quarta-feira, agosto 25

"A pessoa dividida ?

Como é que você explica, como é que tolera essas contradições? Filosoficamente, parece ser materialista (se é que esta palavra não soa muito a velho); eticamente, você divide-se: quanto ao corpo, é edonista; quanto à violência, talvez seja antes budista ! Não gosta da fé mas sente uma certa nostalgia dos ritos, etc. Você é uma miscelânea de reacções: haverá em si alguma coisa primeira ?

Qualquer classificação que você leia dá-lhe logo vontade de se encaixar nela: onde é o seu lugar? Julga primeiro que o encontrou: mas pouco a pouco, como uma estátua que se desagrega, ou um relevo que se desgasta, se estira e perde a forma, ou melhor ainda, como Harpo Marx ao perder a barba postiça por acção da água que está beber, deixa de ser classificável, não por excesso de personalidade mas, pelo contrário, porque percorre todas as faixas do espectro: reúne em si traços pretensamente distintivos, que portanto já nada distinguem; descobre que é ao mesmo tempo (ou alternadamente) obsessivo, histérico, paranóico e além disso perverso (sem falar das psicoses amorosas), ou que adiciona todas as filosofias decadentes: o epicurismo, o eudemonismo, o asianismo, o maniqueísmo, o pirronismo.

"Tudo se fez em nós porque nós somos nós, sempre nós e nem por um minuto os mesmos" (Diderot, Refutação de Hevetius.)"

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 31
(pag. 13, 2 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70

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