quinta-feira, julho 7

Homenagem às vítimas do atentado de Londres


Fotografia de O Mundo deveria ser laranja ...

“Eles querem o bem do povo, mas não amam o povo. Não amam ninguém nem a si mesmos.”

Camus
in “Cadernos”

quarta-feira, julho 6

SINTO


Fotografia de Margarida Delgado
In Sabor a Sal

Não me sinto mal agora sinto
a minha pele quente às vezes sinto
um nervo duro solto do resto mais nada sinto
não sinto a gola apertada nem o corpo sinto
apertado no estreito istmo onde me deito sinto
um corpo terno que me procura mais nada sinto.

In “Ir pela sua mão”
(Editora Ausência – Maio 2003)

(Um poema meu porque me apeteceu.)

After Shower


After Shower [oil on canvas 31 x 39 "]

Zhang Jing Sheng ( b. 1940- ) is a devoted painter who for many years studied color. Of course there were influences from impressionism, but he has his own style. He tried to reveal the intensity of color, often painting with a palette knife to let his colors reach their most brilliant and richest point. He painted in layers, alternating the thick and the thin to give his colors a dynamic tension. There were also influences from ink painting in that he manipulated the emptiness and fullness, the tinting of colors, the flowing of energy as would an ink painter.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

TEMPO


Imagem e apresentação de Prozacland e, já agora, recomendando a leitura de "Donde vem a electricidade?"

Apetece-me fazer um comentário aos comentários, em geral, no mínimo cépticos, a propósito da entrevista de José Sócrates, à SIC, acerca dos projectos de desenvolvimento a realizar em Portugal nos próximos anos.

Não acreditar é a ideia dominante. Há razões para isso. Já sabemos. Mas só na política? Não será reduzir demasiado a vida social sacralizar o “não acreditar” à política e aos políticos? Mas o resto da vida não está quase toda fora da política? Acreditamos, afinal, em quê?

Política = criação de expectativas. Não se pode condenar um político por cumprir o seu papel. Criar expectativas. Porventura de sinais contrários. Mas, no caso de Sócrates, há uma vantagem evidente: é forte nas convicções e na afirmação de uma vontade política. Se lhe juntarmos a maioria absoluta convenhamos que não é nada pouco.

No fim resta julgar o sucesso ou fracasso das políticas anunciadas. É o ritual democrático que os saudosistas das tiranias de direita e de esquerda têm dificuldade em engolir. No fim o povo julgará: o governo cumpriu ou frustrou as expectativas? No entretanto é preciso acreditar, ao menos, no tempo. Tempo: “Medida de duração dos fenómenos” [Houaiss].

O governo, um dia, cairá. Mas parece-me que é manifestamente prematuro sonhar com a sua queda a breve prazo. Parece-me que vai durar e deixar fundas marcas. Porque este não é um governo com um lider fraco (como foram Guterres, Durão e Santana, cada um ao seu estilo).

Goste-se de Sócrates, ou não se goste, a personalidade dos lideres conta muito na orientação, durabilidade e na obra dos governos democráticos. Esse facto, aparentemente despiciendo, ajudará a que o Tempo se afirme como o mais forte aliado deste governo.

terça-feira, julho 5

À MEMÓRIA DE FERNANDO PESSOA


Fotografia retirada daqui

Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão -
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas,
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio de descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma intriga: as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver -
Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
Poetas, escutai-me. Transformemos
A nossa natural angústia de pensar -
Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!

António Botto

Poema de Cinza
As Canções de António Botto

Editorial Presença - 1999

segunda-feira, julho 4

A Casa de Bernarda Alba


A última peça de Federico Garcia Lorca escrita, dois meses antes de ser assassinado pelos fascistas de Franco, em 1936. Fui ver a encenação de Diogo Infante, no S. Luiz.

Tinha visto outras encenações de que me lembro de uma, muito encantatória, julgo que do TEP (Teatro Experimental do Porto), com encenação de João Guedes. Não saí defraudado desta encenação. Deu-me prazer.

E até me permite a liberdade de referir quão contrastante era a Espanha autoritária, retratada por Lorca, e a Espanha contemporânea cujo parlamento acaba de tomar a decisão de aprovar a lei do casamento entre homossexuais.

Nós por cá vamos discutindo a oportunidade de aprovar uma “lei do aborto”, com ou sem referendo, ganhando cada vez mais atraso. Assim seja...

Fica a fotografia de uma versão da mesma peça representada só por homens e a versão integral, em castelhano, de “La casa de Bernarda Alba”, drama de mujeres en los pueblos de España.

domingo, julho 3

POR VEZES


In Sabor a Sal

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto dos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos corpos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

David Mourão-Ferreira (póstumo)

In “O Livro de Natércia” – Edições Quasi (acabado e sair) no qual este poema surge com a seguinte nota: “Aqui republicamos, com a generosa autorização da família do autor, este poema de Matura Idade (1973), livro dedicado pelo autor a várias poetisas, entre as quais Natércia Freire. O poema escolhido era o que Natércia preferia de David Mourão-Ferreira."

O Teatro de Faro


Não podia deixar passar em branco a recente inauguração do Teatro Municipal de Faro. Tendo sido um dos pioneiros da prática teatral na cidade e na região, pela mão de Emílio Campos Coroa, esta era uma aspiração antiga. Uma conversa antiga como outras que fazem parte do imaginário de quem sonha com o progresso.

Existe o progresso? Pois existe! Aqui está um caso exemplar. Como explicar que a principal região turística de Portugal não pudesse acolher, em condições dignas, por exemplo, uma ópera.

Não sei como será a gestão, nem a programação, nem o orçamento real, nem a relação com os públicos, em suma, não sei qual será a estratégia de afirmação do novo teatro. Está feita a obra, resta dar-lhe o devido uso.

(Já agora, apesar de o actual presidente do município ser um independente, eleito pelo PSD, a criação deste projecto deve-se, por inteiro, aos governos socialistas e a um autarca socialista – é a chamada “pesada herança”!)

sábado, julho 2

AO PÉ DA CASA


Apresentando Marília Campos e marilia

Ontem, divagando por um bairro
mais distante, passei pela casa
onde eu às vezes ia, ao tempo de ser jovem.
De meu corpo o Amor se apoderou ali
com sua força incrível. Ontem,
quando passava pela velha rua,
lojas, calçada, pedras,
paredes e varandas e janelas,
tudo se transformou por magia do amor.
nada restou que fosse pobre e vil.

E enquanto eu me ficava olhando a porta,
parado, a demorar-me ao pé da casa,
de todo o ser me fluíam, restitutos,
os sensuais prazeres que tinha em mim guardados.

[1918]

Constantino Cavafy

In “90 e mais quatro poemas” – tradução de Jorge de Sena

(Era este o poema que desejava e não "Corpo, Lembra ..." já antes publicado.)


Reflection


Reflection [oil on canvas 36 x 36"]

Bao LeDe (b. 1959- ) came to US in 1989, and has been living and working in the Boston area for more than a decade. Abstract Expressionism has been always his genre. His paintings, in brilliant colors, were painted boldly and dynamically with gestures which were clearly the influenced by traditional Chinese calligraphy. Perhaps the distant between the United States and China made him think more about his own culture for he fell in love with ink painting, the beauty of black and white. He used a lot of black in his paintings. Bao continued his experiments with collage from fifteen years ago, gluing rice paper on canvas layer by layer, then painting over the result. He is a painter full of an inner energy that emerges in every stroke. His new collage paintings were gentle, but quietly powerful.
 
(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

sexta-feira, julho 1

Divas & Contrabaixos


Gostei muito de ler no Divas & Contrabaixos "A pele como órgão de revestimento”. E da fotografia também.

Para amenizar um poema de Carlos Drummond de Andrade

O CHÃO É CAMA

O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.

in “O Amor Natural”

A propósito das campanhas contra a política do governo socialista

Está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR e no site do "Semanário Económico" o artigo com o título em epígrafe, hoje publicado, de que transcrevo a abertura:

"Nenhum governo socialista pode esquecer as pessoas, nem pode esquecer a luta contra as desigualdades, logo a justiça social, nem esquecer a busca dos consensos, logo o diálogo social.

Mas o que está em causa, agora e aqui, é a questão da capacidade competitiva de um país que, como Portugal, aceitou integrar uma comunidade de países mais vasta: a UE."

quinta-feira, junho 30

EMÍDIO GUERREIRO - MATEMÁTICO


Fotografia de Sociedade Martins Sarmento

A morte do velho professor

"A única vez que vi de perto o Professor Emídio Guerreiro foi há um ano, no Porto, num jantar. Era um jantar de homenagem promovido pela Sociedade Portuguesa de Matemática, no encerramento do seu encontro nacional.

O fim de tarde estava magnífico. Os participantes juntaram-se nos jardins da Quinta da Bonjóia, conversando e apreciando a paisagem. À hora marcada, o idoso professor chegou numa viatura, acompanhado de amigos. Fomos buscá-lo e ajudá-lo a atravessar o jardim. As conversas abrandaram e todos quisemos ter oportunidade de acompanhar de perto o velho matemático.

Sim. Emídio Guerreiro era um matemático. Na altura certamente o único que tinha sido activo ainda nos tempos da I República. E o único sobrevivente expulso da vida académica ainda antes da formação da Sociedade Portuguesa de Matemática, que ocorreu em 1940.

Emídio Guerreiro foi nomeado assistente extraordinário na Universidade do Porto no ano de 1931, mas a polícia política impediu-o de exercer esse trabalho. Exilado, pegou em armas contra o fascismo, primeiro em Espanha, depois em França. Após a guerra, foi professor de matemática no liceu Jeanson-de-Sailly, em França. Só regressou ao país no 25 de Abril.

Emídio Guerreiro é conhecido como político. Mas foi sempre um matemático apaixonado. Era sócio honorário da Sociedade Portuguesa de Matemática e continuou até ao fim da vida interessado pelo desenvolvimento da matemática.

No fim do jantar, fez um discurso emotivo. Falou de pé durante três quartos de hora. Lembro-me bem de algumas partes. Mas a certa altura disse algo que não quis perder e que por isso escrevi nas páginas finais de um livro na altura distribuído pelo Prof. Paulo Almeida. Fui agora buscar esse livro, que se chama Dois Apontamentos Matemáticos e que tem como autor o próprio Emídio Guerreiro. Li de novo o que o velho professor disse.

«Vi muitas coisas na minha vida. Vi guerras, vi misérias. Mas vi a demonstração da conjectura de Fermat».

Só um grande espírito poderia considerar um vitória pura da razão como uma das coisas mais importantes da vida."

Nuno Crato
in “Expresso on line”


A última entrevista de Emídio Guerreiro? Acerca de Álvaro Cunhal publicada no JN em15 de Junho passado: "Um homem que nunca mudou de ideias"

Black Chinese Dress


Black Chinese Dress [oil on canvas 28 x 44 in]

Zhao Kailin was born in 1961 China. 1988, he studied at Oil Painting Department of Central Academy of Fine Arts. Now he lives in China.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

"TORRE DA LIBERDADE"


Imagem e texto do new york on time

Comentários do crítico de arquitetura do New York Times, Nicolai OUroussoff, sobre o monstrengo apresentado ontem como projeto da "Torre da Liberdade" a ser construída (se for) onde ficavam as torres do World Trade Center:

"Sombrio, opressivo e mal concebido, o projeto sugere um monumento a uma sociedade que virou as costas a qualquer noção de abertura cultural. É exatamente o tipo de pesadelo que as autoridades garantiram que nunca aconteceria aqui: uma torre inexpugnável reforçada contra o mundo de fora... A Torre da Liberdade encarna um mundo moldado pelo medo".

quarta-feira, junho 29

Emídio Guerreiro


Na época de todas as mortes. Emídio Guerreiro um lutador pela democracia e pela liberdade. Morreu aos 105 anos. Bem haja.

Biografia Breve - Uma vida em três séculos

Ao longo da sua longa vida, que atravessou três séculos, Emídio Guerreiro assistiu à implantação da República, viu nascer e morrer a ditadura, de que foi um dos mais destacados combatentes, atravessou duas guerras mundiais e participou na construção do regime democrático em Portugal.

Emídio Guerreiro nasceu a 6 de Setembro de 1899, em Guimarães, numa família de ideais republicanos, que acolheria como seus durante toda a vida. Frequentou a Universidade do Porto, onde cursou Matemática, depois de ter lutado como voluntário na I Guerra Mundial - o seu primeiro encontro com a conturbada história do século XX.

Em 1926, um golpe de Estado impõe a ditadura em Portugal, mas a 3 de Fevereiro do ano seguinte Emídio Guerreiro junta-se aos revoltosos que, em vão, tentaram derrubar os golpistas.Em 1928, funda no Porto a loja maçónica "A Comuna", do Grande Oriente Lusitano Unido.

Em 1932, escreve um panfleto contra o então presidente Óscar Carmona, acabando por ser detido, mas um ano depois conseguiria evadir-se, iniciando um exílio que se prolongaria por mais de 40 anos. A primeira paragem é em Espanha, onde dá aulas, mas o início da guerra civil leva-o a combater ao lado das forças republicanas.

Em 1939, com a vitória dos franquistas, fixa-se em França, passando à clandestinidade quando os nazis invadem o país, durante a II Guerra Mundial, tendo sido membro activo da resistência à ocupação alemã. Findo o conflito, Emídio Guerreiro voltou ao ensino de Matemática, desta vez na Academia de Paris.

Na capital francesa, funda em 1967, juntamente com outros exilados políticos, a LUAR, Liga Unificada de Acção Revolucionária, para combater o regime salazarista.

De regresso a Portugal, depois do 25 de Abril, foi um dos fundadores do PPD. Em 1975 foi eleito secretário-geral, tendo liderando o partido durante o período de ausência de Sá Carneiro no estrangeiro, por doença. Deputado à Assembleia Constituinte, viria a afastar-se do PPD, descontente com o rumo que o partido estava a seguir, e nos últimos anos aproximou-se do PS.

Em entrevista ao "Expresso", por ocasião do centenário do seu nascimento, Emídio Guerreiro elegeu a dignidade humana como o ideal que norteou a sua vida.

"Como não pode haver dignidade se não houver liberdade, naturalmente que eu lutei pela liberdade. Lutei contra todos os regimes prepotentes, lutei contra todas as ditaduras", afirmou.

LUSA

A Última das Paixões


No Pentimento ler artigo, em “O Globo”, acerca da polémica entre Camus e Barthes a propósito de “A Peste”. É um clássico.

“A liberdade é a última das paixões individuais. Eis porque é nos nossos dias imoral. Na sociedade e até por si própria, é imoral.”

Camus, in “Cadernos” (por volta de Outubro de 1945)

SILÊNCIO


Apresentando Amoralva - O sabor da poesia

A propósito da greve dos enfermeiros, mais enfermeiras.

Sempre fui muito bem tratado por eles, mais elas que eles. Sempre que, por infortúnio, precisei dos seus cuidados, poucas vezes, graças a deus, só encontrei o lado bom dos homens, no caso, mais das mulheres. Não conheço todos os regimes especiais da função pública que, em Portugal, agora se soube, preto no branco, são muitos e variados.

Mas, salvo muito poucos casos de profissões, absolutamente excepcionais, a luta contra o aumento da idade de reforma é uma luta perdida e inglória. É a lei da vida que se sobrepõe à lei dos homens. Os médicos, mais médicas, e os enfermeiros, mais enfermeiras, sabem disso melhor do que ninguém. Silêncio! A greve é para quê?

terça-feira, junho 28

GARLIC


Garlic [oil on canvas 74 x 63 in]

Lin Chun Yan was born in 1962, China. At 1990 he moved to Australia, and graduated from Sydney University art department at 1994. In 1998, he moved back to Beijing and live there till now. His painting has the Expressionist aspect, he freed his figures, let them fly, stretch into the air, the strokes were thick, and textured, with gesture similar to those in ink painting. He used singular color, pure and bold, very attractive. He painted heads as vegetables, creating highly absurd metaphors.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

À MEIA-NOITE, PELO TELEFONE


Foto de Fabiola Narváez

À meia-noite, pelo telefone,
conta-me que é fulva a mata do seu púbis.
Outras notícias
do corpo não quer dar, nem de seus gostos.
Fecha-se em copas:
“Se você não vem depressa até aqui
nem eu posso correr à sua casa,
que seria de mim até ao amanhecer?”

Concordo, calo-me.

Carlos Drummond de Andrade

In “O Amor Natural”
Record

segunda-feira, junho 27

OS HOMENS SÁBIOS ENTENDEM O QUE VAI PASSAR-SE


Porque os deuses sabem dos eventos futuros, e os homens dos eventos presentes. Mas o sábio sabe do que vai passar-se.
Filóstrato, Sobre Apolónio de Tiana, VII,7.

O que acontece agora sabem os mortais,
e o que será um dia os deuses sabem,
os únicos senhores de toda a luz profunda.
Mas o que vai acontecer em breve
o atento sábio sabe. O seu ouvido

às horas do silêncio há que escuta
inquieto e perturbado estranhos sons
que às vezes vêm de eventos que estão prestes.
E respeitosamente atenta neles,
enquanto as gentes fora nada ouvem.

[1915]

Constantino Cavafy
“90 e mais quatro poemas”, tradução de Jorge de Sena
Edições ASA


Margarida Delgado (5)


Vestido – 2 In Sabor a Sal

O corpo visto. Vestido imaginado. O corpo definido. Tomado do ângulo certo. A volúpia do corpo. Dobrado e reflectido. Movimento indefinido. O corpo mais além. O corpo desejado.

POLICIAS


Não me apeteceu escrever nada acerca das manifestações dos policias. Mas reparei nelas. Toda a gente reparou. É para serem reparadas que as manifestações se fazem. São demonstrações. Manifestação e demonstração são mesmo sinónimos.

Eu gosto muito de demonstrações. Quando se faziam contra a ditadura e contra guerra colonial, então nem se fala! E pelos legítimos direitos dos trabalhadores! E pela paz autêntica. Era uma adrenalina maluca quando sabíamos que eles vinham para cima de nós. Quando vinham no nosso encalço e nos perseguiam. Nos batiam com bastões e nos ameaçavam a cavalo ou com cães que espumavam pela boca. Drogados. Os cães.

Os polícias já não são o que eram. Agora são eles que fazem demonstrações. A imaginação ao poder! A primeira demonstração foi uma procissão simulada com um padre a abrir, na frente, o cortejo. A "procissão do ministro morto"! A segunda demonstração foi fardada e ilegal. Digo bem ou digo mal?

Antes fazíamos manifestações apesar das proibições. Agora fazem-se proibições apesar das manifestações. O chefe do sindicalismo policial disse no meio da manifestação ilegal: “agora vale tudo”.

Um dia ainda vamos ter de nos organizar para repor a ordem pública. Colocar os polícias a fazer ordem unida. A desfilar alinhados ao som da música de fanfarra. A ajudar o cidadão indefeso. A dar o exemplo de civilidade e de apego ao cumprimento da lei.

A comunidade, aqueles que trabalham e pagam impostos, os que lutaram pela liberdade, com o sacrifício, às vezes, da sua própria liberdade, e da vida, agradecem a quem de direito que ponha os policias na ordem.

domingo, junho 26

IR PELA SUA MÃO


Fotografia de Om Namah Shivaya

Em memória de meu pai

Ir pela sua mão era caminhar
para um paraíso sem nome,
sonhar uma aventura terna
sabendo de cor o caminho
de regresso a casa a pé
sem guia nem vertigens

Ir pela sua mão aberta
à ternura de mão solitária
era saborear um engano
sem mácula, sobreviver
e nada dever aos outros
que se não pudesse devolver

Ir pela sua mão desarmada
não deixava rasto no chão
e a minha cabeça voava à roda
do meu coração que batia
como agora quando me escapo
à rotina do bater do dia

Ir pela sua mão lembra-me
sempre o dobrar dos dias,
homens tristes de ombros
postos nas esquinas luzidias
esperando taciturnos perder
o sentido do seu próprio corpo

Ir pela sua mão seria partir
do nada ao especial feito,
rasgar um caminho incerto
de mágoas, uma alegria banal,
sagradas confidências guardadas
entre nós que se não confiam

Ir pela sua mão dava acesso
ao mundo, mas ninguém soube
das suas amantes que eu vi,
nem dos gritos do seu olhar
que se abria dolente para mim
pedindo em silêncio aceitação

Eu tudo lhe dei sempre sem pedir
nada em troca, somente por vezes
a sua mão para ir nela confiante
em busca de um caminho qualquer
que não sabia onde levava nem
isso de verdade nada interessava.

(In "Ir pela sua mão" - Maio 2003 - Editora Ausência. Um poema meu, a título excepcional, suscitado pela referência amável do JPN no Respirar o Mesmo Ar)

sábado, junho 25

ANNE BANCROFT


A Tribute to Anne Bancroft [September 17, 1931 – June 6, 2005]

Tenho algures um cromo antigo, daqueles das colecções, com o seu rosto. Deslumbrante pois deixava transparecer mais do que a superficialidade que, injustamente, muitas vezes, se associa às grandes actrizes.

Como diz, hoje, no Expresso, José Cutileiro, “o seu génio histriónico era servido por interesses sociais, grande cultura e uma energia transbordante…” e “Arthur Penn dissera que aconteciam mais coisas na sua cara em dez segundos do que acontecem na cara da maioria das mulheres em dez anos”.

FIGURE


Figure in the Word Series-2 [oil on canvas and wood]

Jiang Hai (b.1961- ), who had been producing shocking pieces for more than twenty years, painted group gigantic paintings. People were amazed that he had energy of a volcano that could endlessly erupt. There were distorted depressed nudes in his paintings. His large strokes were bold and strong, as if exploding out of his heart, layer by layer, from left to right, as chaotic as a knot of entangled hemp with dazzling colors, which produced a strong visual impact. His highly expressionistic paintings were symbolic imageries of his intensive emotions, revealing the conflicts and dilemmas between humanity and the society.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

LISBOA



A palavra Lisboa sempre me faz lembrar poesia. As ruas inclinadas e os elevadores, a alta e a baixa, o rio e a serra, as colinas e a melancolia. Tantos poetas que a cantaram e cantam. Tantos perseguidos que nela buscaram amigável refúgio. Os motivos de encantamento de Lisboa estão sempre à frente. As misérias sempre atrás. Que as há. Mas a luz de Lisboa esconde o escuro das vidas sem destino.

Lisboa vai escolher quem a governe, durante 4 anos, a partir de Outubro de 2005. A sondagem, publicada hoje no Expresso, mostra que as eleições autárquicas em Lisboa serão, desde 1989, as primeiras sem coligação de esquerda. Qual o espanto acerca do resultado dessa sondagem? Nenhum!

A esquerda, em Lisboa, é maioritária mas dividida perde. Salvo no dealbar da democracia representativa, logo após o 25 de Abril de 74, sempre assim foi. Nem outra coisa seria de esperar!

A solução do “cada um por si”, adoptada pelos partidos de esquerda, é perdedora à partida. Ainda para mais no actual contexto político geral! Só uma milagrosa votação no PP poderia fazer reverter a situação.

Nem falo do candidato do PS. Estimável. Mas todos os outros são mais fortes, no seu estilo e face à expectativa dos seus eleitorados, do que Carrilho. O erro está a montante. Mas não vale a pena falar disso.

sexta-feira, junho 24

OU ISTO OU AQUILO


Apresentando Om Namah Shivaya

OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e não guardo o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

Cecília Meireles

new york on time


Apresentando new york on time

Margarida Delgado (4)


Vestido Um - Simplemente a Imagem

In Sabor a Sal

quinta-feira, junho 23

BLAIR


Imagem e mais informação no Tugir

Reproduzo no IR AO FUNDO E VOLTAR, na íntegra, o discurso hoje proferido por Tony Blair no Parlamento Europeu.

Parece-me uma peça importante na actual crise da UE e um indício favorável à sua resolução.

Aqui fica um breve, e significativo, excerto desse discurso:

“Since being Prime Minister I signed the Social Chapter, helped, along with France, to create the modern European Defence Policy, have played my part in the Amsterdam, the Nice, then the Rome Treaties.

This is a union of values, of solidarity between nations and people, of not just a common market in which we trade but a common political space in which we live as citizens.


It always will be.

I believe in Europe as a political project. I believe in Europe with a strong and caring social dimension. I would never accept a Europe that was simply an economic market.”

At Lake Side


At Lake Side [68 x 68 cm. Ink and color on rice paper]

Wu Yang was born 1970 China. 1991 he graduated from Central Academy of Fine Arts with Chinese Painting major. Now he lives in China.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

Professores


Fotografia de Pela Lente

Ao longo da minha vida escolar fui aluno e confrontei-me com professores novos e menos novos. Desde a “escola primária”, passando pelo secundário, até à universidade. Tive sorte. Os novos eram, quase todos, muito bons: dizer nomes não adianta mas sempre cito Maria José Espanhol (que será feito?), Luisa Neto Jorge (grande poeta, já falecida), Fiama Hasse Pais Brandão (idem, mas viva), o José Neves (quase até ao fim), Almodoval, Joaquim Magalhães ...

Os novos, por vezes, encantavam pela sua energia. Os velhos, quase sempre, pela sua sabedoria. Hoje um professor é velho aos 55 anos? A experiência adquirida fê-lo perder capacidades? Qual a idade da sabedoria?

Todo o discurso, explícito ou implícito, em favor da reforma antecipada da vida activa, forçada ou voluntária, é falso e eivado de hipocrisia. Os professores quanto mais velhos mais capazes para ensinar. Caso contrário estaremos perante um mundo às avessas. E não me venham argumentar com a escola democrática e multicultural, de hoje, como se fosse um campo de batalha! A escola, mesmo elitista, sempre foi (e é) um campo de batalha.

Pois não é nela que se realiza o confronto entre a ignorância e o saber. Entre a impulsividade própria da juventude e a paciência própria da maturidade. Entre culturas diversas, etnias e sensibilidades. A escola é o lugar do encontro de todas as expectativas, frustrações, sentimentos, paixões, ódios, desejos, arrebatamentos, saberes e ignorâncias.

Difícil? Mas alguma grande obra que envolva toda a sociedade na batalha do conhecimento é fácil?

quarta-feira, junho 22

MORTOS MAS FELIZES


Apresentando a Mega Fauna

Discutem-se muitas coisas interessantes a propósito da administração a partir das iniciativas do governo. Uma das questões que mais se discute é a idade da reforma. Desde 1996 que escrevi diversos textos acerca da questão do “envelhecimento demográfico”.

Sempre foi claro para mim e para qualquer um, que tenha um mínimo de senso, que a idade de reforma tem de aumentar. Sabem que, por exemplo, os professores do 1º ciclo (antigos “professores primários”) se podem reformar com 30 anos de serviço e 55 anos de idade? Ou com 32 anos de serviço e 52 anos de idade?

Com pensões superiores às remunerações dos professores e técnicos no topo das carreiras e que permanecem no activo? Como a maior parte são professoras isto representa simplesmente que estarão, em média, 30 anos na reforma, ou seja, o mesmo número de anos que estiveram no activo.

Acham possível manter esta situação? Razoável no plano da solidariedade intergeracional? Viável no plano financeiro? Justa no plano social? Mas não pensem que se tratam de casos pontuais, desiludam-se. São mesmo em número muito elevado.

Para que não fiquemos todos sós no deserto, mortos mas felizes, talvez seja de pensar em trabalhar até um pouco mais tarde. Eu penso assim e vi que, por exemplo, o Galopim de Carvalho, numa entrevista recente, pensava da mesma maneira.

Lenine Segundo o Evangelho


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Diálogo, no corredor da prisão de Sverdlovsk, entre Anna Bukharina e uma mulher muito velha que lhe chamou a atenção.

- Meu filho, dá-me qualquer coisa para os rins – pediu ela.
- E que é que tu queres que eu te dê? Com os teus 110 anos, não há nada que te possa fazer bem!
Todos ficaram espantados: de verdade, 110 anos?
- Há-de haver, há-de haver. Dá-me um comprimido – insistiu ela.
- Aspirina, se quiseres: pode fazer-te bem. Dá-lhe um comprimido!
- É verdade, avozinha, que tem 110 anos? – perguntei eu.
- Tudo o que há de mais certo – disse o legpom. – Eu vi o seu processo: ela nasceu em 1827.
- Porque é que não havia de ser verdade, se é a verdade? – confirmou ela.
- Então viveste no tempo do Puchkine?
- Daquele que escrevia versos? É o que se diz.
- Porque é que te prenderam, avozinha?
- Eu não sei porquê. O inquiridor disse que eu lia o Evangelho e que este dizia mal de Lenine.
- Tu confundiste alguma coisa, avozinha, não é possível.
- Eu não confundi nada, foi ele que misturou tudo.

Por causa de Lenine segundo o Evangelho, cinco anos de campo de concentração.

In “Bukharine, Minha Paixão”, de Anna Larina Bukharina (Terramar). Livro de leitura aconselhável também para entender muitos dos fenómenos do nosso tempo.

terça-feira, junho 21

Yellow Rose


Yellow Rose [oil on canvas 30 x 30 in]

George Xiong was born in 1948, China. 1970 he graduated from The Central Academy of Design With B.A. degree. 1989, he graduated from The City University of New York, with M.A. degree. Now he lives and works in New York.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

segunda-feira, junho 20

TO HELENA


In Sabor a Sal

Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais coerente
A via enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente

Ruy Belo

Transporte no Tempo
Editorial Presença (1997 - 4 ª edição)

Os Pescadores-China (Fuzhou)


Fotografia de MR - Junho de 2005

Em Fuzhou, no meio do lago sereno, um barco de pesca. Sempre um único barco. Talvez sempre o mesmo barco.

domingo, junho 19

"Bukharine, Minha Paixão" e Ludgero Pinto Basto


Capa da Edição Russa. Edição Portuguesa da Terramar

Abateu-se um calor de chumbo sobre Lisboa. Queria comprar o livro "Bukharine, Minha Paixão", escrito pela mulher de Bukharine, Anna Larina Bukharina. Sabia que tinha surgido nas bancas mas só me decidi quando este sábado li, no “Expresso”, uma entrevista, antiga, mas inédita, com o médico comunista Ludgero Pinto Basto cuja mística sempre me seduziu, além do mais, por ser amigo do seu filho Ludgero.

Foi o “velho militante comunista” que fez a tradução do livro para português. Morreu o mês passado com 96 anos sem o ter visto no mercado. A sua morte mereceu algumas referências esparsas e breves apesar da importância do seu legado ao PCP tendo sido, inclusive, com Álvaro Cunhal e Francisco Miguel membro do Secretariado do partido no final dos anos 30.

Não deixa de ser assinalável que, mantendo-se fiel ao PCP, tenha sido um crítico do Estalinismo como decorre, explicitamente, do teor da entrevista publicada no Expresso e do seu interesse pelo extraordinário testemunho histórico de Anna Larina.

Mais espanta que, quer a entrevista, quer o livro, só tenham surgido a público após a morte de Ludgero Pinto Basto. Mistérios... .

Ler ainda Água Lisa (2)

A HORA


Fotografia de M.R.

Estão gastas as palavras do elogio fúnebre mesmo que a palavra elogio se demarque da palavra fúnebre. Tantos heróis que morreram e não lhes lembramos os nomes nem a gesta. Os heróis desconhecidos. E os nossos heróis do quotidiano? As pessoas vulgares que conhecemos e que ninguém mais, na realidade, conhece. A maioria das quais nunca ninguém lhes ouviu o nome. E os nossos amigos que nunca revelaram fora de si um gesto heróico.

Um simples olhar reconfortante.
Uma mão que segura outra mão.
Um corpo que aquece outro corpo.
Uma palavra no momento certo.
Uma decisão a tempo.
Uma pergunta omitida.
O silêncio no meio da algazarra.
O braço que se levanta a custo.
A hora que já não se alcança ver.
Ouvir a palavra baça dita antes do fim.
Um passo em frente na tragédia da morte.

Os heróis do nosso desespero sobrevivem em nós depois da partida.

Faz hoje um mês que a Carla morreu.
Passou tempo.
Cá fora a luz é a mesma.
O relógio marca a hora.
Deixemos passar o tempo.
Afinal também estamos sós.

sábado, junho 18

O Mundo da Pesca na Cabeça do Meu Filho e as Azenhas do Mar


Desenho de MM em Fevereiro de 99 (com 8 anos).

O mar, os peixes e a pesca são paixões antigas do meu filho que sempre representou sob as mais diversas formas.

Um dia estávamos no muro da piscina de mar das azenhas à pesca quando se aproximou uma senhora, muito aflita, perguntando se tínhamos ouvido falar na “onda gigante” que aí vinha. Disse-lhe que não tinha ouvido nada e continuamos mas reparei que muita gente se afastou.

Outra vez, no mesmo sítio, perdemos um belo e enorme peixe que não tivemos força, engenho e arte para libertar das pedras da babugem.

Mas o pior foi um dia em que se aproximou de nós uma jovem espanhola, de guia turístico em punho, perguntando se aquele era mesmo o sítio que ela julgava estar a visitar. Era mesmo mas, em ruínas, não correspondia em nada à imagem resplandecente da fotografia que a tinha atraído ao lugar.

Hoje aquele sítio magnífico – azenhas do mar – está melhor tratado e apresentado. Muito por influência dos autores e gestores do projecto de recuperação do restaurante que ocupa um lugar central naquele lugar. Bem hajam e não desistam.

Ver azenhas do mar aqui e aqui.

sexta-feira, junho 17

Legend of Beauty II


Legend of Beauty II [48 x 64 in Chinese ink and color on rice paper]

Gu Ying Qing was born in 1959, China and graduated from China Academy of Fine Arts with B.A. degree on Chinese painting in 1988. Now he works as a professor of Chinese painting in China. He tried to transform realistic ink painting into something new by combining western modern art with Chinese ink painting.

It is obvious that he was influenced by Matisse, Gaughin, and Modigliani. He manipulated his paintings by mixing oil pastel, wax, pigments colors, making them look thicker, modern and colorful. He is one of the pioneer in Chinese modern ink painting.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

IGNORÂNCIA


Foto da Catedral

É triste ler, ver e ouvir tantos jornalistas, repórteres e comentaristas, ignorantes da história e dos mistérios da vida, debruçarem-se, gastando as palavras, acerca de Álvaro Cunhal. O maior tributo que poderiam prestar à inteligência e à sensibilidade de um povo era estarem calados ou falarem só após estudarem, ao menos um pouco, a biografia e a história do PCP e do Movimento Comunista. Ao menos evitavam expor publicamente a sua ignorância. Mas precisam de ganhar a vida!

(Escrito durante o funeral de Cunhal mas postado só agora por influência da série
NOTAS BREVES SOBRE OS ÚLTIMOS DIAS, no Abrupto)
.

Eugénio de Andrade por Marcelo Moutinho


Imagem interior da Casa das Azenhas do Mar - fotografia de M.R.

Marcelo Moutinho, no Pentimento, publica muita (e boa) poesia de autores portugueses. Desta vez ficou irritado com a ausência de referências, na imprensa do Brasil, à morte de Eugénio de Andrade e publicou um trabalho no “Jornal do Brasil”. Obrigado.

Bicicleta ao Sol Nascente em Fuzhou


Junho de 2005. Fotografia de M.R.

A bicicleta ao sol nascente. De manhã cedo – 6,30 h. - ouve-se a música. Depois do pequeno almoço o passeio em torno do lago. As pessoas juntam-se e, em comunhão com a natureza, preparam-se para exercitar o corpo e o espírito antes de mais um dia de trabalho.

(A minha mulher, M.R., é a autora da série de fotografias que, a partir de hoje, vou postar. A sua visão da China não é a de uma turista mas a visão de alguém que trabalha em contacto directo com a sociedade e a produção, a chamada “China real” ).

quinta-feira, junho 16

Introdução à Inglaterra


A ler no Dias com Àrvores

(…)

“Em Portugal, é diferente: tudo se perde, e nada se transforma. Aqui, perto de mim, nesta aldeia do Buckinghamshire de onde escrevo(*), para além destas árvores magníficas onde há pássaros e passeiam esquilos, está o velho cemitério acerca do qual Gray escreveu um dos mais belos poemas do século XVIII (**). Toda a gente aqui sabe disto, e é difícil distinguir quem está em dívida, se o velho cemitério à volta da igrejinha, se o sábio e catedrático Gray.»

Jorge de Sena, Sobre Literatura e Cultura Britânicas (ed. Relógio D'Água, 2005)(*)

Stoke Poges(**)

Elegy Written in a Country Church-Yard de Thomas Gray (1716-71)

FUNERAL DE ÁLVARO CUNHAL


Foto da Catedral

“Há uma única fatalidade que é a morte e fora da qual não há fatalidade. No espaço de tempo que vai do nascimento à morte, nada está fixado: pode alterar-se tudo e mesmo suspender a guerra e mesmo manter a paz, se o desejamos verdadeiramente, muito e durante muito tempo.”

Camus, in “Cadernos”

Red Roof Cottage


Red Roof Cottage [ oil on canvas 36 x 36 in]

Huang Duo Ling was born in 1950 China. In 1976, she graduated from Tianjing Academy of Fine Arts with B.A. degree on oil painting. In 1988, she graduated from Brooklyn College, The City University of New York. She lives and works in New York.

(Série - Artistas Chineses)

In Tao Water Art Gallery

quarta-feira, junho 15

ACDC e CHE


A mochila do meu filho no fim do ano lectivo. Mais importante que ela – quase destruída – talvez sejam os símbolos que ostenta. As imagens dos ACDC e do Che.

A juventude, o inconformismo e o espírito de aventura de hoje buscam imagens que julgaríamos perdidas no saudosismo do passado.

Como, por vezes, nos enganamos ao julgar os nossos próprios símbolos!

A JOVEM Y


In Sabor a Sal

Um dia recebi uma carta de alguém que não conhecia mas que desejava apresentar uma questão que me interessou. Era alguém familiar de uma jovem licenciada que tinha sido atingida por uma doença grave.

O CV não deixava dúvidas acerca do valor da jovem Y e não foi difícil decidir pela sua admissão para um estágio. Foi o que comuniquei, pessoalmente, à pessoa que me procurou. Não mais esquecerei as suas palavras, lágrimas nos olhos, à despedida: “Não sabe o bem que acaba de fazer”. A integração foi difícil mas o mais importante estava feito. A jovem Y trabalhou, criou amizades e casou.

Com a integração da jovem Y a administração pública ficou mais pobre ou mais rica? Não interessa pois nada de verdadeiramente relevante é contabilizado pela administração pública. Os afectos, as dedicações e as competências estão lá mas pouco contam. O que conta é a passagem do tempo de serviço e pouco mais.

A jovem Y, para a administração pública, não contava para nada mas para mim contou para muito. Não mais a esqueci.