Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sábado, setembro 3
A IMORTALIDADE É UMA IDEIA SEM FUTURO
Timão
“Renunciar a essa servidão que é o atractivo feminino”
“Privado daquilo que é pecado, o homem não poderia viver; mas viveria perfeitamente privado do que é são.” – A imortalidade é uma ideia sem futuro.
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
sexta-feira, setembro 2
E Agora, Senhor Bush?
Fotografia in Público
Bush admite fracasso da resposta à crise humanitária provocada pelo "Katrina"
É um paradoxo que embaraça mesmo o mais radical dos opositores da política do Senhor Bush. Não vale a pena esquecer as vítimas nem o fracasso da resposta da “protecção civil” interna de um país que “protege” povos inteiros das mais variadas “desgraças”.
É um paradoxo dramático observar que a população dos USA, em particular, a mais pobre, não encontra melhor sorte nas desgraças do que a mais pobre população de um país dos mais pobres do planeta. Há diferenças, certamente que as há. Mas fica a ideia de uma administração americana à deriva face às exigências mínimas na resposta a uma catástrofe natural anunciada.
O senhor Bush deve ter acabado, politicamente, por estes dias. Afinal não foi nenhuma intervenção externa que o fez cair. Mas é preciso ter cuidado pois quando as coisas correm mal, na frente interna, os presidentes americanos, acossados, lançam uma confrontação externa. Qual será ela?
O SEU A SEU DONO
“Presidi aos destinos do INATEL durante 7 anos. Devo ser, pois, o cidadão português, vivo, que durante mais tempo exerceu aquelas funções.”
Já está disponível no site do “Semanário Económico” e no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo de opinião sob o título em epígrafe.
Já está disponível no site do “Semanário Económico” e no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo de opinião sob o título em epígrafe.
PEDRO PEDROSA
O Pedro Pedrosa é um velho conhecido meu das lides do processo de modernização do INATEL. Assumiu muitas e variadas responsabilidades de que destaco a coordenação da equipa de projecto que concebeu e executou a “Carta do Lazer das Aldeias Históricas”.
Soube agora que vai finalmente fazer a defesa da Tese de Mestrado no próximo dia 6 de Setembro, terça-feira, pelas 14h30, na Sala de Actos (edifício IV) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL), situada no Monte da Caparica.
A tese é subordinada ao tema: "Redes Integradas de Percursos Turísticos assistidas por Tecnologias de Localização". Um tema, certamente, muito interessante abordando o papel das modernas tecnologias aplicadas ao desenvolvimento e modernização da actividade turística.
O Júri será constituído por Maria do Rosário Partidário (FCT/UNL), António Câmara (FCT/UNL) e Carlos Costa (Univ. Aveiro).
Boa Sorte!
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Sumário da Dissertação
«O trabalho realizado parte da premissa de que existem regiões do território em busca de desenvolvimento económico-social e que este se deve pautar pelos princípios do desenvolvimento sustentável. Algumas das áreas de Portugal enquadráveis nestas condições encontram-se no interior do país, onde projectos como as redes de aldeias iniciaram um caminho nessa via.
Defende-se o fomento de processos de Desenvolvimento Turístico Sustentável e apresentam-se as suas características e formas de implementação. Têm-se em conta tipos oferta e procura, utilizando modelos de turismo alternativo ao turismo de massas, sendo proposto o recurso ao turismo de natureza e à utilização de percursos e suas redes como forma preferencial de organizar e dar a conhecer todo o tipo de recursos turísticos de uma região.
Afirma-se ainda que a utilização de tecnologias de informação e comunicação sem fios traz vantagens para o Desenvolvimento Turístico Sustentável e seu ordenamento e planeamento como parte de um sistema de informação turística de nova geração. Estas tecnologias podem ser utilizadas tanto pelo gestor do território como pelo turista.
Da análise da realidade nacional, observam-se as potencialidades do país para modelos de turismo alternativo, transformando a ameaças de desertificação de áreas de baixa densidade em oportunidades de desenvolvimento turístico, capazes de afirmar Portugal enquanto destino de primeira escolha no mercado turístico mundial.»
NICÓSIA
quinta-feira, setembro 1
LISBOA
Lisboa a P&B - Fotografia de JCNero
In Olhares
A imagem de uma rua de Lisboa. A luz, as marcas do tempo, a calçada, os carris, os remendos, a memória na qual nos reconhecemos.
ARGEL
Argel, vista de terra, antes de 1954
“18 de Março de 41.
Os montes por cima de Argel transbordam de flores na primavera. O aroma a mel das flores derrama-se pelas ruazinhas. Enormes ciprestes negros deixam jorrar dos seus cumes reflexos de glicínias e de espinheiros cujo percurso se mantém dissimulado no interior. Um vento suave, o golfo imenso e plano. Um desejo forte e simples – e o absurdo de abandonar tudo isto.”
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(A pensar no Dias com árvores. Camus, no final de 1940, casa com Francine Faure, estudante de uma família abastada de Orão. Este fragmento deixa antever a época que antecedeu a sua partida para Orão onde viverá em casa da família da mulher até aos inícios de 42.)
quarta-feira, agosto 31
MENSAGEM
MENSAGEM - Edição bilingue Português/Espanhol
NOTA PRELIMINAR
O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.
A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira conforme vou citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar.
A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não criá-la. Por intuição se entende aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja.
A terceira é a inteligência. A inteligência analisa, decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo; tem, porém, que fazê-lo depois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia no exame dos símbolos, é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo. Não poderá fazer isto se a simpatia não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não tiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado.
A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma; nem direi cultura, pois a cultura é uma síntese; e a compreensão é uma vida. Assim certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houver antes, ou no mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes.
A quinta é a menos definível. Direi talvez, falando a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito, falando a terceiros, que é o Conhecimento e a Conversação do Santo Anjo da Guarda, entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo.
Fernando Pessoa
………………..
El entendimiento de los símbolos y de los rituales (simbólicos) exige del intérprete que posea cinco cualidades o condiciones, sin las cuales los símbolos serán para él muertos, y él un muerto para ellos.
La primera es la simpatía; no diré la primera en tiempo, pero la primera a medida que voy citando, y cito por grados de simplicidad. Tiene el intérprete que sentir simpatía por el símbolo que se propone interpretar.
La segunda es la intuición. La simpatía puede auxiliarla, si ella ya existiera, pero no crearla. Por intuición se entiende aquella especie de entendimiento con el que se siente o que está más allá del símbolo, sin que se vea.
La tercera es la inteligencia. La inteligencia analisa, descompone, reconstruye en otro nivel el símbolo; tiene, aún, que hacerlo después que, en el fondo, es todo lo mismo. No diré erudicción, como podría en el examen de los símbolos,es la de relacionar en lo alto lo que está de acuerdo con la relación que está debajo. No podrá hacer eso si la simpatía no hubiera recordado esa relación, si la intuición no la hubiera embellecido. Entonces la inteligencia, de discursiva que naturalmente es, se tornará análoga, y el símbolo podrá ser interpretado.
La cuarta es la comprensión, entendiendo por esta palabra el conocimiento de otras materias, que permitan que el símbolo sea iluminado por varias luces, relacionado con varios otros símbolos, pues que, en el fondo, es todo lo mismo. No diré erudicción, como podría haber dicho, pues la erudicción es una suma; ni diré cultura, pues la cultura es una síntesis; y la comprensión es una vida. Así ciertos símbolos no pueden ser bien entendidos si no hubiera antes, o en el mismo tiempo, el entendimiento de símbolos diferentes.
La quinta es la menos definible. Diré tal vez, hablando a unos, que es la gracia, hablando a otros, que es la mano del Superior Incógnito, hablando a terceros, que es el Conocimiento y la Conversación del Santo Ángel de la Guarda, entendiendo cada una de estas cosas, que son la misma manera como las entienden aquellos que de ellas usan, hablando o escribiendo.
MÁRIO SOARES A PRESIDENTE
Fotografia de Om Namah Shivaya
Acabei de ver e ouvir a declaração de candidatura de Mário Soares à Presidência da República. A sua idade física (80 anos) não corresponde à sua idade política. O futuro demonstrará que tenho razão. O mais que certo opositor de Soares, Cavaco Silva, apesar de mais novo em idade (66 anos) é muito mais velho como político. Olhem que sei do que falo. O tempo se encarregará de esclarecer toda a gente acerca deste pequeno detalhe.
Portugal precisa de políticos com coragem nos lugares de topo do Estado. O povo precisa de ser capaz de olhar o céu e sonhar com um futuro melhor. O meu apoio a Mário Soares é um acto de coerência e de fidelidade às minhas ideias socialistas. Sempre votei no PS, desde 1977, e em Mário Soares desde a dramática primeira volta das presidenciais de 1985. É uma decisão simples, aconteça o que acontecer.
terça-feira, agosto 30
Margarida Marques
"Os três absurdos"
Sob protecção divina - Nicósia _ Fotografia de Hélder Gonçalves
“21 de Fevereiro de 1941.
Terminado Sisyphe. Os três Absurdos estão acabados.
Começos de liberdade.”
Albert Camus
Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Camus refere-se à primeira trilogia constituída pelas obras reunidas em torno do conceito do absurdo: o romance “O Estrangeiro”, o ensaio “O Mito de Sísifo” e o drama “Calígula”; ver bibliografia completa de Camus aqui.)
segunda-feira, agosto 29
Não pude e não posso
Fotografia de Margarida Delgado
- Meu corpo, que mais receias ?
- receio quem não escolhi.
Jorge de Sena
corpos
desejados
ansiosos de posse
e de tomada
não pude
e não posso
tocá-los
de uma só vez
de estocada
receio
abandonar a vida
antes de a viver
toda inteira
e pelos dedos
se escaparem
os corpos
antes de tocados
à minha maneira
não terei
nunca os corpos
todos amados ao alcance
de minhas mãos
e não receio
nada a não ser
quem não escolhi
meu corpo,
que mais receias?
In "Ir Pela Sua Mão"
Editora Ausência - Maio 2003
MÁRIO SOARES
domingo, agosto 28
MANOEL DE BARROS
O menino que carregava água na peneira.
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos
Manoel de Barros
Imagem e poema in there's only 1 alice (vale a pena conhecer)
sábado, agosto 27
Fim do Dia em Lisboa
Fim do dia em Lisboa – Fotografia de José Frade
In Olhares
Descobri a galeria de fotografias do José Frade que só pode ser aquele em quem estou a pensar. Se tenho razão foi ele que me fez o maior número de fotografias que se possa imaginar. Sem nenhuma preparação especial e, apesar disso, algumas delas muito boas.
Esta foi “surripiada” para alguém a quem um dia falei da Lisboa, à beira Tejo, no fim do dia. É divinal.
"O Mito de Sísifo"
“Setembro (1940)
Terminada a 1ª parte Absurdo (*)
O homem que destrói a sua casa, queima os seus campos e os cobre de sal para os não ceder.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(*) Trata-se da primeira parte de “Le Mythe de Sisyphe”. (“O Mito de Sísifo” foi publicado em Outubro de 1942).
sexta-feira, agosto 26
CAMÕES
Vale a pena ler, olhar, ver, sentir Camões no New York on Time
“Há exatamente 410 anos, em 1595, foram publicados os sonetos de Camões, 15 anos depois da morte do poeta. (…)”
Céu
“Nos céus do Monte Branco” – Fotografia de Hélder Gonçalves
Céu
O céu não existe.
Simples distância nua
onde o rumor da terra se reflecte
como o eco dum grito,
deves chamar angústia à lua
e a cada estrela um coração aflito.
Se acaso for o rastro
dalgum cometa errando
no esplendor de tanta solidão,
é o meu desespero,
Lembra-te de tudo o que mais quero
e não lhe chames astro.
Carlos de Oliveira
In “Trabalho Poético” - “Viagem Entre Velhos Papéis”
Círculo de Leitores
quinta-feira, agosto 25
CORRUPÇÃO
Paulo Morais faz afirmações à VISÃO que deveriam dar origem a um terramoto político. Mas, estejam descansados, vai ficar tudo na mesma. Nada conheço das razões do seu afastamento das listas do PSD à Câmara do Porto mas o tema abordado, na entrevista, por Paulo Morais está na origem do meu recente post “O Centro Está Cheio de Vazio”
L´Étranger
“Maio (1940)
L´Étranger está terminado.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Em Março Camus tinha ido para Paris, como secretário de redacção do “Paris-Soir”. Em Maio o exército de Hitler invade a França. “O Estrangeiro” é publicado em Junho de 1942)
GAL
Do FOTOGRAFICAMENTE
'MEU NOME É GAL, TENHO 24 ANOS...'
Gal Costa era tudo de bom nessa época: linda, sensual, livre, jovem... e cantava muuuito. Estava gravando aqueles seus primeiros long plays, umas obras-primas... Ai, ai... Por que o tempo cisma em passar assim tão depressa?
(Um encantamento …)
quarta-feira, agosto 24
Floresta sem Gestor = Abandonada
Ler no Naturlink: "Um avião europeu de combate aos incêndios florestais"
«Um avião europeu? Toda a floresta portuguesa tem dono, mas só uma fracção dela tem gestor. É bom não confundir as duas coisas. A floresta que não tem gestor está abandonada e é essa floresta abandonada que está na origem do problema dos incêndios.
Carlos Rio Carvalho, Engº Silvicultor ? ERENA (24-08-2005)»
No Dias com árvores
Os Fumos dos Incêndios Florestais
Imagem MERIS obtida a 21 de Agosto
"Rastos de fumos provenientes de devastantes e incontroláveis fogos florestais de Portugal Continental espalham-se ao longo do oceano Atlântico nesta imagem do satélite Envisat obtida a 21 de Agosto."
Imagem obtida através do instrumento MERIS, o Medium Resolution Imaging Spectrometer, que se encontra a bordo do Envisat, o maior satélite de Observação da Terra europeu, a operar numa resolução espacial de 1200 metros.
CÉU
terça-feira, agosto 23
SERVIR
Fotografia de PELA LENTE
“É sempre vão pretender quebrar um laço de solidariedade, apesar da estupidez e da crueldade dos outros. Não se pode dizer: “Ignoro-o”. Colabora-se ou combate-se. Nada é menos perdoável que a guerra e o apelo aos ódios nacionais. Mas uma vez surgida a guerra, é vão e cobarde querer afastar-se a pretexto de que se não é responsável. As torres de marfim acabaram. A benevolência é interdita. Por si própria e para os outros.
Julgar um acontecimento é impossível e imoral se se está de fora. É no seio dessa absurda desgraça que se mantém o direito de a desprezar.
A reacção de um indivíduo não tem qualquer importância. Pode servir para qualquer coisa mas nada a justifica. Pretender, por diletantismo, afastar-se e separar-se do seu ambiente, é dar prova da mais absurda das liberdades. Eis porque motivo era necessário que eu tentasse servir. E se não me quiserem, é igualmente necessário que eu aceite a posição do civil desprezado. Em ambos os casos estou no centro da guerra e tenho o direito de a julgar. De a julgar e de agir.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Para que se compreenda a problemática deste fragmento que muito me influenciou. Em Setembro de 1939, Camus está pronto para partir para a Grécia quando eclode a 2ª guerra mundial. Camus não quer escapar à guerra e apresenta-se como voluntário mas não é aceite devido à sua tuberculose.)
CARTA A MEUS FILHOS
Goya - 3 de Maio
CARTA A MEUS FILHOS
Os Fuzilamentos de Goya
Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muitos apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre só tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.
Jorge de Sena
segunda-feira, agosto 22
UM CRIME COM AUDIÊNCIA
Imagem de Conta Natura
Toda a gente sabia, desde há muito, que 2005 seria um ano forte de incêndios florestais. Basta saber somar 2+2. Eu próprio escrevi um artigo acerca da questão da água e da seca severa, ou extrema, que tem assolado o país e toda a Europa meridional. Nada do que está acontecer é surpresa para ninguém.
O governo entrou em funções no tempo errado para a abordagem estruturada desta questão. Não esquecer que as eleições decorreram em finais de Fevereiro e o governo iniciou funções em pleno período em que já deveria estar executado todo o programa de prevenção e em estado operacional o programa de combate aos incêndios florestais. São as questões de calendário.
Mas não são essas que me preocupam agora. O que me preocupa é, como tem sido aflorado por muita gente, o papel dos órgãos de comunicação social, em particular os canais de televisão, na informação acerca dos incêndios florestais.
Estamos a assistir, semanas a fio, a um verdadeiro crime a que ninguém tem coragem de por fim. A acção de todos os canais de televisão na transformação dos incêndios num espectáculo mediático é, pura e simplesmente, um crime.
As reportagens, sistemáticas e repetitivas, em directo, à boca da fornalha, as entrevistas com populares em pânico, a exploração das imagens dantescas do fogo a galopar a floresta, são um chamamento à faceta animalesca que o homem trás dentro de si. Geram incendiários que anseiam por produzir o seu próprio espectáculo. Degradam a auto estima das populações. Revelam o lado negro do negócio da comunicação, dominado, em exclusivo, pelas audiências, sem sentido de ética quanto mais de patriotismo.
Os juristas que façam o enquadramento legal do crime em apreço e o Estado, através dos legítimos representantes do povo, que ponha termo a este escândalo. A não ser assim um dia vamos ter um clamor em favor de uma nova censura.
domingo, agosto 21
TAVIRA
Fotografia de Hélder Gonçalves (Uma nova série de originais com os meus melhores agradecimentos)
Uma memória da minha infância, das mais antigas, passada em Tavira, a cidade mais perto do Monte da Sinagoga, a caminho de Santo Estêvão, onde nasceram os meus avós e minha mãe.
A cidade com o centro melhor preservado do Algarve e, talvez, do país.
Nas margens deste rio Gilão passei um dos maiores sustos de que me lembro na vida. Ia, a caminho da feira, de mão dada com a minha avó e, de súbito, olhei para cima e vi que caminhava de mão dada com uma desconhecida.
Tinha mudado de mão sem entender porquê. Senti-me perdido na multidão.
Fernando Pessoa - "Sítios Amigos"
Agradecendo a simpática referência de Sítios Amigos ao link para o muito eficaz
"site de poesias coligidas de F E R N A N D O P E S S O A"
"site de poesias coligidas de F E R N A N D O P E S S O A"
sexta-feira, agosto 19
FEDERICO GARCÍA LORCA
Federico García Lorca (1898 - 1936)
Em 19 de Agosto de 1936 Federico García Lorca foi assassinado pelos fascistas de Franco.
“1936 Publica Primeras Canciones. Concluye La Casa de Bernarda Alba, que no se representa hasta 1945 en Buenos Aires. participa en un homenaje a Luis Cernuda. 13 de julio: sale de Madrid hacia Granada. 18 de julio. Alzamiento militar contra el Gobierno de la República. 16 de agosto: es detenido. 19 de agosto: Federico García Lorca es asesinado en Víznar (Granada). Deja inédita e inconclusa una numerosa obra.”
MADRIGAL A CIBDA DE SANTIAGO
Chove en Santiago
meu doce amor.
Camelia branca do ar
brila entebrecida ô sol.
Chove en Santiago
na noite escrura.
Herbas de prata e de sono
cobren a valeira lúa.
Olla a choiva pola rúa,
laio de pedra e cristal.
Olla o vento esvaído
soma e cinza do teu mar.
Soma e cinza do teu mar
Santiago, lonxe do sol.
Agoa da mañán anterga
trema no meu corazón.
O Centro Está Cheio de Vazio
Pollock
(A imagem parece que não tem nada a ver com o tema!)
A direita, em Portugal, não suporta ser oposição e a esquerda não é capaz de assumir, em pleno, o governo. Duas razões empíricas: o centro político que domina o poder, desde o 25 de Abril, está enleado em negócios cinzentos (ou negros) e em cruzamentos de fretes, na atribuição de lugares e prebendas, além daquilo que a minha imaginação não alcança; por outro lado a tradição política portuguesa, dos últimos 80 anos, está marcada pela ditadura, com um cortejo inenarrável de limitações às liberdades cidadãs.
O pensamento político em Portugal oscila entre a tentação populista, fascinante para as grandes massas, e a resignação elitista, comprazida na mobilização em torno de “causas” e “valores” (sejam de “esquerda ou de “direita”).
Quem for capaz de fazer obra (pequena, média ou grande) associando realismo, iniciativa e ambição é, pura e simplesmente, eliminado. O centro político, que distribui as benesses, não admite “faltas de respeito” às regras do jogo que tudo sacrifica à defesa dos negócios que aproveitam sempre aos mesmos. Por isso não admira que os políticos “possíveis”, pois o centro não admite senão políticos “possíveis”, vacilem e caiam rapidamente às mãos daqueles que os manipulam nos bastidores com, ou sem, a sua aquiescência.
Fica assim dada uma hipótese de explicação para a insignificância aparente de Marques Mendes, para a provável disputa presidencial entre Cavaco e Soares, para a derrota (previsível) de Carrilho, para o “exílio” de Ferro na OCDE, em Paris, para as dificuldades (precoces) do governo de Sócrates, para as opções evasivas de Freitas e para o estrebuchar desesperado de Alegre.
O centro está cheio de vazio, mas é quem manda. O resto vegeta, seca ou morre à sua volta.
quinta-feira, agosto 18
O Brasileiro Assassinado Afinal Morreu Sentado?
Do Blogico - Bloody twats - the ultimate incompetence
E parece que o tal brasileiro não correu mesmo da polícia, não estava de jaqueta etc, etc, etc. Isso muda tudo. Nesse caso, esqueçam o que eu escrevi, como dizia o poeta. Muito incompetente essa polícia inglesa. Incompetência máxima. Mais incompetente ainda por ter inventado uma mentira pra encobrir tudo. Que sejam punidos até o último fio de cabelo da última pessoa responsável pela cagada toda.
Do seu canto
“Ilha Deserta” – Ao largo de Faro - Fotografia de Bel
Do seu canto
um vento súbito de oeste na tarde
quente soprando sobre o mar suave
sublima a alma das gentes do sul,
os corpos reflectem o voo das aves
rasando a maré na busca de alimentos
enquanto aqui e ali o silêncio ecoa,
é agora possível a paz que invento
entre águas límpidas, cumplicidades
e sussurros, sombras quentes e aragens,
o mar rogado não me pegou ao colo
negando tocar-me com suas mãos
entoando um cântico cantado a solo,
quieto alongo os braços ouvindo
a valsa lenta do seu enérgico rugido
trazido no vento que sopra grave
e agradeço a dádiva do seu canto
a que me faltou alcançar a glória
de partir para sempre mar afora.
In “Ir Pela Sua Mão” - Editora Ausência, 2003
Uma Vez Mais a Sul
“Foto de António José Alegria, do amistad”
Nas férias as visitas são inevitáveis e as ausências sentidas. As visitas aos lugares originários refrescam as memórias e fazem-nos sentir o chão debaixo dos pés. Os presentes regozijam e sente-se a presença dos ausentes nos silêncios cúmplices. As crianças marcam o seu espaço e fazem-nos sonhar com o futuro de todas as esperanças.
O meu tio Ventura tem ido tomar banho à casa do “alto da sinagoga” pois, diz ele, aí se sente mais à vontade. O meu tio Ventura retomou, por estes dias, as funções de “ensaiador” do Rancho Folclórico de Santo Estêvão de Tavira. O meu tio Ventura respira jovialidade e energia por todos os poros. O meu tio Ventura tem 93 anos.
quarta-feira, agosto 17
terça-feira, agosto 16
Fernando Pessoa em edição bilingue - português/espanhol
Um grande poeta português traduzido em espanhol, para galgata
(e não só),
neste “site de poesias coligidas de F E R N A N D O P E S S O A”
Deixa-me sonhar
Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.
A tua carne calma
É fria em meu querer
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.
Dorme, dorme. dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.
Duerme mientras yo velo...
Déjame soñar...
Nada en mí es risueño.
Te quiero para sueño,
No para amarte.
Tu carne calma
Es fria en mi querer
Mis deseos son cansancios.
Ni quiero tener en los brazos
Mi sueño de tu ser.
Duerme, duerme. Duerme,
Vaga en tu sonreir...
Te sueño tan atento
Que el sueño es encantamiento
Y yo sueño sin sentir.
Fernando Pessoa
AINDA A SUL
Rua de Faro na Zona da Sé Velha
Na minha visita à casa de meus avós, onde nasceu minha mãe, desci, como sempre, o caminho do “monte da sinagoga” à estrada. Do alto a vista é um deslumbramento de mar azul todo em volta da coroa de terra. O mar espraia-se das cercanias de Ayamonte a Olhão. Meio Algarve debaixo do meu olhar em brasa.
A juventude ressurge em plenitude e deixa adivinhar as alegrias passadas na busca das folhas e no rabisco dos frutos secos caídos das árvores. Num plano inclinado, ladeando o caminho, debaixo da inclemência do sol abrasador, se misturam, em aparente desordem, amendoeiras, figueiras, alfarrobeiras e oliveiras que, este ano, à falta de água, abortaram a sua produção.
Salvo as alfarrobeiras, carregadas de seus frutos escuros e secos, todas as outras se apresentam exangues, mortas de sede. As árvores da minha juventude ainda estão lá quase todas. Desta vez não pude apanhar os figos da figueira do poço, a da predilecção de minha mãe, pois não os havia.
Mas agarrei um monte de alfarrobas que, à chegada a Faro, depositei na mão delicada de meu filho. Para quê? Para ti! Para que sintas a sua textura rugosa e a riqueza que outrora permitiu a sobrevivência de teus avós.
O meu primo Gervásio as apanhará mantendo inquebrável a tradição de uma cultura milenar.
DIGNIDADE
“É horrível ver a facilidade com que se desmorona a dignidade de certos seres. Vendo bem, isso é normal visto que a dignidade em questão apenas é mantida por eles através de incessantes esforços contra a sua própria natureza.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
segunda-feira, agosto 15
domingo, agosto 14
ROSA DEL MUNDO
Rosa. Rosa del mundo.
Quemada.
Sucia de tanta palabra.
Primer rocío sobre el rostro
Que fue pétalo
a pétalo pañuelo de sollozos.
Obscena rosa. Repartida.
Amada.
Boca herida, soplo de nadie.
Casi nada.
Eugenio de Andrade
(Para Galgata como iniciação ao conhecimento da poesia portuguesa através de um grande poeta)
Quemada.
Sucia de tanta palabra.
Primer rocío sobre el rostro
Que fue pétalo
a pétalo pañuelo de sollozos.
Obscena rosa. Repartida.
Amada.
Boca herida, soplo de nadie.
Casi nada.
Eugenio de Andrade
(Para Galgata como iniciação ao conhecimento da poesia portuguesa através de um grande poeta)
sábado, agosto 13
A SUL
A minha juventude foi apaixonadamente vivida em Faro. Mesmo depois de abandonar a cidade para prosseguir os estudos em Lisboa, onde me fixei para sempre, nunca deixei de passar, pelo menos, parte das férias na cidade natal.
A minha sensibilidade foi moldada pelo ambiente branco e quente do sul, a minha formação intelectual e cultural foi marcada por acontecimentos que pude viver nas terras do sul. Mais próximas do que se possa pensar da Andaluzia espanhola e do norte de África, do que do resto do continente português.
Sempre que visito a minha cidade natal percorro os lugares da minha infância, a casa onde nasci, as ruas que configuraram o meu olhar sobre o mundo e os outros, revejo os rostos das mulheres e dos homens que me impressionaram e deram o melhor que se leva da vida: os afectos.
Na minha cidade percorro a rua principal onde vivi anos a fio. Aqui o calor é mais sufocante do que a norte não porque faça, a maior parte das vezes, mais calor mas porque é um calor seco e carregado de tonalidades mediterrâneas.
Vejo hoje que o “Clube Farense” ostenta à porta um pendão assinalando a sede da “Capital Nacional da Cultura- 2005”. Não encontro, no entanto, qualquer sinal de actividades culturais. Mas que as há, há! Trata-se de um projecto meio clandestino que nasceu morto de energia vital e que jamais retornará à vida. Assim seja!
Logo a poucos metros sento-me na esplanada da Gardy e o Renato engraxa-me os sapatos como sempre. Não tem novidades de amigos mortos nos últimos tempos. Sempre me estende, em palavras escassas, a lista dos acontecimentos que ele julga serem marcantes para mim e nunca falta o obituário. Evita falar da morte do meu irmão, eu agradeço. A última que evoca é a do “Micro”.
Numa coluna de pedra, em frente, deparo-me com quatro inscrições ostentando o símbolo do MES. O círculo vermelho com a estrela de cinco pontas e a sigla do extinto movimento apresenta-se em bom estado de conservação. A observação nada teria de especial a não ser o facto de as pinturas perdurarem desde 1975. Nem a mão do homem nem a erosão do tempo as apagou.
E a minha memória percorre os rostos daqueles que acreditaram no sonho de uma sociedade nova que, afinal, não era mais do que uma utopia perigosa. Mas os seus despojos permanecem presentes aos olhos de todos como um sinal secreto que só muito poucos são capazes de decifrar.
Se é verdade como afirma, hoje no “Publico”, Helena Matos que “o facto de se ter combatido Salazar e Marcelo Caetano (ela evita a palavra ditadura) não transforma ninguém num democrata”, o “pequeno detalhe” de ter participado nesse combate ajudou muito à conquista da democracia que permite, hoje, que Helena Matos possa dizer livremente o que lhe apetece dizer. É a diferença entre a liberdade e a tirania.
Um “pequeno detalhe” para alguns uma enorme conquista para mim.
A minha sensibilidade foi moldada pelo ambiente branco e quente do sul, a minha formação intelectual e cultural foi marcada por acontecimentos que pude viver nas terras do sul. Mais próximas do que se possa pensar da Andaluzia espanhola e do norte de África, do que do resto do continente português.
Sempre que visito a minha cidade natal percorro os lugares da minha infância, a casa onde nasci, as ruas que configuraram o meu olhar sobre o mundo e os outros, revejo os rostos das mulheres e dos homens que me impressionaram e deram o melhor que se leva da vida: os afectos.
Na minha cidade percorro a rua principal onde vivi anos a fio. Aqui o calor é mais sufocante do que a norte não porque faça, a maior parte das vezes, mais calor mas porque é um calor seco e carregado de tonalidades mediterrâneas.
Vejo hoje que o “Clube Farense” ostenta à porta um pendão assinalando a sede da “Capital Nacional da Cultura- 2005”. Não encontro, no entanto, qualquer sinal de actividades culturais. Mas que as há, há! Trata-se de um projecto meio clandestino que nasceu morto de energia vital e que jamais retornará à vida. Assim seja!
Logo a poucos metros sento-me na esplanada da Gardy e o Renato engraxa-me os sapatos como sempre. Não tem novidades de amigos mortos nos últimos tempos. Sempre me estende, em palavras escassas, a lista dos acontecimentos que ele julga serem marcantes para mim e nunca falta o obituário. Evita falar da morte do meu irmão, eu agradeço. A última que evoca é a do “Micro”.
Numa coluna de pedra, em frente, deparo-me com quatro inscrições ostentando o símbolo do MES. O círculo vermelho com a estrela de cinco pontas e a sigla do extinto movimento apresenta-se em bom estado de conservação. A observação nada teria de especial a não ser o facto de as pinturas perdurarem desde 1975. Nem a mão do homem nem a erosão do tempo as apagou.
E a minha memória percorre os rostos daqueles que acreditaram no sonho de uma sociedade nova que, afinal, não era mais do que uma utopia perigosa. Mas os seus despojos permanecem presentes aos olhos de todos como um sinal secreto que só muito poucos são capazes de decifrar.
Se é verdade como afirma, hoje no “Publico”, Helena Matos que “o facto de se ter combatido Salazar e Marcelo Caetano (ela evita a palavra ditadura) não transforma ninguém num democrata”, o “pequeno detalhe” de ter participado nesse combate ajudou muito à conquista da democracia que permite, hoje, que Helena Matos possa dizer livremente o que lhe apetece dizer. É a diferença entre a liberdade e a tirania.
Um “pequeno detalhe” para alguns uma enorme conquista para mim.
sexta-feira, agosto 12
BUKHARINE
Li devagar um livro de memórias, somente razoável, que é um depoimento dramático acerca de um crime hediondo. A viúva de Bukharine, em “Bukharine, Minha Paixão”, descreve, de forma pungente, a perseguição e assassinato de um dos mais importantes dirigentes da revolução russa de 1917: N.I. , ou seja, Nicolai Ivanovitch Bukharine.
Os crimes de Estaline surgem, neste livro, em toda a sua crueldade, um autêntico monumento à hipocrisia política e à incrível capacidade do homem ser infiel às suas próprias convicções e certezas.
Recomenda-se a sua leitura aos políticos, magistrados, polícias, jornalistas, lideres de opinião, em suma, a todos aqueles que, com os meios de “convencimento” da nossa época, podem ser tentados a praticar todos os inimagináveis crimes que, por vezes, pensamos pertencerem à história.
No último parágrafo do livro a autora escreve:
“Meio século me separa dos acontecimentos dramáticos que evoquei. Termino estas linhas, quando Nikolai Ivanovitch, finalmente, foi reintegrado, a título póstumo, no Partido. A justiça acabou por triunfar. Mas nada se apagou da minha memória, as palavras de Bukharine, voltadas para o futuro, ainda estão vivas no meu coração: “Ficai a saber, camaradas, que na bandeira que arvorais, na marcha triunfal para o comunismo, há também uma gota do meu sangue!”.
“Bukharine, Minha Paixão”, de Anna Larina Bukharina, Edição Terramar, tradução, a partir da edição francesa, de Ludgero Pinto Basto.
Os crimes de Estaline surgem, neste livro, em toda a sua crueldade, um autêntico monumento à hipocrisia política e à incrível capacidade do homem ser infiel às suas próprias convicções e certezas.
Recomenda-se a sua leitura aos políticos, magistrados, polícias, jornalistas, lideres de opinião, em suma, a todos aqueles que, com os meios de “convencimento” da nossa época, podem ser tentados a praticar todos os inimagináveis crimes que, por vezes, pensamos pertencerem à história.
No último parágrafo do livro a autora escreve:
“Meio século me separa dos acontecimentos dramáticos que evoquei. Termino estas linhas, quando Nikolai Ivanovitch, finalmente, foi reintegrado, a título póstumo, no Partido. A justiça acabou por triunfar. Mas nada se apagou da minha memória, as palavras de Bukharine, voltadas para o futuro, ainda estão vivas no meu coração: “Ficai a saber, camaradas, que na bandeira que arvorais, na marcha triunfal para o comunismo, há também uma gota do meu sangue!”.
“Bukharine, Minha Paixão”, de Anna Larina Bukharina, Edição Terramar, tradução, a partir da edição francesa, de Ludgero Pinto Basto.
Um Dia
um dia não são dias
e uma noite em branco
é um dia sem descanso
no meio da sequência
dos dias
se a noite foi em branco
no meio da sequência dos dias
e dela nasceram dias novos
na sequência dos dias então um dia
não são dias
eu por mim quero viver um dia a mais
acrescentado a todos os dias
gozando a noite imortal
que suceder ao último
dos dias
In “Ir Pela Sua Mão” – 2003 – Editora Ausência
(Um poema meu porque sim ...)
e uma noite em branco
é um dia sem descanso
no meio da sequência
dos dias
se a noite foi em branco
no meio da sequência dos dias
e dela nasceram dias novos
na sequência dos dias então um dia
não são dias
eu por mim quero viver um dia a mais
acrescentado a todos os dias
gozando a noite imortal
que suceder ao último
dos dias
In “Ir Pela Sua Mão” – 2003 – Editora Ausência
(Um poema meu porque sim ...)
"O reino das bestas começou."
7 de Setembro (1939)
Perguntávamos uns aos outros onde era a guerra – o que havia nela de ignóbil. E apercebemo-nos que sabemos onde ela é, que a temos entre nós – que ela é, para a maior parte das pessoas, esta tortura, esta obrigação de escolher que os faz partir com o remorso de não terem sido suficientemente corajosos para se absterem ou que os faz absterem-se com o remorso de não partilhar da morte dos outros.
Ela está aqui, verdadeiramente aqui, e nós procurávamo-la no céu azul e na indiferença do mundo. Ela está nesta solidão pavorosa do combatente e do não-combatente, no desespero humilhado que é comum a todos e nesta abjecção crescente que sentimos subir aos rostos à medida que os dias passam. O reino das bestas começou.
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Perguntávamos uns aos outros onde era a guerra – o que havia nela de ignóbil. E apercebemo-nos que sabemos onde ela é, que a temos entre nós – que ela é, para a maior parte das pessoas, esta tortura, esta obrigação de escolher que os faz partir com o remorso de não terem sido suficientemente corajosos para se absterem ou que os faz absterem-se com o remorso de não partilhar da morte dos outros.
Ela está aqui, verdadeiramente aqui, e nós procurávamo-la no céu azul e na indiferença do mundo. Ela está nesta solidão pavorosa do combatente e do não-combatente, no desespero humilhado que é comum a todos e nesta abjecção crescente que sentimos subir aos rostos à medida que os dias passam. O reino das bestas começou.
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Os cães ladram
Lá fora os cães ladram incessantemente. Desde sempre convivi com os cães que ladram. Os tons mudam consoante a sua condição: cão faminto, cão cativo, cão carente, cão abandonado ... mas os cães ladram e sentimos o incómodo ou o conforto da vida normal. Quando o cães uivam sentimos algo diferente: talvez o desejo que antecede a criação ou a angústia que antecede a morte.
quinta-feira, agosto 11
JUSTIÇA
Por altura da morte de Eugénio de Andrade impressionou-me uma frase em que afirmava a sua profunda preocupação com a justiça. Dei comigo a pensar de como os agentes da justiça se preocuparão com a matéria prima do seu mister. E de como serão avaliados pelos seus juízos que envolvem a liberdade, a honra, o património e a vida de milhares de cidadãos!
UNIDAD
Uma homenagem à poesia chilena através do poema Unidad, de Pablo Neruda, na sua versão original e na excelente tradução, em português, de José Bento.
Hay algo denso, unido, sentado en el fondo,
repitiendo su número, su señal idéntica.
Cómo se nota que las piedras han tocado el tiempo,
en su fina materia hay olor a edad,
y el agua que trae el mar, de sal y sueño.
Me rodea una misma cosa, un solo movimiento:
el peso del mineral, la luz de la miel,
se pegan al sonido de la palabra noche:
la tinta del trigo, del marfil, del llanto,
envejecidas, desteñidas, uniformes,
se unen en torno a mí como paredes.
Trabajo sordamente, girando sobre mí mismo,
como el cuervo sobre la muerte, el cuervo de luto.
Pienso, aislado en lo extremo de las estaciones,
central, rodeado de geografía silenciosa:
una temperatura parcial cae del cielo,
un extremo imperio de confusas unidades
se reúne rodeándome.
Pablo Neruda
UNIDADE
Há algo denso, unido, sentado no fundo,
a repetir seu número, seu sinal idêntico.
Como se nota que as pedras tocaram o tempo,
em sua fina matéria há um olor a idade,
e à água que traz o mar, de sal e sonho.
Rodeia-me uma mesma coisa, um movimento único:
o peso do mineral, da luz, do mel,
colam-se ao som da palavra noite:
a tinta do trigo, do marfim, do pranto,
as coisas de couro, de madeira, de lã,
envelhecidas, debotadas, uniformes,
unem-se em meu redor como paredes.
Trabalho surdamente, a girar sobre mim mesmo,
como o corvo sobre a morte, o corvo de luto.
Penso isolado na extensão das estações,
central, cercado por uma geografia silenciosa:
uma temperatura parcial cai do céu,
um extremo império de confusas unidades
reúne-se a cercar-me.
In “Rosa do Mundo 2001 Poemas Para Futuro"
Assírio & Alvim, tradução de José Bento
Hay algo denso, unido, sentado en el fondo,
repitiendo su número, su señal idéntica.
Cómo se nota que las piedras han tocado el tiempo,
en su fina materia hay olor a edad,
y el agua que trae el mar, de sal y sueño.
Me rodea una misma cosa, un solo movimiento:
el peso del mineral, la luz de la miel,
se pegan al sonido de la palabra noche:
la tinta del trigo, del marfil, del llanto,
envejecidas, desteñidas, uniformes,
se unen en torno a mí como paredes.
Trabajo sordamente, girando sobre mí mismo,
como el cuervo sobre la muerte, el cuervo de luto.
Pienso, aislado en lo extremo de las estaciones,
central, rodeado de geografía silenciosa:
una temperatura parcial cae del cielo,
un extremo imperio de confusas unidades
se reúne rodeándome.
Pablo Neruda
UNIDADE
Há algo denso, unido, sentado no fundo,
a repetir seu número, seu sinal idêntico.
Como se nota que as pedras tocaram o tempo,
em sua fina matéria há um olor a idade,
e à água que traz o mar, de sal e sonho.
Rodeia-me uma mesma coisa, um movimento único:
o peso do mineral, da luz, do mel,
colam-se ao som da palavra noite:
a tinta do trigo, do marfim, do pranto,
as coisas de couro, de madeira, de lã,
envelhecidas, debotadas, uniformes,
unem-se em meu redor como paredes.
Trabalho surdamente, a girar sobre mim mesmo,
como o corvo sobre a morte, o corvo de luto.
Penso isolado na extensão das estações,
central, cercado por uma geografia silenciosa:
uma temperatura parcial cai do céu,
um extremo império de confusas unidades
reúne-se a cercar-me.
In “Rosa do Mundo 2001 Poemas Para Futuro"
Assírio & Alvim, tradução de José Bento
quarta-feira, agosto 10
Poe e a Felicidade
“Poe e as quatro condições para a felicidade:
1) A vida ao ar livre
2) O amor a um ser
3) O desinteresse por qualquer ambição
4) A criação”
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
1) A vida ao ar livre
2) O amor a um ser
3) O desinteresse por qualquer ambição
4) A criação”
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Natureza
Ontem de manhã choveu na praia mas o pôr do sol foi mais radioso do que nunca. Do alto da arriba, sobranceira ao mar, o céu escureceu lentamente tomando todas as cores que queiramos imaginar. No entanto uma multidão de expectativas ficaram, durante aqueles momentos, por cumprir no coração dos homens. Imagino a natureza sem o homem e o homem sem a natureza.
Para ser grande, sê inteiro
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive
Fernando Pessoa (Ricardo Reis)
terça-feira, agosto 9
CIPRESTES
Primeiro fragmento do “Caderno n º 3”, a pensar no Dias com Árvores
“Enquanto que habitualmente os ciprestes são manchas escuras nos céus da Provença e de Itália, aqui no cemitério de El Kettar, aquele cipreste escorria claridade, abundava de dourados do sol. Dir-se-ia que, vindo do seu coração negro, um suco dourado borbulhava até às extremidades dos seus ramos curtos e deslizava em longos rastos fulvos sobre o verde da folhagem.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
“Enquanto que habitualmente os ciprestes são manchas escuras nos céus da Provença e de Itália, aqui no cemitério de El Kettar, aquele cipreste escorria claridade, abundava de dourados do sol. Dir-se-ia que, vindo do seu coração negro, um suco dourado borbulhava até às extremidades dos seus ramos curtos e deslizava em longos rastos fulvos sobre o verde da folhagem.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 3 (Abril de 1939/Fevereiro 1942) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
A5
Na “auto-estrada” de Cascais (A5) paga-se portagem. Era suposto receber, como contrapartida, um serviço. Mas não há auto-estrada. A Brisa não oferece nada em contrapartida do pagamento. Um roubo. Um crime público.
ROBIN COOK
A ler: Ana Gomes, no Causa Nossa, acerca de Robin Cook.
“Robin Cook fez diferença neste mundo. Ele teve a lucidez de articular e procurar pôr em prática uma política externa com coerência e fundamentação ética. Nem sempre conseguiu resultados. Mas tentou. E sempre que não concordou, no mais essencial, não transigiu. No mundo em geral e nos partidos socialistas, de ontem como de hoje, integridade pessoal e política fazem diferença.”
“Robin Cook fez diferença neste mundo. Ele teve a lucidez de articular e procurar pôr em prática uma política externa com coerência e fundamentação ética. Nem sempre conseguiu resultados. Mas tentou. E sempre que não concordou, no mais essencial, não transigiu. No mundo em geral e nos partidos socialistas, de ontem como de hoje, integridade pessoal e política fazem diferença.”
segunda-feira, agosto 8
Férias
A propósito de um comentário simpático de María Paz Greene F. do Caleidoscópio, deixado no post “A Rosa de Hiroshima”, deixo uma réplica que tinha "meio escrita" desde antes o início das férias.
A escrita, em castelhano, no Caleidoscópio, é expressiva e plena de qualidade narrativa. María disserta, por vezes, de forma entusiástica, acerca das suas experiências e gosto, em particular, das suas descrições de viagens. Sinto prazer em descobrir esta energia vital que sempre emana da iniciativa dos jovens talentosos.
No meu caso as férias justificam a escassez das imagens. Os escassos meios tecnológicos, disponíveis em férias, deveriam aproximar o blog ao conceito que associo à sua origem: um diário, tanto quanto possível, preenchido com textos minimalistas.
Mas como é difícil todo e qualquer exercício da contenção!
A escrita, em castelhano, no Caleidoscópio, é expressiva e plena de qualidade narrativa. María disserta, por vezes, de forma entusiástica, acerca das suas experiências e gosto, em particular, das suas descrições de viagens. Sinto prazer em descobrir esta energia vital que sempre emana da iniciativa dos jovens talentosos.
No meu caso as férias justificam a escassez das imagens. Os escassos meios tecnológicos, disponíveis em férias, deveriam aproximar o blog ao conceito que associo à sua origem: um diário, tanto quanto possível, preenchido com textos minimalistas.
Mas como é difícil todo e qualquer exercício da contenção!
A Rosa de Hiroshima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas,
Pensem nas meninas
Cegas inexatas,
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas,
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas.
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa, da rosa!
Da rosa de Hiroshima,
A rosa hereditária,
A rosa radioativa
Estúpida e inválida,
A rosa com cirrose,
A anti-rosa atômica.
Sem cor, sem perfume,
Sem rosa, sem nada.
Vinicius de Moraes
"Era o que era preciso."
“O deputado de Constantine que é eleito pela terceira vez. No dia da eleição morre ao meio dia. À noite vão aclamá-lo. A mulher aparece à sacada e diz que ele está ligeiramente fatigado. Pouco depois, o cadáver é eleito deputado. Era o que era preciso.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
domingo, agosto 7
As Preocupações da Direita
Começa a perceber-se um pouco melhor a razão da insistência no ataque aos projectos de investimento público que o governo anunciou, após longos anos de estudos, alguns com 30 anos, ou mais.
Aqueles que fazem oposição ao governo, à direita e à esquerda, levantam a questão da publicitação dos estudos técnicos que fundamentam as decisões políticas de avançar com os projectos. Uma mera manobra de diversão !
A direita, em particular, está, na verdade, preocupada com as mudanças profundas na comunicação social: –a TVI foi comprada pelo grupo do “El País” e o sector de comunicação social da Lusomundo foi comprado por Joaquim Oliveira. Isto pode significar, antes das presidenciais, uma viragem estrutural no 4º poder previsivelmente, desfavorável à direita
Esta viragem na comunicação social privada preocupa muita gente na direita já que inclui o Canal de TV com maior audiência em Portugal (TVI), jornais diários de referência (DN e JN), uma rádio emblemática (TSF) e, ainda por cima, Mário Soares, candidato presidencial, como brinde.
Para a direita dos interesses “isto parece ... andar tudo ligado”, mas enfim ...melhores tempos virão!
Para a direita ideológica “isto parece uma manobra com visão de futuro...” representando o estreitamento do campo para a propaganda das suas ideias.
Para a direita política “isto” representa uma derrota no seu próprio campo (trata-se da comunicação social privada e não da pública) e o enfraquecimento da capacidade para impor o “Salvador da Pátria” – Cavaco Silva.
Será que, desta vez, o PS não anda a dormir em serviço?
Aqueles que fazem oposição ao governo, à direita e à esquerda, levantam a questão da publicitação dos estudos técnicos que fundamentam as decisões políticas de avançar com os projectos. Uma mera manobra de diversão !
A direita, em particular, está, na verdade, preocupada com as mudanças profundas na comunicação social: –a TVI foi comprada pelo grupo do “El País” e o sector de comunicação social da Lusomundo foi comprado por Joaquim Oliveira. Isto pode significar, antes das presidenciais, uma viragem estrutural no 4º poder previsivelmente, desfavorável à direita
Esta viragem na comunicação social privada preocupa muita gente na direita já que inclui o Canal de TV com maior audiência em Portugal (TVI), jornais diários de referência (DN e JN), uma rádio emblemática (TSF) e, ainda por cima, Mário Soares, candidato presidencial, como brinde.
Para a direita dos interesses “isto parece ... andar tudo ligado”, mas enfim ...melhores tempos virão!
Para a direita ideológica “isto parece uma manobra com visão de futuro...” representando o estreitamento do campo para a propaganda das suas ideias.
Para a direita política “isto” representa uma derrota no seu próprio campo (trata-se da comunicação social privada e não da pública) e o enfraquecimento da capacidade para impor o “Salvador da Pátria” – Cavaco Silva.
Será que, desta vez, o PS não anda a dormir em serviço?
A força de um grito
Na praça da aldeia junto ao terraço da casa de esquina, noite dentro, rebenta uma discussão. A gritaria e as ameaças entre os homens aumentam de tom, chovem impropérios e agressões físicas. Finalmente uma mulher, histérica, desata a gritar e o homem que era o pomo da discórdia afasta-se. A calma aparente, de súbito, regressa. A força de um grito de mulher.
ORAN
“Oran. Baía de Mers-el-Bébir e por cima o pequeno jardim de gerâneos vermelhos e de ”freesias”. O tempo não está muito bom: há nuvens e sol. País em uníssono. Basta um grande pedaço de céu e a calma volta aos corações demasiado tensos.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
sábado, agosto 6
Agosto
Dias intensos de Agosto. Nalguns dias a praia pela manhã arrefece, fica-se sem banho, observa-se o mar grosso. A sua voz impõe-se a tudo e a todos. Então os veraneantes acham que não está bom tempo. Esta costa tem humores e, muitas vezes, o mar embravece. Nos últimos dias o calor intenso satisfez, finalmente, os veraneantes. Eles acham que faz bom tempo. O “bom” e o “mau” tempo são a justificação para o sucesso ou o fracasso de todos os planos. A marcha inexorável do tempo reconduzirá os veraneantes à realidade.
Eu sou assim ...
Encostado ao balcão da cervejaria de praia, para a mulher que o acompanhava, arrastando a voz, apesar de ser meio dia: ”Eu vou lá e resolvo isso ... eu sou assim! ...eu vou lá e resolvo isso ... eu sou assim! Repetidamente...”
"uma franco-maçonaria do cigarro."
Uma retribuição à gentileza do Pentimento com uma alusão directa aquele vício de Camus que a fotografia bem ilustra.
"O prazer que se encontra nas relações entre homens. Aquele, subtil, que consiste em dar ou pedir lume- uma cumplicidade, uma franco-maçonaria do cigarro."
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
"O prazer que se encontra nas relações entre homens. Aquele, subtil, que consiste em dar ou pedir lume- uma cumplicidade, uma franco-maçonaria do cigarro."
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
sexta-feira, agosto 5
Mudar o "estado social" para preservar o "estado social"
Já está disponível na edição online do “Semanário Económico” o artigo com o título em epígrafe.
O mesmo artigo está ainda acessível no IR AO FUNDO E VOLTAR.
O mesmo artigo está ainda acessível no IR AO FUNDO E VOLTAR.
quinta-feira, agosto 4
FRAGMENTO
Meu Amor! Meu Amante! Meu Amigo!
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
E à volta, Amor... tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Tenho por ti uma paixão
Tão forte tão acrisolada,
Que até adoro a saudade
Quando por ti é causada
Florbela Espanca
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
E à volta, Amor... tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Tenho por ti uma paixão
Tão forte tão acrisolada,
Que até adoro a saudade
Quando por ti é causada
Florbela Espanca
"Está visto que não chega"
Pacheco Pereira parece estar muito preocupado. Hoje, numa posta com o título “PARECE SILLY SEASON MAS NÃO DEVIA PARECER”, escreve no ABRUPTO:
“Quem esteja atento ao que se está a passar, verifica que se estão a somar sinais claros de ingovernabilidade, e de declive político acentuado”
Todas as dúvidas da oposição ao governo socialista se justificam ainda para mais quando o governo assume – com coragem - as medidas reformistas que qualquer observador atento verifica, com perplexidade, deveriam, pelo menos em parte, ter sido assumidas pelos governos anteriores de centro-direita dos quais JPP era partidário (do primeiro pois, em boa verdade, era opositor do segundo, embora militante do principal partido que politicamente o suportava).
O que me preocupa, a mim, nesta posta de JPP é a última frase deste parágrafo: “Mas o ambiente é de irresponsabilidade e deixa andar, não é de alarme. Ninguém se alarma em Agosto. Muitos portugueses são empurrados para distracções mais fúteis, mas isto está a ficar complicado. Tanto mais complicado quanto a legitimidade e excepcionais condições políticas, alcançadas onde está a força, nos votos, existem como já não havia desde 1991. Ou seja, não é nas urnas que se pode procurar meios e respostas. Está visto que não chega.”
Então se não é nas urnas que se podem buscar, em democracia, “meios e respostas”, onde é que se podem buscar?
Aqui está uma frase que vinda de alguém que, como JPP, certamente, não aceita receber lições de democracia de ninguém, carece de clarificação.
“Quem esteja atento ao que se está a passar, verifica que se estão a somar sinais claros de ingovernabilidade, e de declive político acentuado”
Todas as dúvidas da oposição ao governo socialista se justificam ainda para mais quando o governo assume – com coragem - as medidas reformistas que qualquer observador atento verifica, com perplexidade, deveriam, pelo menos em parte, ter sido assumidas pelos governos anteriores de centro-direita dos quais JPP era partidário (do primeiro pois, em boa verdade, era opositor do segundo, embora militante do principal partido que politicamente o suportava).
O que me preocupa, a mim, nesta posta de JPP é a última frase deste parágrafo: “Mas o ambiente é de irresponsabilidade e deixa andar, não é de alarme. Ninguém se alarma em Agosto. Muitos portugueses são empurrados para distracções mais fúteis, mas isto está a ficar complicado. Tanto mais complicado quanto a legitimidade e excepcionais condições políticas, alcançadas onde está a força, nos votos, existem como já não havia desde 1991. Ou seja, não é nas urnas que se pode procurar meios e respostas. Está visto que não chega.”
Então se não é nas urnas que se podem buscar, em democracia, “meios e respostas”, onde é que se podem buscar?
Aqui está uma frase que vinda de alguém que, como JPP, certamente, não aceita receber lições de democracia de ninguém, carece de clarificação.
TERRA TEMPERAMENTAL
Apresentando TERRA TEMPERAMENTAL, com um poema de Fernando Pessoa
O que há em mim é sobretudo cansaço
— Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
O que há em mim é sobretudo cansaço
— Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
Dirigentes Sindicais
Os dirigentes sindicais brincam com o fogo ao combater no terreno da defesa, pura e dura, dos chamados direitos adquiridos, chegando mesmo a colocar em causa o fim de um conjunto de privilégios dos titulares de cargos políticos.
Os dirigentes sindicais, de alto a baixo, deveriam aproveitar o verão para olhar para a sua própria casa. Avaliar o peso da burocracia sindical e, em particular, os privilégios de que usufruem muitos sindicalistas.
Verificar até que ponto os cadernos reivindicativos dos sindicatos estão de acordo com o interesse dos trabalhadores que representam. E, ainda mais importante, avaliar de que forma as manifestações que se preparam para desencadear, os colocam do lado do futuro ou do lado do passado. Interrogar-se acerca se vale a pena combater em favor das "conquistas" dos chamados corpos especiais, que se constituíram na administração pública, em boa parte, por iniciativa dos governos de Cavaco Silva.
Reflectir acerca do interesse geral dos trabalhadores. Dirão que não é nada, o interesse geral! Que a missão dos sindicatos é a defesa dos interesses concretos dos trabalhadores que representam. Mas se assim é para que existem Centrais Sindicais que congregam todos, ou quase todos, os sindicatos representativos de cada classe profissional?
Não estará esgotado, carecendo de uma profunda reforma, o modelo de acção e organização do sindicalismo português herdado da revolução de Abril de 1974?
Os dirigentes sindicais, de alto a baixo, deveriam aproveitar o verão para olhar para a sua própria casa. Avaliar o peso da burocracia sindical e, em particular, os privilégios de que usufruem muitos sindicalistas.
Verificar até que ponto os cadernos reivindicativos dos sindicatos estão de acordo com o interesse dos trabalhadores que representam. E, ainda mais importante, avaliar de que forma as manifestações que se preparam para desencadear, os colocam do lado do futuro ou do lado do passado. Interrogar-se acerca se vale a pena combater em favor das "conquistas" dos chamados corpos especiais, que se constituíram na administração pública, em boa parte, por iniciativa dos governos de Cavaco Silva.
Reflectir acerca do interesse geral dos trabalhadores. Dirão que não é nada, o interesse geral! Que a missão dos sindicatos é a defesa dos interesses concretos dos trabalhadores que representam. Mas se assim é para que existem Centrais Sindicais que congregam todos, ou quase todos, os sindicatos representativos de cada classe profissional?
Não estará esgotado, carecendo de uma profunda reforma, o modelo de acção e organização do sindicalismo português herdado da revolução de Abril de 1974?
quarta-feira, agosto 3
Os "Amigos"
"Soares já foi Presidente duas vezes. Não querer deixar espaço a outros, sobretudo a um amigo de tão longa data e tão duras lutas como Manuel Alegre, não abona a seu favor"
Helena Roseta, PÚBLICO, 03-05-2005
Lê-se e pasma-se. Helena Roseta pode ter toda a razão do mundo que acho, sinceramente, que não tem, mas deveria guardar para o agasalho das confidências de amigos estes desabafos. Todos sabem que, em política, é mais certo ganhar o euro-milhões do que assegurar a fidelidade dos amigos. E só os grandes espíritos, raros na política, conseguem ascender à condição de ser fiéis à divisa :“antes ser traído, a trair”.
Helena Roseta, PÚBLICO, 03-05-2005
Lê-se e pasma-se. Helena Roseta pode ter toda a razão do mundo que acho, sinceramente, que não tem, mas deveria guardar para o agasalho das confidências de amigos estes desabafos. Todos sabem que, em política, é mais certo ganhar o euro-milhões do que assegurar a fidelidade dos amigos. E só os grandes espíritos, raros na política, conseguem ascender à condição de ser fiéis à divisa :“antes ser traído, a trair”.
Amor/Egoísmo
“Nós não experimentamos sentimentos que nos transformam, mas sentimentos que nos sugerem a ideia de transformação. Assim também o amor não nos liberta do egoísmo, mas faz-nos senti-lo e dá-nos a ideia de uma pátria longínqua onde esse egoísmo já não teria lugar.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
terça-feira, agosto 2
PURA COINCIDÊNCIA
Apresentando Pura Coincidência, a propósito de duas efemérides: aniversários de nascimento de José Afonso e de António Maria Lisboa
Canção de Embalar
Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti
Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar
Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor
Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu'inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer
José Afonso
Canção de Embalar
Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti
Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar
Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor
Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu'inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer
José Afonso
A ÁRVORE
Para mim “a árvore” é a alfarrobeira. Havia muitas no campo da minha infância e à sua vista e, mais importante, à sua sombra, imaginei o mundo à minha maneira. Brinquei com as suas folhas tão características e a minha sensibilidade foi, certamente, moldada pelo seu cheiro. Todas diferente nas suas formas sempre femininas. É isso, as alfarrobeiras são, para mim, como corpos de mulheres que não se esquecem e se imaginam. Daí o seu fascínio.
1937- - "ANO TERRÍVEL"
“Ano Terrível: designação dada ao ano de 1937. Correspondeu à fase mais sinistra do Grande Terror estaliniano: execução de Riutine, segundo Grande Processo de Moscovo (Piatakov, Radek, Serebryakov, Muralov e Sokolnikov – exceptuando Radek, todos foram executados), suicídio de Serguei Ordjonikidze, prisão de Bukharine (que será executado no ano seguinte), execução (sem julgamento) do economista e teórico do comunismo Preobrajensky, assim como a execução do Marechal Tukhatchevsky (e de outros sete notáveis chefes militares, todos eles generais).
Por outro lado prosseguiu a “vingança” de Estaline contra Trotsky: o assassínio de Serguei Sedov (filho mais novo) e da execução de Aleksandra Sokolvskaia ( a sua primeira esposa) também ocorreram, neste mesmo ano. No entanto não se pode ignorar o facto de o ano de 1938 não ter sido melhor: execução de Bukharine, Rykov e Krestinsky; e assassínio de Lev Sedov, filho mais velho de Trotsky, em Fevereiro.”
In “Bukharine, Minha Paixão” de Anna Larina Bukharina, tradução do notável comunista Ludgero Pinto Basto, recentemente falecido - “Glossário” - página 419 - (organizado e escrito por Alberto Freire), Edições Terramar
Por outro lado prosseguiu a “vingança” de Estaline contra Trotsky: o assassínio de Serguei Sedov (filho mais novo) e da execução de Aleksandra Sokolvskaia ( a sua primeira esposa) também ocorreram, neste mesmo ano. No entanto não se pode ignorar o facto de o ano de 1938 não ter sido melhor: execução de Bukharine, Rykov e Krestinsky; e assassínio de Lev Sedov, filho mais velho de Trotsky, em Fevereiro.”
In “Bukharine, Minha Paixão” de Anna Larina Bukharina, tradução do notável comunista Ludgero Pinto Basto, recentemente falecido - “Glossário” - página 419 - (organizado e escrito por Alberto Freire), Edições Terramar
segunda-feira, agosto 1
"homens sem ideal e sem grandeza."
Hoje reflectindo com um amigo falávamos de como terá sido possível que uma grande parte da intelectualidade de esquerda tenha apoiado a União Soviética a partir dos finais dos anos 20 e, em particular, ao longo dos anos 30.
Não sabiam nada dos crimes de Estaline? Já aqui assinalei que Camus abandonou o Partido comunista em 1937, no qual tinha ingressado em 34. Talvez Camus tenha entendido o que muitos intelectuais do seu tempo não quiseram ou não puderam entender.
É a essa luz que pode ser lida, entre muitas outras alusões, este fragmento dos seus “Cadernos”, escrito em Dezembro de 1937:
“A política e o destino dos homens são organizados por homens sem ideal e sem grandeza. Aqueles que têm uma grandeza neles próprios não se ocupam de política. Assim em todas as coisas. Mas trata-se agora de criar em si próprio um novo homem. Seria preciso que os homens de acção fossem também homens de ideal e poetas industriais. Trata-se de viver os próprios sonhos – de os pôr em movimento. É necessário não nos perdermos e não renunciarmos.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Acrescento que o ano de 1937 é designado como o “ ano terrível” por corresponder à fase mais sinistra do Grande Terror estalinista do qual descreverei, a seguir, alguns pormenores.)
Não sabiam nada dos crimes de Estaline? Já aqui assinalei que Camus abandonou o Partido comunista em 1937, no qual tinha ingressado em 34. Talvez Camus tenha entendido o que muitos intelectuais do seu tempo não quiseram ou não puderam entender.
É a essa luz que pode ser lida, entre muitas outras alusões, este fragmento dos seus “Cadernos”, escrito em Dezembro de 1937:
“A política e o destino dos homens são organizados por homens sem ideal e sem grandeza. Aqueles que têm uma grandeza neles próprios não se ocupam de política. Assim em todas as coisas. Mas trata-se agora de criar em si próprio um novo homem. Seria preciso que os homens de acção fossem também homens de ideal e poetas industriais. Trata-se de viver os próprios sonhos – de os pôr em movimento. É necessário não nos perdermos e não renunciarmos.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Acrescento que o ano de 1937 é designado como o “ ano terrível” por corresponder à fase mais sinistra do Grande Terror estalinista do qual descreverei, a seguir, alguns pormenores.)
domingo, julho 31
O olhar sobre a paisagem
As encostas e os vales, depois dos dias de chuva, ficaram verdejantes. Olho-os do cimo da estrada que serpenteia a caminho de Colares. As hortas sobrevivem e deixam uma esperança de futuro. Já o verão vai a meio e o calor é temperado por esta aragem fresca que sempre sopra do Atlântico, aqui perto. Leio os primeiro fragmentos dos “Cadernos”, descrevendo a paisagem da Argélia de Camus e encontro aí, quase na perfeição, o meu Algarve. O mediterrâneo que não banha a minha terra mas a influencia de forma tão marcada. Como naquele texto, que intitulei “Alfarrobeiras”, onde me reencontro, em pleno, com o ambiente da minha juventude. Os cheiros são o mesmos, as mesmas árvores, o mesmo pó, a mesma secura da terra, a mesma tez nos rostos das gentes. Aqui, nas cercanias de Lisboa, tudo muda menos a luz do sol e o meu olhar, fascinado, pela paisagem.
(O Dias com Árvore deu conta das Alfarrobeiras, obrigado.)
(O Dias com Árvore deu conta das Alfarrobeiras, obrigado.)
As alfarrobeiras
“18 de Outubro(1937) .
No mês de Setembro, as alfarrobeiras exalam um cheiro a amor sobre toda a Argélia, e é como se a terra inteira repousasse depois de se ter entregado ao sol, o ventre todo molhado por uma semente com perfume a amêndoa.
No caminho de Sidi-Brahim, depois da chuva, o cheiro a amor emana das alfarrobeiras denso e sufocante, pesando com todo o seu peso de água. Depois o sol ao absorver a água toda, com as cores de novo deslumbrantes, o cheiro a amor torna-se fluido apenas sensível ao olfacto. E é como uma amante com quem andamos pela rua, após uma tarde inteira sufocante, e que nos contempla, ombro com ombro, por entre as luzes e a multidão.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
No mês de Setembro, as alfarrobeiras exalam um cheiro a amor sobre toda a Argélia, e é como se a terra inteira repousasse depois de se ter entregado ao sol, o ventre todo molhado por uma semente com perfume a amêndoa.
No caminho de Sidi-Brahim, depois da chuva, o cheiro a amor emana das alfarrobeiras denso e sufocante, pesando com todo o seu peso de água. Depois o sol ao absorver a água toda, com as cores de novo deslumbrantes, o cheiro a amor torna-se fluido apenas sensível ao olfacto. E é como uma amante com quem andamos pela rua, após uma tarde inteira sufocante, e que nos contempla, ombro com ombro, por entre as luzes e a multidão.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Um homem não se rende
“Por isso não me rendo. Por mais que me intimem e me intimidem continuarei a resistir. Não propriamente por razões militares ou morais. Digamos que por razões estéticas. Um homem não se rende. Talvez seja por isso que estou aqui, não sei ao certo onde nem desde quando, talvez desde sempre, no meio de um quadrado, cercado e sozinho, mas não vencido.”
Manuel Alegre
in “Expresso” de 30 de Julho - excerto de “O quadrado”, indicado como um texto de um novo livro de contos a editar proximamente, – para quem quiser entender!
Manuel Alegre
in “Expresso” de 30 de Julho - excerto de “O quadrado”, indicado como um texto de um novo livro de contos a editar proximamente, – para quem quiser entender!
sábado, julho 30
Os vapores do éter
"Guterres deixou 'o país de tanga', Barroso mentiu ao eleitorado e desabou, Santana foi um intermédio penoso e Sócrates mentiu como Barroso e vai a caminho de um mau fim".
Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 30-7-2005
Prever o fim de um governo, em democracia, não é um exercício muito estimulante. Reafirmar, reproduzindo a “voz do povo”, que todos os políticos mentem, não é uma descoberta muito arrebatadora. O que seria verdadeiramente fantástico é que o comentarista, do alto da montanha a que sobe, sob o efeito dos vapores do éter que o inebria, qual Deus na terra, nos dissesse o dia e a hora exacta de todas as abdicações. Em suma, nos indicasse o caminho e, de preferência, escrevesse à borla.
Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 30-7-2005
Prever o fim de um governo, em democracia, não é um exercício muito estimulante. Reafirmar, reproduzindo a “voz do povo”, que todos os políticos mentem, não é uma descoberta muito arrebatadora. O que seria verdadeiramente fantástico é que o comentarista, do alto da montanha a que sobe, sob o efeito dos vapores do éter que o inebria, qual Deus na terra, nos dissesse o dia e a hora exacta de todas as abdicações. Em suma, nos indicasse o caminho e, de preferência, escrevesse à borla.
O Tejo é mais belo
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)
ARGUMENTOS DA TRETA
A LER NO “EPPUR SI MUOVE” - crónicas do mundo
Argumentos da treta - As críticas a Soares
“Deixamos o campo da geriatria amadora e da reacção contra Abril para passarmos a discutir princípios e expectativas de desempenho mais palpáveis. Quem não quer voltar a ver Mário Soares na presidência que critique o que há para criticar: que é muito de esquerda, que não é suficientemente de esquerda, que tem uma visão errada do direito internacional, etc. Criticá-lo porque tem mais de oitenta anos, lutou contra a ditadura e esteve ligado ao pós-25 de Abril, isso não.”
Não posso estar mais de acordo
Argumentos da treta - As críticas a Soares
“Deixamos o campo da geriatria amadora e da reacção contra Abril para passarmos a discutir princípios e expectativas de desempenho mais palpáveis. Quem não quer voltar a ver Mário Soares na presidência que critique o que há para criticar: que é muito de esquerda, que não é suficientemente de esquerda, que tem uma visão errada do direito internacional, etc. Criticá-lo porque tem mais de oitenta anos, lutou contra a ditadura e esteve ligado ao pós-25 de Abril, isso não.”
Não posso estar mais de acordo
sexta-feira, julho 29
LUXO
“Foto de António José Alegria, do amistad”
"23 de Setembro.
Solidão, luxo dos ricos.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
quinta-feira, julho 28
MARIZA
Mariza na entrevista que acabou de passar na RTP referiu dois poemas de sua predilecção, ambos de Florbela Espanca .
Desejos vãos
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a Árvore tosca e tensa
Que ri do mundo vão e até da morte!
Mas o Mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
E o Sol, altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
Caravelas
Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.
Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!
Se eu sempre fui assim este Mar Morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!
Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...
Florbela Espanca
Desejos vãos
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a Árvore tosca e tensa
Que ri do mundo vão e até da morte!
Mas o Mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
E o Sol, altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
Caravelas
Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.
Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!
Se eu sempre fui assim este Mar Morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!
Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...
Florbela Espanca
LIBERDADE
(Interpretado na voz de João Villaret)
Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
quarta-feira, julho 27
"Lamber a vida como um rebuçado..."
15 de Set. (1937)
(...)
“Lamber a vida como um rebuçado, formá-la, estimulá-la, enfim, como se procura a palavra, a imagem, a frase definitiva, aquele ou aquela que conclui, que detém, com quem partiremos e que de futuro fará a cor do nosso olhar.”
(...)
“Quanto a mim, sinto-me numa curva da minha vida, não devido àquilo que adquiri, mas àquilo que perdi. Sinto-me com forças extremas e profundas. É graças a elas que devo viver como desejo. Se hoje me encontro tão longe de tudo, é que não tenho outro desejo senão amar e admirar. Vida com rosto de lágrimas e de sol, vida sem o sal e a pedra quente, vida como a amo e a entendo, parece-me que ao acariciá-la, todas as minhas forças de desespero e de amor se conjugarão.”
(...)
“É como se recomeçasse a partida; nem mais feliz nem mais infeliz. Mas com a consciência das minhas forças, o desprezo pelas minhas vaidades, e esta febre, lúcida, que me preocupa em face do meu destino.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(...)
“Lamber a vida como um rebuçado, formá-la, estimulá-la, enfim, como se procura a palavra, a imagem, a frase definitiva, aquele ou aquela que conclui, que detém, com quem partiremos e que de futuro fará a cor do nosso olhar.”
(...)
“Quanto a mim, sinto-me numa curva da minha vida, não devido àquilo que adquiri, mas àquilo que perdi. Sinto-me com forças extremas e profundas. É graças a elas que devo viver como desejo. Se hoje me encontro tão longe de tudo, é que não tenho outro desejo senão amar e admirar. Vida com rosto de lágrimas e de sol, vida sem o sal e a pedra quente, vida como a amo e a entendo, parece-me que ao acariciá-la, todas as minhas forças de desespero e de amor se conjugarão.”
(...)
“É como se recomeçasse a partida; nem mais feliz nem mais infeliz. Mas com a consciência das minhas forças, o desprezo pelas minhas vaidades, e esta febre, lúcida, que me preocupa em face do meu destino.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
Não: não digas nada!
Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já
É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.
És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.
Fernando Pessoa
(5/6-2-1931)
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já
É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.
És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.
Fernando Pessoa
(5/6-2-1931)
O Mar Mediterrâneo
As minhas leituras de verão conduzem-me à observação de coincidências inquietantes.
Das “Notas Biográficas”, de Albert Camus:
“1934 – Adesão ao Partido Comunista;
(...)
1937 – Ruptura definitiva com o Partido Comunista.”
Na mesma época em que Camus abandona o Partido Comunista escreve nos “Cadernos” o elogio do Mediterrâneo (Agosto de 1937) e Anna Larina, mulher Bukharine, (executado em 1938), descreve em “Bukharine, minha paixão”, o sacrifício (em 1938) infligido a uma presa política na União Soviética, de Estaline, por esta fazer o elogio do Mediterrâneo:
“Assim, aos 8 anos de reclusão de Sara Lazarevna Iakir juntaram-se ainda dez anos porque, no campo de concentração, ela tinha contado que a beleza do Mar Mediterrâneo não ficava a dever nada à do Mar Negro e que, em Itália, se faziam belas blusas bordadas. Por estas afirmações “sediciosas” a mulher de Iakir foi acusada de fazer o elogio do estado capitalista (eu não exagero). A instrução do processo efectuou-se logo ali, no Campo de Tomsk, igualmente ali foi dada a sentença condenando-a segundo o artigo KRA (agitação contra-revolucionária). Assim, graças aos “sábios” do Siblag, os dezoito anos de reclusão aplicados à mulher de I. E. Iakir ficaram por um preço razoável ao Estado”.
Das “Notas Biográficas”, de Albert Camus:
“1934 – Adesão ao Partido Comunista;
(...)
1937 – Ruptura definitiva com o Partido Comunista.”
Na mesma época em que Camus abandona o Partido Comunista escreve nos “Cadernos” o elogio do Mediterrâneo (Agosto de 1937) e Anna Larina, mulher Bukharine, (executado em 1938), descreve em “Bukharine, minha paixão”, o sacrifício (em 1938) infligido a uma presa política na União Soviética, de Estaline, por esta fazer o elogio do Mediterrâneo:
“Assim, aos 8 anos de reclusão de Sara Lazarevna Iakir juntaram-se ainda dez anos porque, no campo de concentração, ela tinha contado que a beleza do Mar Mediterrâneo não ficava a dever nada à do Mar Negro e que, em Itália, se faziam belas blusas bordadas. Por estas afirmações “sediciosas” a mulher de Iakir foi acusada de fazer o elogio do estado capitalista (eu não exagero). A instrução do processo efectuou-se logo ali, no Campo de Tomsk, igualmente ali foi dada a sentença condenando-a segundo o artigo KRA (agitação contra-revolucionária). Assim, graças aos “sábios” do Siblag, os dezoito anos de reclusão aplicados à mulher de I. E. Iakir ficaram por um preço razoável ao Estado”.
terça-feira, julho 26
Os versos que te fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Florbela Espanca
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz
Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Florbela Espanca
A esquerda e Cavaco - A direita e Soares
Desta vez estou de acordo com José António Saraiva no Expresso on line: “O aparecimento, de chofre, de Mário Soares na corrida presidencial, foi um a boa notícia para a esquerda.”
De acordo ainda com Pacheco Pereira no abrupto: a idade de Soares é o mais estúpido dos argumentos que se podem invocar contra ele.
Mas PP dá uma enorme a ajuda a Soares quando o coloca do lado da instabilidade política. Por uma razão simples: a maior desvantagem da candidatura de Soares seria a ideia de que, como presidente, se tornaria um indefectível apoiante do governo socialista e de que acabaria por se confundir com ele. Colocar Soares no lugar da oposição ou, ao menos, da critica ao governo socialista é a maior ajuda que alguém pode dar à candidatura de Soares.
De acordo ainda com Pacheco Pereira no abrupto: a idade de Soares é o mais estúpido dos argumentos que se podem invocar contra ele.
Mas PP dá uma enorme a ajuda a Soares quando o coloca do lado da instabilidade política. Por uma razão simples: a maior desvantagem da candidatura de Soares seria a ideia de que, como presidente, se tornaria um indefectível apoiante do governo socialista e de que acabaria por se confundir com ele. Colocar Soares no lugar da oposição ou, ao menos, da critica ao governo socialista é a maior ajuda que alguém pode dar à candidatura de Soares.
segunda-feira, julho 25
Sabor a Sal
Fotografia de Margarida Delgado, in Sabor a Sal
Dois anos na blogosfera. Parabéns.
Setembro.
Se dizeis: “eu não compreendo o cristianismo, quero viver sem consolação”, então sois um espírito limitado e parcial. Mas se, vivendo sem consolação, dizeis: “compreendo a posição cristã e admiro-a”, sois um diletante sem profundidade. Começo a deixar de ser sensível à opinião.”
Albert Camus
“Caderno” n.º 1 (Maio d 1935/Setembro de 1937) – Tradução de Gina de Freitas. Edição “Livros do Brasil” (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
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