G. W. Bush
Ainda a propósito das leituras de Bush, assunto que jamais pensei abordar, uma mão atenta e amiga, fez-me chegar a crónica de João Pereira Coutinho publicada na última edição do “Expresso”.
Estou, neste caso, de acordo com o cronista com o qual quase sempre discordava quando lia, religiosamente, o Expresso vício do qual me curei para bem da minha economia doméstica e bem-estar espiritual.
O que diz Coutinho que me fez regozijar, por uma vez, com as suas reflexões acerca do interesse de Bush pela leitura de "O Estrangeiro"? Pondo de lado a afirmação da preferência do cronista por Machado de Assis, no cotejo com Camus, o que não espanta, Coutinho, no fundo, manifesta a sua perplexidade:
“Estranha escolha…” “Será que Bush partilha com Mersault o mesmo ódio cego pelo árabe errante? Ou, pelo contrário, estará antes Bush interessado em compreender o niilismo da personagem, e a forma como ela procura a redenção através da violência – uma bela metáfora sobre a ameaça terrorista corrente? Águas profundas.”
Pelo meu lado encontro uma explicação menos rebuscada que, em traços largos, se resume numa palavra: propaganda para passar na Europa ou, como hfm referiu num comentário a um post anterior, cosmética. Voltarei, de novo, ao assunto que tem suscitado as mais variadas reacções.
Como, entretanto, tal como Bush, tenho andado a ler, e a reler, Camus o que, no meu caso, não suscitará espanto, aqui vos deixo um fragmento de “A Queda” (1956) – que acabei de reler, dias atrás, aconselhando-vos a imaginar a pergunta dirigida ao próprio Bush:
“É verdade, o senhor conhece aquela cela de masmorra a que na Idade Média chamavam o “desconforto”? Em geral, esqueciam-nos aí para o resto da vida. Esta cela distinguia-se das outras por engenhosas dimensões. Não era suficientemente alta para se poder estar de pé, nem suficientemente larga para se poder estar deitado. Tinha-se adoptado o género tolhido, viver em diagonal; o sono era uma queda, a vigília um acocoramento. (…) Que a inocência seja forçada a viver corcunda, recuso-me a considerar por um único segundo esta hipótese. De resto, nós não podemos afirmar a inocência de ninguém, ao passo que podemos afirmar com segurança a culpabilidade de todos.”
Ainda a propósito das leituras de Bush, assunto que jamais pensei abordar, uma mão atenta e amiga, fez-me chegar a crónica de João Pereira Coutinho publicada na última edição do “Expresso”.
Estou, neste caso, de acordo com o cronista com o qual quase sempre discordava quando lia, religiosamente, o Expresso vício do qual me curei para bem da minha economia doméstica e bem-estar espiritual.
O que diz Coutinho que me fez regozijar, por uma vez, com as suas reflexões acerca do interesse de Bush pela leitura de "O Estrangeiro"? Pondo de lado a afirmação da preferência do cronista por Machado de Assis, no cotejo com Camus, o que não espanta, Coutinho, no fundo, manifesta a sua perplexidade:
“Estranha escolha…” “Será que Bush partilha com Mersault o mesmo ódio cego pelo árabe errante? Ou, pelo contrário, estará antes Bush interessado em compreender o niilismo da personagem, e a forma como ela procura a redenção através da violência – uma bela metáfora sobre a ameaça terrorista corrente? Águas profundas.”
Pelo meu lado encontro uma explicação menos rebuscada que, em traços largos, se resume numa palavra: propaganda para passar na Europa ou, como hfm referiu num comentário a um post anterior, cosmética. Voltarei, de novo, ao assunto que tem suscitado as mais variadas reacções.
Como, entretanto, tal como Bush, tenho andado a ler, e a reler, Camus o que, no meu caso, não suscitará espanto, aqui vos deixo um fragmento de “A Queda” (1956) – que acabei de reler, dias atrás, aconselhando-vos a imaginar a pergunta dirigida ao próprio Bush:
“É verdade, o senhor conhece aquela cela de masmorra a que na Idade Média chamavam o “desconforto”? Em geral, esqueciam-nos aí para o resto da vida. Esta cela distinguia-se das outras por engenhosas dimensões. Não era suficientemente alta para se poder estar de pé, nem suficientemente larga para se poder estar deitado. Tinha-se adoptado o género tolhido, viver em diagonal; o sono era uma queda, a vigília um acocoramento. (…) Que a inocência seja forçada a viver corcunda, recuso-me a considerar por um único segundo esta hipótese. De resto, nós não podemos afirmar a inocência de ninguém, ao passo que podemos afirmar com segurança a culpabilidade de todos.”