centros de reeducação de menores, geridos pelo IRS (...não, é o outro, o Instituto de Reinserção Social).
O Centro conta com modelares instalações, nas quais não faltam piscina e picadeiro e estábulo com vários cavalos, para aulas de equitação. Nele trabalham 31 funcionários administrativos, de todas as categorias, desde director e sub-director a tratador de cavalos. Para além destes 31 administrativos, conta ainda com a indispensável colaboração de 9 professores, médico e até um sacerdote, embora estes últimos não trabalhem ali a tempo integral.
Ao todo são mais de 50 (cinquenta) funcionários e prestadores de serviços que, diariamente, ali labutam de forma esforçada, em prol da reinserção social de jovens que, por uma razão ou por outra, se desviaram das normas sociais estabelecidas ou, como dirá o sacerdote, que pecaram.
Um último pormenor: estão internados neste centro 9 (nove) jovens."
"Seisvirgulaoitentaetrês
Acompanhei esta manhã a visita do Senhor Ministro da Justiça a um dos centros de reeducação de menores, geridos pelo IRS (...não, é o outro, o Instituto de Reinserção Social).
O Centro conta com modelares instalações, nas quais não faltam piscina e picadeiro e estábulo com vários cavalos, para aulas de equitação. Nele trabalham 31 funcionários administrativos, de todas as categorias, desde director e sub-director a tratador de cavalos. Para além destes 31 administrativos, conta ainda com a indispensável colaboração de 9 professores, médico e até um sacerdote, embora estes últimos não trabalhem ali a tempo integral.
Ao todo são mais de 50 (cinquenta) funcionários e prestadores de serviços que, diariamente, ali labutam de forma esforçada, em prol da reinserção social de jovens que, por uma razão ou por outra, se desviaram das normas sociais estabelecidas ou, como dirá o sacerdote, que pecaram.
Um último pormenor: estão internados neste centro 9 (nove) jovens."
terça-feira, maio 24
ANTÓNIO GUTERRES
Escultura no Aeroporto de Faro - Foto de Marg. Ramos
Eh pá! O Guterres já lá vai! para “Alto-comissário da ONU para os refugiados”
Este é o site do ACNUR em português. No site do ACNUR, em inglês, já é dada a notícia da escolha de Guterres. Veja aqui.
Com que então Freitas do Amaral seria um mau Ministro dos Negócios Estrangeiros? Blá, blá, blá ... Então esta não é também uma vitória da diplomacia portuguesa?
CHINA BELA
"Blue" Kuang Jian 2000 [Oil on canvas 56" x 42"]
Kuang Jian was born in 1961 in Hefei City, Anhui province. He began studying art privately in 1974 and in 1979 was accepted into the Academy of Arts of the People's Liberation Army, Beijing. Since his graduation in 1983 he has been an art director for the Army Day Movie Studio, Beijing. He was awarded the Bronze prize at the Seventh National Exhibition in 1989 and has participated in shows in Australia, Hong Kong, Taiwan, Japan and Germany. He currently resides in Beijing.
Ver Aqui
(Das andanças de Marg. Ramos pela China)
6,83%
Há muito tempo que existia a convicção de que, em Portugal, o orçamento de estado para 2005 era, de facto, uma fraude. Há muito tempo que algumas pessoas vinham avisando para o embuste da orientação política de Santana Lopes, Paulo Portas e Bagão Félix.
Apuradas as contas, com verdade e competência, pela Comissão Constâncio, ainda sem considerar as autarquias e as regiões autónomas, o deficit apurado, para 2005, atinge 6,83 %. O mais alto de todos os países da UE e mais do dobro daquele que foi apresentado pelo ex-ministro das finanças Bagão Félix.
Talvez agora alguns altos responsáveis políticos, assim como influentes fazedores de opinião, disponham de dados suficientes para avaliar da seriedade e competência políticas de Bagão Félix. E possam compreender o verdadeira alcance de alguns episódios do seu magistério político nos governos que integrou. Ou ainda não é suficiente?
Vejam só esta pequena amostra que o DN hoje apresenta.
“No orçamento apresentado por Bagão Félix faltava dinheiro para pagar salários dos funcionários públicos, pensões dos reformados, subsídios de desemprego, facturas com a saúde...
(…)
Nas pensões, as verbas destinadas aos aumentos anunciados pelo Governo de Santana Lopes não estavam orçamentadas, "em virtude de não ter sido considerada a actualização das pensões", explica o relatório Constâncio.
Veja-se o que se passa nas contas da Segurança Social, onde as receitas e as despesas são irreais. Para pagar reformas e subsídios de desemprego, faltam 598,8 milhões de euros. Ou seja, grosso modo, falta metade da verba anual para pagar aos desempregados.
As receitas da Segurança Social foram de tal maneira empoladas que existe um excedente de 189 milhões de euros, no OE para 2005 e assinado por Bagão Félix. Pois bem, agora a Comissão Constâncio corrigiu, apurando um défice de 598 milhões de euros. Na frente dos cuidados sociais, não é tudo.
Na Caixa Geral de Aposentações (CGA), a segurança social dos funcionários públicos, faltam 228,3 milhões de euros.
(…)
Na Saúde, a hemorragia orçamental é difícil de estancar o défice atinge uma profundidade de 1,772 mil milhões de euros, o suficiente para ordenar a construção de uma outra ponte sobre o Tejo. Bagão Félix tinha previsto um défice de 259,7 milhões de euros, mas agora a Comissão Constâncio refez as contas e apurou que afinal o Governo necessita de mais 1,51 mil milhões de euros.”
Apuradas as contas, com verdade e competência, pela Comissão Constâncio, ainda sem considerar as autarquias e as regiões autónomas, o deficit apurado, para 2005, atinge 6,83 %. O mais alto de todos os países da UE e mais do dobro daquele que foi apresentado pelo ex-ministro das finanças Bagão Félix.
Talvez agora alguns altos responsáveis políticos, assim como influentes fazedores de opinião, disponham de dados suficientes para avaliar da seriedade e competência políticas de Bagão Félix. E possam compreender o verdadeira alcance de alguns episódios do seu magistério político nos governos que integrou. Ou ainda não é suficiente?
Vejam só esta pequena amostra que o DN hoje apresenta.
“No orçamento apresentado por Bagão Félix faltava dinheiro para pagar salários dos funcionários públicos, pensões dos reformados, subsídios de desemprego, facturas com a saúde...
(…)
Nas pensões, as verbas destinadas aos aumentos anunciados pelo Governo de Santana Lopes não estavam orçamentadas, "em virtude de não ter sido considerada a actualização das pensões", explica o relatório Constâncio.
Veja-se o que se passa nas contas da Segurança Social, onde as receitas e as despesas são irreais. Para pagar reformas e subsídios de desemprego, faltam 598,8 milhões de euros. Ou seja, grosso modo, falta metade da verba anual para pagar aos desempregados.
As receitas da Segurança Social foram de tal maneira empoladas que existe um excedente de 189 milhões de euros, no OE para 2005 e assinado por Bagão Félix. Pois bem, agora a Comissão Constâncio corrigiu, apurando um défice de 598 milhões de euros. Na frente dos cuidados sociais, não é tudo.
Na Caixa Geral de Aposentações (CGA), a segurança social dos funcionários públicos, faltam 228,3 milhões de euros.
(…)
Na Saúde, a hemorragia orçamental é difícil de estancar o défice atinge uma profundidade de 1,772 mil milhões de euros, o suficiente para ordenar a construção de uma outra ponte sobre o Tejo. Bagão Félix tinha previsto um défice de 259,7 milhões de euros, mas agora a Comissão Constâncio refez as contas e apurou que afinal o Governo necessita de mais 1,51 mil milhões de euros.”
segunda-feira, maio 23
CANÇÃO
“Foto de António José Alegria, do amistad”
Pelos ramos do loureiro
vão duas pombas escuras.
Uma era o sol,
a outra, a lua.
Vizinhas, disse-lhes,
onde está minha sepultura?
Em minha cauda, disse o sol.
Em minha garganta, disse a lua.
E eu que estava caminhando
com terra pela cintura
vi duas águias de mármore
e uma rapariga desnuda.
Uma era a outra
e a rapariga era nenhuma.
Aguiazinhas, disse-lhes,
onde está minha sepultura?
Em minha cauda, disse o sol.
Em minha garganta, disse a lua.
Pelos ramos da cerejeira
vi duas pombas desnudas,
uma era a outra,
e as duas eram nenhuma.
Federico García Lorca
“Primeiras Canções” – 1922
In Obra Poética Completa
Martins Fontes – São Paulo
Tradução de William Agel de Mello
domingo, maio 22
BENFICA E TRAPATTONI
No dia 6 de Julho de 2004 escrevi um post a propósito da contratação de Trapattoni pelo Benfica. Hoje o Benfica sagrou-se campeão nacional de futebol. Para além de todas as razões que no futebol, por vezes, a razão desconhece, esta é uma vitória que se deve, no essencial, ao treinador italiano do Benfica.
"Trapattoni
Digam o que disserem a grande notícia do dia é a contratação de Trapattoni para treinador do Benfica. Por ser o Benfica e por ser Trapattoni. Para quem tenha dúvidas acerca do significado desta contratação para o futebol português e para Portugal leia o artigo "O omnipresente". É um extraordinário texto da jornalista Andreia Schianchi, da "La Gazzeta Dello Sport", publicado hoje no Público." 6/7/2004
(O link já não "encontra" o texto referido mas nele, de forma brilhante, era descrita a áurea de Trapattoni que prenunciava o seu sucesso em Portugal).
"Trapattoni
Digam o que disserem a grande notícia do dia é a contratação de Trapattoni para treinador do Benfica. Por ser o Benfica e por ser Trapattoni. Para quem tenha dúvidas acerca do significado desta contratação para o futebol português e para Portugal leia o artigo "O omnipresente". É um extraordinário texto da jornalista Andreia Schianchi, da "La Gazzeta Dello Sport", publicado hoje no Público." 6/7/2004
(O link já não "encontra" o texto referido mas nele, de forma brilhante, era descrita a áurea de Trapattoni que prenunciava o seu sucesso em Portugal).
JORGE DE SENA
Jorge de Sena é um dos maiores poetas e escritores da língua portuguesa de todos os tempos. Não há que ter medo das palavras. Sena ombreia com os grandes Luís de Camões e Fernando Pessoa.
Polémico e insubmisso. Exigente com a sua Pátria que nunca renegou. Morreu nos Estados Unidos e lá ficou sepultado. É uma vergonha que, apesar de todas as dificuldades, o Estado português não assegure as condições do seu regresso a Portugal. Todas as diligências deviam ser realizadas para alcançar esse objectivo.
Vejo que o assunto é, mais vez, lembrado aqui.
O Julgamento de Nuremberg
Para encerrar a série de posts acerca do 60º Aniversário do fim da 2ª Guerra Mundial
Les accusés :
Premier rang, de gauche à droite : Hermann Göring , Rudolf Hess , Joachim von Ribbentrop , Wilhelm Keitel , Ernst Kaltenbrunner , Alfred Rosenberg , Hans Frank , Wilhelm Frick , Julius Streicher , Walther Funk , Hjalmar Schacht . Deuxième rang, de gauche à droite : Karl Dönitz , Erich Raeder , Baldur von Schirach , Fritz Sauckel , Alfred Jodl , Franz von Papen , Arthur Seyss-Inquart , Albert Speer , Konstantin van Neurath , Hans Fritzsche .
Ver aqui
sexta-feira, maio 20
O ANJO
Foto de Graça Seligman O Caixote
O anjo que em meu redor passa e me espia
E cruel me combate, nesse dia
Veio sentar-se ao lado do meu leito
E embalou-me, cantando, no seu peito.
Ele que indiferente olha e me escuta
Sofrer, ou que, feroz comigo luta,
Ele que me entregara à solidão,
Poisava a sua mão na minha mão.
E foi como se tudo se extinguisse,
Como se o mundo inteiro se calasse,
E o meu ser liberto enfim florisse,
E um perfeito silêncio me embalasse.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In “Dia do Mar” - 1947
Salazar e a Questão das Finanças do Estado
SALAZAR EXPLICA AS CONDIÇÕES DA REFORMA FINANCEIRA. [Discurso proferido na sala do Conselho de Estado, em 27 de Abril de 1928, no acto da posse de Ministro das Finanças, segundo as notas do jornal Novidades.] In "O Portal da História"
O discurso que surge, paradoxalmente, pleno de pontos comuns com os que preenchem a nossa actualidade política e noticiosa, está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR.
Discurso de Salazar no momento de entrar definitivamente para o governo como Ministro das Finanças, lugar que só abandonou em 1940. A sua participação na política tinha sido até aí escassa. Convidado, em 1918, por Sidónio Pais para secretário no Ministério das Finanças, recusara. Em 1921 fora eleito deputado, mas segundo parece só se apresentou no Palácio de São Bento uma única vez. Em 1926 fora escolhido, pela primeira vez, para Ministro das Finanças, mas um desentendimento com o primeiro-ministro da altura fez com que se demitisse.
Salazar foi chamado novamente em 1928, devido ao falhanço das negociações de um empréstimo de 12 milhões de libras, devido à não aceitação pelo governo português das condições draconianas impostas pela Sociedade das Nações para aprovar o empréstimo.
Neste discurso Salazar explicita claramente quais foram as suas exigências para aceitar regressar ao governo, e que não é mais do que a instauração de uma Ditadura das finanças, acabando proferindo a célebre frase: "sei muito bem o que quero e para onde vou."
Em 5 de Julho de 1932 foi nomeado Chefe do Governo, lugar que manteve até 6 de Setembro de 1968.
quinta-feira, maio 19
UM POR TODOS
“Foto de António José Alegria, do amistad”
Ao JPP
Poeta feito de prótons
de nêutrons e de neutrinos.
Poeta feito de mícrons
de minúsculos,
mas superlativos,
superladino:
tu és pó e escreves menos que pó.
Paulicéia concentrada:
paz na terra aos homens de versos breves.
Felipe Fortuna
(nasceu no Rio de Janeiro -1963)
In Poesia Brasileira do Século XX
Jorge Henrique Bastos
Antígona
Solidário na Denúncia
"Vergonha (na estrada) nacional (Esta é a doer! E é também a primeira entrada comum a um blog -Dias sem árvores, há muito na forja- que pretende denunciar "casos" destes de todos os pontos do país! Se quiser colaborar é só dizer.)"
Veja a descrição no Dias sem Árvores.
DIA DO MAR NO AR
“Foto de António José Alegria, do amistad”
Dia do mar no ar, construído
Com sombras de cavalos e de plumas
Dia do mar no meu quarto – cubo
Onde os meus gestos sonâmbulos deslizam
Entre o animal e a flor como medusas.
Dia do mar no ar, dia alto
Onde os meus gestos são gaivotas que se perdem
Rolando sobre as ondas, sobre as nuvens.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In Coral - 1950
quarta-feira, maio 18
Ganhar ou Perder, Perder ou Ganhar
Final da Taça UEFA: o Sporting acaba de perder por 3-1. Os Russos do CSKA ganharam. Numa final como esta só há dois resultados possíveis. Ganhar ou perder.
O futebol cínico dos russos venceu. O Sporting cometeu, na 2ª parte, alguns erros fatais. A ganhar optou por não defender o resultado. Deixou que o tempo corresse a favor da estratégia dos russos, foi ingénuo e perdeu.
O meu filho ficou triste mas interpretou racionalmente a situação. O Sporting numa semana perdeu a Liga e a taça UEFA. Podia ter sido campeão em tudo e não será campeão de nada. É assim o futebol.
Aqui fica a imagem do seu goleador, Liedson, que hoje ficou em branco. Uma homenagem à qualidade do futebol do Sporting que, afinal, não deu para ganhar nada. As ironias da vida...
SPORTING
Hoje é dia de futebol. Há quem não goste. Mas isso é outra discussão. O meu filho é sócio e adepto do Sporting. Lá vou com ele ao estádio torcer pela conquista de mais uma taça europeia para um clube português. O Sporting bem merece – porque joga muito e bem – ganhar a taça UEFA. Mas, em futebol, como em tantas coisas na vida, não basta merecer ... Depois do jogo falamos.
PRAIA DAS MAÇÃS
Praia das Maçãs. [1918, óleo sobre madeira, 690 x 870 mm, Museu do Chiado, Lisboa - Portugal. Quadro de José Malhoa (1855-1933).] O pintor nasceu em 28 de Abril de 1854. In “O Portal da História”.
A arte, por vezes, retrata o lugar que se reconhece. Eis aqui um desses lugares. As minhas incursões pela poesia têm ganho maior expressão no absorto. É o resultado do meu profundo interesse pelo género e da minha desilusão pela política.
Guardemos o que resta da nossa esperança no futuro do homem pela fruição das artes. É o que me apetece dizer. Não é desprezo o que sinto pelos gestores da “coisa pública” que já fui um deles. É um afastamento tanto maior quanto não lhes encontro o fervor das convicções que pudessem fazer retornar a política ao seu lugar de “fábrica de sonhos”.
Se o político não for capaz de fazer sonhar o povo com o futuro, mesmo que dele não saiba adivinhar as exactas formas, seja pela fé, seja pelas realizações, seja pela pura discussão, não está cumprindo seu ideal. É o sonho que comanda a vida e a política é, somente, o instrumento privilegiado da sua concretização.
"Desconfiai daqueles que vos dizem: nada de discussões políticas que são estéreis; ocupemo-nos só dos melhoramentos materiais do país", dizia Alexandre Herculano.
Quer dizer que pelo pragmatismo, puro e duro, não vamos lá. É esse pragmatismo que antevejo no horizonte, apesar da mudança política. Pragmatismo sem alma que nos anuncia a emergência de um tempo de novas desilusões e desesperanças.
Que não faleça o regime democrático no turbilhão da austeridade que se aproxima é o mais a que posso, de verdade, aspirar. É pouco, convenhamos, para aqueles que, como eu, não aceitam a cultura pós-moderna e a volúpia exibicionista dos seus cultores.
terça-feira, maio 17
MAIS QUE TUDO O MAR
Ilha Deserta, Ria Formosa - Faro (Foto Margarida Ramos)
Mais que tudo o mar
me fala dos homens
de ti,
Meteste o pé na água
molhaste o teu corpo
Mais que tudo o mar
de ti o arrepio a água
gelada,
E o teu olhar aflito me
toma desejado absorto
Mais que tudo o mar
o azul além do tempo
infinito,
O olhar breve fugaz
grita um grito aflito
Mais que tudo amar
Mais que tudo o mar
bendito,
Faro, 14 de Julho de 2004
DIFÍCIL SER FUNCIONÁRIO
João Cabral de Melo Neto
Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.
Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.
É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.
Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.
Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.
E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.
Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança
Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...
Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.
O poema acima, escrito em 29-09-1943, revela a decisiva influência de Carlos Drummond de Andrade nas primeiras produções do autor. Inédito, foi extraído dos "Cadernos de Literatura Brasileira", nº. 01, publicado pelo Instituto Moreira Salles em Março de 1996, pág.60.
segunda-feira, maio 16
Parque de Ramalde - Solução à Vista?
O Dias com Árvores volta á questão do Parque de Ramalde. Aqui fica o meu renovado apoio a uma solução que o permita salvar da destruição.
"As últimas notícias nos jornais fazem-nos suspirar de alívio: tudo indica que vai imperar o bom senso e que há intenções sérias de impedir que se "rasgue" o Parque Desportivo do Inatel em Ramalde destruindo a maior parte do equipamento e ocupando um terço da sua área.
Parece que não vai ser necessário ninguém atravessar-se à frente das retroescavadoras (pelo menos é o que se dispunha a fazer uma das moradoras do bairro, segundo me informou o igualmente"activista" marido, e estou convencida que não seria a única."
Notícias:
Preservar o parque do Inatel ;
CDU quer rever PDM para poupar INATEL ;
CDU vai tentar consenso sobre PDM para evitar corte do estádio do Inatel ;
Anteriores:
Árvores do Parque do Inatel em Ramalde #1 ;
Árvores do Parque do Inatel em Ramalde #2 ;
Árvores do Parque do Inatel em Ramalde # 3
E DEPOIS DO ADEUS
“Foto de António José Alegria, do amistad”
A letra da canção "E Depois do Adeus", vencedora do Festival da Canção de 1974, que serviu de senha para o movimento militar do 25 de Abril de 1974 em Portugal. Acabei de a ouvir cantar.
Paulo de Carvalho : E depois do Adeus
Música: José Calvário
Letra: José Niza
Quis saber quem sou
O que faço aqui
Quem me abandonou
De quem me esqueci
Perguntei por mim
Quis saber de nós
Mas o mar
Não me traz
Tua voz.
Em silêncio, amor
Em tristeza e fim
Eu te sinto, em flor
Eu te sofro, em mim
Eu te lembro, assim
Partir é morrer
Como amar
É ganhar
E perder
Tu vieste em flor
Eu te desfolhei
Tu te deste em amor
Eu nada te dei
Em teu corpo, amor
Eu adormeci
Morri nele
E ao morrer
Renasci
E depois do amor
E depois de nós
O dizer adeus
O ficarmos sós
Teu lugar a mais
Tua ausência em mim
Tua paz
Que perdi
Minha dor que aprendi
De novo vieste em flor
Te desfolhei...
E depois do amor
E depois de nós
O adeus
O ficarmos sós
domingo, maio 15
REGRESSO/SOFIA LOREN
Recorte de um postal de Agnes Vanda sobre a visita a Portugal de Sofia Loren em 1956. (Margarida Ramos)
Regresso
Hoje andei a visitar os meus mortos
mais antigos mas sempre presentes
e regresso
com a imagem deles presa à cabeça
o meu filho tomou nota dos nomes
e das datas
notou os seus rostos de camponeses
duros e conformados às vicissitudes
da espera
que crescesse a colheita ou morresse
à míngua de água ou de braços que a
tomassem
para si e lhes dessem de comer o pão
sem o qual se desespera ou se morre
enxuto
sempre à espera do tempo que havia
de lhes trazer aquela esperança eterna
já morta
Março de 2005
AS FARPAS
Ramalho Ortigão com a farda de sócio da Academia das Ciências [fotografia a preto e branco, publicada na Ilustração Portuguesa, 2.ª série, n.º 503, Lisboa, 11 de Outubro de 1915 -Fotografia da Casa Vidal & Fonseca, de A. Vidal e João Fonseca. Ramalho Ortigão nasceu em 24 de Outubro de 1836. In “O Portal da Historia”
Lembro-me, como se fosse hoje, da leitura de largos trechos das “Farpas” pelo Prof. Almodoval, sempre com a sua gabardina com um rasgão “pespontado”, nas aulas do Liceu. Era no tempo das turmas pequenas e dos professores fascinantes. Sempre podem haver professores fascinantes mas na escola elitista o seu peso era maior.
Aquelas leituras das “Farpas” eram uma bênção caída do céu. O tom irónico da crítica social assumia, no tempo da ditadura, uma espessura e intencionalidade política ("não dita") que era corrosiva e apaixonante. Sentia-se a subtil passagem de uma mensagem como que a dizer-nos: “não se deixem amordaçar”, “abram os olhos”, “tomem a realidade pelos cornos” … uma pedagogia da assumpção de uma cidadania antes do tempo da democracia.
Vi um dia o Prof. Almodoval, com um professor de “canto coral”, o Prof. Dores, num jogo de futebol no velho “Estádio Padinha”, em Olhão, e não mais me esqueci do sentimento de estranheza que me tomou acerca da sua presença ali. O que os teria levado ao futebol? Um gosto que eu não era capaz de colar aos seus gostos. Ignorância minha. Nunca conhecemos os homens pelas suas leituras mesmo quando pensamos que os conhecemos.
Desse professor, como de outros que me marcaram profundamente, nunca cheguei, de verdade, a conhecer nada. Somente a antever a sua cultura humanista e o seu prazer, comedido, em passar para os alunos o gosto por aprender, o estímulo à curiosidade e, no fundo, o apelo à insubmissão.
Comprei agora as “Farpas”, na edição preparada pela Filomena Mónica, para oferecer à minha mulher no dia do seu aniversário. Que gozo só de manusear o grosso volume e de sentir a argúcia, a subtileza e a actualidade da fina escrita de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Este menos conhecido e divulgado do que aquele e do qual aqui deixo um retrato e o acesso uma biografia.
sábado, maio 14
"Criar para chegar mais perto dos homens?"
“Foto de António José Alegria, do amistad”
A escola não servia só para aprender as primeiras letras e a tabuada mas, antes de tudo, para nos tornar homens disciplinados, fiéis ao ideal de servir o patrão e a Pátria, a grande patroa de todo a Nação.
A verdadeira sensibilidade formava-se como que num outro lugar: na terra batida das ruas despojadas, na luz reflectida pelas paredes brancas e na imagem e falajar das pessoas sem história que retive na memória e dos íntimos que me marcaram.
Para além do meu irmão Dimas, os meus primos camponeses, mais velhos, Ezequiel, morto prematuramente por uma doença ruim, e o Gervásio, agricultor resistente às adversidades, o Damião, empregado de meu pai, que tanto chorei quando partiu, rumo à Argentina, cumprindo o seu destino de emigrante agora morto também.
Eles foram os verdadeiros lugares da minha infância e o bálsamo para o caminho incerto do meu futuro. Aqui e ali despontava um olhar promissor de mil carícias que se consumavam mas o tempo e a busca do destino separam os homens.
“Criar para chegar mais perto dos homens? Mas se pouco a pouco a criação nos separa de todos e nos empurra para longe sem a sombra de um amor...” (*)
(*) Camus - “Cadernos”
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (10 de 10)
França - pode ser que SIM
Referendo para a Constituição Europeia: o SIM ganha terreno
França, Sofres, 10 de Maio (último dia trabalho de campo)
Sim: 52%
Não: 48%
Ver no Margens de Erro
França, Sofres, 10 de Maio (último dia trabalho de campo)
Sim: 52%
Não: 48%
Ver no Margens de Erro
sexta-feira, maio 13
DEFICIT=7%
Duas manchetes uma mesma realidade. “A Capital” antecipa o deficit que a “Comissão Constâncio” apurou. 7%. Em editorial Osório pergunta: “Não há responsabilidade criminal para os 7 por cento?” A resposta, defensiva, ao pré anúncio desta realidade está implícita na manchete exclusiva do “CM”: “Bagão Félix trava negócio da A7 e A11”.
“A Capital”
"Finanças Públicas - O défice real estimado pela Comissão Constâncio para 2005 ultrapassa as previsões do ministro das finanças, Campos e Cunha
Défice chega aos 7 por cento - Sócrates foi informado deste cenário no final da semana passada, tendo marcado uma reunião com o seu núcleo duro para analisar o assunto"
“Correio da Manhã”
"Bagão Félix trava negócio da A7 e A11"
Um santo homem, atento aos negócios de “última hora” do governo Santana Lopes, devoto à causa pública, poupado e seráfico, ministro pelo PP sem ser ministro do PP, político pelo PP sem ser político do PP, independente e indisponível para assumir as responsabilidades políticas.
Um Ministro das Finanças que, ao que parece, deixou um deficit de 7%. Tantas virtudes, para quê? Tudo se resume a ter “travado” o negócio da A7 e A11! É tudo muito evidente: a manchete exclusiva do "CM" tenta “tapar” a notícia dos 7% de deficit e as investigações em curso …
O que se seguirá na ardilosa estratégia, em falência, da direita e extrema direita?
“A Capital”
"Finanças Públicas - O défice real estimado pela Comissão Constâncio para 2005 ultrapassa as previsões do ministro das finanças, Campos e Cunha
Défice chega aos 7 por cento - Sócrates foi informado deste cenário no final da semana passada, tendo marcado uma reunião com o seu núcleo duro para analisar o assunto"
“Correio da Manhã”
"Bagão Félix trava negócio da A7 e A11"
Um santo homem, atento aos negócios de “última hora” do governo Santana Lopes, devoto à causa pública, poupado e seráfico, ministro pelo PP sem ser ministro do PP, político pelo PP sem ser político do PP, independente e indisponível para assumir as responsabilidades políticas.
Um Ministro das Finanças que, ao que parece, deixou um deficit de 7%. Tantas virtudes, para quê? Tudo se resume a ter “travado” o negócio da A7 e A11! É tudo muito evidente: a manchete exclusiva do "CM" tenta “tapar” a notícia dos 7% de deficit e as investigações em curso …
O que se seguirá na ardilosa estratégia, em falência, da direita e extrema direita?
Um Dia Nevou
Havia de fazer frio nalguns meses do ano. Mas desses meses não me lembro a não ser do dia 4 para 5 Fevereiro de 1954 em que nevou. Mas foi um dia excepcional. A memória perdeu esse dia no calendário que recuperei na leitura do “Aprendiz de Feiticeiro”, de Carlos de Oliveira, uns anos depois.
Guardo essa memória como de um dia quente. Somente um pouco menos do que habitualmente. Não sei explicar porquê! As casa eram todas baixas com terraços dos quais se avistavam os quintais e os alegretes das casas vizinhas. Plenas de cheiro a limões e a flor de laranjeira na época do desabrochar da floração. Mesmo nos lugares públicos mais notáveis a cidade guardava espaços abertos ás vistas.
Os pobres ostentavam, desabrigadas, a sua pobreza agreste, por vezes, bela contrariando os critérios dos nossos dias. É certo que a única vantagem daquela pobreza é pertencer ao passado. A sua lembrança não orgulha as suas vitimas: o povo deserdado e carente de todo o conforto.
O que tem a luz desses lugares a ver com a revolta? Nada. Foram simplesmente os lugares dela. O labirinto das ruas ensolaradas era o lugar da libertação e a aspereza da mestre escola o espaço da revolta.
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (9 de 10)
quinta-feira, maio 12
Sophia de Mello Breyner Andresen
VI FLORESTAS E DANÇAS E TORMENTOS
Vi florestas e danças e tormentos
Cantavam rouxinóis e uivavam ventos
Nos céus atravessados por cometas.
Vi luz a pique sobre as faces nuas,
Vi olhos que eram como fundas luas
Magnéticas suspensas sobre o mar.
Vi poentes em sangue alucinados
Onde os homens e as sombras se cruzavam
Em gestos desmedidos, mutilados.
Levada por fantásticos caminhos
Atravessei países vacilantes,
E nas encruzilhadas riam anjos
Inconscientes e puros como estrelas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In “Dia do Mar” – 1947
“Foto de António José Alegria, do amistad”
Roberta Sá
Do Pentimento
Grata surpresa o disco Braseiro, de Roberta Sá. A cantora que, segundo me informaram, participou do programa Fama (sendo eliminada nas primeiras rodadas, tem uma voz suave), afinadinha e agradabilíssima, em alguns momentos chegando a lembrar Marisa Monte. Além disso, seu cd de estréia prima pelo repertório, bastante orgânico e irrepreensível sob o ponto de vista da qualidade. Gravada anteriormente por João Gilberto, a suingada Eu sambo mesmo (Janet de Almeida), que abre o álbum, ganha 'pegada' na gravação da moça. Em Pelas tabelas, do Chico, o registro está no mínimo à altura do feito pelo próprio autor. Merecem destaque também a contundente No braseiro ("Tão vendendo ingresso / pra ver nego / morrer no osso / vou fechar a janela / pra ver se não ouço / a mazela dos outros"), de Pedro Luís; a obra-prima Lavoura ("A tristeza é o grão / A saudade é o chão onde eu planto / Do ventre da solidão / É que nasce o meu pranto"), parceria da Teresa Cristina com o Pedro Amorim que no cd Roberta divide com Ney Matogrosso; a clássica A vizinha do lado ("A vizinha quando passsa / Com seu vestido grená / todo mundo diz que é boa / Mas como a vizinha não há"), de mestre Dorival; e a dolorida Cicatrizes ("Amor que nunca cicatriza / Ao menos ameniza a dor / Que a vida não amenizou"), de Paulinho César Pinheiro e Miltinho.
Trata-se, enfim, de um daqueles raros cds para serem ouvidos do início ao fim - não há nem sequer uma faixa ruim.
Para postar, escolhi a lírica Casa pré-fabricada, canção inspirada de Marcelo Camelo que a cantora gravou com a delicadeza que letra e melodia sugerem...
"Casa pré-fabricada"
Marcelo Camelo
"Abre os teus armários eu estou a te esperar,
Para ver deitar o sol sobre os teus braços, castos
Cobre a culpa vã, até amanhã eu vou ficar,
E fazer do teu sorriso um abrigo
Canta que é no canto que eu vou chegar
Canta o teu encanto que é pra me encantar
Canta para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz, tristeza nunca
Mais vale o meu pranto que este canto em solidão,
Nesta espera o mundo gira em linhas tortas
Abre essa janela a Primavera quer entrar
Pra fazer da nossa voz uma só nota
Canto que é de canto que eu vou chegar,
Canto e toco um tanto que é pra te encantar
Canto para mim, qualquer coisa assim sobre você
Que explique a minha paz, tristeza nunca mais."
(Vamos procurar o CD aqui em Portugal)
Peixes/Fische
Desenho do meu filho na pré-primária (ou no 1º ano?). Peixes. Uma paixão antiga. Os amigos são peixes grandes. Os professores peixes pequenos. Com excepções. A mãe não foi esquecida mas o pai sim. Não tem importância.
Zeichnung meines Sohnes im Kindergarten (oder in der Grundschule?). Fische. Eine alte Leidenschaft. Die Freunde sind groβe Fische, die Lehrer sind kleine Fische – mit einigen Ausnahmen. Auch die Mutter ist hier. Aber nicht der Vater. Macht nichts.
A Morte da Política
A morte de Germânico 1627, [óleo sobre tela, 1480 x 1980 mm Minneapolis Institute of Art, Minneapolis, Estados Unidos da América - Quadro de Nicolas Poussin (1594 -1665 ).] O imperador Calígula, filho de Germânico, foi assassinado em 24 de Janeiro do ano 41 d. C. durante os Jogos Palatinos, após um reino de apenas quatro anos. In "O Portal da História".
A imagem que me ocorreu acerca do declínio da política em Portugal, e em toda a parte, hoje, e em todos os tempos, após as notícias que trazem à liça alguns acontecimentos envolvendo ministros do anterior governo.
Tão avisados que estavam todos. Tantas vezes os mesmos métodos em tudo. As notícias correndo à frente das acusações e os negócios correndo à frente de tudo o resto, ou como diz o anúncio do SKIP, ocupando todas as paredes de Lisboa, “sujar-se é bom!” (?).
O símbolo que esse anúncio ostenta é igual (ou muito parecido) ao dos cartazes de Manuel Maria Carrilho, promovendo a sua candidatura à Presidência da CML, ou é engano meu?
O Branco da Cal
Uma linha recta, sem mais nada, rodeado das paredes brancas das casas - pintadas a cal - e as ruas de terra batida. A minha memória fixou os recantos das ruas e os rostos das pessoas. A rua em que nasci era habitada por muita e diversa gente. Pobres e remediados.
A escola era um lugar de disciplina antes de ser um lugar de aprendizagem. Estávamos na primeira metade da década de 50. Então a revolta tomou um lugar relevante na minha vida.
Não que tivesse sido castigado ou supliciado fisicamente na escola como tantos dos meus colegas. Mas bastava assistir. Fui mandado para casa uma vez por ter sujado as mãos com a tinta azul (um belo colorido) da caneta de aparo que não cuidei de usar com a necessária perícia.
A professora Pessanha não perdoou. Nesse dia senti a humilhação de ter de abandonar a escola fora do horário estabelecido. Nada ficou igual na minha vida a partir desse pequeno incidente.
Fazia calor. E nunca mais deixei de sentir no rosto esse calor do ar e da terra salpicados pela humilhação.
Foi como um rasgo para sempre cravado na minha personalidade aquele dia em que não senti o habitual prazer do regresso a casa a pé.
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (8 de 10)
quarta-feira, maio 11
Bocage
Retrato de Bocage ? [1797, óleo sobre tela, 87 x 64 cm - Colecção particular Quadro de Domingos Sequeira (1768-1837), representando, de acordo com uma tradição familiar, o poeta. O que parece pouco verosímil, pois não há notícia que tivesse direito a utilizar a Cruz de Cristo.] Bocage nasceu em 15 de Setembro de 1765. In "O Portal da História".
Soneto
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.
Em Defesa do Parque de Ramalde
Sei do que fala o Dias com Árvores.
Nos 70 anos de vida do INATEL, a cumprir no próximo dia 13 de Junho, 10% foram dirigidos por uma equipa a que eu próprio presidi. (1996/2003).
Em qualquer projecto –por mais ousado que seja - nunca se conclui tudo o que se projecta realizar. Em regra adoptei três princípios na gestão do vasto património do INATEL, em que se incluiu, pela primeira vez, de forma explícita e prática, o conceito de gestão ambiental: preservar, qualificar, utilizar.
Sempre pensei, no entanto, que se existissem dificuldades, ou dúvidas, acerca da avaliação das vantagens de uma qualquer intervenção, na sua vertente ambiental, mais valia estar quieto.
Travei todas as batalhas possíveis, mesmo as menos populares e simpáticas para os poderes e os cidadãos utentes do INATEL, para impedir diversas intervenções com consequências negativas para o interesse público e ambiental.
Quando saí do INATEL deixei mais património, e mais valioso, do que aquele que encontrei à data da minha entrada. Querem, aliás, fazer-me pagar por isso. É uma estranha forma de reacção dos poderes estabelecidos, em Portugal, contra aqueles que não se dispõem a fazer “fretes” aos chamados “interesses”.
O Parque de Ramalde sempre esteve no fio da navalha. Não foi possível, infelizmente, executar uma intervenção de requalificação - prevista - que teria retirado alguma margem de manobra às tentativas posteriores de destruição do Parque.
Mas nada justifica a sua destruição. Existem muitos modelos de gestão possíveis para que o Parque de Ramalde possa ser, ao mesmo tempo, preservado, no plano ambiental, e colocado ao serviço da comunidade em benefício da sua qualidade de vida.
A sua destruição é, em todo o caso, um crime contra a natureza e, no limite, é preferível deixar ficar tudo como está a ceder aos interesses imobiliários que, certamente, estão por detrás desta sanha destruidora.
As palavras e imagens do blog Dias com Árvores (que está entre os meus favoritos e por isso tomei conhecimento deste post) ajudam a compreender, com bastante evidência, a justeza desta asserção.
"No dia em que surgem mais algumas notícias de contestação ao projecto de destruição do Parque Desportivo do Inatel em Ramalde, aqui ficam mais algumas fotografias. Para que quem não o conhece, fique a saber do que se está a falar e a razão da nossa incredulidade e revolta. E realize também a importância que têm, para certos planeadores da nossa cidade, os espaços verdes relativamente às vias para automóveis."
As notícias:Inatel promete contestar solução do PDM do Porto (no Público)
INATEL pediu ao tribunal para ser esclarecido (no JN)
terça-feira, maio 10
Girassol
Do Pentimento
"Um girassol da cor do seu cabelo"
Lô Borges / Márcio Borges
"Vento solar e estrelas do mar
A terra azul da cor do seu vestido
Vento solar e estrelas do mar
Você ainda quer morar comigo?
Se eu cantar, não chore não, é só poesia
Eu só preciso ter você por mais um dia
Ainda gosto de dançar bom dia, como vai você?
Sol girassol, verde vento solar
Você ainda quer morar comigo?
Vento solar e estrelas do mar
Um girassol da cor de seu cabelo
Se eu morrer, não chore não
É só a lua, é seu vestido cor de mar
É filha nua ainda moro nesta mesma rua
Como vai você?
Você vem, ou será que é tarde demais?
O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo? O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo? O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo"
FRANCISCO SIMÕES
segunda-feira, maio 9
CAVAFY
“Foto de António José Alegria, do amistad”
CORPO, LEMBRA …
Corpo, não te lembres de quanto foste amado
só; nem só dos leitos em que te deitaste;
mas também dos desejos que por ti
brilharam francamente nos olhares,
nas vozes palpitaram – e que apenas
um acaso impediu e reduziu a nada.
Agora que ao passado já pertencem todos,
quase é como se tu, a tais desejos,
também te houveras dado – como eles brilhavam,
lembra, nos olhos que se demoravam,
e como nas vozes palpitavam, lembra-te, por ti.
(1918)
Constantino Cavafy
Tradução de Jorge de Sena - “90 e Mais Quatro Poemas” - Edições ASA
O Meu Avô Dimas
O meu avô paterno, por sua vez, tinha regressado de uma longa estadia de emigrante no Brasil vindo morrer, um mês depois do meu nascimento, a casa de D. Maria, sua amante.
A casa era também uma “venda”, estabelecimento de comes e bebes, mais bebes que comes. Foi lá que provei, pela primeira e última vez na vida, “sopas de cavalo cansado”.
Era perto da casa de meus pais, numa esquina da Rua da Circunvalação onde se fixou depois, por longos anos, uma afamada, e muito bem sucedida, sapataria popular – a "Sapataria Limpinho".
Desse meu avô herdei o nome – Eduardo – depois de meu irmão já ter herdado, onze anos antes, Dimas que já era o nome de meu pai. Todos ficamos com o nome de meu avô Dimas Eduardo Graça.
A fotografia do meu avô paterno está em lugar de destaque ao lado da Bíblia Sagrada. A imagem de uns e a herança de outros. No seu esplendor tem algo de institucional. É uma daquelas fotografias grandiloquentes, com selo a água de fotógrafo do Brasil (Santos), mostrando, na sua claridade sóbria, a razão porque somos todos, na família, iguais a ele.
No rosto, e porventura, no temperamento. Lá dormi, algumas vezes, não nos braços de meu avô, pois não nasci a tempo, mas na cama onde ele dormiu com a sua amante Maria e onde morreu.
O padre por esse desvio liberal que, suponho, foi a forma de encontrar, fora do casamento, o consolo para as desditas da vida, não lhe quis fazer o funeral católico. E não fez. Meu pai cortou, de imediato, relações com o dito padre e fez bem.
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (7 de 10)
Ruy Belo
“Foto de António José Alegria, do amistad”
“...tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz
Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas perdoa pagares tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui”
Ruy Belo
in “Toda a Terra”
ANIVERSÁRIO
“Foto de António José Alegria, do amistad”
Para a Guida no dia do seu aniversário
Como uma seta
Como uma seta a caminho do sul
o ar que atravesso canta os amores
sonhados em meus olhos crentes,
suaves marés de encontros raros
procurados ao acaso em aparições
nos espelhos de águas refulgentes.
Não sabia ao certo o que procurava
naquele lugar nem que a tua sombra
sempre me perseguiu na caminhada,
qual brisa atravessada em linha recta
que me levava ao lugar exactamente
encontrado sem a senha apalavrada.
Como uma seta a caminho do sul
procuro o fim da estrada à beira ria
sem saber que me esperavas quieta,
nem sabendo que serias a escolhida
mas era tua a silhueta distraída à porta
do bar sentada no selim da bicicleta.
No caminho para sul o fogo ardeu
e me deixou preso nos teus cabelos
desenhados a oiro, silêncio e vício,
em um só olhar senti a tarde quente
do meu destino ser eu mesmo em ti
e à beira ria desejei voltar ao início.
domingo, maio 8
A Guerra e a Paz
"Napoleão Bonaparte passa em revista o grande exército reunido em Boulogne para ameaçar a Inglaterra». [Desenho a cores, publicado em Raoul Guillaume, Napoléon raconté à tous les enfants, Paris, Fernand Nathan, 1961 - A obra tinha desenhos de Maurice Toussaint e de Jean Steen.] A Grã-Bretanha declarou guerra à França em 12 de Maio de 1803. In "O Portal da História"
O dia da libertação da Europa do jugo nazi tem um profundo significado para o futuro do continente europeu e para o mundo. A construção da União Europeia é mais do que um empreendimento económico, é uma garantia de paz.
Os últimos 60 anos são um dos mais longos períodos de paz vividos no ocidente do continente europeu. É necessário manter a memória das guerras passadas para alimentar o desejo dos europeus pela paz. A paz constrói-se no dia a dia e não é, ao contrário do que muitos podem pensar, uma conquista definitiva e eterna.
Os Europeus Que Se Cuidem
Renúncia aos bens de S. Francisco [1296/c.1300, Fresco - Igreja Superior da Basílica de Assis, Itália - Pintura atribuída a Giotto (1266/67-1337), uma das 28 cenas pintadas na Igreja Superior de Assis.] A biografia pintada do santo baseou-se na biografia oficial escrita por São Boaventura, por volta de 1266. A encomenda foi feita em 1296 pelo Geral dos Franciscanos, Frei Giovanni di Muro. São Francisco nasceu em 4 de Outubro de 1182. In "O Portal da História"
“Citações-16”, o último post desta série, foi publicado em 23 de Julho de 2004. Ele aqui fica, sem mais comentários:
Hoje José Manuel Barroso foi eleito "Presidente da UE". Os Europeus que se cuidem. A experiência imediatamente anterior de Barroso é de infidelidade aos compromissos.
Deixou o governo de Portugal a Santana que, por sua vez, deixou a Câmara Municipal de Lisboa a Carmona. Na hora de fazer as contas, pela pequena amostra da CML, já se percebeu que, afinal, temos "buraco".
Os incautos ficam espantados. Quem havia de dizer! Vamos esperar, preocupados, pelo resultado final desta operação nacional de "branqueamento de responsabilidades".
Entretanto vejam se conseguem encaixar estas duas citações no contexto.
"C. que procura seduzir, que dá demais a toda a gente e nunca cumpre. Que tem necessidade de adquirir, de conquistar o amor e a amizade e que é incapaz de uma coisa e outra. Bela figura de romance e lamentável imagem de amigo."
"A respeito de um mesmo assunto, não pensamos pela manhã da mesma forma que à noite. Mas onde está a verdade, no pensamento nocturno ou no espírito do meio dia? Duas respostas, duas raças de homens."
Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) - Edição Livros do Brasil
CAPITULAÇÃO
Ver Fotos aqui.
Kapitulation in Berlin-Karlshorst 9. Mai 1945 um 00.16 Uhr: Generalfeldmarschall Wilhelm Keitel unterzeichnet die bedingungslose Kapitulation des Deutschen Reiches.
Capitulação em Berlim – 9 de Maio de 1945 – 00,16 horas. O Marechal Wilhelm Keitel assina a declaração de rendição incondicional do Reich.
A rendição do Reich deu-se a 7 de Maio de 1945; a Guerra terminou, de facto, a 8 e a capitulação ocorreu a 9. São os detalhes cronológicos de um acontecimento verdadeiramente dramático e fundamental para o futuro da vida dos povos, nações e cidadãos da Europa e do todo o mundo. A barbárie tinha cedido perante a luta determinada dos defensores da liberdade e da democracia.
sábado, maio 7
Luiz Pacheco
A entrevista com Luiz Pacheco, no Esplanar, uma peça extraordinária. Chorei a bem chorar, a rir. Libertador.
Deixo, com a devida vénia, alguns extractos:
(…)
“Por exemplo, as giletes que eles dão aqui algumas já barbearam mortos. Tu não fazes ideia... Isto é um armazém de pré-cadaveres, é uma parada de monstros. Há um gajo que não tem uma perna, anda de cadeira de rodas empurrado por um velhinho de 88 anos, há outro que é cego, tem glaucoma, mais a namorada, que é horrorosa, mas como ele não vê também não faz mal... outro tem alzheimer, o sr. Américo, entra aqui, de boné e pijama, dá uma volta pelo quarto, às vezes vai à casa de banho, sai, não repara em ninguém, não diz nada... há outro que é o sr. Vergílio, anda pelos corredores a rir e a assobiar, são dois fantasmas... Há uma que anda aqui a passear de um lado para o outro, diz “ai, ai, ai”, depois vai bater na outra que está sempre sentada na cama, vai lá mexer... não têm mão nela... com estes gajos não se pode estar a discutir, é comprimido, água para o bucho, não vai um vão dois, fica a dormir dois dias seguintes... Isto agora aqui são os últimos dia do condenado. Aqui a lei é morrer devagar. Está uma a morrer ali, ou já morreu, não sei, estou eu a morrer aqui, está outra a morrer ali... A ver quem morre primeiro… “Já foi”, é o que dizem quando alguém morre. Agora já sei o que vão dizer quando eu morrer.”
(…)
“Operado? Nem penses nisso. O que é que eu quero ver com 80 anos? Eu quando vou ali à sala, onde estão os velhos todos, tiro os óculos para ver tudo nublado, para não me ver ao espelho... Aquilo é um pavor! A Isabel da Nóbrega, o Artur Ramos e a Fernanda, cunhada do Manuel Alegre, queriam levar-me a Coimbra para ser operado as cataratas. Não quero. Eu é que sei. Isso é suicidário. Quando eu quiser morrer vou a Coimbra. Depois levaram-me a um oftalmologista na Av. da Liberdade. Diagnosticaram-me as cataratas. Tive que largar 1000 paus para umas gotas. Não servem de nada. Caem-me para o nariz. Já tenho o quarto todo o cor... e o quarto está reduzido ao essencial... É uma experiência nova, não ver é uma experiência nova.”
(…)
“Esse rapazola (EPC), esse merdas, era um gajo terrível do partido. Não foi por acaso que o gajo veio de Paris para cá quando o Carrilho se tornou ministro. Está a mexer nos cordelinhos do Carrilho e da Bárbara...”
(…)
“[Batem à porta, entra uma empregada do lar, brasileira]
Pacheco: “Ó minha senhora, desculpe que lhe diga, é uma lindíssima mulher…
Empregada: “ahhh?”
Pacheco: “ahhh? O que é que ela diz?”
Empregada: “Isso é a minha filha”.
Pacheco (pega nas mãos da empregada): “Olha, tem as mãos quentes. Tu não fazes ideia, esta senhora e as outras acordam a velhinha ali do lado todas as manhãs, sabes como? Dando beliscões na velhinha…o barulho que elas fazem a rir… Olha, ontem vi uma… não estava nua… estava a vestir-se…”
Empregada: E o senhor gosta de ver, né, e o senhor gosta…
Pacheco: Eu não vejo quase nada, ó minha senhora… eu não vejo quase nada… chegue-se aqui... olha para este espanto... é uma mulher linda... anda é muito vestida... quero vê-la na praia...”
Empregada: “Ele é fogo, o sôr Luiz é fogo…”
Pacheco: O quê? pego fogo…? Queres levar um livro? Não te faz mal nenhum…”
(…)
“Eu não te vou ensinar, eu ensino-te é a combater o meio... opá, um tipo que quer fazer carreira, se não for parvo de todo e for um bocadinho filho da puta... é facílimo... O meio literário é de cortar à faca, é muito fácil de penetrar. Eu, que nasci em Lisboa, via-os chegar da província, os Namoras, os Amândios César, os Paço d’Arcos, etc., andavam por aí a borbulhar, a deslizar, a ver quem chega primeiro. É como os espermatozóides. Agora combater o meio, isso é que é difícil, é o mais difícil... a questão é esta, estúpidos, conformistas, cobardes, é a maioria da malta...”
(A não perder!)
Deixo, com a devida vénia, alguns extractos:
(…)
“Por exemplo, as giletes que eles dão aqui algumas já barbearam mortos. Tu não fazes ideia... Isto é um armazém de pré-cadaveres, é uma parada de monstros. Há um gajo que não tem uma perna, anda de cadeira de rodas empurrado por um velhinho de 88 anos, há outro que é cego, tem glaucoma, mais a namorada, que é horrorosa, mas como ele não vê também não faz mal... outro tem alzheimer, o sr. Américo, entra aqui, de boné e pijama, dá uma volta pelo quarto, às vezes vai à casa de banho, sai, não repara em ninguém, não diz nada... há outro que é o sr. Vergílio, anda pelos corredores a rir e a assobiar, são dois fantasmas... Há uma que anda aqui a passear de um lado para o outro, diz “ai, ai, ai”, depois vai bater na outra que está sempre sentada na cama, vai lá mexer... não têm mão nela... com estes gajos não se pode estar a discutir, é comprimido, água para o bucho, não vai um vão dois, fica a dormir dois dias seguintes... Isto agora aqui são os últimos dia do condenado. Aqui a lei é morrer devagar. Está uma a morrer ali, ou já morreu, não sei, estou eu a morrer aqui, está outra a morrer ali... A ver quem morre primeiro… “Já foi”, é o que dizem quando alguém morre. Agora já sei o que vão dizer quando eu morrer.”
(…)
“Operado? Nem penses nisso. O que é que eu quero ver com 80 anos? Eu quando vou ali à sala, onde estão os velhos todos, tiro os óculos para ver tudo nublado, para não me ver ao espelho... Aquilo é um pavor! A Isabel da Nóbrega, o Artur Ramos e a Fernanda, cunhada do Manuel Alegre, queriam levar-me a Coimbra para ser operado as cataratas. Não quero. Eu é que sei. Isso é suicidário. Quando eu quiser morrer vou a Coimbra. Depois levaram-me a um oftalmologista na Av. da Liberdade. Diagnosticaram-me as cataratas. Tive que largar 1000 paus para umas gotas. Não servem de nada. Caem-me para o nariz. Já tenho o quarto todo o cor... e o quarto está reduzido ao essencial... É uma experiência nova, não ver é uma experiência nova.”
(…)
“Esse rapazola (EPC), esse merdas, era um gajo terrível do partido. Não foi por acaso que o gajo veio de Paris para cá quando o Carrilho se tornou ministro. Está a mexer nos cordelinhos do Carrilho e da Bárbara...”
(…)
“[Batem à porta, entra uma empregada do lar, brasileira]
Pacheco: “Ó minha senhora, desculpe que lhe diga, é uma lindíssima mulher…
Empregada: “ahhh?”
Pacheco: “ahhh? O que é que ela diz?”
Empregada: “Isso é a minha filha”.
Pacheco (pega nas mãos da empregada): “Olha, tem as mãos quentes. Tu não fazes ideia, esta senhora e as outras acordam a velhinha ali do lado todas as manhãs, sabes como? Dando beliscões na velhinha…o barulho que elas fazem a rir… Olha, ontem vi uma… não estava nua… estava a vestir-se…”
Empregada: E o senhor gosta de ver, né, e o senhor gosta…
Pacheco: Eu não vejo quase nada, ó minha senhora… eu não vejo quase nada… chegue-se aqui... olha para este espanto... é uma mulher linda... anda é muito vestida... quero vê-la na praia...”
Empregada: “Ele é fogo, o sôr Luiz é fogo…”
Pacheco: O quê? pego fogo…? Queres levar um livro? Não te faz mal nenhum…”
(…)
“Eu não te vou ensinar, eu ensino-te é a combater o meio... opá, um tipo que quer fazer carreira, se não for parvo de todo e for um bocadinho filho da puta... é facílimo... O meio literário é de cortar à faca, é muito fácil de penetrar. Eu, que nasci em Lisboa, via-os chegar da província, os Namoras, os Amândios César, os Paço d’Arcos, etc., andavam por aí a borbulhar, a deslizar, a ver quem chega primeiro. É como os espermatozóides. Agora combater o meio, isso é que é difícil, é o mais difícil... a questão é esta, estúpidos, conformistas, cobardes, é a maioria da malta...”
(A não perder!)
Novos Links
Adicionei uma primeira leva de novos links, a partir dos meus favoritos, incluindo a reposição do adormecido: Cadernos de Camus.
Aqui estão eles:
finisterra
Miniscente
E Deus Criou a Mulher
amistad
Cadernos de Camus
Aqui estão eles:
finisterra
Miniscente
E Deus Criou a Mulher
amistad
Cadernos de Camus
"Quisera Adormecer"
“Foto de António José Alegria, do amistad”
Quisera adormecer
como a criança acorda,
à beira de outro tempo, que é o nosso.
Só quero o que não posso.
Jorge de Sena
In “Tempo de Fidelidade” (1951-1958)
Lugares de Infância
Faro - Caminhando Para a Sé
Quando em criança frequentava a escola, na minha cidade natal, fazia o caminho a pé de casa para a escola e da escola para casa. Nesses percursos sempre me impressionou a carroça dos cães que percorria as ruas da cidade.
Os homens laçavam os “cães vadios”, entre ganidos de desvairado sofrimento, prendiam-nos nas celas e conduziam-nos ao canil. A morte era o seu destino. Senti impotência e uma profunda compaixão pelo destino dos “cães vadios” antes de sentir compaixão pelo destino dos homens.
A escola de “S. Luiz” situa-se num bairro pacato entre o mercado e a baixa da cidade. Para frequentar a escola, um acontecimento notável na vida da família, percorri dois caminhos. O primeiro era o mais saboroso e ia da casa em que nasci, na Rua Coelho de Melo, que desce do Espaldão para o Largo da Caganita, percorrendo a Rua de Brito Cabreira.
O segundo vinha desde o Bairro de S. Luiz, construído nas hortas a norte da cidade, da Rua Dr. Emiliano da Costa (poeta consagrado, mas esquecido), residência para onde se tinha mudado a família, passando ao lado do mercado. A distância seria a mesma mas o encanto do primeiro era, em afectos e surpresas, superior ao segundo.
A mudança da casa em que nasci, por volta de 1955, foi um acontecimento marcante assinalando o fim do tempo da inocência.
Vivia no casulo feliz
até que um dia sem
saber porquê o desfiz
tratava-se de uma obra
fina de rendilhado puro
com virtudes de sobra
eu não soube a razão
de tal desaforo nem
talvez o meu coração
....
Dizia-o com a noção de não ter feito uma descoberta original pois todos os que reflectem acerca da origem da sua arte o dizem e os que se aventuram, ao menos uma vez, a encontrar as motivações do seu percurso de vida, o dizem também.
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (6 de 10)
RENDIÇÃO
In “O Portal da História”
Rendição das Forças Armadas Alemãs. [O Coronel General Jodl, acompanhado pelo Almirante General Friedeburg e pelo Major Oxenius, assina o documento de rendição incondicional das Forças Armadas alemãs, no Quartel-General Aliado, em Rheims, França, a 7 de Maio de 1945.]
sexta-feira, maio 6
BLAIR OK
As sondagens acertaram em cheio. Ver no Margens de Erro.
Resultados não definitivos UK (maioria absoluta para os trabalhistas):
Labour: 36,2%
Conservative: 33,2%
Lib Dems: 22,5%
Resultados não definitivos UK (maioria absoluta para os trabalhistas):
Labour: 36,2%
Conservative: 33,2%
Lib Dems: 22,5%
"É necessário não nos perdermos e não renunciarmos".
Camus com a sua segunda mulher: Francine.
O mês de Julho de 2004 caminhava para o fim. No dia 22 desse mês escrevi um post adivinhando o “caos que se desenha no horizonte” ao pensar na governação de Santana Lopes ainda no seu início.
A minha previsão, infelizmente, bateu certa. E vinham-me à memória as citações mais desencantadas de Camus acerca da política e dos homens da política.
Nesse contexto escrevi:
As trapalhadas do governo Santana Lopes começam na sua própria formação.
Constrangedor. O PR empossa em silêncio da mesma forma que, em silêncio, ouviu as atoardas de Alberto João Jardim e, logo depois, os seus elogios.
Será que no Conselho de Estado, o PR, na presença do dito, lhe "puxou as orelhas"? Aposto que não. O PR deixou, no dia 9 de Julho, cair a sua autoridade. Tudo o que se passou, diante dos seus olhos, e sob a sua responsabilidade, nas tomadas de posse, é um exemplo flagrante de falta de autoridade.
É um detalhe do caos que se desenha no horizonte e avivam-se, na minha memória, as citações, radicais e desencantadas, de Camus acerca da política.
"A política e o destino dos homens são organizados por homens sem ideal e sem grandeza. Aqueles que têm uma grandeza neles próprios não se ocupam de política. Assim em todas as coisas. Mas trata-se de criar agora em si próprio um novo homem. Seria preciso que os homens de acção fossem também homens de ideal e poetas industriais. Trata-se de viver os próprios sonhos - de os pôr em movimento. Outrora, renunciávamos ou perdíamo-nos. É necessário não nos perdermos e não renunciarmos." (Dezembro de 37)
Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) - Edição Livros do Brasil
Sem Abrigo
In Catedral
"Não haja medo que a sociedade se desmorone sob um excesso de altruísmo. Não há perigo desse excesso."
Fernando Pessoa - "Aforismos e Afins"
GRANDE SPORTING!...
Lutar, lutar até vencer.
O Sporting prestigiou o nome de Portugal e mostrou, mais uma vez, que o futebol é, em Portugal, apesar de todos os "casos", uma actividade competitiva ao nível europeu e mundial.
A qualificação do Sporting para a final da Taça UEFA foi um caso exemplar. A vontade de vencer ultrapassou todas as dificuldades. Ainda bem que comprei bilhetes para a final que vai realizar-se aqui ao lado de casa. O meu filho, mais do que eu, merece essa alegria seja qual for o resultado final.
"Sporting e CSKA de Moscovo na final
O Sporting qualificou-se, esta quita-feira, para a final da Taça UEFA, apesar de ter perdido com o AZ Alkmaar por 3-2 após prolongamento. A formação de José Peseiro acabou por conseguir o apuramento com um tento apontado aos 122 minutos por Miguel Garcia. A final está agendada para o dia 18 de Maio no Estádio José Alvalade."
O Sporting prestigiou o nome de Portugal e mostrou, mais uma vez, que o futebol é, em Portugal, apesar de todos os "casos", uma actividade competitiva ao nível europeu e mundial.
A qualificação do Sporting para a final da Taça UEFA foi um caso exemplar. A vontade de vencer ultrapassou todas as dificuldades. Ainda bem que comprei bilhetes para a final que vai realizar-se aqui ao lado de casa. O meu filho, mais do que eu, merece essa alegria seja qual for o resultado final.
"Sporting e CSKA de Moscovo na final
O Sporting qualificou-se, esta quita-feira, para a final da Taça UEFA, apesar de ter perdido com o AZ Alkmaar por 3-2 após prolongamento. A formação de José Peseiro acabou por conseguir o apuramento com um tento apontado aos 122 minutos por Miguel Garcia. A final está agendada para o dia 18 de Maio no Estádio José Alvalade."
quinta-feira, maio 5
SALVADOR DALI
Salvador Dali. Antes que me esqueça. Nasceu a 11 de Maio de 1904.
«Pintores, não temam a perfeição.
Nunca a conseguireis! Se fordes medíocres,
E se vos esforçardes por pintar muito, muito mal
Ver-se-á sempre que sois medíocres.»
Salvador Dali
Revolta
Com razon ó sin ella - Goya
Nasceu assim o despontar da minha consciência para a vida e a revolta no seu estado puro.
Depois tomei consciência de que a revolta é o berço da criação e a criação é o traço que define a fronteira definitiva entre os homens livres e dignos, assumindo plenamente as suas diferenças, e
os homens torturados pela suprema humilhação de ideologias absurdas que Camus resumiu nesta definição universal do fascismo:“como não tinham carácter, arranjaram uma doutrina”.
A criação é uma forma de afirmação das diferenças que não das desigualdades. As origens da revolta não as encontrei na leitura dos clássicos mas na observação da vida dos meus avós.
Eles não encontraram facilidades no caminho para o progresso e eu encontrei um sopro de inspiração na medida das minhas escassas forças para combater o conformismo e o aviltamento dos valores essenciais que salvaguardam a humanidade da barbárie.
Esses valores são as velhas bandeiras do pensamento humanista e liberal dos últimos séculos, quais sejam, o direito à vida e a defesa da liberdade individual e da democracia, assim como a
igualdade de oportunidades para todos no acesso aos benefícios do progresso económico, cientifico, tecnológico e social.
Na vertigem deste caminho muitas interrogações sempre se colocaram aos homens dos tempos modernos: o humanismo é um pensamento limitado? O liberalismo é um pensamento
pervertido? O progresso uma aspiração antiquada?
A revolta do homem talvez aconselhasse a adoptar sempre os princípios de um pensamento que tudo tomasse em conta. Sem sublinhados nem os encargos de múltiplas heranças filosóficas ou históricas.
Mas a maioria, salvo os assassinos, que estão sempre prontos a sujar as mãos de sangue e a lançar para a valeta os corpos das suas vitimas, executadas à vista de todos os homens de boa vontade, aceitam certamente, de forma consensual, que fiquem de pé, na luta contra a barbárie, os princípios do direito à vida, à liberdade e à justiça.
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (5 de 10)
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