Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quinta-feira, novembro 17
Exemplo
“Para que um pensamento modifique o mundo, é preciso antes de mais nada que modifique a vida daquele que o assume. É preciso que se transforme em exemplo.”
Albert Camus
Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
quarta-feira, novembro 16
Norton de Matos por Júlio Pomar
Norton de Matos por Júlio Pomar
Este desenho do General Norton de Matos, que serviu de ilustração a dois livros acerca da sua candidatura presidencial de 1949, é da autoria de Júlio Pomar.
Pomar é o mesmo autor do desenho de Mário Soares que ilustra o catálogo da exposição da sua colecção particular assim como de outros retratos, incluindo o que integra a galeria dos Presidentes da República.
(Continua)
VIVA VIEIRA!
Post dedicado ao meu filho.
Nas eleições legislativas de 1987 fui candidato pelo PS, integrando a lista de Lisboa, em lugar não elegível. Tinha aderido em 1986. Era Secretário-geral Vítor Constâncio.
Uma das iniciativas de campanha foi a criação do “Espaço Camões”, em Lisboa, organizado na respectiva Praça. A Margarida Marques e eu próprio fomos os organizadores e animadores dessa iniciativa inovadora. Nela se realizaram muitos e desvairados acontecimentos desde debates até eventos destinados a dar visibilidade pública a novos criadores em diversas áreas de actividade cultural nacional.
O espaço também acolheu um concerto dos "Ena Pá 2000", em início de carreira. Que grande concerto!
Percebi que a nomenclatura do PS ficou pouco confortável com a coisa e, curiosamente, muitos dos membros da dita nomenclatura ainda são os mesmos.
Eu apoio e voto Soares. Suponho que Soares sempre deve ter achado Constâncio um “chato”, ou seja, uma alta competência técnica destinada a tudo menos à política. O género Cavaco, linha “produto branco”. Deus me perdoe!
O Vieira é um artista de grande gabarito – em diversos géneros – sempre foi candidato presidencial, não o sendo, em todas as eleições. O meu filho – de uma geração muito distante – tem todas as músicas dos "Ena Pá 2000" e ouve-as com devoção. Por isso lhe dedico este post.
VIVA VIEIRA!
terça-feira, novembro 15
Amorfia
segunda-feira, novembro 14
Sedução
"je baise la fièvre de ton visage"- R.Char
um jogo que se joga sem palavras
silêncios que se dizem e se calam
tempo de sabedoria que os acasos
assinalam
sabia que a procura se não escolhe
o rosto iluminado é palavra omissa
sedução ardente numa só palavra
sussurrada
um esgar doce de olhar magoado
porque não um beijo de despedida
ou um voltar atrás sempre adiado
obrigado
atentos os cheiros de uma tristeza
tantas vezes glosada ou repetida
porta fechada e corpo disponível
abandonado
ali estivemos atentos ao desenlace
na espera do gesto da consumação
de uma arte de buscas e silêncios
consentidos
um tempo de fruir a flor desejada
que não a primavera dos sentidos
mas o denso frémito da sedução
inconsumada
In “Ir Pela Sua Mão”
Editora Ausência – 2003
EDITAL PÓSTUMO
Daniel Cohn-Bendit, leader of the students' strike and more familiarly known as "Danny the Red", addresses a street meeting at the Gare de l'Est, Paris, 14 May 1968
Escrevo na sequência do post “Cavaco” e para matar as saudades de uns quantos tradicionalistas, ou seja, daqueles que vivem paredes-meias com as memórias precisas dos acontecimentos.
A minha memória é selectiva quanto baste e me esquece o mais que não cabe naquela parte do cérebro que o Damásio, por acaso, apoiante de Soares, tem estudado e diz que guarda as memórias segundo critérios que têm a ver com as emoções.
Seja assim, ou não, pouco importa que o que me chamou a este escrito foi uma fúria por ver que o homem se tenta sentar em cima da desmemoria e singra a todo o vento fazendo dos gentios almas parvas.
Um dia – vai para muitos anos – estava a assistir a uma aula do dito cujo no meio da maior das contestações que é possível imaginar – devia ser de finanças públicas que era (e é) a sua única especialidade – ele explicava a coisa com base no exemplo da ilha onde a comunidade era reduzida a um humano, ou a um casal de humanos, já não me lembro muito bem.
Estávamos fartos, como os jovens estão sempre fartos de formalismos e trejeitos autoritários, se forem jovens normais, claro, quando o dito a propósito de uma reivindicação, certamente exagerada, como são todas as reivindicações dos jovens, disse uma mentira cuja já não me lembro qual foi.
O homem, naquele momento, revelou-se, a meus olhos e ouvidos, um mentiroso compulsivo, e apossou-se de mim um desassossego fulminante que deu no que deu, ou seja, numa refrega forte e feia que o fez vacilar e, dizem, cair desmaiado mas eu não vi, ou já não me lembro, pois me debatia nos braços de quem me susteve os ímpetos.
Quem estava presente e assistiu à cena, digna de um filme de acção, a preto e branco, género série B, sabe melhor do que eu descrevê-la, que já mo têm feito, mas eu não acredito em nada do que se passou, passa e passará, com o dito cujo desde a ocorrência do infausto acontecimento.
Fiquei em estado de amnésia intermitente face à criatura – que sofre do mesmo mal mas do ramo político – e fiquei possuído por uma descrença, em geral, acerca do saber dos professores e, ainda mais, dos métodos por eles utilizados. É um clássico na matéria mas, graças a Deus, há excepções.
Toda esta prédica é para dizer que me preocupa, ligeiramente, ter de me assumir como concidadão da mentira elevada à mais alta dignidade do estado.
A pobrezinha da Nação merece melhor, na mais alta magistratura, que mais não seja, alguém, do cuja verdade sempre se possa duvidar, mas que assuma a política pelos cornos, sem vergonha e com coragem, elevando-se ao nível do que ela é, a mais nobre arte de transformar o homem e o mundo.
Desculpai o desabafo. A bem da Nação. Aos 14 de Novembro de 2005.
domingo, novembro 13
MADRIGAL MELANCÓLICO
Ana Cristina Leite - Galeria ad hoc
O que eu adoro em ti
Não é sua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é tua ciência
Do coração dos homens e das coisas
O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz
O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
O que adoro em ti lastima-me e consola-me
O que eu adoro em ti é A VIDA !!!
Manoel Bandeira
CAMUS NA COLECÇÃO DE MÁRIO SOARES
Bernardo Marques (1899-1962) – O Estrangeiro (1954)
Guache sobre papel; inscrição: “colecção miniatura; reduzir e adaptar a formato de edição”. Dedicatória a lápis: “à Dra. Maria de Jesus Barroso e ao Dr. Mário Soares, Janeiro de 1984, João Palma Ferreira”.
Trata-se da maquete para a capa do romance “O Estrangeiro” de Albert Camus, publicado na Colecção Miniatura, Editorial Livros do Brasil, em 1954.
**************
Esta é uma imagem retirada do Catálogo da Exposição “Colecção Mário Soares” efectuada no Museu do Chiado em Fevereiro de1996. Achei curioso encontrar na colecção particular de Mário Soares uma peça referente à obra de Camus embora não seja difícil associar a cultura estética e filosófica de Soares, no essencial, ao pensamento de Camus.
O romance “O Estrangeiro”, o mais celebrado de Camus, foi publicado, originalmente, em Junho de 1942. A sua primeira edição, em Portugal, ocorreu em 1954, ainda antes de lhe ter sido atribuído o Nobel da literatura (1957).
Acerca das críticas ao romance, após a sua edição de estreia, assinalo um apontamento de Camus no Caderno nº 4:
“Da crítica
Três anos para escrever um livro, cinco linhas para o ridicularizar – e citações falsas.”
sábado, novembro 12
MARAN ATHA
PELOS CABELOS
Fotografia de Viktor Ivanovski in XUPACABRAS
Três acontecimentos políticos marcantes dos últimos dias:
(1) Acórdão do Tribunal da Relação pela não prenuncia de Paulo Pedroso, Herman José e Francisco Alves no chamado caso Casa Pia. Aguarda-se que, nos próximos tempos (anos), seja possível conhecer a verdade, em particular, no que respeita à campanha inculcando na opinião pública a imagem de envolvimento de altos ex-dirigentes do PS neste caso de pedofilia incluindo o seu ex-secretário geral Ferro Rodrigues. Vai começar uma nova etapa.
(2) O PSD votou contra o orçamento de estado para 2006. Esta decisão, atenta a natureza e os objectivos deste orçamento, vai custar muito cara, no futuro, ao PSD e à liderança de Marques Mendes. Ou Marques Mendes já sabe do seu destino, caso Cavaco ganhe as presidenciais, ou espera uma longa penitência do PSD na oposição, ou ambas as coisas, e decidiu armadilhar o caminho de quem lhe vier a suceder. Está a acabar uma etapa.
(3) Manuel Alegre, deputado do PS, não compareceu na discussão e votação do Orçamento para 2006. Escudando-se na liberdade que lhe advém do seu estatuto de deputado e na condição de candidato presidencial demarcou-se, de facto, de tomar posição acerca do mais importante documento orientador da política do governo do seu próprio partido. O partido está no seu coração mas ele está fora do coração do partido. Finito.
A IDADE DE MÁRIO SOARES
Raquel Welch
Uma das linhas de ataque a Soares é a sua idade cronológica. Pululam os comentários, explícitos e implícitos, acerca da “velhice” do candidato Soares. Tentam enxergar-se gafes e posturas em Soares que, ao contrário do que se quer fazer crer, não são uma degenerescência originada pela idade mas uma característica própria da sua maneira de ser e intervir politicamente.
Soares é, hoje, igual a ele próprio. De espantar são as gafes de Cavaco – uma por intervenção – enquanto candidato supostamente jovem. A última foi a de se referir às próximas eleições presidenciais como eleições autárquicas. A comunicação social disfarça e assobia mas Cavaco, mesmo sem a pressão do contraditório, está a mostrar as fragilidades gritantes da sua personalidade para o exercício da função presidencial.
Impressiona, por outro lado, a energia de Soares e a sua disponibilidade para se sujeitar à indignidade da linha de ataque assente na questão da idade. A candidatura de Soares servirá, seja qual for o resultado final das eleições, para dar aos portugueses uma lição de dignidade e civismo afirmando, na prática, que todos temos o direito a desempenhar um papel activo na vida em sociedade até ao fim. Esta não é uma atitude neutra nem menosprezável, antes pelo contrário, a assumpção de uma das mais importantes questões civilizacionais do nosso tempo.
Explorar esta linha de ataque a Soares é o maior erro político que, seja quem for, pode cometer. As sociedades em todo o mundo e, em particular, no ocidente, estão a envelhecer a uma velocidade estonteante. Os mais velhos serão a maioria da população e do eleitorado daqui a muito poucos anos.
Os candidatos mais velhos não só, como no caso de Soares, acumulam mais experiência humana e política, como correspondem, cada vez melhor, ao perfil de uma parte significativa do eleitorado.
Não se entusiasmem demasiado com a s virtudes da juventude e a exploração publicitária do seu mito. O mito da juventude, em boa verdade, em particular, no mundo ocidental, agoniza às mãos do chamado “envelhecimento demográfico”.
E não se esqueçam que Mário Soares é um político “matador” e que essa sua característica se não desvaneceu com o tempo antes pelo contrário parece ter-se refinado.
sexta-feira, novembro 11
ARMISTÍCIO
Assinatura do Armistício que pôs fim à Primeira Guerra Mundial em 11 de Novembro de 1918.
Celebra-se hoje o aniversário do armistício que encerrou uma das guerras mais dramáticas da história europeia do século XX. Portugal participou com um corpo expedicionário mas a efeméride, no nosso país, estranhamente, não se comemora!...
Portugal na 1ª Grande Guerra in Portal da História
A Revolta do Corpo
Mónica Bellucci
"Ao fim de dois mil anos de cristianismo, a revolta do corpo. Foram precisos dois mil anos para que de novo surgisse a nudez nas praias. Consequentemente, o excesso. E o corpo reencontrou o seu lugar nos usos. Falta ainda dar-lhe de novo o seu lugar na filosofia e na metafísica. É um dos sentidos da convulsão moderna."
Albert Camus
Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
quinta-feira, novembro 10
RUY BELO
Descobri, por acaso, também um livro acerca de “Ruy Belo: “Coisas do Silêncio”, de Duarte Belo e Rute Figueiredo, editado pela Assírio e Alvim.
Nele além de fotografias, que “pressupõem a ligação da identidade do poeta à identidade dos lugares”, publicam-se excertos da sua poesia cujo formato se adequa, quase na perfeição, à sua divulgação num blogue. Uma forma de a conhecer sem facilidades torneando os excessos eruditos.
Como se diz no posfácio do livro “Os poemas ou excertos de poemas que integram este conjunto de fotografias, funcionam como o traçado de um processo criativo, ou um “mapa” de visita que nos permite descortinar a face de uma paisagem humana desenhada por gestos suspensos entre palavras.”
“A minha amada chega no ar dos pinhais
cingida de resina vária como o cedro
e a maresia. Levanta-se lábil
e compromete solene o séquito da aurora
Ou vem sobre os rolos do mar
cheia de infância pequena de destino
(…)
"Condição da Terra"
Aquele Grande Rio Eufrates
quarta-feira, novembro 9
MÁRIO SOARES POR JÚLIO RESENDE
Por acaso descobri, perdido por aqui, um livro muito interessante de que já não me lembrava. Um catálogo de uma exposição, em tempos realizada, no "Museu do Chiado" da colecção particular de pintura de Mário Soares. Assim se redescobre o gosto pela arte de um político que, nesta época, vale a pena chamar à atenção.
Juntar a arte da política activa, ao gosto militante pela arte, não é vulgar e podem muitos estar esquecidos dessa faceta de Mário Soares na hora em que está na moda, entre os saudosistas da “verdadeira esquerda” e também, paradoxalmente, da “verdadeira direita”, atribuir esse predicado a Manuel Alegre, aliás, um produtor de um dos seus géneros, a poesia.
Sem demérito para o poeta, na disputa presidencial, prefiro Soares, o político amante da arte, a Alegre, o artista amante da política.
Naquele catálogo da colecção de Mário Soares, entre muitas obras, reparei em três peças que darei a conhecer a começar por este retrato do próprio Soares da autoria de Júlio Resende.
Imortalidade
Fotografia de Angèle
“Não nascemos para a liberdade. Mas o determinismo é também um erro.”
“Que poderia ser (Que é) a imortalidade para mim? Viver até que o último homem tenha desaparecido da terra. Nada mais.”
Albert Camus
Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Sexto e sétimo fragmentos iniciais do Caderno nº 5 que transcrevi na íntegra respeitando a sua sequência. As transcrições de fragmentos dos Cadernos, a partir de agora, regressam ao formato habitual – sublinhados da releitura actual.)
terça-feira, novembro 8
Também já fui brasileiro
Fotografia de Angèle
Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isto, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.
De Alguma poesia (1930)
Carlos Drummond de Andrade
BOTICÁRIO AO FUNDO
PAULA REGO - THE VIVIAN GIRLS WITH WINDMILLS
O Dr. Cordeiro, “boticário mor do reino”, desta vez, está “entalado”. Deve estar na expectativa de que Cavaco, caso vença as presidenciais, venha em seu socorro. E quem sabe!...
Não esqueço a campanha miserável que desencadeou contra Ferro Rodrigues, aquando das eleições de 2002, a propósito da proposta de criação das farmácias sociais …
Ele lá sabia porquê. Agora parece que se aproxima do fim o privilégio do lobby das farmácias, em particular, essa faceta de onzeneiro* do Dr. Cordeiro que lhe foi outorgada no tempo dos governos do Prof. Cavaco Silva.
* ”Que é relativo à onzena, à usura, à cobrança de juros excessivos por dinheiro emprestado; …” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa.)
segunda-feira, novembro 7
TIME
Fotografia in new york on time
Os dias não mudam conforme a nossa vontade
O tempo deles foi marcado algures noutro lado
Os homens não alcançam o ponteiro das horas
O seu espaço é invisível e fora de suas glórias
Lisboa, 24 de Outubro de 2005
ÓDIOS
Hitler und Mussolini am 14. September 1945.
Os presentes acontecimentos de Paris fazem lembrar outros acontecimentos do passado. As revoltas são sempre diferentes conforme a época histórica.
A violência, seja qual for a sua natureza, conduz a dois discursos opostos: o discurso do apaziguamento que os amantes da ordem acusam de fazer o jogo dos revoltosos e o discurso da ordem que os amantes do apaziguamento acusam de acirrar os ódios.
A ordem é um valor estimado e respeitado se servir à maioria. O pior é quando a maioria, em nome da ordem, coloca o poder na mão de bandidos. Cuidado com a “ordem”! Principalmente em nome da ordem pela "ordem", do xenofobismo e do racismo!
Tem acontecido tantas vezes, na história recente, que não há desculpas para quem fraquejar no combate à violência em defesa da democracia. Sem apelos ao ódio e aos ressentimentos.
SOCORRO!
Fiquei assustado a primeira vez que vi este cartaz. Na verdade, não sei porquê, o cartaz é assustador. Não sei mas faz-me lembrar a propaganda de uma força totalitária. Desculpa lá, oh Louçã!
Eu avisei que ia deixar mal impressionados alguns amigos de esquerda com as minhas opiniões e sentimentos acerca das candidaturas presidenciais.
Mas não há paciência nem para o discurso, nem para a imagem, nem para a propaganda do Louçã. Enoja-me. Eu não quero ser olhado, "olhos nos olhos", pelo Louçã!
Como fazer para evitar ser olhado "olhos nos olhos" pelo Louçã? Socorro!
domingo, novembro 6
Razão ...Razões ...
Fotografia de Hélder Gonçalves - RIA DE AVEIRO II
“As pessoas julgam sempre que o suicídio é praticado em nome de uma razão. Mas pode muito bem ser praticado em nome de duas razões.”
Albert Camus
Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Quinto fragmento integral dos primeiros seis deste Caderno nº 5.)
O gosto é livre, as posses não ...
Paula Rego – Galinhas bebés (série Ovos da Lua), 2005
[gravura e água-tinta, 20 x 21 cm]
Um dia destes esqueci-me dos óculos. Pedi uns emprestados a uma colega. Quase perfeitos na graduação. Mas óculos de mulher. Interessante fenómeno. O seu formato feminino na minha cara não escandalizou ninguém. Ou a minha cara não se deu por achada pelo formato feminino dos óculos.
A minha familiaridade com óculos, aros, hastes, lentes, graduações, dioptrias, miopias, vistas cansadas, bifocais, marcas, formatos e correcções é muito forte. Cresci a ver lidar, no quotidiano, com essa realidade. Um dia, ainda rapaz, atrevi-me a dar uma opinião a uma senhora, bem posta na vida, acerca de uns belos óculos de sol que ela se aprontava a comprar ao balcão por detrás do qual estava o meu pai. Recebi uma resposta seca do género: “meta-se na sua vida!”
E não é que os comprou mesmo. Era uma daquelas peças que, naquele tempo, se vendiam só a gente rica e eu pensava que a gente rica não comprava nada ao balcão. Mandava comprar. Ou que aqueles eram uns óculos apenas de figuração.
Fiquei a saber que não se devem dar conselhos acerca de questões de gosto a ninguém. O gosto é livre, as posses não...
sábado, novembro 5
PRESIDENTES, ELIS E OS EFEITOS COLATERIAS DA DITADURA
Elis Regina
Em Portugal, com respeito a Presidentes da República, excluindo a 1ª República (1910/1926), ninguém se queixa de terem sido demais. É interessante observar o sublime e recolhido regozijo dos portugueses perante a durabilidade dos mandatos presidenciais.
Descontados Gomes da Costa, que “comandou” a “revolução nacional”, em 1926, e de António de Spínola, que “comandou” a de 1974, tendo sido rapidamente descartados, Portugal contou, no exercício da função presidencial, no Estado Novo, desde 1926 a 1974, com três Presidentes da República: Óscar Fragoso Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomás (chefes militares respectivamente das forças de “Terra, Ar e Mar”) e, depois do 25 de Abril, com quatro: Costa Gomes, Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio.
Verdadeiramente só os três últimos foram eleitos, pelo voto livre dos portugueses, preenchendo, em 2006, 30 anos de vivência democrática.
Curiosamente, desde o fim da 1ª República, até aos nossos dias, no decurso de oitenta anos (80) só dois Presidentes foram civis (Soares e Sampaio), ambos eleitos. Todos os outros foram altos chefes militares ou acabaram sendo altos chefes militares (caso de Eanes). Os seus mandatos, em média, foram longos.
Talvez se possa concluir que o progresso da Pátria não tem ganho grande coisa por estar associado ao autoritarismo que esses militares, em contextos diferentes, protagonizaram nem à durabilidade dos seus mandatos. Curioso, não é? Dá para pensar!
(A foto de Elis Regina, retirada do new york on time, nada tem a ver, aparentemente, com o assunto. É que me veio à memória uma cena que nunca mais esqueci e na qual participei. As ditaduras provocam estranhos fenómenos de cegueira, de distorção da realidade e de injustiça na apreciação do papel dos outros em cada momento. Então não é que um belo dia uma entidade ligada à ditadura se lembrou de promover um espectáculo, em Lisboa, com a Elis Regina e o Jair Rodrigues e o movimento estudantil, não sei porque carga de água, metido em brios de revolta, resolveu boicotá-lo. A Elis e o Jair não entendiam nada do que se estava a passar – via-se-lhes nos rostos espantados - mas o que é verdade é que não houve espectáculo. À Elis, lá onde se encontre, e ao Jair, pela parte que me toca, desculpem!)
REVOLTA
Fotografia de Bogdan Jarocki
“Revolta: Criar para chegar mais perto dos homens? Mas se pouco a pouco a criação nos separa de todos e nos empurra para longe sem a sombra de um amor …”
Albert Camus
Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
sexta-feira, novembro 4
SCARLETT JOHANSSON
Scarlett Johansson, atrapada por Woody Allen - "El País"
La protagonista de 'Match point' participa también en el siguiente proyecto del director neoyorquino - BARBARA CELIS - Nueva York - EL PAÍS - 04-11-2005
Scarlett Johansson, el pasado mayo en el Festival de Cine de Cannes. (REUTERS) ampliar
VÍDEO Trailer de 'Match Point' - "Me considero una persona muy afortunada por vivir de lo que más amo"
Arquivado no IR AO FUNDO E VOLTAR
PARIS A ARDER
Paris a ferro e fogo. Procuram-se explicações. Abre-se um debate. Pacheco Pereira insurge-se contra as visões compassivas face aos insurgentes. A sociedade inclusiva falha quando os valores humanistas se afundam. De acordo.
Curioso que me faz lembrar o "discurso ultrapassado" de Soares … Por isso a necessidade de levantar a bandeira da luta pelos valores. Quais? Liberdade, justiça, tolerância, trabalho, paz, ordem democrática? … as imagens lembram-me – só pelo “cheiro” as do Maio de 68.
O presidente da República francesa – em exercício vai para 10 anos – é um homem de direita. O governo actual é um governo de direita … é verdade? Nada de importante! Detalhes …
No Libération : Une huitième nuit de violences dans les banlieues
Quelque 400 voitures brûlées, un dépôt de bus incendié, les voyageurs d'un RER dépouillés… • Côte-d'Or, Seine-Maritime et Bouches-du-Rhône ont également été touchées •
Ler ainda “Paris já está a arder”, de Clara Ferreira Alves
quinta-feira, novembro 3
"Política (continuação)."
Albert Camus
“Política (continuação). Tudo deriva do facto de aqueles que estão encarregados de falar em nome do povo não terem nunca a preocupação real da liberdade. Quando são sinceros, gabam-se mesmo do contrário. Ora a simples preocupação já bastaria …
Por conseguinte esses, raros, que vivem com tal escrúpulo devem perecer mais dia, menos dia (há muitas formas de morrer a este respeito). Se são orgulhosos, não tombarão sem luta. Mas como irão lutar contra irmãos, contra a própria justiça? Deixarão o seu testemunho, eis tudo. E, com dois milénios de intervalo, assistiremos ao sacrifício, várias vezes repetido, de Sócrates. Programa para amanhã: execução solene e significativa das testemunhas da liberdade.”
Albert Camus
Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Terceiro fragmento, dos seis primeiros do Caderno nº5, que venho a reproduzir na íntegra. A referência a Sócrates – o filósofo - no seio deste fragmento não é mais do que uma irónica coincidência.)
COERÊNCIA, ESTABILIDADE E CORAGEM
Já está disponível no site do “Semanário Económico” e no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo com o título em epígrafe, a publicar na sua edição em papel de amanhã, do qual reproduzo a entrada.
"Nas presidenciais escolhe-se, acima de tudo, uma personalidade. É a escolha política mais pura de todas as escolhas. Nas eleições presidencial a minha escolha é a mais politicamente incorrecta do momento. Aquela que, paradoxalmente, está contra a corrente e é disso que eu gosto: Mário Soares."
A DIREITA SABE AO QUE VEM
Mercúrio
Anda toda a gente à volta das questões mais importantes que estão em causa nestas eleições presidenciais. Mas poucos se atrevem a falar claro colocando os pontos nos ii.
A direita que apoiou os governos de Durão Barroso e de Santana Lopes – pois não há outra – é a mesma que apoia Cavaco Silva. O objectivo político da direita – muito legitimamente – é a conquista do poder. A candidatura de Cavaco é um instrumento dessa estratégia. A autonomia da sua candidatura, face ao PSD, é muito limitada. Vide o surgimento de Manuela Ferreira Leite e Dias Loureiro, com todo o destaque, na Comissão Política da candidatura.
O primeiro objectivo, em curso, é isolar Mário Soares. O segundo é ganhar à primeira volta para mostrar força. O terceiro é desgastar o governo socialista de Sócrates. O quarto é tomar o poder no PSD mudando a sua liderança. O quinto é reconstruir uma maioria política a partir dessa nova liderança com, ou sem, o CDS/PP. O sexto é ganhar as próximas eleições legislativas (antecipadas ou não) de preferência depois do governo PS ter saneado as finanças públicas ganhando em troca uma imensa impopularidade.
Em síntese: tornar um facto natural o advento de “Uma Maioria, Um Governo, Um Presidente”.
O reforço da componente presidencialista do regime, a seu tempo, se verá conforme os contornos da desejada maioria presidencial e a dimensão da adesão popular aos seus encantos messiânicos.
Os negócios em vista esses aguardam já impacientes numa interminável fila de espera.
quarta-feira, novembro 2
PIER PAOLO PASOLINI
Pasolini - Assassinado em 2 de Novembro de 1975
Súplica a minha mãe
É difícil com palavras de filho
aquilo a que intimamente bem pouco me pareço.
És a única no mundo que sabe o que esteve sempre
no meu coração, antes de qualquer outro amor.
Por isso tenho de dizer-te o que é horrível saber:
é na tua graça que nasce a minha angústia.
És insubstituível. Por isso está condenada
à solidão a vida que me deste.
E eu não quero estar só. Tenho uma fome infinita
de amor, do amor de corpos sem alma.
Porque a alma está em ti, és tu, mas tu
és minha mãe e o teu amor é a minha servidão:
vivi a infância como escravo desse sentimento
supremo, irremediável, de um fervor imenso.
Era a única maneira de sentir a vida,
a única cor, a única forma: agora terminou.
Sobrevivemos: e é o caos
de uma vida que renasce fora da razão.
Suplico-te, Ah, suplico-te: não queiras morrer.
Estou aqui, sozinho, contigo, num Abril futuro …
Pier Paolo Pasolini
In De “LA REALTÁ” - “Poesia in forma di rosa”, Ed Garzanti 1964
Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo
Assírio & Alvim
Supplica a mia madre
.
È difficile dire con parole di figlio
ciò a cui nel cuore ben poco assomiglio.
Tu sei la sola al mondo che sa, del mio cuore,
ciò che è stato sempre, prima d'ogni altro amore.
Per questo devo dirti ciò ch'è orrendo conoscere:
è dentro la tua grazia che nasce la mia angoscia.
Sei insostituibile. Per questo è dannata
alla solitudine la vita che mi hai data.
E non voglio esser solo. Ho un'infinita fame
d'amore, dell'amore di corpi senza anima.
Perché l'anima è in te, sei tu, ma tu
sei mia madre e il tuo amore è la mia schiavitù:
ho passato l'infanzia schiavo di questo senso
alto, irrimediabile, di un impegno immenso.
Era l'unico modo per sentire la vita,
l'unica tinta, l'unica forma: ora è finita.
Sopravviviamo: ed è la confusione
di una vita rinata fuori dalla ragione.
Ti supplico, ah, ti supplico: non voler morire.
Sono qui, solo, con te, in un futuro aprile...
Súplica a mi madre
Mis palabras de hijo dirán difícilmente
algo a un corazón de mí tan diferente.
Sólo tú en el mundo sabes de mi corazón
lo que siempre fue, antes de cualquier amor.
Por eso tengo que decirte lo que es horrible reconocer:
germina mi angustia en el seno de tu gracia.
Eres insustituible. Por eso está condenada
a la soledad la vida que me diste.
Y no quiero estar solo. Tengo un hambre infinita
de amor, del amor de cuerpos sin alma.
Porque el alma está en ti, eres tú, pero tú
eres mi madre y tu amor es mi esclavitud:
esclava fue mi infancia de este sentimiento
alto, irremediable, de inmenso compromiso.
Era la única manera de sentir la vida,
la única tinta, la única forma. Ahora se acabó.
Sobrevivimos: y es la confusión
de una vida recreada al margen de la razón.
Te lo suplico, ay, te lo suplico, no quieras morir.
Estoy aquí, solo contigo, en un futuro abril…
(Original em italiano – corrigido – e tradução em castelhano retirados daqui.)
O Watergate de George W.
A Ler no NEW YORK ON TIME
“Ainda é cedo para prever se o escândalo que levou ao indiciamento do chefe de gabinete do vice Dick Cheney, Scooter Libby, pode se tornar o Watergate de George W. Bush. Mas há paralelos. Nos dois casos, o poder executivo mentiu para encobrir ações ilegais ou impróprias. No caso de Nixon, o uso de "dirty tricks", golpes sujos, contra a oposição. No caso de Bush, algo muito mais grave: o uso deliberado de falsidades para levar o país à guerra.”
ANTINOMIAS POLÍTICAS
Fotografia de CARTIER–BRESSON, H. Albert Camus antes de obter o Nobel.
“Antinomias políticas. Vivemos num mundo em que é preciso escolher sermos vítimas ou carrascos – e nada mais. Esta escolha não é fácil. Pareceu-me sempre que na realidade não há carrascos, há apenas vítimas. No fim de contas, bem entendido. Mas é uma verdade que está pouco espalhada.
Gosto imenso da liberdade. E para todo o intelectual, a liberdade acaba por confundir-se com a liberdade de expressão. Mas compreendo perfeitamente que esta preocupação não está em primeiro lugar para uma grande quantidade de Europeus, porque só a justiça lhes pode dar o mínimo material de que precisamos e que, com ou sem razão, sacrificariam de bom grado a liberdade a essa justiça elementar.
Sei estas coisas há muito tempo. Se me parecia necessário defender a conciliação entre a justiça e a liberdade, era porque aí residia em meu entender a última esperança do Ocidente. Mas essa conciliação apenas pode efectivar-se num certo clima que hoje é praticamente utópico. Será preciso sacrificar um ou outro destes valores? Que deveremos pensar, neste caso?”
Albert Camus
Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Segundo dos seis primeiros fragmentos deste Caderno nº5 que estou a transcrever na íntegra. Nalguns casos podem ter já sido total, ou parcialmente, postados mas nas circunstâncias presentes acho oportuno a sua divulgação porque versam, directamente, as velhas questões da política, da ética e dos valores.)
terça-feira, novembro 1
(Eu tenho ideias e razões, ...)
Chiado - Lisboa - Estátua de Fernando Pessoa
Eu tenho ideias e razões,
Conheço a cor dos argumentos
E nunca chego aos corações.
Fernando Pessoa
Yo tengo ideas y razones,
Conozco el color de los argumentos
Y nunca llego a los corazones.
In site de poesias coligidas de
F E R N A N D O P E S S O A
(Dedicado a Galgata, aliás, Maria Paz Green F., do Caleidoscópio)
NASCIDO DE TI
Paula Rego – “Entre as Mulheres”
(pelo aniversário de minha mãe)
Vejo que se mexe tudo
à minha volta
desde sempre
o mundo
vi à solta numa revolta
demente
De tudo o que vi
retive a rua
deserta
em que corri
estava nua
a porta aberta
Ainda recordo o que senti
na tua mão
doce
quando sorri
que mais não
fosse
Onde estava eu sem ti?
e tu sem mim
o que eras?
me senti
o jardim
das esperas
Além de tudo
ser
fui um fruto teu
desnudo
que ao nascer
te renasceu
Lisboa, 30 de Maio de 2005
segunda-feira, outubro 31
O Cavaquismo de Saraiva Tem Pés de Barro
LISBOA - Fotografia de Angèle
José António Saraiva, no “Expresso on line” prossegue a sua campanha pró Cavaco. O modelo da sua intervenção parece bastante ingénuo mas é eficaz.
Saraiva faz 3 perguntas e dá três respostas muito pouco surpreendentes. De seguida eu dou, às mesmas perguntas, três respostas, mas de sentido oposto. As minhas respostas são apresentadas a azul.
"As próximas eleições presidenciais, tudo somado, suscitam três perguntas.
Primeira pergunta: Cavaco Silva vai ganhar à primeira volta?
Resposta: sim, bastando-lhe para isso não cometer muitos erros. Em condições normais, conseguirá, no primeiro escrutínio, entre 55 e 60 por cento dos votos. E isto porque grande parte do eleitorado central, aquele que decide eleições, inclinar-se-á para o candidato que hoje surge claramente como mais forte.
Resposta: não, pois, de certeza, cometerá bastantes erros. Em condições normais, no primeiro escrutínio, atendendo ao histórico de todas as eleições presidenciais, em democracia, não conseguirá ultrapassar a barreira dos 50%. E isto, também, porque o eleitorado central distribuirá, à primeira volta, o seu voto por todos os candidatos, guardando para o segundo escrutínio a decisão final.
Segunda pergunta: Manuel Alegre pode ficar à frente de Mário Soares?
Resposta: sim, se fizer uma campanha emotiva dirigida ao coração da esquerda e se se confirmar a reduzida capacidade actual de Mário Soares para mobilizar apoios e criar entusiasmo. Alegre tem hoje mais condições do que Soares para fazer vibrar a esquerda.
Resposta: não, porque mesmo que faça uma campanha emotiva a chamar ao coração da esquerda, se confrontará com a imbatível capacidade de Soares nos debates e na relação directa com as pessoas. Além do mais Alegre não conta com o apoio do PS que mesmo nas suas piores votações de sempre nunca desceu abaixo dos 25% tendo os candidatos por si apoiados ganho todas as eleições presidenciais.
Terceira pergunta: Francisco Louçã pode bater Jerónimo de Sousa?
Resposta: sim, porque tem um perfil mais recortado. O BE perderá sempre com o PCP nas autárquicas, bater-se-á de igual para igual com o PCP nas legislativas e o seu candidato tem hipóteses de vencer o candidato do PCP nas presidenciais.
Resposta: não, porque o perfil de Jerónimo de Sousa é mais forte e consistente do que o de Louçã e a fidelidade do eleitorado do PCP ao seu mais forte candidato de sempre, na hora da verdade, falará mais alto.
(Os argumentos expendidos não se aplicam, naturalmente, às eleições presidenciais nas quais se recandidataram candidatos eleitos nas eleições imediatamente anteriores).
CAMUS
“O único problema contemporâneo: Poderá transformar-se o mundo sem se acreditar no poder absoluto da razão? Apesar das ilusões racionalistas, mesmo marxistas, toda a história do mundo é a história da liberdade. Como poderiam ser determinados os caminhos da liberdade? É decerto falso dizer que o que é determinado, é o que já não vive. Mas só é determinado o que já se viveu. O próprio Deus, se existisse, não poderia modificar o passado. Mas o futuro não lhe pertence nem mais nem menos do que ao homem.”
Albert Camus
Caderno n.º 5 (Setembro 1945/Abril 1948) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Este é o primeiro fragmento que surge no “Caderno nº 5” correspondente a um período, iniciado em Setembro de 1945, coincidente com o nascimento, em 5 de Setembro, dos seus filhos gémeos, Jean e Catherine. Camus tinha-se transformado numa figura pública. Neste período publica “A Peste” (Junho de 1947) que obtém um sucesso estrondoso tendo vendido, em primeira edição, cem mil exemplares. Os primeiros fragmentos deste Caderno foram muito relevantes nas minhas próprias leituras de juventude. Vou, nos próximos tempos, em sequência, reproduzi-los na íntegra.)
EXCELENTE
Fotografia in “uma por rolo” (Lisboa, 2005 Out – retroseiro)
O Senhor Belmiro, no jornal de que é proprietário, dá uma entrevista em que diz que Cavaco vai ganhar as presidenciais ... o que vai ser excelente pois irá trabalhar com um primeiro-ministro ... excelente …
Excelente!... Afinal tudo é excelência em Portugal!... Com que então pensavam que viviam numa choldra? Excelente, excelente é a fotografia!
"Cavaco vai ganhar e vai ser um excelente Presidente para trabalhar com um excelente primeiro-ministro"
Belmiro de Azevedo, PÚBLICO/Rádio Renascença, 30-10-2005
TURISMO DE NATUREZA EM PORTUGAL
De vez em quando as questões do turismo, em particular, na sua articulação com a preservação da natureza seduzem-me. Desta vez a minha cunhada Isabel Ramos lembrou-se de me enviar esta suculenta e exaustiva informação que, à laia de serviço público, dou a conhecer introduzida com um texto e fotografia de sua autoria. Obrigado.
À semelhança de muitos outros países, nomeadamente da Europa do Norte, em Portugal, o Turismo de Natureza, considerado um produto turístico materializado em estabelecimentos, actividades e serviços de alojamento e animação turística e ambiental que se realiza em zonas integradas na Rede Nacional de Áreas Protegidas, tem vindo a ser cada vez mais procurado como alternativa aos tradicionais produtos turísticos.
Nesta perspectiva, e no sentido de melhor concretizar e propor acções que dêem resposta a esta procura crescente, o Instituto da Conservação da Natureza definiu as potencialidades para o desenvolvimento do Turismo de Natureza em cada uma das Áreas Protegidas sob sua jurisdição.
Pode consultar em Enquadramento Estratégico do Turismo de Natureza.
domingo, outubro 30
COISAS ACABADAS
Imagem de Chafarica Iconoclasta
Konstandinos Kavafis (mais alguns poemas)
Dentro do medo e das suspeitas
com a mente agitada e os olhos aterrados,
fundimos e planeamos o que fazer
para evitar o perigo
certo que desta forma horrenda nos ameaça.
No entanto equivocamo-nos, não está esse no caminho;
falsas eram as mensagens
(ou não as ouvimos, ou não as sentimos bem).
Outra catástrofe, que não imaginávamos,
brusca, torrencial cai sobre nós,
e desprevenidos – como teríamos tempo – arrebata-nos.
[1911]
K. Kavafis
In "Os Poemas", tradução de Joaquim Manuel Magalhães
e Nikos Pratsinis - Relógio d´Água
ARCAÍSMOS
General Ramalho Eanes, inspirador do PRD
O inefável Espada, um dos maiores ex-marxistas leninistas portugueses vivos explica, na sua última crónica no “Expresso”, as razões do apoio a Cavaco em detrimento de Soares que sempre tinha apoiado desde 1985.
Fala dos medos que, hoje em dia, se não justificam, explorando aquele filão da colagem de Soares a um anti fascismo fora de moda. Em resumo a razão da sua viragem, em favor de Cavaco, é simples: em 1985 Soares era moderno, hoje deixou de o ser.
Arrumando as ideias Espada explica que, em 1985, se justificava combater uma esquerda arcaica sendo Soares o porta-estandarte desse combate.
Imaginem uma das principais personagens que, segundo Espada, estava do lado do arcaísmo que era mister combater: Ramalho Eanes. Esse mesmo que, hoje, é presidente da Comissão de Honra da candidatura de Cavaco, “o moderno”. Compreenderam?
A LIBERDADE SEMPRE
Picasso com Françoise Gilot e o sobrinho – 1948
Foto Robert Capa
“Revolta
Finalmente, escolho a liberdade. Pois que, mesmo se a justiça não for realizada, a liberdade preserva o poder de protesto contra a injustiça e salva a comunidade.
A justiça num mundo silencioso, a justiça dos mundos destrói a cumplicidade, nega a revolta e devolve o consentimento, mas desta vez sob a mais baixa das formas. É aqui que se vê o primado que o valor da liberdade pouco a pouco recebe. Mas o difícil é nunca perder de vista que ele deve exigir ao mesmo tempo a justiça, como foi dito.
Dito isto, há também uma justiça, ainda que muito diferente, fundando o único valor constante na história dos homens que só morreram bem, quando o fizeram pela liberdade.
A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário."
Albert Camus
Caderno n.º 4 (Janeiro 1942/Setembro 1945) – Tradução de António Quadros. Edição “Livros do Brasil”. (A partir da “Carnets”, 1962, Éditions Gallimard).
(Mesmo perto do fim do Caderno nº 4, esta releitura, leva-me a retomar uma das citações que melhor explicita uma das preocupações dominantes em todo o pensamento e obra de Camus: a relação entre liberdade e justiça. Quando, nos nossos dias, na vida quotidiana e nos combates cívicos e políticos, se menospreza, ou subalterniza, o valor da liberdade sempre me vem à memória o primeiro parágrafo desta citação: “Finalmente, escolho a liberdade …”)
sábado, outubro 29
ASNEIRA
Eu também me dei ao trabalho de ler, com atenção, o Manifesto Presidencial de Cavaco que está linkado num post anterior.
VPValente, como de costume, não poupa palavras. Muitas vezes não estou de acordo. Mas desta vez fez-me trazer à memória aquilo que senti ao ler o Manifesto mas que não me ocorreu logo traduzir pela palavra exacta: parece uma redacção, mas não sendo uma redacção, é uma asneira.
Parece que o candidato desconfia da capacidade de entendimento dos seus potenciais eleitores acerca do que está em jogo nas eleições presidenciais. Para Cavaco é um problema ter de falar, afirmar ao que vem, no fundo, as eleições, elas mesmas, são um problema.
E ainda não chegou a hora dos debates!
"Não sendo nem uma redacção, nem um dicionário, o manifesto [de Cavaco Silva] só pode ser uma asneira. Passa por um programa de governo, promete a Lua, acicata a esperança de um milagre para o dia em que o dr. Cavaco subir gloriosamente aos céus. No fundo, agrava o pior problema do presuntivo Presidente Cavaco: a desilusão e a fúria do país quando constatar que ele não mudou, nem consegue mudar, coisa nenhuma. Tretas de agora, penas de amanhã. O manifesto é um mistério"
Vasco Pulido Valente, PÚBLICO, 29-10-2005
Tarde aprendi
Do Pentimento
"bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda."
Ana Cristina César
sexta-feira, outubro 28
CAVACO - "UM GOVERNO, DOIS PRIMEIROS-MINISTROS"
Fotografia de Viktor Ivanovski in XUPACABRAS
Para que se compreenda o que está em causa é bom conhecer as ideias e os programas dos candidatos.
O Manifesto Eleitoral de Mário Soares não está, neste momento, disponível no site oficial da candidatura mas pode ser lido aqui.
O Manifesto Eleitoral de Cavaco Silva, ontem apresentado, corresponde, ainda com mais clareza do que seria de esperar, a Cavaco com um acentuado perfil de Primeiro-ministro.
O Manifesto Eleitoral “As Minhas Ambições Para Portugal”, é uma autêntica minuta, ou rascunho, de um programa de governo.
Portugal corre o risco, caso Cavaco seja eleito Presidente da República, de passar a poder vangloriar-se de um modelo institucional do tipo “Um Governo, Dois Primeiros-Ministros”.
UMA NESGA DE CÉU
Teresa Dias Coelho - CLOUDS 2000
Uma nesga de céu no canto superior esquerdo
É o que resta da vista para a cidade com gente
Empilhada pelos andares sem as paredes azuis
De casas que julguei não aceitarem o cinzento
No asfalto em lugar dos bebedouros um regato
Infecto corre em frente e o verde prado a sorrir
Triste se despede já morto a golpes de cimento
Agora não vejo as vacas nem as oiço a ruminar.
Lisboa, 21 de Novembro de 2003
quinta-feira, outubro 27
As Preocupações de JPP
Monica Bellucci
José Pacheco Pereira (JPP) surpreendeu-me com a atenção que deu a duas supostas linhas de ataque dos apoiantes de Soares à candidatura de Cavaco. A razão da surpresa é simples de explicar: pensava eu que JPP não se preocupasse tanto com Soares dando mais atenção crítica ao exercício do governo socialista. Para mim, no lugar de JPP, dava o assunto das presidenciais como arrumado. Cavaco já ganhou. Ponto final.
É intrigante que alguém, tão arguto como JPP, se preocupe com uma candidatura perdedora. Mas o tempo se encarregará de esclarecer o mistério das preocupações de JPP. É provável que seja um exercício de análise demonstrativo do seu apreço face a alguém – Soares – cujas candidaturas presidenciais JPP sempre, até hoje, tinha apoiado.
Mas voltando às duas linhas de ataque a Cavaco, que JPP hoje rechaça, em artigo no “Público” e que deverá ficar, a qualquer momento, disponível no Abrupto, devo dizer que fiquei igualmente surpreendido com uma delas: o argumento do curriculum anti fascista de Soares versus a neutralidade política de Cavaco face ao antigo regime. Se alguém se lembrou de avançar com tal argumento – no caso Medeiros Ferreira – é problema dele. Não valia a pena sequer esboçar um mínimo de esforço a combater tal argumento se não se quisesse torná-lo uma arma de arremesso contra Soares que dele não precisa para nada.
O curriculum de Soares fala por si. Ao contrário de Cavaco que não tem concorrência à direita – e é esse o seu grande problema no meu ponto de vista – Soares confronta-se com pelo menos outras três (3) candidaturas no espaço da esquerda ou, melhor dito, no espaço à sua esquerda. Para quê invocar o argumento da falta de curriculum anti fascista de Cavaco quando é certo e sabido que qualquer dos outros candidatos à esquerda, cada um à sua maneira, o vai abundantemente utilizar.
Cavaco só tem a ganhar com a invocação dessa sua faceta de não anti fascista na justa medida em que a sua base de apoio eleitoral se estende até à extrema direita que muito pesarosa iria ficar se descobrisse que, à última da hora, Cavaco teria esboçado qualquer gesto, mesmo que simplesmente simbólico, contra o antigo regime.
Podemos ficar todos descansados. Cavaco nunca foi fascista nem anti fascista como, aliás, a maioria dos portugueses. Colocar a questão do seu não anti fascismo só o favorece.
Quanto à outra linha de ataque, abordada por JPP, a coisa já fia mais fino. As tentações presidencialistas existem mesmo que Cavaco as desminta e desmentirá, até ao fim, com a maior veemência. Essa é, aliás, uma das grandes linhas de demarcação de Soares em relação a Cavaco.
Compreende-se que JPP se preocupe com este ponto pois alguns ilustres apoiantes de Cavaco já escreveram, preto no branco, acerca do assunto e é sabido e reconhecido pelo próprio JPP que, em eleições presidenciais, vale mais o não dito do que o dito atenta a natureza do cargo em disputa.
Bem pode Cavaco negar a pés juntos a sua tentação presidencialista que ninguém vai acreditar na verosimilhança de tais juras na justa medida em que ele – mesmo que o negue – representa uma corrente de pensamento e de sentimento em prol do reforço dos poderes presidenciais. Ou bem que resiste e desilude a maioria daqueles que nele votarão, ou bem que assume essa pulsão – que vai de bem com a sua personalidade autoritária – e teremos a médio prazo um “golpe de estado” constitucional.
Esta é das poucas linhas de ataque que vale a pena Soares explorar a fundo pois toca no coração que faz mover a maioria dos apoiantes de Cavaco. E Cavaco gosta de alimentar esse pulsar presidencialista negando-o, todas as vezes e em cada momento, para melhor o afirmar junto das massas que sempre anseiam, em épocas de crise, por um messias que anuncie o advento da “salvação”. O pior é depois!
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