CANTIGA DE MAIO
Da prisão negra em que estavas
a porta abriu-se p´ra rua.
Já sem algemas escravas,
igual à cor que sonhavas,
vais vestida de estar nua.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Na rua passas cantando,
e o povo canta contigo.
Por onde tu vais passando
mais gente se vai juntando,
porque o povo é teu amigo.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Entre o povo que te aclama,
contente de poder ver-te,
há gente que por ti chama
para arrastar-te na lama
em que outros irão prender-te.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Muitos correndo apressados
querem ter-te só p´ra si;
e gritam tão de esganados
só por tachos cobiçados,
e não por amor de ti.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Na sombra dos seus salões
de mandar em companhias,
poderosos figurões
afiam já os facões
com que matar alegrias.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
E além do mar oceano
o maligno grão poder
já se apresta p´ra teu dano,
todo violência e engano,
para deitar-te a perder.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Com desordens, falsidades,
economia desfeita;
com calculada maldade,
Promessas de felicidade
e a miséria mais estreita.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Que muito povo se assuste,
julgando que és tu culpada,
eis o terrível embuste
por qualquer preço que custe
com que te armam a cilada.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Tens de saber que o inimigo
quer matar-te à falsa fé.
Ah tem cuidado contigo;
quem te respeita é um amigo,
quem não respeita não é.
Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Santa Bárbara, 4/6/74
Jorge de Sena
In Poemas "Políticos e Afins" (1972-1977)
"40 Anos de Servidão"
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