segunda-feira, agosto 23

"Falar/beijar

Segundo uma hipótese de Leroi-Gourhan, terá sido depois de libertar os seus membros anteriores da marcha (e portanto a boca da predação) que o homem terá podido falar. Eu acrescento: e beijar. Pois o aparelho fonador é também o aparelho oscular. Ao passar á posição de pé, o homem ficou livre para inventar a linguagem e o amor: talvez tenha sido o nascimento antropológico duma dupla perversão concomitante: a palavra e o beijo. De acordo com isso, quanto mais os homens se sentiram livres (pela boca) tanto mais falaram e beijaram; e, logicamente, quando, através do progresso, os homens ficarem libertos de todas as tarefas manuais, não farão outra coisa senão discorrer e beijar-se.
Imaginemos para esta dupla função, localizada no mesmo sítio, uma transgressão única, que nasceria duma utilização simultânea da palavra e do beijo: falar beijando, beijar falando. Teremos de acreditar que esta volúpia existe uma vez que os amantes não param de "beber as palavras nos lábios amados". Aquilo que assim experimentam é, na luta amorosa, o jogo do sentido que irrompe e se interrompe: a função que se perturba, numa palavra: o corpo balbuciante."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 28
(pag. 12, 2 de 3)

Edição portuguesa - Edições 70

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