segunda-feira, novembro 22

A Humilhação

Era uma linha recta, sem mais nada, rodeada de paredes brancas. Para mim todas as casas eram brancas e todas as ruas eram de terra batida. Guardo uma recordação muito intensa desses caminhos. A memória da minha infância fixou os recantos e os rostos das pessoas.

Caminhava nessas ruas, o tempo todo, a sonhar acordado. Como compreendo, hoje, o meu filho. A rua em que nasci, na cidade a sul, era habitada por muita e diversa gente. Pobres e remediados. Nada de gente rica.

A escola era um lugar de disciplina antes de ser um lugar de aprendizagem. Estávamos na primeira metade da década de 50. Então a revolta tomou um lugar relevante na minha vida. Não que tivesse sido castigado ou supliciado fisicamente na escola como tantos dos meus colegas. Mas bastava assistir.

Fui mandado para casa uma vez por ter sujado as mãos com a tinta azul (um belo colorido) da caneta de aparo que não cuidei de usar com a necessária perícia. A professora Pessanha não perdoou. Nesse dia senti a humilhação de ter de abandonar a escola fora do horário estabelecido.

Nada ficou igual na minha vida a partir desse pequeno incidente. Fazia calor. E nunca mais deixei de sentir no rosto esse calor do ar e da terra salpicados pela humilhação. Foi como um rasgo para sempre cravado na minha personalidade aquele dia em que não senti o habitual prazer do regresso a casa a pé.
Absorto - 1º Aniversário (2 de 17)

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