No dia do triste aniversário do assassinato do General Humberto Delgado pela PIDE republico um post resultante da minha leitura da sua Biografia . Nunca é demais exercitar a memória.
Terminada a leitura da
Biografia de Humberto Delgado, de autoria de seu neto
Frederico Delgado Rosa, não resisto a deixar algumas notas.
Na minha meninice – como já antes assinalei – senti pessoalmente o frémito da
campanha presidencial de 1958 e nunca mais se apagaram da minha memória as
imagens do empolgamento popular que a figura de Humberto Delgado
suscitou.
Esta obra promissora de desenvolvimentos, e aprofundamentos,
que se aguardam para o próximo futuro, mereceria, além do mais, uma verdadeira
divulgação popular que contribuísse para desmitificar o branqueamento do
fascismo português e da figura do seu líder e mentor – Salazar – que amiúde se
quer fazer passar como um político brando na repressão, tolerante nos costumes e
eficaz na política.
A leitura das 1225 páginas de texto deste livro
sugere uma meditação acerca do "
fenómeno Humberto Delgado", após o
golpe militar de 28 de Maio de 1926, até aos nossos dias, mesmo que não nos
aventuremos pelos caminhos da crítica e nos limitemos – como é o caso – ao
simples papel de leitores atentos e interessados. Eis algumas breves, e
despretensiosas, dessas possíveis
reflexões:
(1) É do mais elementar bom senso
desconfiar das ideias feitas acerca da história, em particular, da “
história
oficial”, quando envolve personagens carismáticos e acontecimentos com
forte carga política e emotiva;
(2) Os
protagonistas que marcam, pelo seu pensamento e acção, a história das nações são
homens com suas virtudes e defeitos transformando-se a si próprios a par das
transformações que suscitam;
(3) O General
Humberto Delgado foi um distinto militar de carreira, apoiante do golpe militar
do 28 de Maio, e da ditadura entre 1926 e o dealbar dos anos 50, tendo acabado
por sacrificar a carreira, e a própria vida, no combate sem tréguas ao regime
fascista, após a ruptura política com Salazar, a partir das eleições
presidenciais de 1958, às quais se candidatou, como independente, por vontade
própria;
(4) Foi ele o verdadeiro precursor do
25 de Abril de 1974 pois defendeu (quase sempre) que a ditadura só cairia
através da acção militar, que haveria de ser protagonizada pelas forças armadas,
apoiadas pelo povo, o que viria, de facto, a acontecer pouco menos de nove anos
após o seu assassinato que ocorreu em 13 de Fevereiro de
1965;
(5) Delgado foi, politicamente, um
liberal democrata, fortemente influenciado pela cultura anglófona, e pela
sociedade americana (o que lhe valeu o magnífico epíteto de “
General Coca
Cola”) influências assumidas ao longo de várias missões profissionais – em
representação do estado português - na Inglaterra, Estados Unidos e também no
Canadá;
(6) Delgado foi um político que nunca
deixou de ser General e de cuja áurea anti-salazarista a esquerda, do seu tempo,
se quis apropriar sem, na verdade, partilhar das suas ideias e acções, que
desprezava apodando-as, pelo menos, de
aventureiras;
(7) O General Humberto Delgado
foi atraído a uma cilada e assassinado pela PIDE, por espancamento, e não a
tiro, com conhecimento de Salazar, que sempre encobriu este hediondo crime, sob
as mais variadas artimanhas, no plano interno e da diplomacia, entrando,
inclusive, em rota de colisão com Franco;
(8) O
julgamento dos autores materiais do crime – que não dos seus autores morais que
sempre foram poupados pela democracia – em Tribunal Militar – foi uma triste
farsa que não permitiu apurar a verdade e muito menos punir os
criminosos;
(9) Todo o processo desde o
assassinato de Delgado, passando pelo encobrimento do crime, à descoberta dos
corpos, à investigação judicial e perícias forenses, realizadas pelas
autoridades espanholas, até à condução do processo judicial em Portugal,
julgamento e recursos judiciais, constitui um caso exemplar que permite, nos
planos político e judicial, entender muitos aspectos da realidade contemporânea
portuguesa e as peripécias de processos que ainda correm os seus
trâmites;
(10) Este livro deveria ser de
leitura obrigatória para todos os políticos, militares, juízes, magistrados,
jornalistas e decisores de todos os escalões da hierarquia do estado a começar
pelo Senhor Presidente da República;
(11)
Espero que o autor, cuja coragem não pode ser só uma herança de sangue, prossiga
as suas investigações para que os portugueses possam conhecer todos os meandros
do assassinato de Humberto Delgado, para que sejam identificados os seus
autores, materiais e morais, assim como os encobridores, localizados os que
ainda possam estar vivos, reabrindo, eventualmente, o processo, levando a que os
criminosos paguem pelos seus actos e contribuindo, dessa forma, para que os
portugueses se reconciliem com a justiça do seu
país.
(12) Nunca nenhum processo-crime está
definitivamente encerrado enquanto subsistirem fundadas suspeitas de que se não
fez justiça. É o caso.