Voltando à biografia de Humberto Delgado e à conferência de imprensa do Café Chave de Ouro. Para que se fique com uma imagem mais clara acerca da dureza da campanha eleitoral que Delgado protagonizou e da sua coragem pessoal e politica.
Um dos temas fortes foi o do americanismo do candidato que era utilizado pelo regime para o atacar. A uma pergunta de Manuel Rolão, correspondente do jornal Juventud de Madrid solicitando um comentário de Delgado acerca do facto de um artigo do New York Times o apresentar como “partidário dos Estados Unidos” (resposta cortada pela censura):
“ – Traduttore traditore. O que se queria dizer é que sou amigo dos americanos. É diferente. Não me fica mal. Portugal tem, aliás, tropas estrangeiras no seu território, o que acho muito bem. Em 1917, portugueses e norte americanos combateram lado a lado em França. Durante a segunda Guerra Mundial, Portugal concedeu bases aos Estados Unidos nos Açores. Somos, assim, dois países ligados por uma antiga e sólida amizade. É, portanto, natural, que um candidato à Presidência da República Portuguesa seja amigo dos Estados Unidos.”
Mas o correspondente do Juventud de Madrid não ficou satisfeito e voltou à carga perguntando se o NYT tinha razões para definir o candidato como “partizan of USA”. Irritado, Humberto Delgado respondeu “com uma expressão que ecoou na sala” e que “todos julgaram ter ouvido” da seguinte forma:
“Não faça perguntas idiotas!”
Nessa altura, o espanhol Adolfo Lizon, representante do jornal falangista ABC, saltou em defesa do seu colega, “a protestar com palavras desabridas” por ter sido cometida uma injúria contra um profissional da imprensa”:
“Você não pode insultar um jornalista!”
Esta tirada era uma clara provocação para que o candidato perdesse a compostura, mas não surtiu o efeito pretendido. Humberto Delgado respondeu-lhe:
“Você é estrebaria. Eu sou General e tenho nome.”
Foi um dos momentos mais tensos da conferência de imprensa. (…) O mesmo jornalista ainda perguntou nessa altura:
“Gostaria que o Sr. General me dissesse se isto é uma conferência de imprensa ou um meeting.”
Humberto Delgado respondeu:
“Isto chama-se o que o senhor quiser chamar-lhe, embora constitua uma reunião para troca de perguntas e respostas concretas, entre mim e os jornalistas. Se não tem outra pergunta a fazer, então cale-se!”
Mas Adolfo Lizon não se calou:
“Então todos os que estão à sua volta, na mesa, não são políticos?
Humberto Delgado, “com veemência e severidade”, mandou-o de novo calar:
“O Senhor já fez duas perguntas. Já acabou!”
[Transcrição de “Humberto Delgado – Biografia do General Sem Medo”. Omiti as notas que remetem para as fontes, em regra, provas censuradas da imprensa da época. Continua.]
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