sexta-feira, outubro 7

Reflexão Final


Fotografia de Bogdan Jarocki

O meu tio Ventura, noutros tempos, foi regedor. Lembro-me de discutir política com ele. No tempo da ditadura. As minhas ideias deviam soar-lhe a utopias sem raízes na terra seca que cultivava. As dele soavam-me ao velho mundo que, para mim, estava para sucumbir. Não sabia a data, nem o modo, mas estava para acabar. Eu, na verdade, não sabia nada da vida. Mas tinha convicções fortes e ele gostava de me ouvir. Eu, pelo meu lado, gostava de o ouvir a ele.

Mesmo hoje, nos seus mais de 90 anos, gosto do seu discurso enérgico. Com ele compreendi que somos, sempre, ao mesmo tempo, derrotados e vencedores. Nunca definitivamente derrotados, nem nunca definitivamente vencedores. Aprendi que é possível um radicalismo tolerante. Ou uma tolerância radical. Ser-mos absolutamente contra, aceitando as diferenças. Exigir aos outros que nos aceitem e exigir, a nós próprios, a aceitação dos outros. Sempre, toda a vida, sem quebras nem desfalecimentos.

Por isso compreendo que, nas eleições democráticas, todos os concorrentes se declarem vencedores mesmo que tenham sido vencidos. Todos compreendemos que é um jogo. Com ele os homens evitam degladiar-se através da violência física. As eleições democráticas são um ritual de tolerância mesmo quando as vozes se elevam mais alto e estalam as recriminações. Mesmo quando são eleitos aqueles que julgamos desmerecer do voto popular.

Apesar de ter votado tantas vezes (todas) sinto orgulho na democracia portuguesa e um prazer especial no dia das eleições e no acto de votar. Sinto-me constrangido ao ler tanta abjecção intelectual, tanta intolerância, face às imperfeições do homem – candidatos e eleitores – que se revelam, abertamente, na disputa democrática. Os críticos, descrentes, abstinentes, ausentes e presentes, não se observam a si próprios?

Eu sempre votei como se fosse colocar uma flor aos pés de um corpo perfeito de mulher.

4 comentários:

Anónimo disse...

Viva Eduardo,
Belo texto e parabéns.
Domingo também vou votar com a alegria e espeerança do 25 de Abril de 1975...e já lá vão 30 anos.
Um abraço,
António Pais

Anónimo disse...

olá eduardo é a primeira vez que comento e logo para dizer que concordo e acho bonito... assim não temos revolução.

um beijo rosário

Eduardo Graça disse...

É bom e reconfortante receber comentários de quem gostamos nas várias maneiras de gostar. Faço apenas exercícios de reflexão acerca do convívio e da tolerância entre os homens. Mas que existe violência ... existe. Revolução é outra conversa ...

addiragram disse...

Bela metáfora, belo texto!