quinta-feira, maio 12

Peixes/Fische


Desenho do meu filho na pré-primária (ou no 1º ano?). Peixes. Uma paixão antiga. Os amigos são peixes grandes. Os professores peixes pequenos. Com excepções. A mãe não foi esquecida mas o pai sim. Não tem importância.

Zeichnung meines Sohnes im Kindergarten (oder in der Grundschule?). Fische. Eine alte Leidenschaft. Die Freunde sind groβe Fische, die Lehrer sind kleine Fische – mit einigen Ausnahmen. Auch die Mutter ist hier. Aber nicht der Vater. Macht nichts.

A Morte da Política


A morte de Germânico 1627, [óleo sobre tela, 1480 x 1980 mm Minneapolis Institute of Art, Minneapolis, Estados Unidos da América - Quadro de Nicolas Poussin (1594 -1665 ).] O imperador Calígula, filho de Germânico, foi assassinado em 24 de Janeiro do ano 41 d. C. durante os Jogos Palatinos, após um reino de apenas quatro anos. In "O Portal da História".

A imagem que me ocorreu acerca do declínio da política em Portugal, e em toda a parte, hoje, e em todos os tempos, após as notícias que trazem à liça alguns acontecimentos envolvendo ministros do anterior governo.

Tão avisados que estavam todos. Tantas vezes os mesmos métodos em tudo. As notícias correndo à frente das acusações e os negócios correndo à frente de tudo o resto, ou como diz o anúncio do SKIP, ocupando todas as paredes de Lisboa, “sujar-se é bom!” (?).

O símbolo que esse anúncio ostenta é igual (ou muito parecido) ao dos cartazes de Manuel Maria Carrilho, promovendo a sua candidatura à Presidência da CML, ou é engano meu?

O Branco da Cal


Uma linha recta, sem mais nada, rodeado das paredes brancas das casas - pintadas a cal - e as ruas de terra batida. A minha memória fixou os recantos das ruas e os rostos das pessoas. A rua em que nasci era habitada por muita e diversa gente. Pobres e remediados.

A escola era um lugar de disciplina antes de ser um lugar de aprendizagem. Estávamos na primeira metade da década de 50. Então a revolta tomou um lugar relevante na minha vida.

Não que tivesse sido castigado ou supliciado fisicamente na escola como tantos dos meus colegas. Mas bastava assistir. Fui mandado para casa uma vez por ter sujado as mãos com a tinta azul (um belo colorido) da caneta de aparo que não cuidei de usar com a necessária perícia.

A professora Pessanha não perdoou. Nesse dia senti a humilhação de ter de abandonar a escola fora do horário estabelecido. Nada ficou igual na minha vida a partir desse pequeno incidente.

Fazia calor. E nunca mais deixei de sentir no rosto esse calor do ar e da terra salpicados pela humilhação.

Foi como um rasgo para sempre cravado na minha personalidade aquele dia em que não senti o habitual prazer do regresso a casa a pé.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (8 de 10)

quarta-feira, maio 11

Bocage


Retrato de Bocage ? [1797, óleo sobre tela, 87 x 64 cm - Colecção particular Quadro de Domingos Sequeira (1768-1837), representando, de acordo com uma tradição familiar, o poeta. O que parece pouco verosímil, pois não há notícia que tivesse direito a utilizar a Cruz de Cristo.] Bocage nasceu em 15 de Setembro de 1765. In "O Portal da História".


Soneto

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Em Defesa do Parque de Ramalde


Sei do que fala o Dias com Árvores.

Nos 70 anos de vida do INATEL, a cumprir no próximo dia 13 de Junho, 10% foram dirigidos por uma equipa a que eu próprio presidi. (1996/2003).

Em qualquer projecto –por mais ousado que seja - nunca se conclui tudo o que se projecta realizar. Em regra adoptei três princípios na gestão do vasto património do INATEL, em que se incluiu, pela primeira vez, de forma explícita e prática, o conceito de gestão ambiental: preservar, qualificar, utilizar.

Sempre pensei, no entanto, que se existissem dificuldades, ou dúvidas, acerca da avaliação das vantagens de uma qualquer intervenção, na sua vertente ambiental, mais valia estar quieto.

Travei todas as batalhas possíveis, mesmo as menos populares e simpáticas para os poderes e os cidadãos utentes do INATEL, para impedir diversas intervenções com consequências negativas para o interesse público e ambiental.

Quando saí do INATEL deixei mais património, e mais valioso, do que aquele que encontrei à data da minha entrada. Querem, aliás, fazer-me pagar por isso. É uma estranha forma de reacção dos poderes estabelecidos, em Portugal, contra aqueles que não se dispõem a fazer “fretes” aos chamados “interesses”.

O Parque de Ramalde sempre esteve no fio da navalha. Não foi possível, infelizmente, executar uma intervenção de requalificação - prevista - que teria retirado alguma margem de manobra às tentativas posteriores de destruição do Parque.

Mas nada justifica a sua destruição. Existem muitos modelos de gestão possíveis para que o Parque de Ramalde possa ser, ao mesmo tempo, preservado, no plano ambiental, e colocado ao serviço da comunidade em benefício da sua qualidade de vida.

A sua destruição é, em todo o caso, um crime contra a natureza e, no limite, é preferível deixar ficar tudo como está a ceder aos interesses imobiliários que, certamente, estão por detrás desta sanha destruidora.

As palavras e imagens do blog Dias com Árvores (que está entre os meus favoritos e por isso tomei conhecimento deste post) ajudam a compreender, com bastante evidência, a justeza desta asserção.

"No dia em que surgem mais algumas notícias de contestação ao projecto de destruição do Parque Desportivo do Inatel em Ramalde, aqui ficam mais algumas fotografias. Para que quem não o conhece, fique a saber do que se está a falar e a razão da nossa incredulidade e revolta. E realize também a importância que têm, para certos planeadores da nossa cidade, os espaços verdes relativamente às vias para automóveis."

As notícias:Inatel promete contestar solução do PDM do Porto (no Público)
INATEL pediu ao tribunal para ser esclarecido (no JN)

terça-feira, maio 10

Girassol


Do Pentimento

"Um girassol da cor do seu cabelo"

Lô Borges / Márcio Borges

"Vento solar e estrelas do mar
A terra azul da cor do seu vestido
Vento solar e estrelas do mar
Você ainda quer morar comigo?
Se eu cantar, não chore não, é só poesia
Eu só preciso ter você por mais um dia
Ainda gosto de dançar bom dia, como vai você?
Sol girassol, verde vento solar
Você ainda quer morar comigo?
Vento solar e estrelas do mar
Um girassol da cor de seu cabelo
Se eu morrer, não chore não
É só a lua, é seu vestido cor de mar
É filha nua ainda moro nesta mesma rua
Como vai você?
Você vem, ou será que é tarde demais?
O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo? O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo? O meu pensamento tem a cor
De seu vestido ou um girassol que tem a cor
De seu cabelo"

FRANCISCO SIMÕES


É linda a retribuição da Guida ao poema “Como uma Seta”, ou “A Caminho do Sul”, alusivo ao seu aniversário, postado ontem.

Foto de José Carlos Nascimento – Escultura de Francisco Simões

In Poesias de David Mourão Ferreira – Publicação da C. M. Coimbra (1996)

segunda-feira, maio 9

CAVAFY


“Foto de António José Alegria, do amistad”

CORPO, LEMBRA …

Corpo, não te lembres de quanto foste amado
só; nem só dos leitos em que te deitaste;
mas também dos desejos que por ti
brilharam francamente nos olhares,
nas vozes palpitaram – e que apenas
um acaso impediu e reduziu a nada.
Agora que ao passado já pertencem todos,
quase é como se tu, a tais desejos,
também te houveras dado – como eles brilhavam,
lembra, nos olhos que se demoravam,
e como nas vozes palpitavam, lembra-te, por ti.

(1918)

Constantino Cavafy

Tradução de Jorge de Sena - “90 e Mais Quatro Poemas” - Edições ASA

O Meu Avô Dimas


O meu avô paterno, por sua vez, tinha regressado de uma longa estadia de emigrante no Brasil vindo morrer, um mês depois do meu nascimento, a casa de D. Maria, sua amante.

A casa era também uma “venda”, estabelecimento de comes e bebes, mais bebes que comes. Foi lá que provei, pela primeira e última vez na vida, “sopas de cavalo cansado”.

Era perto da casa de meus pais, numa esquina da Rua da Circunvalação onde se fixou depois, por longos anos, uma afamada, e muito bem sucedida, sapataria popular – a "Sapataria Limpinho".

Desse meu avô herdei o nome – Eduardo – depois de meu irmão já ter herdado, onze anos antes, Dimas que já era o nome de meu pai. Todos ficamos com o nome de meu avô Dimas Eduardo Graça.

A fotografia do meu avô paterno está em lugar de destaque ao lado da Bíblia Sagrada. A imagem de uns e a herança de outros. No seu esplendor tem algo de institucional. É uma daquelas fotografias grandiloquentes, com selo a água de fotógrafo do Brasil (Santos), mostrando, na sua claridade sóbria, a razão porque somos todos, na família, iguais a ele.

No rosto, e porventura, no temperamento. Lá dormi, algumas vezes, não nos braços de meu avô, pois não nasci a tempo, mas na cama onde ele dormiu com a sua amante Maria e onde morreu.

O padre por esse desvio liberal que, suponho, foi a forma de encontrar, fora do casamento, o consolo para as desditas da vida, não lhe quis fazer o funeral católico. E não fez. Meu pai cortou, de imediato, relações com o dito padre e fez bem.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (7 de 10)

Ruy Belo


“Foto de António José Alegria, do amistad”

“...tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz

Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas perdoa pagares tão alto preço por estar aqui

prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias

e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer

sou isto é certo mas sei que tu estás aqui”

Ruy Belo

in “Toda a Terra”

ANIVERSÁRIO


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Para a Guida no dia do seu aniversário


Como uma seta

Como uma seta a caminho do sul
o ar que atravesso canta os amores
sonhados em meus olhos crentes,

suaves marés de encontros raros
procurados ao acaso em aparições
nos espelhos de águas refulgentes.

Não sabia ao certo o que procurava
naquele lugar nem que a tua sombra
sempre me perseguiu na caminhada,

qual brisa atravessada em linha recta
que me levava ao lugar exactamente
encontrado sem a senha apalavrada.

Como uma seta a caminho do sul
procuro o fim da estrada à beira ria
sem saber que me esperavas quieta,

nem sabendo que serias a escolhida
mas era tua a silhueta distraída à porta
do bar sentada no selim da bicicleta.

No caminho para sul o fogo ardeu
e me deixou preso nos teus cabelos
desenhados a oiro, silêncio e vício,

em um só olhar senti a tarde quente
do meu destino ser eu mesmo em ti
e à beira ria desejei voltar ao início.

domingo, maio 8

A Guerra e a Paz


"Napoleão Bonaparte passa em revista o grande exército reunido em Boulogne para ameaçar a Inglaterra». [Desenho a cores, publicado em Raoul Guillaume, Napoléon raconté à tous les enfants, Paris, Fernand Nathan, 1961 - A obra tinha desenhos de Maurice Toussaint e de Jean Steen.] A Grã-Bretanha declarou guerra à França em 12 de Maio de 1803. In "O Portal da História"

O dia da libertação da Europa do jugo nazi tem um profundo significado para o futuro do continente europeu e para o mundo. A construção da União Europeia é mais do que um empreendimento económico, é uma garantia de paz.

Os últimos 60 anos são um dos mais longos períodos de paz vividos no ocidente do continente europeu. É necessário manter a memória das guerras passadas para alimentar o desejo dos europeus pela paz. A paz constrói-se no dia a dia e não é, ao contrário do que muitos podem pensar, uma conquista definitiva e eterna.

Os Europeus Que Se Cuidem


Renúncia aos bens de S. Francisco [1296/c.1300, Fresco - Igreja Superior da Basílica de Assis, Itália - Pintura atribuída a Giotto (1266/67-1337), uma das 28 cenas pintadas na Igreja Superior de Assis.] A biografia pintada do santo baseou-se na biografia oficial escrita por São Boaventura, por volta de 1266. A encomenda foi feita em 1296 pelo Geral dos Franciscanos, Frei Giovanni di Muro. São Francisco nasceu em 4 de Outubro de 1182. In "O Portal da História"

“Citações-16”, o último post desta série, foi publicado em 23 de Julho de 2004. Ele aqui fica, sem mais comentários:

Hoje José Manuel Barroso foi eleito "Presidente da UE". Os Europeus que se cuidem. A experiência imediatamente anterior de Barroso é de infidelidade aos compromissos.

Deixou o governo de Portugal a Santana que, por sua vez, deixou a Câmara Municipal de Lisboa a Carmona. Na hora de fazer as contas, pela pequena amostra da CML, já se percebeu que, afinal, temos "buraco".

Os incautos ficam espantados. Quem havia de dizer! Vamos esperar, preocupados, pelo resultado final desta operação nacional de "branqueamento de responsabilidades".

Entretanto vejam se conseguem encaixar estas duas citações no contexto.

"C. que procura seduzir, que dá demais a toda a gente e nunca cumpre. Que tem necessidade de adquirir, de conquistar o amor e a amizade e que é incapaz de uma coisa e outra. Bela figura de romance e lamentável imagem de amigo."

"A respeito de um mesmo assunto, não pensamos pela manhã da mesma forma que à noite. Mas onde está a verdade, no pensamento nocturno ou no espírito do meio dia? Duas respostas, duas raças de homens."

Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) - Edição Livros do Brasil

CAPITULAÇÃO


Ver Fotos aqui.

Kapitulation in Berlin-Karlshorst 9. Mai 1945 um 00.16 Uhr: Generalfeldmarschall Wilhelm Keitel unterzeichnet die bedingungslose Kapitulation des Deutschen Reiches.

Capitulação em Berlim – 9 de Maio de 1945 – 00,16 horas. O Marechal Wilhelm Keitel assina a declaração de rendição incondicional do Reich.

A rendição do Reich deu-se a 7 de Maio de 1945; a Guerra terminou, de facto, a 8 e a capitulação ocorreu a 9. São os detalhes cronológicos de um acontecimento verdadeiramente dramático e fundamental para o futuro da vida dos povos, nações e cidadãos da Europa e do todo o mundo. A barbárie tinha cedido perante a luta determinada dos defensores da liberdade e da democracia.

sábado, maio 7

Luiz Pacheco

A entrevista com Luiz Pacheco, no Esplanar, uma peça extraordinária. Chorei a bem chorar, a rir. Libertador.

Deixo, com a devida vénia, alguns extractos:

(…)

“Por exemplo, as giletes que eles dão aqui algumas já barbearam mortos. Tu não fazes ideia... Isto é um armazém de pré-cadaveres, é uma parada de monstros. Há um gajo que não tem uma perna, anda de cadeira de rodas empurrado por um velhinho de 88 anos, há outro que é cego, tem glaucoma, mais a namorada, que é horrorosa, mas como ele não vê também não faz mal... outro tem alzheimer, o sr. Américo, entra aqui, de boné e pijama, dá uma volta pelo quarto, às vezes vai à casa de banho, sai, não repara em ninguém, não diz nada... há outro que é o sr. Vergílio, anda pelos corredores a rir e a assobiar, são dois fantasmas... Há uma que anda aqui a passear de um lado para o outro, diz “ai, ai, ai”, depois vai bater na outra que está sempre sentada na cama, vai lá mexer... não têm mão nela... com estes gajos não se pode estar a discutir, é comprimido, água para o bucho, não vai um vão dois, fica a dormir dois dias seguintes... Isto agora aqui são os últimos dia do condenado. Aqui a lei é morrer devagar. Está uma a morrer ali, ou já morreu, não sei, estou eu a morrer aqui, está outra a morrer ali... A ver quem morre primeiro… “Já foi”, é o que dizem quando alguém morre. Agora já sei o que vão dizer quando eu morrer.”

(…)

“Operado? Nem penses nisso. O que é que eu quero ver com 80 anos? Eu quando vou ali à sala, onde estão os velhos todos, tiro os óculos para ver tudo nublado, para não me ver ao espelho... Aquilo é um pavor! A Isabel da Nóbrega, o Artur Ramos e a Fernanda, cunhada do Manuel Alegre, queriam levar-me a Coimbra para ser operado as cataratas. Não quero. Eu é que sei. Isso é suicidário. Quando eu quiser morrer vou a Coimbra. Depois levaram-me a um oftalmologista na Av. da Liberdade. Diagnosticaram-me as cataratas. Tive que largar 1000 paus para umas gotas. Não servem de nada. Caem-me para o nariz. Já tenho o quarto todo o cor... e o quarto está reduzido ao essencial... É uma experiência nova, não ver é uma experiência nova.”

(…)

“Esse rapazola (EPC), esse merdas, era um gajo terrível do partido. Não foi por acaso que o gajo veio de Paris para cá quando o Carrilho se tornou ministro. Está a mexer nos cordelinhos do Carrilho e da Bárbara...”

(…)

“[Batem à porta, entra uma empregada do lar, brasileira]

Pacheco: “Ó minha senhora, desculpe que lhe diga, é uma lindíssima mulher…

Empregada: “ahhh?”

Pacheco: “ahhh? O que é que ela diz?”

Empregada: “Isso é a minha filha”.

Pacheco (pega nas mãos da empregada): “Olha, tem as mãos quentes. Tu não fazes ideia, esta senhora e as outras acordam a velhinha ali do lado todas as manhãs, sabes como? Dando beliscões na velhinha…o barulho que elas fazem a rir… Olha, ontem vi uma… não estava nua… estava a vestir-se…”

Empregada: E o senhor gosta de ver, né, e o senhor gosta…

Pacheco: Eu não vejo quase nada, ó minha senhora… eu não vejo quase nada… chegue-se aqui... olha para este espanto... é uma mulher linda... anda é muito vestida... quero vê-la na praia...”

Empregada: “Ele é fogo, o sôr Luiz é fogo…”

Pacheco: O quê? pego fogo…? Queres levar um livro? Não te faz mal nenhum…”

(…)

“Eu não te vou ensinar, eu ensino-te é a combater o meio... opá, um tipo que quer fazer carreira, se não for parvo de todo e for um bocadinho filho da puta... é facílimo... O meio literário é de cortar à faca, é muito fácil de penetrar. Eu, que nasci em Lisboa, via-os chegar da província, os Namoras, os Amândios César, os Paço d’Arcos, etc., andavam por aí a borbulhar, a deslizar, a ver quem chega primeiro. É como os espermatozóides. Agora combater o meio, isso é que é difícil, é o mais difícil... a questão é esta, estúpidos, conformistas, cobardes, é a maioria da malta...”

(A não perder!)

Novos Links

Adicionei uma primeira leva de novos links, a partir dos meus favoritos, incluindo a reposição do adormecido: Cadernos de Camus.

Aqui estão eles:

finisterra

Miniscente

E Deus Criou a Mulher

amistad

Cadernos de Camus

"Quisera Adormecer"


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Quisera adormecer
como a criança acorda,
à beira de outro tempo, que é o nosso.

Só quero o que não posso.

Jorge de Sena

In “Tempo de Fidelidade” (1951-1958)

Lugares de Infância


Faro - Caminhando Para a Sé

Quando em criança frequentava a escola, na minha cidade natal, fazia o caminho a pé de casa para a escola e da escola para casa. Nesses percursos sempre me impressionou a carroça dos cães que percorria as ruas da cidade.

Os homens laçavam os “cães vadios”, entre ganidos de desvairado sofrimento, prendiam-nos nas celas e conduziam-nos ao canil. A morte era o seu destino. Senti impotência e uma profunda compaixão pelo destino dos “cães vadios” antes de sentir compaixão pelo destino dos homens.

A escola de “S. Luiz” situa-se num bairro pacato entre o mercado e a baixa da cidade. Para frequentar a escola, um acontecimento notável na vida da família, percorri dois caminhos. O primeiro era o mais saboroso e ia da casa em que nasci, na Rua Coelho de Melo, que desce do Espaldão para o Largo da Caganita, percorrendo a Rua de Brito Cabreira.

O segundo vinha desde o Bairro de S. Luiz, construído nas hortas a norte da cidade, da Rua Dr. Emiliano da Costa (poeta consagrado, mas esquecido), residência para onde se tinha mudado a família, passando ao lado do mercado. A distância seria a mesma mas o encanto do primeiro era, em afectos e surpresas, superior ao segundo.

A mudança da casa em que nasci, por volta de 1955, foi um acontecimento marcante assinalando o fim do tempo da inocência.

Vivia no casulo feliz
até que um dia sem
saber porquê o desfiz


tratava-se de uma obra
fina de rendilhado puro
com virtudes de sobra


eu não soube a razão
de tal desaforo nem
talvez o meu coração
....

Dizia-o com a noção de não ter feito uma descoberta original pois todos os que reflectem acerca da origem da sua arte o dizem e os que se aventuram, ao menos uma vez, a encontrar as motivações do seu percurso de vida, o dizem também.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (6 de 10)

RENDIÇÃO


In “O Portal da História”

Rendição das Forças Armadas Alemãs. [O Coronel General Jodl, acompanhado pelo Almirante General Friedeburg e pelo Major Oxenius, assina o documento de rendição incondicional das Forças Armadas alemãs, no Quartel-General Aliado, em Rheims, França, a 7 de Maio de 1945.]

sexta-feira, maio 6

BLAIR OK

As sondagens acertaram em cheio. Ver no Margens de Erro.

Resultados não definitivos UK (maioria absoluta para os trabalhistas):

Labour: 36,2%
Conservative: 33,2%
Lib Dems: 22,5%

"É necessário não nos perdermos e não renunciarmos".


Camus com a sua segunda mulher: Francine.

O mês de Julho de 2004 caminhava para o fim. No dia 22 desse mês escrevi um post adivinhando o “caos que se desenha no horizonte” ao pensar na governação de Santana Lopes ainda no seu início.

A minha previsão, infelizmente, bateu certa. E vinham-me à memória as citações mais desencantadas de Camus acerca da política e dos homens da política.

Nesse contexto escrevi:

As trapalhadas do governo Santana Lopes começam na sua própria formação.

Constrangedor. O PR empossa em silêncio da mesma forma que, em silêncio, ouviu as atoardas de Alberto João Jardim e, logo depois, os seus elogios.

Será que no Conselho de Estado, o PR, na presença do dito, lhe "puxou as orelhas"? Aposto que não. O PR deixou, no dia 9 de Julho, cair a sua autoridade. Tudo o que se passou, diante dos seus olhos, e sob a sua responsabilidade, nas tomadas de posse, é um exemplo flagrante de falta de autoridade.

É um detalhe do caos que se desenha no horizonte e avivam-se, na minha memória, as citações, radicais e desencantadas, de Camus acerca da política.

"A política e o destino dos homens são organizados por homens sem ideal e sem grandeza. Aqueles que têm uma grandeza neles próprios não se ocupam de política. Assim em todas as coisas. Mas trata-se de criar agora em si próprio um novo homem. Seria preciso que os homens de acção fossem também homens de ideal e poetas industriais. Trata-se de viver os próprios sonhos - de os pôr em movimento. Outrora, renunciávamos ou perdíamo-nos. É necessário não nos perdermos e não renunciarmos." (Dezembro de 37)

Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 2 (Setembro de 1937/Abril de 1939) - Edição Livros do Brasil

Sem Abrigo


In Catedral

"Não haja medo que a sociedade se desmorone sob um excesso de altruísmo. Não há perigo desse excesso."

Fernando Pessoa - "Aforismos e Afins"

GRANDE SPORTING!...

Lutar, lutar até vencer.

O Sporting prestigiou o nome de Portugal e mostrou, mais uma vez, que o futebol é, em Portugal, apesar de todos os "casos", uma actividade competitiva ao nível europeu e mundial.

A qualificação do Sporting para a final da Taça UEFA foi um caso exemplar. A vontade de vencer ultrapassou todas as dificuldades. Ainda bem que comprei bilhetes para a final que vai realizar-se aqui ao lado de casa. O meu filho, mais do que eu, merece essa alegria seja qual for o resultado final.

"Sporting e CSKA de Moscovo na final
O Sporting qualificou-se, esta quita-feira, para a final da Taça UEFA, apesar de ter perdido com o AZ Alkmaar por 3-2 após prolongamento. A formação de José Peseiro acabou por conseguir o apuramento com um tento apontado aos 122 minutos por Miguel Garcia. A final está agendada para o dia 18 de Maio no Estádio José Alvalade."

quinta-feira, maio 5

UK: As sondagens do dia

O MARGENS DE ERRO apresenta as últimas sondagens das eleições de hoje. Todas convergem para a vitória dos Trabalhistas, mas com cerca de 25% de indecisos. A ver vamos…

SALVADOR DALI


Salvador Dali. Antes que me esqueça. Nasceu a 11 de Maio de 1904.

«Pintores, não temam a perfeição.
Nunca a conseguireis! Se fordes medíocres,
E se vos esforçardes por pintar muito, muito mal
Ver-se-á sempre que sois medíocres.»

Salvador Dali

Revolta


Com razon ó sin ella - Goya

Nasceu assim o despontar da minha consciência para a vida e a revolta no seu estado puro.

Depois tomei consciência de que a revolta é o berço da criação e a criação é o traço que define a fronteira definitiva entre os homens livres e dignos, assumindo plenamente as suas diferenças, e
os homens torturados pela suprema humilhação de ideologias absurdas que Camus resumiu nesta definição universal do fascismo:“como não tinham carácter, arranjaram uma doutrina”.

A criação é uma forma de afirmação das diferenças que não das desigualdades. As origens da revolta não as encontrei na leitura dos clássicos mas na observação da vida dos meus avós.

Eles não encontraram facilidades no caminho para o progresso e eu encontrei um sopro de inspiração na medida das minhas escassas forças para combater o conformismo e o aviltamento dos valores essenciais que salvaguardam a humanidade da barbárie.

Esses valores são as velhas bandeiras do pensamento humanista e liberal dos últimos séculos, quais sejam, o direito à vida e a defesa da liberdade individual e da democracia, assim como a
igualdade de oportunidades para todos no acesso aos benefícios do progresso económico, cientifico, tecnológico e social.

Na vertigem deste caminho muitas interrogações sempre se colocaram aos homens dos tempos modernos: o humanismo é um pensamento limitado? O liberalismo é um pensamento
pervertido? O progresso uma aspiração antiquada?

A revolta do homem talvez aconselhasse a adoptar sempre os princípios de um pensamento que tudo tomasse em conta. Sem sublinhados nem os encargos de múltiplas heranças filosóficas ou históricas.

Mas a maioria, salvo os assassinos, que estão sempre prontos a sujar as mãos de sangue e a lançar para a valeta os corpos das suas vitimas, executadas à vista de todos os homens de boa vontade, aceitam certamente, de forma consensual, que fiquem de pé, na luta contra a barbárie, os princípios do direito à vida, à liberdade e à justiça.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (5 de 10)



Felicidade


Do Pentimento

Felicidade: 1. invólucro onde se guardam sorrisos; 2. momento em que os ponteiros do relógio decidem dançar valsa; 3. líquido viscoso que escorrega por entre os dedos; 4. pedaço de gente com cheiro de talco; 5. movimento espontâneo dos cantos da boca em direção às orelhas; 6. sobrenome do azul; 7. olodum dentro do peito; 8. conjunto de círculos concêntricos em rubro e branco para onde se atiram dardos em forma de coração; 9. roçar de pés por sob o cobertor em noites com temperatura inferior a 18 graus; 10. tia-avó da alegria; 11. erva da qual se faz um chá afrodisíaco; 12. movimento elíptico do Sol em torno do ser amado; 13. nome dado à gota salgada que despenca dos olhos em dia de festa; 14. sensação de se ter feito o que se deveria ter feito; 15. oitava cor do arco-íris; 16. retângulo onde se inserem flagrantes registrados em nitrato de prata; 17. desejo súbito de voar; 18. distúrbio psicológico que causa avalanche de gargalhadas; 19. silêncio que se segue à trovoada; 20. exibição permanente da arcada dentária sem motivos justificados aos olhos dos desprovidos de inocência.

P.S. Este e outros verbetes bacanas e inspirados sobre sexo, mar, boca, sorriso, lágrima, entre outras palavras, estão no blog Cambalhota de irrealidades, onde André Gonçalves postou o seu Dicionário Lúdico Brasileiro. A dica foi da Moniquitcha.

Sondagens

Pedro Magalhães do Margens De Erro dá a conhecer as últimas sondagens acerca das Eleições Gerais no Reino Unido (as últimas antes do dia) e do Referendo em França (última sondagem: 2 Maio).

quarta-feira, maio 4

"DRUMMOND FAZENDEIRO" ...


“Foto de António José Alegria, do amistad”

Drummond, fazendeiro
do ar, mas bem sentes
que as dores da poesia
são as evidentes.

Jorge de Sena

8/2/55

In “Tempo de Fidelidade” (1951-1958)

"Ir até ao fim, não é apenas resistir mas também não resistir."


História trágico marítima. [1944, óleo sobre tela, 81 x 100 cm - Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Lisboa, Portugal] Quadro de Vieira da Silva (1908-1992), pintado no Brasil e parte de um grupo de quadros que abordaram a temática da guerra e da violência. O chamado período brasileiro (1940-1947), época em que Helena Vieira da Silva e o seu marido, Arpad Szenes, viveram no Rio de Janeiro, caracteriza-se pelo regresso à figuração abandonando, por um tempo, o abstraccionismo, sendo por isso considerado um período de reflexão na obra da pintora. Vieira da Silva morreu em 6 de Março de 1992, em Paris. O Portal da História

Em “Citações-14”, faço uma abordagem da renúncia de Ferro Rodrigues e, hoje, à distância, concluo que fez bem em ter renunciado. Da mesma forma que fez bem em não ter aceite o desafio da candidatura à presidência da Câmara Municipal de Lisboa. É preciso deixar passar o tempo.

Por outro lado verifica-se que, para já, Sócrates se não deixou aprisionar pela “política espectáculo” ... o que é uma tragédia para as pretensões da direita.

Eis o que escrevi, em "Citações-14", a 20 de Julho de 2004:

A propósito da renúncia de Ferro Rodrigues ao cargo de secretário geral do PS têm sido proferidas opiniões sem fim. Mesmo a direita continua a abordar o tema com uma ganância aparentemente despropositada. Lá terão as suas razões.

O director do Expresso escreveu um texto ignóbil, ou decrépito, acompanhado de uma foto propositadamente descuidada. A abordagem do percurso de Ferro, num trabalho "de fundo", publicado na "Única", seguia o mesmo caminho não tanto no texto mas na escolha das fotos.

Esta voragem para destruir a imagem pública de Ferro é, como todos já entenderam, parte de uma estratégia de fundo da direita. Começou, porventura, ainda antes de Ferro ter ascendido à liderança do PS.

No dia 9 de Julho, de um só golpe, o PR consagrou essa estratégia. Mas a direita não parece estar saciada com o sucesso da operação "destruição de Ferro". O assumido combate ideológico da direita, dirigido pelo PP, é aniquilar a esquerda, fazendo dela uma oposição colaboracionista com os seus objectivos estratégicos.

A direita, dirigida pelo PP, quer o poder absoluto. Ferro era um obstáculo a essa estratégia. Sócrates, se se deixar aprisionar pela "política espectáculo", talvez lhes sirva. Só tempo o dirá.

Mas, por outro lado, em política, os que renunciam nem sempre são os perdedores.


"Ir até ao fim, não é apenas resistir mas também não resistir"

Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) - Edição Livros do Brasil

terça-feira, maio 3

"Densa e Profunda Flor..."


"Foto de António José Alegria, do amistad"

“....

Profunda flor, malícia de existir,
os perigos passam, as traições diluem-se,
um riso ecoa ao longe, que se perde,
e o teu jardim, meu coração tão frio,
meu gosto de viver, minha mágoa extensa,
minha memória de jardins e estrelas.”

Jorge de Sena

“Densa e Profunda Flor...” in Amor

Lugares Luminosos


O gato e eu próprio no monte dos meus avós maternos.

Senti sempre as casas de meus avós como lugares luminosos, afastados do mundo, varandas com vista para o mar azul florido. Eles eram certamente mais adeptos de Franco do que apreciadores de Lorca. Talvez conhecessem alguns versos da sua poesia popular:

“Verde que te quero verde
Verde vento. Verdes ramos.
O navio sobre o mar,
o cavalo na montanha.”


Mas não conheciam, quase pela certa, o poeta. No tempo distante das minhas andanças de juventude pelas terras dos meus avós maternos senti o seu conformismo que não nascia de uma postura intelectual mas era o resultado de uma existência sofrida longe do progresso que a ditadura abominava.

A pura existência da natureza ditava as leis da vida. A família, pequena para a época, não cresceu na miséria mas o apego à vida dos seus antepassados deu-lhe o sentido da dimensão humana. Eram os tempos da luta pela sobrevivência.

Observei a dignidade dessa extraordinária empresa de fazer face à escassez da água, às agruras do tempo, à inexistência de electricidade, aos fracassos das colheita, às doenças das mulheres, homens e animais, à falta de dinheiro...

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (4 de 10)

segunda-feira, maio 2

Fernando Pessoa


“O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a acção sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.”

Fernando Pessoa, “Livro do Desassossego”

Faro - Capital da Cultura


Faro - O "Passarinho"

Fui lá pois é a minha terra. Passar o 1º de Maio. O dia do trabalhador e o da mãe. Lembrei-me dos tempos em que me envergonhava dos empreendimentos públicos sem a qualidade que desejava. Por vezes fechava-me em casa depois de ter feito a minha parte. Com o Grupo de Teatro Lethes isso não acontecia. Lembrei-me desses tempos a propósito da inauguração da “Faro – Capital Nacional da Cultura”.

Deambulei pelas ruas e assisti a diversos acontecimentos no dia inaugural. Vi as notícias e as imagens. Para ser franco pareceu-me que, na cidade, ninguém sabia nada acerca do evento. A pobreza das apresentações até podia ganhar grandiosidade com a presença de multidões. Mas nada. Ninguém, verdadeiramente, sabia de nada. A divulgação resumia-se a uma vulgar folha A4 com a lista dos actos públicos.

Talvez o evento sirva para ajudar o Dr. Vitorino a ser reeleito Presidente de Câmara no pleito de Outubro. E fica o novo teatro a inaugurar a 1 de Julho. Mais nada.

Vi o “Passarinho” no jardim e engraxei, como sempre, os sapatos no Renato da "Gardy". O engraxador do "Aliança" morreu. Agora só há dois: o “Passarinho” e o Renato. Indiferentes à festa. Se o povo não conta para as Capitais Nacionais da Cultura então acabe-se com elas. Os criadores devem ter mais que fazer do que trabalhar para o “boneco”.

Lembrei-me, ainda, de Fernando Pessoa, no "Livro do Desassossego", composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa:

"Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também."

"São sempre as mesmas palavras que dizem as mesmas mentiras."


Estandartes Nazis [5/12 de Setembro de 1938, fotografia a cores - Nuremberga, Alemanha.]
Fotografia tirada durante o Congresso do Partido Nacional-Socialista, de 1938, realizado sobre o tema da «Grande Alemanha». Adolf Hitler, principal dirigente do partido nazi alemão, foi nomeado Chanceler da Alemanha em 30 de Janeiro de 1933. Foto do Portal da História

No dia 18 de Julho de 2004, em “Citações-13”, dia da tomada de posse do governo Santana Lopes, antevi o desastre previsível. Salvaguardadas as devidas proporções, tal como no holocausto, cujo 60º Aniversário do fim agora se comemora, só não viu quem não quis ver. Só não entendeu quem não quis entender. A ilustração reporta-se a um acontecimento imediatamente posterior à data da citação de Camus e ajuda a compreender o seu tom de desespero.

Eis o que escrevi nesse dia:

O governo de Pedro Santana Lopes tomou posse. Horas de discursos, cumprimentos ... o costume. Sabemos que muitos dos ministros dispensados nem sequer tiveram direito a um cartão de agradecimentos. Foram simplesmente esquecidos.

No novo governo o PP ganha poder. O PSD perde poder. No governo a direita reforça posições, tomando o ministério das finanças, e os dirigentes políticos do PP assumem relevância. Os dirigentes do PSD, por sua vez, apagam-se. Transparece uma enorme perplexidade na área social democrata acerca da natureza deste governo.

Hoje, na sua "crónica dominical", na TVI, Marcelo Rebelo de Sousa foi demolidor. Não deixou pedra sobre pedra. O governo é fraco e mostra que é fraco. Muitos dos ministros têm os papéis trocados e outros nunca serão capazes de entender a sua missão. Os discursos são uma trapalhada.

Terá início, a partir de amanhã, um exercício real, mas doloroso, que demonstrará aos portugueses que a propaganda não basta para governar. Espero que o tempo me dê razão.

Tudo isto me fez lembrar esta citação desencantada que, vinda da pena de um democrata convicto, tem um especial significado.


"Agosto de 37.
Cada vez que oiço um discurso político ou que leio os que nos dirigem, há anos que me sinto apavorado por não ouvir nada que emita um som humano. São sempre as mesmas palavras que dizem as mesmas mentiras. E visto que os homens se conformam, que a cólera do povo ainda não destruiu os fantoches, vejo nisso a prova de que os homens não dão a menor importância ao próprio governo...

"Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) - Edição Livros do Brasil

domingo, maio 1

A Queda de Saigão


Foto de O Portal da História

A Embaixada dos Estados Unidos no Vietname do Sul, quando Saigão caiu nas mãos do Exército do Vietname do Norte (1975). Fotografia de Nik Wheeler, da Agência Sipa-Liaison. A Guerra do Vietname acabou em 29 de Abril de 1975, com a conquista de Saigão pelo Exército Norte Vietnamita.

“Deixas criar às portas o inimigo
por ires buscar outro de tão longe”

Camões (“Os Lusíadas", Canto IV-CI)

Epígrafe ao poema "Peregrinação"
Manuel Alegre, in "O Canto e as Armas", 1967

A Bíblia Sagrada



Os meus avós maternos no monte do sítio de Sinagoga, Santo Estevão, Tavira, tinham em casa um único livro e lembro-me bem dele.

Esse livro de casa dos meus avós está hoje encadernado e parece novo brilhando viçoso na estante perto do meu assento de predilecção. Garatujo as escritas e espreito a informação na net sob o seu olhar atento.

No seu interior, amarelecida pelo tempo, descobri uma carta de caligrafia irrepreensível que dá testemunho de um acontecimento de época lembrando a juventude de minha mãe, nascida em 1916: “Santo Estevão de Tavira. Setembro de 1931. Minha prezada amiga: Pedindo-te antecipadamente mil perdões por não ser esta a forma porque o devia fazer venho por este meio participar o meu casamento que se deve realizar no dia 16 do mês corrente...”

Reparei, mais tarde, que o livro é uma edição de 1867 impressa, em Lisboa, pela Typographia Universal, de Thomaz Quintino Antunes, Rua dos Calafates - 110.

É a Bíblia Sagrada: “O Novo e o Velho Testamento traduzida em portuguez segundo a vulgata latina por António Pereira de Figueiredo”.

Noutros tempos foi um livro grosso para o meu olhar juvenil. Mais de mil páginas, a duas colunas, letras miúdas e bem arrumados em capítulos e começa assim:

“1. No princípio creou Deus o Ceo e a Terra. 2. A terra porém era vã e vazia: e as trevas cobriam a face do abysmo: e o espirito de Deus era levado sobre as águas. 3. E disse Deus: faça-se a luz; e foi feita a luz.”

Este livro é o sinal de uma cultura e civilização a cuja matriz fundadora não pude escapar.

REVOLTA - NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (3 de 10)

FARO

Faro - calor abafado. Capital da Cultura. Pobrete e alegrete. Sobram, certamente, as boas vontades.

sábado, abril 30

Água e Seca

Está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo que publiquei, na edição de ontem do “Semanário Económico”, sob o título “O (des) Governo da água vai continuar?”.

Ainda não disponível no site daquele semanário.

NUNCA MAIS


30 de Abril de 1945. Hitler suicidou-se. O 3º Reich caiu. Berlim foi ocupada pelo exército soviético. A Europa em ruínas recomeça uma longa caminhada pela reconstrução.

Dezenas de milhões de civis e militares, europeus, americanos e de todos os continentes, morreram e, pelo menos, 6 milhões de judeus foram exterminados.

60 anos depois a barbárie nazi-fascista deve ser lembrada para que nunca mais se repita.

sexta-feira, abril 29

AS QUATRO ESTAÇÕES ERAM CINCO


Foto de amistad

O verão passa e o estio se anuncia
que outono se há-de ser e logo inverno
de que virá nascida a primavera.
Mais breve ou longo se renova o dia
sempre da noite em repetir-se, eterno.
Só o homem morre de não ser quem era.

8 Julho 70

Jorge de Sena

Desespero Sorridente


Camus and his children in June 1957 (at the Angers Festival for the production of Olmedo). (Agence de Presse Photographie Bernard)

Recapitulando o sentido destas “Citações”, publicadas na abébia vadia, em Julho de 2004, sublinho que foram suscitadas pela crise política aberta com a decisão de José Manuel Barroso de abandonar o governo. Uma questão memória. Ai! a nossa memória!

Estas “citações-12” surgiram, a 17 de Julho de 2004, uma semana após o 9 de Julho dia da comunicação ao país do PR dando conta da sua decisão de empossar Santana Lopes como primeiro ministro.

Assumi, neste dia, com uma citação pura, a solidariedade com Ferro Rodrigues face à sua decisão de abandonar a liderança do PS. Eis o que escrevi:

Ao meu amigo Eduardo Ferro Rodrigues.

"Maio.
Não nos separarmos do mundo. Não se perde a vida quando a colocamos à luz do dia. Todo o meu esforço, em todas as posições e desgraças, as desilusões, é para recuperar os contactos. E mesmo nesta tristeza que há em mim, que desejo de amar e que enebriamento apenas perante a visão de uma colina na aragem do fim da tarde.

Contactos com o verdadeiro, a natureza em primeiro lugar, e depois a arte daqueles que compreenderam, a minha arte se a consigo alcançar. De contrário, a luz e a água e a embriaguez estão ainda na minha frente, e os lábios húmidos do desejo.

Desespero sorridente. Sem saída, mas que exerce sem cessar um domínio que se sabe inútil. O essencial: não nos perdermos, e não perder aquilo que, de nós, dorme no mundo." (Texto de Maio de 1936)

Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) - Edição Livros do Brasil

Rosa e José


Foto de família dos meus avós maternos, no campo, certamente num dia de festa. (1917/18) À esquerda, de pé, o meu avô José e, sentada, a avó Rosa. Sentados, no chão, à esquerda, a minha mãe Tolentina e o meu tio Ventura o único que sei vivo, cheio de vitalidade, nos seus 92 anos.

A região natal de Lorca, Granada, é uma das mais emblemáticas cidades da Andaluzia, extraordinário e cosmopolita centro da cultura muçulmana, rico e florescente, ao contrário do Algarve, rural e provinciano, em que nasci.

Os meus avós maternos, Rosa e José, nasceram nessa terra seca, a sotavento, no território contíguo à Andaluzia, banhado a sul pelo atlântico, província afastada do centro político de um Portugal que as vicissitudes da história tornaram independente.

Eram camponeses, filhos e netos de camponeses, daqueles que trabalhavam a terra com as suas próprias mãos.

O cheiro da terra seca, ou regada por levadas de água tirada da nora puxada à custa do incessante volteio dos bois, nunca me abandonou as narinas e deixou-me indeciso acerca do que fazer com o destino da minha própria vida e absolutamente incrédulo acerca da influência da vontade humana na mudança da vida dos outros.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (2 de 10)

Esperança


Foto de amistad

“É pequena a margem pura onde só há tristeza”

Jorge de Sena

quinta-feira, abril 28

Ódio? Revolta? Incompreensão?


Federico Garcia Lorca

O criador não se preocupa com o merecimento que os outros fazem da sua obra e sabe que os homens não se apercebem desse desprendimento. A criação segue o seu curso mas os homens esquecem os criadores. A maior parte das suas obras não chegam a conhecer a luz do dia quanto mais a celebridade.

Vivemos na penumbra de um dia sem lembranças felizes. A expressão podia ser de uma época de guerra e é bem provável que estejamos nas vésperas de uma época de guerra. Não já uma guerra mundial, ou uma guerra civil, nem sequer uma guerra de “baixa intensidade”, como chamam os estrategos à guerra de guerrilha, mas uma guerra de informação global em que o acontecimento se torna relevante não pela sua realidade mas pela difusão, em tempo real, da sua própria notícia.

Escrevo no dia em que o poeta foi assassinado, 19 de Agosto de 1936, por ser um rebelde mal querido pelos fascistas de Franco. No fragor da guerra civil de Espanha Lorca foi fuzilado. Era um jovem criador consagrado pelo teatro e pela poesia que nascia transparente da sua pena como a água de um riacho observado perto da nascente.

Tinha alcançado a fama de um criador de sucesso. Seria um homossexual não assumido que intimamente sofreria por isso. Apaixonou-se, dizem, por Dali e foi rejeitado.

Naquele dia de 1936, ano de nascimento de meu irmão Dimas, levaram-no de casa à força. Que terá sentido nesse momento. Ódio? Revolta? Incompreensão?

Só quando nos toca é que sentimos todo o sentido trágico da injustiça. Para os fascistas a sua obra estava marcada por uma sensibilidade demasiado inspirada pela liberdade individual que ele amava acima de tudo.

REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (1 de 10)

Libertação de Berlim


Berlin ist erobert Der sowjetische Soldat Militon Kantarija aus Georgien hisst die sowjetische Flagge auf dem Berliner Reichstag. Die historische Szene wurde am 2. Mai 1945 für den Fotografen nachgestellt.

Reconquista de Berlim. As forças da União Soviética entraram em Berlim e um soldado, Militon Kantarija (Georgiano), acena a bandeira soviética no topo do Reicthag. A cena foi repetida, para poder ser fotografada, no dia 2 de Maio de 1945.

quarta-feira, abril 27

"O progresso e a verdadeira grandeza residem no diálogo à altura do homem e não no evangelho..."


Camus (à frente, no centro, de negro) aluno da escola primária, em 1920, com os trabalhadores da tanoaria onde o tio trabalhava. (In "Camus"- Brigitte Sändig, Círculo de Leitores)

Em 8 de Julho de 2004, véspera da comunicação ao país na qual o PR anunciou a decisão de não convocar eleições legislativas antecipadas, em “Citações-11”, escrevi:

As eleições são, no imediato, um problema para a direita. A expectativa de perda da maioria e, em consequência, do governo, é forte. Mas as eleições serão, a médio prazo, um problema para a esquerda. A expectativa de um arrastamento da crise económica é forte. O consenso social é uma aspiração da esquerda e uma necessidade vital para a sobrevivência de qualquer governo.

Mas a margem para o consenso é sempre estreita e ainda mais estreita em épocas de crise. A direita já está em campanha eleitoral. A esquerda precisa de um golpe de asa. Refiro-me, naturalmente, ao PS. O programa de governo é importante assim como a equipa que o defenda e protagonize. As opções a tomar na reforma do Estado são cruciais.

Mas o PS só ganhará as eleições, se for capaz de combater, de igual para igual, num ambiente de "cruzada" populista. A direita não olhará a meios para atingir os seus fins. Vide, como ilustração impressiva, o post "Ingenuidades", de JPP, hoje, no abrupto.

A chantagem exercida pela direita sobre Jorge Sampaio é o primeira passo na chantagem que vai tentar exercer sobre toda a sociedade.

A citação do dia:

A Guilloux: "Toda a infelicidade dos homens vem de não usarem uma linguagem simples. Se o herói do Mal-entendido tivesse dito: "Ora bem. Aqui estou e sou seu filho", o diálogo seria possível e não artificial como na peça. Não haveria tragédia, pois o ponto culminante de todas tragédias está na surdez dos heróis.

Sob esse ponto de vista é Sócrates quem tem razão, contra Jesus e Nietzsche. O progresso e a verdadeira grandeza residem no diálogo à altura do homem e não no evangelho, monologado e ditado do alto de uma montanha solitária. Eis onde cheguei.

O que equilibra o absurdo é a comunidade dos homens em luta contra ele. E se escolhemos servir esta comunidade, escolhemos ao mesmo tempo servir o diálogo até ao absurdo contra toda a política da mentira e do silêncio. É assim que podemos ser livres com os outros.""

Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)

Espanha


Espanha é um grande país da Europa em termos de população e não só. O El Pais, de hoje, dá-nos a notícia de uma população próxima dos 44 milhões. Mais de quatro vezes superior à população portuguesa. Um pouco maior do que os 40 milhões que ainda trazemos na cabeça.

La población residente española roza los 44 millones de personas, con el 8,4% de inmigrantes

"Cataluña, Andalucía, Comunidad Valenciana y Madrid, las comunidades donde más aumentaron los extranjeros inscritos

La población residente en España alcanza los 43,97 millones de personas, de los cuales 3,69 millones son extranjeros, lo que supone el 8,4% del total del empadronados, según el avance del Padrón Municipal que, por primera vez, ha publicado hoy el Instituto Nacional de Estadística.

O FIM DO PESADELO


60º Aniversário da Libertação
Abril de 1945. Hitler nas vésperas do fim do Reich.



“Tout le bonheur de l´homme est dans son imagination”

Sade (citado por Jorge de Sena)

Fotografia de Helder Gonçalves

"Se quer que lhe diga, nunca acreditei na Gestapo".


Foto de amistad

Paulo Portas, no Congresso do CDP/PP, no fim-de-semana passado, explicitou a sua opinião, pesada como chumbo, acerca da razão de fundo do colapso do governo de direita: a “fuga” de José Manuel Barroso.

Em “Citações-10”, em 7 de Julho de 2004, é essa ideia que está subjacente ao que escrevi. A citação de Camus escolhida só aparentemente é desproporcionada ao acontecimento. Em Portugal, quase sempre, fingimos que não vemos o que, na verdade, nos mata.

Só esse estado de espírito explica a acomodação social a 48 anos de ditadura e a indiferença perante as injustiças que, em pleno regime democrático, se institucionalizam, sob os nossos olhos, reclamando-se, quantas vezes, de uma legitimidade obscena.

São os vazios da democracia e as suas zonas de penumbra que permitem formular esta inquietante pergunta: será que estamos livres de novas formas de tirania? Podemos dizer, a esse respeito, como Camus: tomamos as nossas precauções “mas como que abstractamente”. Não me parece que os sinais sejam muito promissores... Eis o que, então, escrevi:

O que está em causa na crise política actual? Sem rodeios: O Primeiro-ministro demissionário, Durão Barroso, fugiu.

Proclamou que tinha aprendido as lições da derrota nas eleições europeias e uns dias depois demitiu-se. Percebe-se que o homem buscou o sucesso de uma carreira profissional.

Mas o povo de direita pensava que tinha votado num político devoto à defesa dos interesses do país e do seu povo. Ao menos pelo período do contrato que estabeleceu, de livre vontade, através da sua apresentação ao sufrágio: 4 anos.

Este episódio não é só uma traição aos seus correligionários. É uma machadada no prestígio do regime democrático. O assunto é sério. De futuro, como já ouvi, é necessário olhar os candidatos tanto pelo lado da sua fidelidade aos compromissos programáticos como pelo lado da garantia da sua permanência no exercício da função todo o tempo do contrato, em exclusividade.

Estes detalhes não são, como se prova, tão despiciendos como poderia parecer. No caso de Santana Lopes não são mesmo nada despiciendos. A inconstância não pode ser elevada à categoria de um valor do Estado Democrático. A não ser que se queira acabar com ele.

A citação do dia:

""Se quer que lhe diga, nunca acreditei na Gestapo. É que nunca ninguém a via. Tomava evidentemente as minhas precauções, mas como que abstractamente. De tempos a tempos, um camarada desaparecia. Noutro dia, diante de Saint-Germain-des-Prés, vi dois tipos altos que obrigavam a soco um homem a entrar para um táxi. E ninguém dizia nada. Um criado de café disse-me: "Cale-se. São eles." Isto levou-me a suspeitar de que efectivamente existiam e de que um dia…Mas eram apenas suspeitas. A verdade é que só poderei acreditar na Gestapo quando receber o primeiro pontapé na barriga. Sou assim. Eis porque não devem ter ilusão quanto à minha coragem, lá porque estou na resistência, como dizem. Não, não posso reclamar qualquer mérito, precisamente porque não tenho imaginação."

Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)

segunda-feira, abril 25

31 Anos Depois


Foto de amistad

“um povo corrompido que atinge a liberdade tem a maior dificuldade em mantê-la”.

Maquiavel

Janela (in) discreta

O JPN do Respirar o Mesmo Ar enviou-me um inquérito ao qual não posso deixar de responder. Isto de inquéritos obrigam a simplificar muito a explicitação das nossas preferências. Mas as amizades obrigam mais do que as vontades. Aqui vai a resposta.

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

"O Estrangeiro”, de Albert Camus;

Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?

Leio, no presente, mais poesia do que ficção. Mas a personagem que mais me impressionou foi a personagem de “A Cabana do Pai Tomás”, de H. O. Beecher-Stowe. Uma leitura muito antiga. Obra de uma mulher. Só muito mais tarde dei por isso.

Qual foi o último livro que compraste?

Uma edição bilingue da obra de Federico Garcia Lorca, mas não sei o que lhe fiz.

Qual o último livro que leste?

”Trabalhar Cansa”, de Cesare Pavese, uma leitura atrasada (como todas).

Que livros estás a ler?

Diversos livros de poesia, em particular, as obras de Almada Negreiros e Natércia Freire. Poetas esquecidos e/ou renegados.

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?

Mesmo considerando esse cenário improvável levaria o conjunto dos “Cadernos”, de Albert Camus, ou seja, o livro que tenho andado a ler desde os 20 anos.

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?

À MMM do BlogDaMiuda, ao Marcelo Moutinho do Pentimento e ao pessoal do Tugir .

Porque sim, me apetece, me têm ajudado, não sei bem ao certo, afinidades diversas e, porventura, inexplicáveis...

sábado, abril 23

Fernando Pessoa



Ao longe, ao luar,
No rio uma vela,
Serena a passar,
Que é que me revela?

Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.

Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica.

Fernando Pessoa

"Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,..."



Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou ao caminho?

Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, - tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...

Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova,
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.

Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.

Camilo Pessanha (1867-1926)

In “Quinze Poetas Portugueses do Século XX”
Selecção e Prefácio de Gastão Cruz

sexta-feira, abril 22

25 DE ABRIL


Não me lembro do nascer do dia. Andávamos na rua à procura de entender se era mesmo verdade. Com o António Cavalheiro Dias e o José Mário Anjos percorri a cidade, de lés a lés, atrás da coluna de Salgueiro Maia, olhando cada esquina e movimento, com uma atenção fulminante, não fosse falhar tudo outra vez.

Não me lembro de ter visto nascer o dia. Naquela noite não houve madrugada. Os telefones devem ter começado a tocar a partir de determinada hora: “Olha parece que houve um golpe militar!”, “dizem que há tropa na rua!”.

A minha preocupação era telefonar a meus pais. No quartel pude fazê-lo já a manhã tinha despontado. Que alegria. Afinal não era um golpe dos ultras! Era um golpe militar mesmo daqueles com que sonharam Humberto Delgado e tantos que morreram sem conhecerem a cor da liberdade.

48 anos de ditadura é muito tempo! Que pena não poder ver os sonhadores da liberdade nesse dia. Observar a comoção nos seus rostos e ouvir as suas primeiras palavras. Mas não me lembro do despontar daquela madrugada.

Ouço os sons, cheiro os cheiros, vejo os camaradas de armas, o povo a passar defronte do quartel, bandeiras desfraldadas ao vento, as vozes enrouquecidas e as lágrimas a cair-lhes pelas faces, mas não me lembro do despontar do dia 25 de Abril de 1974.

Mas o que interessa é que estava lá. E vencemos!

Fotografia de Helder Gonçalves

"Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal!..."


«Honny soit qui mal y pense» [1880/1902, Gravura, Album das Glorias - Caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905)]. O caricaturado, Eça de Queirós, nasceu na Póvoa de Varzim em 25 de Novembro de 1845. In O Portal da História.

No dia 6 de Julho de 2004, em “Citações-9”, assinalo episódios que me ajudaram a cimentar a ideia da existência de uma crescente crispação na sociedade portuguesa à beira da revolta. O futuro havia de confirmar que o PSD tinha ficado refém do PP. Que o PP, a extrema direita em versão pós-moderna, populista e “beata”, havia sobrestimado a sua própria influência social e política. O “povo é sereno” mas não é parvo... e, nesse dia, escrevi:

Os discursos e as faces dos dirigentes da direita apresentam sinais de instabilidade. O povo, como diria o Almirante Pinheiro de Azevedo "é sereno". O povo apresenta sinais de estabilidade, apesar do sofrimento.

Lembro-me do que me disse um taxista no Porto, umas semanas atrás: "impressiona-me o que vejo todos os dias - as pessoas a falar sozinhas. Então as crianças!". E outro: "Um dia destes vai haver uma revolta popular". Sinais de crispação crescente. Todos aqueles que ouvem, vêem e sentem, como cidadãos comuns, tiveram experiências de sobra da silenciosa revolta que crescia.

A direita populista não está para nascer com Santana Lopes. Já está instalada no poder há muito. A diferença é que até à demissão de Durão Barroso estava na fase da " guerra de guerrilha". Circunscrita em bolsas preparando o terreno para a ofensiva final.

O objectivo de PP e do seu aliado PSL é a conquista do poder. Absoluto. Neste momento tentam o assalto final. Mas para isso têm que mostrar o seu verdadeiro rosto, a sua verdadeira ideologia, os seus verdadeiros alinhamentos internos e internacionais.

O rosto de Durão Barroso, ontem, à saída de Belém, era o de um derrotado. A fotografia da direita populista, a que conquistou a liderança da direita, qual "polaroid" instantânea, vai ganhando contornos cada vez mais claros: é o "pós- fascismo", à portuguesa. Cuidado...

A citação do dia: "Novembro - 32 anos. A inclinação mais natural do homem é a de se aniquilar e toda a gente com ele. Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal! ..."

(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)

Camilo Pessanha



Chorai, arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...

De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.

Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...

Trémulos astros...
Soidões lacustres...
- Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
- Chorai arcadas
Despedaçadas,
Do violoncelo.

Camilo Pessanha (1867-1926)

In “Quinze Poetas Portugueses do Século XX”
Selecção e Prefácio de Gastão Cruz

quinta-feira, abril 21

Poema numa esquina de Paris



Dezenas e dezenas de pessoas passam ininterruptamente ao longo do passeio.
Umas para lá.
Outras para cá.
Umas para cá.
Outras para lá.
Mas cada uma que passa
tem de fazer na esquina um pequeno rodeio
para não se esbarrar com o par que aí se abraça.
Olhos cerrados, lábios juntos e ardentes,
tentam matar a inesgotável sede.
Através dos seus corpos transparentes
lê-se na esquina da parede:

DANS CETTE PLACE A ÉTÉ TUÉ
MAURICE DUPRÉ
HÉROS DE A RÉSISTENCE.
VIVE LA FRANCE

António Gedeão

"Linhas de Força" - 1967