Fotografia de António Pais – Jantar de Extinção do MES
Vieira da Silva, da camisa aos quadrados, em baixo.
(Clique na fotografia para ampliar)
ENQUANTO CRESCE A REVOLTA
Há pessoas que se entregam em plenitude a um projecto e depois a outro, e assim sucessivamente, uma vida inteira, ao serviço do público ou do privado, rentabilizando recursos materiais e imateriais, abarcando várias áreas do saber, exigindo muito mais que saberes formais, tornando-se depositários de experiências únicas e intransmissíveis, julgando-se úteis, assumindo a plenitude das suas capacidades e eis que, subitamente, surge o ditame de uma qualquer nomenclatura, um critério de selecção, uma norma imperceptível, um código de ética, uma teia de interesses, algo de ininteligível, e o sujeito é arrumado na penumbra, vê o tempo estreitar-se, adensar-se o silêncio, esfumar-se a auto estima, tornar-se um potencial “excedentário”, enquanto a esperança de vida aumenta e o discurso oficial é o de corrigir a retirada precoce da vida activa. Eu até estou de acordo com a filosofia minoritária, talvez utópica, herdada da tradição camponesa, do trabalho até ao fim da vida, ou seja, a aceitação natural do adiamento infinito da retirada da vida activa, mas desde que a sociedade honre essa inevitabilidade e os governos sejam consequentes no discurso e na prática pela salvaguarda da igualdade de tratamento de todos os cidadãos. Que a sociedade se não valoriza sem a experiência dos seus trabalhadores é discurso recorrente que carece de ser caucionado pela política dos governos e a prática das empresas. Mas não esqueçamos que o pensamento dominante é exactamente o contrário, ou seja, buscar todas as formas de antecipar a idade da reforma e lançar pela janela fora essa ideia da valorização da experiência individual. "As vítimas da fome", nas sociedades ditas desenvolvidas, são os novos deserdados que se auto excluem, ou são excluídos, da vida activa, na plenitude das suas capacidades, humanas e profissionais. Esses desocupados, a tempo inteiro, ou parcial, desempregados, despedidos, dispensados, sub empregados e reformados, sábios de experiência feita, novos e velhos, homens e mulheres, indígenas e imigrantes, são o rastilho de uma nova revolução. Não há estado que lhes valha nem mercado que os compreenda. Estão cercados e quando o seu número, e desespero, atingirem o ponto de ruptura teremos o confronto, não sabemos sob que forma, do qual surgirá um novo paradigma de estado social. Tantas perguntas para tão poucas respostas!
[Nestes tempos de presidência portuguesa da União Europeia resolvi escrever uns POSTAIS A PRETO E BRANCO dirigidos, directamente, a membros do governo português. Sei que eles estão muito ocupados, as suas agendas, por estes meses, são pesadíssimas, que o tempo é escasso, os assuntos se encadeiam, se confundem, e as vozes livres dos cidadãos, porventura, os incomodam. Mas a vida continua e a sociedade subsistirá ao governo e à presidência da UE assim como os problemas que preocupam os cidadãos. Colocarei um problema de cada vez, da forma o mais clara possível, sabendo, de antemão, que poucos serão os membros do governo que chegarão, sequer, a dele tomar conhecimento. O primeiro POSTAL vai para um ministro que conheço pessoalmente, José António Vieira da Silva, do Trabalho e da Solidariedade Social, que tomo a liberdade de ilustrar com uma fotografia em que ele próprio surge no jantar de extinção do MES, em 7 de Novembro de 1981.]
Vieira da Silva, da camisa aos quadrados, em baixo.
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ENQUANTO CRESCE A REVOLTA
Há pessoas que se entregam em plenitude a um projecto e depois a outro, e assim sucessivamente, uma vida inteira, ao serviço do público ou do privado, rentabilizando recursos materiais e imateriais, abarcando várias áreas do saber, exigindo muito mais que saberes formais, tornando-se depositários de experiências únicas e intransmissíveis, julgando-se úteis, assumindo a plenitude das suas capacidades e eis que, subitamente, surge o ditame de uma qualquer nomenclatura, um critério de selecção, uma norma imperceptível, um código de ética, uma teia de interesses, algo de ininteligível, e o sujeito é arrumado na penumbra, vê o tempo estreitar-se, adensar-se o silêncio, esfumar-se a auto estima, tornar-se um potencial “excedentário”, enquanto a esperança de vida aumenta e o discurso oficial é o de corrigir a retirada precoce da vida activa. Eu até estou de acordo com a filosofia minoritária, talvez utópica, herdada da tradição camponesa, do trabalho até ao fim da vida, ou seja, a aceitação natural do adiamento infinito da retirada da vida activa, mas desde que a sociedade honre essa inevitabilidade e os governos sejam consequentes no discurso e na prática pela salvaguarda da igualdade de tratamento de todos os cidadãos. Que a sociedade se não valoriza sem a experiência dos seus trabalhadores é discurso recorrente que carece de ser caucionado pela política dos governos e a prática das empresas. Mas não esqueçamos que o pensamento dominante é exactamente o contrário, ou seja, buscar todas as formas de antecipar a idade da reforma e lançar pela janela fora essa ideia da valorização da experiência individual. "As vítimas da fome", nas sociedades ditas desenvolvidas, são os novos deserdados que se auto excluem, ou são excluídos, da vida activa, na plenitude das suas capacidades, humanas e profissionais. Esses desocupados, a tempo inteiro, ou parcial, desempregados, despedidos, dispensados, sub empregados e reformados, sábios de experiência feita, novos e velhos, homens e mulheres, indígenas e imigrantes, são o rastilho de uma nova revolução. Não há estado que lhes valha nem mercado que os compreenda. Estão cercados e quando o seu número, e desespero, atingirem o ponto de ruptura teremos o confronto, não sabemos sob que forma, do qual surgirá um novo paradigma de estado social. Tantas perguntas para tão poucas respostas!
[Nestes tempos de presidência portuguesa da União Europeia resolvi escrever uns POSTAIS A PRETO E BRANCO dirigidos, directamente, a membros do governo português. Sei que eles estão muito ocupados, as suas agendas, por estes meses, são pesadíssimas, que o tempo é escasso, os assuntos se encadeiam, se confundem, e as vozes livres dos cidadãos, porventura, os incomodam. Mas a vida continua e a sociedade subsistirá ao governo e à presidência da UE assim como os problemas que preocupam os cidadãos. Colocarei um problema de cada vez, da forma o mais clara possível, sabendo, de antemão, que poucos serão os membros do governo que chegarão, sequer, a dele tomar conhecimento. O primeiro POSTAL vai para um ministro que conheço pessoalmente, José António Vieira da Silva, do Trabalho e da Solidariedade Social, que tomo a liberdade de ilustrar com uma fotografia em que ele próprio surge no jantar de extinção do MES, em 7 de Novembro de 1981.]
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3 comentários:
Boas Eduardo,
Bela ideia esta de um postal por ministro.
E começas bem com o nosso José António.
Um abraço
Gostei da sua ideia (muito inventiva) de enviar uns postalinhos a preto & branco a membros do governo. Gostei também do seu texto porque -não vale a pena tentarmos iludir-nos- a erosão social já está aí... .Se é esse estado que desencadeará uma tremenda avalanche de revoltas mundiais é uma questão a que não sei responder. Só sei que é fundamental para a sobrevivência do Homem - e da sua condição humana- a expulsão (é a expressão) de um certo tipo de sociedade.De nuances totalitárias, evidentemente.
Dr. Eduardo
revi a minha carreira (que gosto de chamar suspensa) nestas suas palavras. Fiz muitas coisas e nada chega para os senhores das entrevistas ou tudo é demais para um qualquer ignorante que as toma em mão. Quem medera a mim que alguém de direito lesse estes comentários e depois verificasse o número de pessoas capazes e com formação superior que andam obrigadas atrás de muitos balcões comerciais deste Portugal roto e à beira da ruptura!.
"E se houver uma praça de gente madura" neste país, digam-me onde fica porque também lá quero estar. Porque se todos se juntassem certamente poderiamos levar, novamente a"poesia à rua".
Será que ainda não há gaivotas suficientes em terra??? Será que já não há homens e mulheres a pensar? Eu há muito que "durmo à noite ao relento na areia" a assistir a coisas inadmissiveis, que (que do 25 de Abril apenas me lembro dos tanques a passarem na avenida na Caldas da Rainha!!) pensei nunca ver.
Um abraço e boas escritas
Salomé Joanaz
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