sexta-feira, novembro 7

60 CITAÇÕES DE ALBERT CAMUS


No dia 101º aniversário do nascimento de Albert Camus republico as 60 citações que eu próprio e a Prof ª Maria Luísa Malato seleccionamos para publicação no semanário Expresso faz um ano, pela celebração do centenário. 

ABSURDO/ ANTI-ABSURDO: “E assim nos tornamos profetas do absurdo! […] De que me servia depois afirmar que, na experiência que me interessava e sobre a qual aconteceu escrever, o absurdo não era senão um ponto de partida, ainda que a sua lembrança e emoção acompanhem os caminhos seguintes?” (O Verão)
 
 
AMIZADE: “Os deveres da amizade ajudam a suportar os prazeres da sociedade.” (Cadernos)
 
 
ARTE/ FILOSOFIA: “Porque sou eu um artista e não um filósofo? É porque penso segundo as palavras e não segundo as ideias.” (Cadernos)
 
 
ARTE/ FINALIDADE: “A finalidade da arte não é de legislar ou reinar, mas em primeiro lugar, a de compreender. […] Por isso o artista, ao chegar ao fim do caminho, absolve em vez de condenar. Não é juiz, mas defensor. É o advogado perpétuo da criatura viva. Porque está viva. Exorta verdadeiramente ao amor ao próximo, que não é esse amor longínquo que degrada o humanismo contemporâneo do catecismo de tribunal.” (Discursos da Suécia)
 
 
ARTE: “A arte não é para mim um prazer solitário É uma maneira de comover o maior número possível de homens, oferecendo-lhes uma imagem privilegiada dos sofrimentos e alegrias comuns.” (Discursos da Suécia)
 
 
BOMBA ATÓMICA: “O mundo é o que é, isto é, pouca coisa é. Eis o que cada um pode concluir depois de ontem, depois de ouvir o formidável concerto que a rádio, os jornais e as agências de informação harmoniosamente acabam de difundir sobre a bomba atómica. Podemos concluir com efeito, entre os numerosos comentários entusiastas, que qualquer cidade de importância mediana pode ser totalmente destruída por uma bomba com o tamanho de uma bola de futebol. Vai ser preciso escolher, num futuro mais ou menos próximo, entre o suicídio coletivo e a utilização inteligente das conquistas científicas.” (Atuais)
 

CONHECIMENTO: “Não creio suficientemente na razão para subscrever o progresso. Nem em nenhuma filosofia da História. Creio, porém, que os homens não deixaram de aumentar a consciência que tinham do seu destino. Não ultrapassámos a nossa condição, e, no entanto, conhecemo-la melhor.” (O Verão)


CRISTIANISMO: “Se o Cristianismo é pessimista quanto ao homem e otimista quanto ao destino da humanidade, pois bem, eu direi que, embora pessimista quanto ao destino da humanidade, sou otimista quanto ao homem.” (Atuais)


DESESPERO: “A primeira coisa é não desesperar. Não prestemos ouvidos demasiadamente àqueles que gritam, anunciando o fim do mundo. As civilizações não morrem assim tão facilmente; e mesmo que o mundo estivesse a ponto de vir abaixo, isso só ocorreria depois de ruírem outros. É bem verdade que vivemos numa época trágica. Contudo, muita gente, confunde o trágico com o desespero. ‘O trágico’, dizia Lawrence, ‘deveria ser uma espécie de grande pontapé dado na infelicidade’. Eis um pensamento saudável e de aplicação imediata. Hoje em dia, há muitas coisas que merecem esse pontapé.” (Núpcias)


DETERMINISMO: “Vivemos no terror porque a persuasão já não é possível, porque o homem se entregou inteiro à História.” (Atuais)


DEUS: “O segredo do meu universo: imaginar Deus sem a imortalidade humana.” (Cadernos)


DIÁLOGO: “Não há vida sem diálogo. Mas o diálogo foi, hoje, na maior parte do mundo, substituído pela polémica. O século XX é o século da polémica e do insulto. Eles ocupam, entre as nações e os indivíduos, e mesmo ao nível das disciplinas outrora desinteressadas, o lugar que tradicionalmente cabia ao diálogo refletido. Dia e noite, milhares de vozes, empenhadas, cada uma por seu lado, num tumultuoso monólogo, lançam sobre os povos uma torrente de palavras mistificadoras, de ataques, de defesas, de exaltações. Mas qual é o mecanismo da polémica? Consiste em considerar o adversário como inimigo, por conseguinte a simplificá-lo e a recusar vê-lo. Aquele que insulto, já não sei de que cor são os seus olhos, ou se acaso sorri, e como o faz. Tornados quase cegos por obra e graça da polémica, já não vivemos entre os homens, mas num mundo de sombras.” (Atuais)


ENCANTAMENTO: “É nisso precisamente que reside um dos elementos de sedução da música: ela representa a perfeição de uma maneira suficientemente fluida e ligeira para podermos prescindir do esforço.” (Escritos de Juventude)


ESCREVER/ VIVER: “Viver, claro, é um pouco o contrário de exprimir.” (Núpcias)


ESCRITA: “É para brilhar depressa que não tentamos reescrever.” (Cadernos)


ESTILO: “Quando o grito mais dilacerante encontra a sua linguagem mais rigorosa, a revolta satisfaz a sua verdadeira exigência, e extrai dessa fidelidade a si mesma uma força de criação. Se bem que isso vá contra os preconceitos da época, o mais belo estilo em arte é a expressão da mais viva revolta.” (O Homem Revoltado)


EXISTENCIALISMO/ EXISTÊNCIA: “Onde descobrir a essência senão ao nível da existência? Mas nós não podemos dizer que o ser não é senão existência. […] O ser não pode manifestar-se senão no devir, o devir nada é sem o ser.” (O Homem Revoltado)


EXISTENCIALISMO/ SARTRE: “Não aceitamos a filosofia existencialista só porque afirmamos que o mundo é absurdo. Se assim fosse, 80% dos passageiros do metro, a acreditar nas conversas que ouço, seriam existencialistas. O existencialismo é uma visão completa, uma visão do mundo que pressupõe uma metafísica e uma moral. Se bem que me aperceba da importância histórica do movimento, não tenho suficiente confiança na razão para aderir a um sistema. Isto é tão verdade que o manifesto de Sartre, publicado no primeiro número dos Temps Modernes, me parece inaceitável.” (Carta à revista Le Nef, 1/ 1946)


EXISTENCIALISMO/ SARTRE: “Não, não sou existencialista. Sartre e eu surpreendemo-nos sempre quando vemos os nossos dois nomes associados. Pensamos mesmo um dia publicar um pequeno anúncio em que os abaixo assinados afirmarão nada ter em comum, e recusarão responder pelas dívidas contraídas pelo outro.” (Entrevista a Nouvelles Littéraires, 15/11/1945)


EXISTENCIALISMOS: “Se as premissas do existencialismo se encontram, como creio, em Pascal, Nietzsche, Kirkegaard ou Chestov, então estou de acordo com elas. Se as suas conclusões são as dos nossos existencialistas, não concordo com elas, pois são contrárias às premissas.” (Última entrevista de Albert Camus, 20/12/1959)


FORÇA: “Aprendemos à nossa custa que, contrariamente ao que por vezes pensamos, o espírito nada pode contra a espada, mas também que o espírito unido à espada sempre vence a espada que se ergue em prol de si mesma.” (Carta a um Amigo Alemão, I)


GÉNIO: “O génio é a inteligência que conhece as suas fronteiras” (O Mito de Sísifo)

 
GLOBALIZAÇÃO: “Sabemos hoje que não há ilhas, e que são vãs as fronteiras. Sabemos que, num mundo em constante aceleração, quando o Atlântico se atravessa em menos de um dia ou Moscovo contacta com Washington em poucas horas, estamos obrigados à solidariedade ou à cumplicidade, segundo os casos. O pão fabricado na Europa vende-se em Buenos Aires, e as máquinas que trabalham na Sibéria foram fabricadas em Detroit. Hoje, a tragédia é coletiva. Sabemos pois todos, sem sombra de dúvida, que a nova ordem que buscamos não pode ser somente nacional, ou sequer continental, e muito menos ocidental ou oriental. Ela só pode ser universal.” (Atuais)

 
HELENISMO: “O mundo em que mais á vontade me sinto: o mito grego.” (Cadernos)

 
HETERONÍMIA/ ROMANCE : «Com efeito, o romance exige o estilo mais complexo de todos : o que se submete por inteiro ao objeto descrito. Podemos pois conceber um autor que escrevesse cada um dos seus romances num estilo diferente.” (Cadernos)

 
HISTÓRIA/ POLÍTICA: “É por demais evidente que o pensamento político se encontra cada vez mais ultrapassado pelos acontecimentos. […] Bem entendido, o espírito segue arrastado pelo mundo. A História corre, enquanto o espírito medita. Mas esse atraso inevitável aumenta hoje na proporção da aceleração histórica. O mundo mudou mais nos últimos cinquenta anos do que tinha mudado nos duzentos anteriores. E vemos hoje o mundo empenhado em regulamentar problemas de fronteiras, quando todos sabemos que as fronteiras são hoje abstratas.” (Atuais)

 
HONRA: “De resto, como fazer compreender que uma criança pobre pode por vezes ter vergonha sem nunca invejar coisa alguma?” (O Primeiro Homem)


JORNALISMO: “É importante pensarmos no que é o jornalismo de opinião. A concepção que a impressa francesa tem de informação podia ser melhor, já o dissemos. Queremos informar depressa em vez de querer informar bem. A verdade não fica a ganhar. […] Como vemos, tal equivaleria a perguntar se os artigos de fundo têm algum fundamento, e que se evitasse publicar como verdadeiro o que é falso ou duvidoso. É a esse procedimento que eu chamo ‘jornalismo crítico’. Uma vez mais, nada disto se faz sem inflexão e sem o sacrifício de muitas outras coisas. Mas talvez bastasse começar a pensar nisto.” (Atuais)

 
JUSTIÇA: “ (...) amo os que vivem hoje na mesma terra que eu, e são esses que saúdo. É por eles que luto e é por eles que estou disposto a morrer. E por uma cidade longínqua, de que não tenho sequer a certeza, não irei contra os meus irmãos. Não aumentarei a injustiça viva em nome de uma justiça morta.” (Os Justos)

 
LIBERALISMO/ MARXISMO: “Estas ideologias, nascidas há um século, no tempo da máquina a vapor e do ingénuo otimismo científico, são hoje caducas, e incapazes, nas suas formas atuais, de resolver os problemas que se põem ao século do átomo e da relatividade.” (Atuais)

 
LIBERDADE E JUSTIÇA: “Não o devemos ignorar: é difícil conciliá-las. A crer na História, pelo menos, nunca foi possível. Como se houvesse nestes dois princípios uma intrínseca incompatibilidade. Como poderiam não a ter? A liberdade para cada um é também a liberdade do banqueiro, ou do ambicioso: depressa a injustiça se instala. A justiça para todos é a submissão da personalidade ao bem coletivo: como falar então de liberdade absoluta? […] Devemos pois renunciar a esse esforço inútil? Não, não devemos renunciar. É preciso simplesmente tomarmos consciência dessa imensa dificuldade em as conciliar e tornar essa dificuldade evidente para aqueles que, ainda que animados de boa-fé, tudo querem simplificar. Para o demais, saibamos somente que é esse o único esforço pelo qual, nos dias de hoje, vale a pena viver e lutar.” (Atuais)
 
 
LIBERDADE: “Esquecei os vossos mestres, aqueles que tanto vos mentiram, disso tendes vós a certeza agora, e também os outros, pois não souberam persuadir-vos. Esquecei todos os mestres, esquecei todas as ideologias moribundas, os conceitos gastos, os slogans vetustos de que vos querem ainda alimentar. Não vos deixeis intimidar por nenhuma chantagem, de direita ou de esquerda. E finalmente não aceitai lições senão daqueles jovens combatentes de Budapeste dispostos a morrer pela liberdade. Esses de certeza vos não mentiram ao gritar que o espírito livre e o trabalho livre, numa nação livre, no seio de uma Europa livre, são os únicos bens deste mundo por que vale a pena lutar e morrer.” (Atuais)

 
LITERATURA/ FILOSOFIA: “Não sou um romancista no sentido em que normalmente se entende. Mas antes um artista que cria mitos à medida da sua paixão e da sua angústia.” (Cadernos)

 
LITERATURA/ FILOSOFIA: “Os grandes romancistas são romancistas filósofos.” (O Mito de Sísifo)
 
 
LITERATURA/ FILOSOFIA: “Um romance não é senão uma filosofia em imagens.” (Recensão ao livro de Sartre, A Náusea, 10/ 1938)

 
LITERATURA/ VIDA: “[…] o erro de uma certa literatura é acreditar que a vida é trágica porque é miserável. Ela pode ser surpreendente e magnífica, eis toda a sua tragédia.” (Recensão ao livro de Sartre, A Náusea, 10/ 1938)


MAL: “Estancamos diante do mal. E para mim é bem verdade que me sinto um pouco como esse Santo Agostinho que, antes da sua conversão ao Cristianismo, dizia: ‘Procurava donde vinha o mal e não saía nunca dele’. Mas é também verdade que eu sei, como outros, o que é preciso fazer, se não para diminuir o mal, pelo menos a forma de o não aumentar.” (Atuais)

 
MARXISMO: “Contar-se-iam pelos dedos das mãos os comunistas que chegaram à revolução pelo estudo do marxismo. Convertem-se primeiro e só depois leem as Escrituras.” (O Homem Revoltado)

 
MEDO E POLÍTICA: “O século XVII foi o século das Matemáticas, o XVIII das Ciências Físicas, o XIX da Biologia. O nosso século XX é o século do Medo. Dir-me-ão que o medo não é uma ciência. Mas também a Ciência aqui se encontra implicada, já que os últimos progressos teóricos a levaram a negar-se a si própria, e os avanços práticos hoje ameaçam destruir toda a terra. Além do mais, se o medo não pode considerar-se em si uma ciência, não há dúvida que ele é, apesar de tudo, uma técnica. O que mais nos impressiona hoje, com efeito, é que no mundo atual, em geral (e à exceção dos crentes de todas as espécies), a maior parte dos homens se encontra privada da noção de futuro. Ora não há vida vivida sem projeção no tempo, sem esperança de amadurecimento e progresso.” (Atuais)
 
 
MEIOS/ FINS: “Quando um trabalhador, em qualquer ponto do mundo, ergue os seus punhos nus diante de um tanque e grita que não é um escravo, que somos nós se a isso ficarmos indiferentes?” (Atuais)

 
MITO/ ESTILO: A obra de um homem não é senão esse longo caminho para encontrar, pelos desvios da arte, as duas ou três imagens simples e grandes sobre as quais o coração pela primeira vez se abriu.” (Prefácio a O Avesso e o Direito)

 
MULHERES: “As rosas retardatárias de Santa Maria Novella e as mulheres, neste domingo de manhã em Florença. Os seios libertos, os olhos e os lábios que vos fazem bater o coração, a boca seca e um calor nos rins.” (Núpcias)

 
MUNDO: “Todas as gerações, sem dúvida, se julgam fadadas para refazer o mundo. A minha sabe, no entanto, que não poderá refazê-lo. A sua tarefa é talvez maior. Consiste em impedir que se desfaça, partindo unicamente das suas negações.” (Discursos da Suécia)

 
MÚSICA: “A música é a expressão perfeita de um mundo ideal que nos é comunicado através da harmonia. Esse mundo existe. Não a um nível superior ou inferior a ujm mundo real, mas paralelamente a ele. Mundo das ideias? Talvez. Ou então mundo dos números, pois nos é comunicado pela harmonia.” (Ensaio sobre a Música)

 
NIILISMO: “Perante o mais cerrado niilismo, não procurei senão as razões para ultrapassar esse niilismo. E isto não por virtude ou por uma rara elevação de alma, mas por uma fidelidade instintiva à luz em que nasci, e onde, desde há milhares de anos, os homens aprendem a saudar a vida, mesmo na dor.” (Discursos da Suécia)

 
NUANCES: “Lutamos por essa indelével nuance que distingue o sacrifício do misticismo, a energia da violência, a força da crueldade, por essa nuance ainda mais subtil que separa o falso do verdadeiro, e o homem em que nos esperamos tornar dos deuses cobardes com que vós sonhareis.” (Carta a um Amigo Alemão, I)

 
ORDEM SOCIAL: “Fala-se agora muito de ordem. Porque a ordem é uma coisa boa que bem falta nos fez. […] Evidentemente, a ordem de que se fala muito hoje é a ordem social. Mas a ordem social é somente a da tranquilidade nas ruas? Não é certo. […] Talvez ajude para saber o que é a ordem social a comparação com a conduta individual. Quando dizemos nós que um indivíduo pôs a sua vida em ordem? Quando ele vive de acordo com ela e conformou a sua conduta ao que julga verdadeiro. Um insurreto que, sob a desordem das paixões, morre por uma ideia que fez sua, é na verdade um homem de ordem, porque ordenou toda a sua conduta segundo um princípio que lhe parece evidente. Mas não podemos nunca dizer que tem a vida em ordem um privilegiado que faz regularmente, durante toda a sua vida, três refeições por dia, e baseia a sua fortuna em valores seguros, mas que se fecha em casa quando ouve barulho na rua. Trata-se somente de um homem com medo e poupado. E se a ordem francesa fosse a da prudência e a da secura do coração, estaríamos tentados a ver nela a pior das desordens, já que, por indiferença, se passariam a permitir todas as injustiças. De tudo isto se concluiria que não há ordem sem equilíbrio e sem acordo. Não basta exigir ordem para bem governar, porque bem governar é a única forma de atingir uma ordem que faça sentido. Não é a ordem que dá força à justiça, mas a justiça que dá a certeza da ordem.“ (Atuais)

 
POBREZA: “A miséria impediu-me de acreditar que tudo está bem sob a luz do sol da História; o sol ensinou-me que a História não é tudo.” (O Avesso e o Direito)

 
POLITICA: “Não sou feito para a política pois sou incapaz de querer ou de aceitar a morte do adversário.” (Cadernos)

 
REALISMO: “Todos somos realistas e ninguém o é. A arte não significa nem a recusa total nem o total assentimento daquilo que é. […] Sendo simultaneamente recusa e assentimento, […] o artista encontra-se sempre nesta ambiguidade, incapaz de negar o real e, no entanto, eternamente votado a contestá-lo no que ele tem de eternamente inacabado.” (O Homem Revoltado)


RESPONSABILIDADE: “Não podemos impedir que esta criação seja aquela em que são torturadas crianças. Mas podemos diminuir o número de crianças torturadas.” (Atuais)

 
RETRATO DO ESCRITOR: “[…] não possuindo títulos que não partilhe com os seus companheiros de luta, vulnerável mas persistente, injusto mas apaixonado pela justiça, construindo a sua obra, sem vergonha mas sem orgulho perante todos, sempre dividido entre a beleza e a dor, e votando por fim todo o seu esforço a gerar do seu ser duplo as criações que obstinadamente edifica no movimento destruidor da História.” (Discursos da Suécia)

 
ROMANCE DE TESE: “O romance de tese, a obra que pretende provar, a mais detestável de todas, é aquela que mais frequentemente é inspirada num espírito satisfeito.” (O Mito de Sísifo)

 
SANTA BÁRBARA DE ORÃO: “Sabeis que eu não sou muitas vezes religioso. Mas se acontecer eu sê-lo, sabei que não necessito de Deus e que não o posso ser senão quando quiser fingir que o sou, porque um comboio vai partir e a minha oração não tem amanhã.” (Cadernos)

 
SARTRE: “Não é por acaso que o filósofo que inspira hoje o pensamento europeu é aquele que escreveu que só a vida moderna permite que o espírito tome consciência de si mesmo, e que foi até ao ponto de afirmar que a natureza é abstrata, e que só a razão é concreta.” (Atuais)

 
SOFRIMENTO: “Sim, são as faltas que originam os nossos piores sofrimentos. Mas que importa, na verdade, o que nos falta, quando o que possuímos se não esgotou ainda? Tantas coisas são suscetíveis de ser amadas que nenhum desfalecimento pode ser definitivo. Saber sofrer é saber amar. E quando tudo rui tudo recomeçar, com simplicidade, enriquecidos pela dor, quase felizes com a sensação da nossa infelicidade.” (Escritos de Juventude)

 
SURREALISMO: “A verdadeira destruição da linguagem, que o surrealismo procurou com tanta obstinação, não se encontra na incoerência ou no automatismo. Antes se encontra na palavra de ordem.” (O Homem Revoltado)

 
TERRORISMO: “Se um terrorista lança uma granada no mercado de Belcourt frequentado pela minha mãe e ele a mata, serei responsável se, para defender a justiça, eu tiver igualmente de defender o terrorismo. Amo a justiça, mas amo também a minha mãe.” (Camus a Roblés, testemunho)

 
TRAGÉDIA/ MELODRAMA: “O que é afinal uma tragédia? […] Eis o que me parece distingui-la: as forças que se confrontam na tragédia são igualmente legítimas. No melodrama, ou no drama, pelo contrário, somente uma é legítima. […] Na primeira, cada força é, ao mesmo tempo, boa e má. Nos segundos, uma força representa o bem e outra o mal (por isso, na nossa época, o teatro de propaganda não é senão uma ressurreição do melodrama). Antígona tem razão, mas Creonte não tem menos. Também Prometeu é ao mesmo tempo justo e injusto. E Zeus, que o castiga sem piedade, está no seu direito.” (Sobre o Futuro da Tragédia)
 

 
UTOPIA: “O mundo deve hoje escolher entre o pensamento político anacrónico e o pensamento utópico. O pensamento anacrónico está em vias de nos matar. Por mais desconfiados que sejamos (e que eu seja), o espírito da realidade logo nos reconduz a esta utopia relativa. Quando essa utopia entrar na História, como sucedeu com muitas outras utopias do mesmo género, os homens lhe chamarão realidade. É assim que a História não é senão o esforço desesperado dos homens para dar forma aos seus sonhos mais clarividentes.” (Atuais)

Seleção de Maria Luísa Malato e Eduardo Graça

domingo, novembro 2

JORGE DE SENA - (Lisboa, 2 de Novembro de 1919 — Santa Barbara, Califórnia, 4 de Junho de 1978)


(...)

“Um dia, quando, arquejante da rua e das escadas, cheguei à varanda, o Papagaio Verde estava inerte no canto da gaiola, com o bico pousado no chão. Peguei-lhe, aspergi-o com água, sacudi-o, com a mão auscultei-o longamente. Não morrera ainda. Levei-o para a sala, deitei-o nas almofadas, puxei a cadeira para junto do piano, e, enquanto com os dedos da mão esquerda lhe apertava a pata, toquei só com a direita a música de que ele gostava mais. As lágrimas embaciavam-me as teclas, não me deixavam ver distintamente. Senti que os dedos dele apertavam os meus. Ajoelhei-me junto da cadeira, debruçado sobre ele, e as unhas dele cravaram-se-me no dedo. Mexeu a cabeça, abriu para mim um olho espantado, resmoneou ciciadas algumas sílabas soltas. Depois, ficou imóvel, só com o peito alteando-se numa respiração irregular e funda. Então abriu descaidamente as asas e tentou voltar-se. Ajudei-o, e estendeu o bico para mim. Amparei-o pousado no braço da cadeira, onde as patas não tinham força de agarrar-se. Quis endireitar-se, não pôde, nem mesmo apoiado nas minhas mãos. Voltei a deitá-lo nas almofadas, apertou-me com força o dedo na sua pata, e disse numa voz clara e nítida, dos seus bons tempos de chamar os vendedores que passavam na rua: - Filhos da puta! – Eu afaguei-o suavemente, chorando, e senti que a pata esmorecia no meu dedo. Foi a primeira pessoa que eu vi morrer.”

Jorge de Sena

In Homenagem ao Papagaio Verde

quinta-feira, outubro 30

outubro - dia 30


Não vale a pena dizer que vivemos numa época complexa, plena de perigos e de oportunidades. De todas as épocas se pode dizer o mesmo. E sempre se disse. O que tem a nossa de novo? O que nos faz temer pelo futuro? O que nos destinge da geração que conheceu os antecedentes das últimas grandes guerras? Para não ir mais longe no vasculhar na história. Talvez como sempre em cada época a memória! Certamente as tecnologias resultantes dos avanços da ciência! A comunicação instantânea que torna a inteligência mais presente e a ignorância mais exposta. As avenidas, ruas e ruelas virtuais, no negócio, na arte, no amor, na virtude e no crime, na exposição aos outros que tantos hoje ousam ao contrário, ou de outro modo, que ontem. Um mundo com mais janelas abertas sobre a vida e mais cuidados em defendê-la contra os predadores de todas as espécies. Sempre todas as aquisições do conhecimento se podem usar contra a felicidade do homem. Mas o que seria do homem se não ousasse lançar-se na conquista de novos conhecimentos.    

segunda-feira, outubro 27

DILMA


Coisas evidentes: Dilma ganhou as eleições porque obteve mais votos. Nas últimas horas a campanha de Aécio despejou toneladas de notícias para desacreditar Dilma. Esta, apesar do fogo pesado, aguentou. Seja pobre, remediado ou rico, em democracia, frente à urna, cada cidadão vale um voto. Por isso, se bem me lembro, no 25 de abril, alguém escreveu algures numa parede: o voto é a arma do povo. Porquê Dilma teve mais votos? Porque a maioria votou nela. Evidente! 

ANIVERSÁRIO


Hoje, 27 de outubro de 2014, é dia de aniversário do meu filho Manuel. Não fui verificar se alguma vez neste antigo blogue, criado quando ele tinha 13 anos, lhe fiz referência. Não interessa, nem vem ao caso, mas gosto de ter a noção da passagem imperceptível do tempo. Quando eu tinha a idade de meu filho, neste mesmo mês de outubro, quase pela mesma hora do seu nascimento, entrei em Mafra para cumprir o serviço militar obrigatório. Não sabia ao certo se sairia do dito serviço militar vivo. Saí. Hoje a maioria dos jovens já não ingressam no serviço militar obrigatório. As guerras conhecem-nas pelas notícias. Mas sofrem as penas de outras incertezas a mais grave das quais é a do desemprego. Não sei medir a dimensão, nem a densidade do problema. Muito menos comparar o pesadelo da guerra como o do desemprego. O meu filho felizmente sem encómios nem “pedidos” está fazendo o seu caminho. Sempre lhe escrevo em privado por esta data. A palavra que mais repito, e sublinho, nas mensagens que lhe envio é Liberdade. Tudo se pode negociar menos a Liberdade. 

sábado, outubro 25

BRASIL


Amanhã o povo brasileiro vota para eleger presidente. Vejo de longe a disputa eleitoral em tons de uma dureza desconhecida entre nós. O Brasil exerce um fascínio indescritível na maioria dos portugueses. Sem retribuição, salvo honrosas excepções. Costumo dizer por piada aos amigos brasileiros que o Brasil "não existe". Existem diversos Brasis e a sua unidade politica, a nacionalidade brasileira, deve-se ao génio dos portugueses. Bazófia, dirão! Resquícios longínquos do espírito do colonizador. Mas o grande Brasil, em espaço físico, demográfico, riqueza material, diversidade cultural, e tudo o mais, para não referir a língua, ao contrário da herança da colonização espanhola, deve-se aos portugueses e, em particular, à sua diplomacia. Não sei quem vai ganhar as eleições de tão renhidas elas são face à situação sócio-económica e política do Brasil  contemporâneo. Seja qual for o vencedor as relações com Portugal, e os portugueses, pouco mudarão. Sempre aplaudi, primeiro as vitórias de Lula (após tantas tentativas frustradas), depois as de Dilma. Não creio na bondade absoluta de qualquer politico seja qual for a sua ideologia. Os políticos medem-se pelas obras que realizam em benefício do desenvolvimento dos seus países e dos respectivos povos. A democracia permite que, em paz, os cidadãos façam a livre escolha do governo. Assim será amanhã nesse país admirável que é, e sempre será, para mim, o Brasil.  Que viva a democracia!  

segunda-feira, outubro 20

EUROPA


«[…] Acontece-me, por vezes, ao voltar de uma dessas curtas tréguas que nos deixa a luta comum, pensar em todos os recantos da Europa que conheço bem. É uma terra magnífica, feita de sacrifícios e de história. Revejo as peregrinações que fiz com todos os homens do Ocidente. As rosas nos claustros de Florença, as tulipas douradas de Cracóvia, o Hradschin com os seus paços mortos, as estátuas contorcidas da ponte Karl sobre Ultava, os delicados jardins de Salzburgo. Todas essas flores, essas pedras, essas colinas e essas paisagens onde o tempo dos homens e o tempo da natureza confundiram velhas árvores e monumentos! A minha memória fundiu essas imagens sobrepostas para delas formar um rosto único: o da minha pátria maior. Algo me oprime quando penso, então, que sobre esse rosto enérgico e atormentado paira, desde alguns anos, a vossa sombra. E no entanto, há alguns desses lugares que você visitou comigo. Eu não imaginava, nessa altura, que fosse um dia necessário defendê-los contra os vossos. E agora ainda, em certos momentos de raiva e desespero, lamento que as rosas possam ainda crescer no claustro de São Marcos, os pombos lançar-se em bandos da catedral de Salzburgo e os gerânios vermelhos germinarem incessantemente nos pequenos cemitérios da Silésia.

Mas, noutros momentos, e são esses os verdadeiros, sinto-me feliz que assim seja. Porque todas as paisagens, todas as flores e todos os trabalhos, a mais antiga das terras, vos demonstram, em cada Primavera, que há coisas que não podereis abafar no sangue. […] Sei assim que tudo na Europa, a paisagem e a alma, vos rejeitam serenamente, sem ódios desordenados, mas com a força calma das vitórias. As armas de que dispõe o espírito europeu contra as vossas são as mesmas que nesta terra sempre renascente fazem crescer as searas e as corolas. O combate em que nos empenhamos possui a certeza da vitória, porque é teimoso como a Primavera. […] » - pp. 68-71

sábado, outubro 18

Valentina Lisitsa spielt Chopin (Live at joiz)


ANTÓNIO RAMOS ROSA


Esta é a hora. Mas nunca é a hora.
Só quando os braços se entrelaçam e o vermelho ascende
entre a folhagem. Há uma clareira
metade verde metade branca. E os nomes que se dizem
são felizes em consonância com as folhas.

Não é a hora mas é a hora, mas a hora é esta.
Que poderemos fazer? Um sopro de sílabas
de água ou de um fogo azul pode acender a página
e iluminar o espaço da morada.

A palavra aleatória virá ou não da nascente
mas será sóbria e atenta à nudez da existência
para além da sua opacidade. E será tão frágil
como a teia de espuma sobre um rosto de areia.

domingo, outubro 12

outubro - dia 12


Toda a gente sabe que o tempo na política é um elemento decisivo. Certamente na democracia com a sua extrema exigência - por vezes desvalorizada - de mudança de protagonistas na chefia dos órgãos do Estado. O regime de partidos cuja representatividade não advém nem do direito divino, ou de dinastia familiar mas do voto livre dos cidadãos sem distinções de credo, raça, sexo ou condição económica  e social, permite, e exige, mudanças sucessivas e regulares de governo. É uma fórmula que os povos que vivem em democracia há muitos anos, o que não quer dizer que vivam em sociedades justas, podem ter tendência de desvalorizar. Por isso existe um pensamento estruturado e consolidado acerca da questão da democracia politica, escolas e cursos que se dedicam ao estudo e ensino da ciência politica, redes organizadas de cidadãos em modelos associativos de diversas naturezas que cuidam de manter a vitalidade da defesa em todas as circunstâncias e instâncias da democracia política. Quero dizer que o assunto da mudança e do tempo da mudança em politica é um assunto sério e que, na história, a hesitação na tomada de decisões, ou a escolha de caminhos errados, tem causado danos irreparáveis na vida das sociedades, atrasando o seu progresso, questionando ou pondo em perigo a sua independência, malbaratando suas riquezas e vantagens relativas no cotejo internacional. Lembro-me, a título de exemplo, do consulado de Marcelo Caetano, após a morte política de Salazar, que não cuidou, como deveria de cuidar, por razões que os historiadores já dissecaram, de uma transição para a democracia politica que teria conduzido a soluções diferentes. Estamos, no presente, a atravessar uma situação a qual, face ao tempo, a tomada de decisões políticas é muito importante para o futuro do país. E tenho fundados receios que aqueles a quem compete, e se exige, essa tomada de decisão se inibam, por boas ou más razões, perdendo-se uma oportunidade de forjar os consensos políticos necessários a uma aceleração da conjuração da crise em que o país está mergulhado.    

terça-feira, outubro 7

A REPÚBLICA


Por acaso, este ano, ouvi os discursos da cerimónia do 5 de outubro na íntegra. De viagem, em trabalho, a caminho do Algarve beneficiei dessa oportunidade. Este 5 de outubro, um domingo, foi muito curioso no plano da cenografia politica. A cerimónia oficial realizou-se, como sempre, na Câmara Municipal de Lisboa (Paços do Concelho) por ter sido à varanda do dito que foi proclamada a República nesse dia. O actual presidente da CML, António Costa, anfitrião habitual, havia sido escolhido no domingo anterior para liderar o PS, sob a capa de uma escolha para candidato a primeiro ministro. O outro protagonista da cerimónia foi, como sempre, o PR. Tudo decorreu conforme o protocolo e pelo menos através do som não deu para entender qualquer falha. Costa havia agendado para a tarde desse dia uma intervenção original no congresso do novo partido Livre. Dessa forma "tapou", no plano mediático, a apresentação agendada do novo partido de Marinho e Pinto. Marcação cerrada!  Dos discursos nada a assinalar de relevante a não ser o tom - como assinalou Marcelo na sua prédica dominical - pouco esperançoso do discurso do PR e o pré anúncio por Costa da reposição dos feriados de 5 de outubro e 1 de dezembro (subentende-se o resto!). Pela minha parte assinalo no discurso do PR as referências à República, cuja implantação se comemorava, exclusivamente assentes na sua faceta politica de instabilidade, sem uma referência à sua obra, em tantas áreas da maior relevância e que perdura até aos nossos dias. A combate ao analfabetismo brutal que herdou da Monarquia, a criação do registo civil, o impulso e generalização do ensino público, o apoio à criação de um forte movimento associativo (proliferaram a criação de associações, mutualidades, cooperativas de crédito, como o crédito agrícola, e tantas outras...), assinaláveis conquistas de direitos cívicos e políticos como, por exemplo, os direitos das mulheres ... Nem uma palavra para as conquistas esperançosas da 1ª República. Não é de admirar que a denúncia das fraquezas do nosso sistema democrático republicano, em risco de implosão,como disse o PR, (mais radical não poderia ser!) mais o desacredite quando se omitem, em absoluto, as suas virtudes no passado, relativizando-as no presente.

TO HELENA



Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais coerente
A via enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente

Ruy Belo

Transporte no Tempo
Editorial Presença (1997 - 4 ª edição)

sábado, outubro 4

O "REGRESSO DA POLITICA"


A politica está de regresso. Não só por efeito da aproximação de eleições legislativas ... e presidenciais. Iniciou-se uma nova fase da evolução da Europa na sua fórmula de União de que existem múltiplos sinais. O BCE toma posições e enceta medidas novas - comprar carteiras de crédito dos bancos? - face a uma situação em que a ameaça de deflação deixou de ser uma percepção de especialistas  para se tornar num perigo efectivo de um longo período de estagnação e consequente apagamento da projecção da Europa no mundo. Quando saudei o regresso de Ferro à "grande política" queria com esta metáfora assinalar um sinal do regresso da politica, ou seja, de uma disputa do poder a todos os níveis das instituições do Estado democrático com mais e mais aprofundado debate, melhor informado e realista, em suma, um regresso da vibração à disputa democrática que tem andado ausente em parte incerta. Nada ficará como dantes a partir do inicio do próximo ano no xadrez politico partidário em Portugal. Não só no espaço do que se convenciona chamar de esquerda. Mas também no seu avesso. Vai assistir-se a uma recomposição politico- partidária cuja amplitude é difícil de prever mas que terá efeitos significativos imediatos nas alianças e na composição, e programa, do governo pós eleições legislativas. E logo a seguir, na cronologia do tempo, mas em simultaneidade politica, nas eleições presidenciais. O "regresso da politica" em democracia, é uma coisa boa por combater a apatia, e o desinteresse, de cada vez mais cidadãos na partilha da responsabilidade pela definição do destino da vida de todos e de cada um.  

terça-feira, setembro 30

O REGRESSO DO FERRO


Uma escolha é uma escolha. No caso de Ferro Rodrigues é o regresso à "grande política" de quem nunca, na verdade, se afastou. Apenas se ausentou para recobrar forças. Sinto este ressurgimento como um ato de justiça. Vai ser duro para ele conjugar sentimento e razão. O seu regresso à ribalta não anuncia somente o regresso da política, que a vitória de Costa pronuncia, mas um sinal de abertura ao diálogo em todas as direcções. As soluções politicas de governo de futuro não se jogam na tradicional alternativa, pura e dura, esquerda/direita. Nem sequer num jogo de palavras em torno de alternativa versus alternância. É preciso ir mais longe. Fundar um novo modelo de alianças políticas em cuja matriz nem hajam excluídos à partida, nem escolhidos eternos. Um novo pacto social que viabilize uma verdadeira reforma do estado social. É difícil fazer POLITICA que nunca dispense a aceitação da diversidade, a superação das contradições e a busca dos consensos em torno de soluções que satisfaçam o maior número. A sociedade organizada - os cidadãos de todas as condições - espera por propostas nas quais acredite e lhes dêem alento para lutar por um futuro melhor para si e para a comunidade. Políticos são precisos. Por isso o regresso do Ferro Rodrigues é uma boa notícia para além da nossa velha e profunda amizade.  

segunda-feira, setembro 29

UMAS ELEIÇÕES DIFERENTES


Hoje é o dia seguinte ao das eleições primárias do PS. Nada de mais. Como aqui escrevi, apoiei António Costa. Nada de mais. Sou socialista, desde sempre, e militante do PS desde 1986. Desta vez fui votar. A última em que havia votado em eleições internas do PS foi quando Ferro Rodrigues ascendeu a líder do PS. Rememoro, e reparo como o meu voto em eleições internas do PS é raro e tão especial. Nada de mais. Ninguém leva a mal. Fui como sempre, nos últimos anos, votar em família. Anoto que o ambiente na assembleia de voto era próprio de uma multidão apaixonadamente contida. Acontece sentir este sentimento em momentos especiais. Esta eleição interna no PS como escrevi algures, faz algum tempo, tem muito mais significado do que muitos querem fazer crer. É um momento em que o partido cidadão toma o lugar do partido burocrático. Um momento em que se funde a vontade da participação cidadã com a vontade da representação política autêntica. O partido emerge como representação colectiva da vontade comum de uma comunidade que deseja, de forma autêntica, ver-se representada. Alguma coisa, de forma subtil, mudou. O tempo próximo nos dará testemunho dessa mudança.  

sábado, setembro 27

Noces à Tipasa



María Casares

“Je comprends ici ce qu´on appelle gloire: le droit d´aimer sans mesure. Il n´y a qu´un seul amour dans ce monde. Étreindre un corps de femme, c´est aussi retenir contre soi cette joie étrange qui descend du ciel vers la mer.»

Albert Camus, in “Noces à Tipasa”

sexta-feira, setembro 26

APOIO ANTÓNIO COSTA


A minha inscrição no PS (Partido Socialista Português) ocorreu em 1986, após a extinção festiva do MES, em 1981, seguida de um conjunto de iniciativas fracassadas para tentar manter viva a chama de uma participação politica activa independente dos partidos. A certa altura foi necessário fazer opções. Pela parte que me toca, decidi, em conjunto com um grupo que sempre se havia mantido unido, aderir ao PS. A minha militância nos anos mais recentes tem sido escassa mais por razões das funções públicas que tenho exercido do que pela falta de interesse pela politica que nunca me abandonou nem, certamente, abandonará. Não me sinto confortável misturando funções institucionais em organizações públicas, ou para públicas, e actividade política partidária. Mas sempre, nos momentos que considero relevantes, e decisivos, não me dispenso de tomar posição no terreno da disputa partidária. Sinto essa obrigação e não cedo a qualquer tipo de calculismo. Nas vésperas de uma eleição original no nosso regime democrático parlamentar - que defendo - as chamadas primárias, venho declarar o meu apoio a António Costa. Razões? Algumas que a razão desconhece! Outras que se fundamentam, no essencial, na percepção que Costa é o político profissional da área do centro esquerda mais capaz de buscar consensos em todas as direcções e, mais importante, de os concretizar. Na nossa sociedade contemporânea esta é para mim a faceta mais importante de um líder de um partido de poder, pois é disso que se trata quando se fala, no nosso país, do PS ou do PSD. Nada sei, nem me dou ao trabalho de adivinhar, acerca do futuro da governação pós eleitoral. Mas sei que convém a toda a gente, seja qual for o seu posicionamento politico/ideológico, que o PS seja capaz de dialogar, de forma séria e realista, à sua esquerda e direita. Parece uma banalidade mas é da essência da politica a capacidade de, aceitando as diferenças e refregas próprias da luta democrática, buscar o maior consenso possível sem abdicar nunca da defesa dos princípios da liberdade e da democracia. Penso que, no campo socialista, Costa é quem reúne as melhores condições para pacificar o seu próprio partido e lançar as sementes de uma reforma profunda do regime que o salvaguarde da voracidade  dos populismos que o ameaçam.    

quarta-feira, setembro 24

setembro - dia 24


Alguns avanços, mas sinto a passagem do tempo. Escrevo acerca de banalidades, sei disso. Mas a vida no seu curso normal o que é mais do que uma banalidade? Tenho muitas leituras em atraso. Compromissos adiados. A dificuldade da vida é mesmo passar ao lado da banalidade. Mas só em alguns momentos excepcionais isso é possível.

segunda-feira, setembro 22

setembro - dia 22


O que sabemos da vida é quase nada. O que sabemos da vida dos outros é um pedaço ridiculamente pequeno da verdadeira vida dos outros. O mar em que esbracejamos é povoado de um multidão de seres que desconhecemos em absoluto. Resta a nossa vida, a vidinha, e o que fazemos com ela. A nossa vidinha assume a máxima importância. As nossas opiniões, família, amigos, paixões, crenças, … Tudo o que está ao alcance da nossa mão e que nos permite coçar o corpo. Mas tudo isso não é nada. Uma mão vazia num corpo solitário.

sábado, setembro 20

PARTIDOS FUTUROS

                                                           Fotografia de Hélder Gonçalves

O partido anunciado por Marinho e Pinto, que  surgirá em breve sob uma chuva de criticas simples de populismo, não pode ser reduzido a um fenómeno fruto de uma época na qual os populismos florescem em toda a Europa. O novo partido, criado sob a égide de Marinho e Pinto, terá contornos ideológicos e, provavelmente, programáticos que o aproximará mais do ideário da esquerda socialista e social democrática. Um híbrido republicano, democrático e de esquerda que buscará captar a pulsão populista que povoa transversalmente as sociedades contemporâneas. Não se contentem pois as lideranças actuais, e futuras, dos partidos do nosso sistema partidário com uma simples catalogação crítica de partido populista ao que será o partido de Marinho e Pinto. Ele será mais do que isso, em qualidade e quantidade, em programa e promessas de acção reformista, anunciando ser uma peça relevante do xadrez politico no período pós eleições legislativas.      

SOFIA LOREN - 80 ANOS




quinta-feira, setembro 18

O TEXTO POLÍTICO

Faz muito tempo, talvez em 1980, criei um livro artesanal contendo um conjunto de citações de um livro cuja leitura muito me impressionou. Mais tarde, pouco tempo após ter criado este blogue, que tem a vetusta idade de quase 11 anos, publiquei-o aqui. É um dos posts mais procurados desde sempre vá lá saber-se a razão. Continua a ser do meu agrado e aqui vai tal qual consta do tal livrinho artesanal com uma nota de minha autoria que, aparentemente, nada tem a ver a ver com o teor da citação.  


"O texto político

O político é, subjectivamente, uma fonte permanente de aborrecimento e/ou de prazer; é, além disso e de facto (isto é, a despeito das arrogâncias do sujeito político), um espaço obtinadamente polissémico, a sede privilegiada duma interpretação perpétua (uma interpretação, se for suficientemente sistemática nunca será desmentida, até ao infinito). Poderíamos concluir a partir destas duas constatações que o Político é textual puro: uma forma exorbitante, exasperada, do Texto, uma forma inaudita que, pelos seus extravasamentos e pelas suas máscaras, talvez ultrapasse a nossa compreensão actual do Texto. E, tendo Sade produzido o mais puro dos textos, julgo compreender que o Político me agrada como texto sadiano e me desagrada como texto sádico."

Escrevi nesta pagina: "visitam-se lugares e acontecimentos mas, de facto, visitamo-nos a nós próprios apertando os contactos entre os "viajantes". Quando assim não sucede a viagem reduz-se à excursão."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 33
(pag. 13, 4 de 4)

Edição portuguesa - Edições 70

sábado, setembro 13

setembro - dia 13

A crise do capitalismo financeiro agudiza-se, a chamada economia de casino parece nas últimas, tudo isto nas vésperas das eleições presidenciais americanas. Qual a solução? Uma guerra? Uma entrada do Estado na economia? Um reforço drástico do seu papel regulador? Mas como alimentar de recursos financeiros uma economia que deixou de se alimentar, na sua maior fatia, dos chamados bens transaccionáveis?   

16/9/2008  

quinta-feira, setembro 11

Anna Netrebko - Verdi: Il Trovatore – Miserere... (Salzburg 2014)


SALVADOR ALLENDE - último discurso antes de ser assassinado

                                                            
                                               Fotografia de Hélder Gonçalves

Seguramente ésta será la última oportunidad en que pueda dirigirme a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de Radio Postales y Radio Corporación. Mis palabras no tienen amargura sino decepción Que sean ellas el castigo moral para los que han traicionado el juramento que hicieron: soldados de Chile, comandantes en jefe titulares, el almirante Merino, que se ha autodesignado comandante de la Armada, más el señor Mendoza, general rastrero que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al Gobierno, y que también se ha autodenominado Director General de carabineros. Ante estos hechos sólo me cabe decir a los trabajadores: ¡Yo no voy a renunciar! Colocado en un tránsito histórico, pagaré con mi vida la lealtad del pueblo. Y les digo que tengo la certeza de que la semilla que hemos entregado a la conciencia digna de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente. Tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales ni con el crimen ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.

Trabajadores de mi Patria: quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia, que empeñó su palabra en que respetaría la Constitución y la ley, y así lo hizo. En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, quiero que aprovechen la lección: el capital foráneo, el imperialismo, unidos a la reacción, creó el clima para que las Fuerzas Armadas rompieran su tradición, la que les enseñara el general Schneider y reafirmara el comandante Araya, víctimas del mismo sector social que hoy estará en sus casas esperando con mano ajena reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.

Me dirijo, sobre todo, a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina que creyó en nosotros, a la abuela que trabajó más, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños. Me dirijo a los profesionales de la Patria, a los profesionales patriotas que siguieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios de clases para defender también las ventajas de una sociedad capitalista de unos pocos.
Me dirijo a la juventud, a aquellos que cantaron y entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, a aquellos que serán perseguidos, porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente; en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando las vías férreas, destruyendo lo oleoductos y los gaseoductos, frente al silencio de quienes tenían la obligación de proceder. Estaban comprometidos. La historia los juzgará.

Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz ya no llegará a ustedes. No importa. La seguirán oyendo. Siempre estaré junto a ustedes. Por lo menos mi recuerdo será el de un hombre digno que fue leal con la Patria.

El pueblo debe defenderse, pero no sacrificarse. El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.
Trabajadores de mi Patria, tengo fe en Chile y su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo en el que la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que, mucho más temprano que tarde, de nuevo se abrirán las grandes alamedas por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.

¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!

Estas son mis últimas palabras y tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano, tengo la certeza de que, por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.

terça-feira, setembro 9

setembro - dia 9


Debates há muitos como é próprio em democracia. Já poucos se lembram dos anos sem fim sem sombra de debates. Quanto muito "conversas em família", solilóquios, discursos para multidões arregimentadas. Debates no prime time entre dirigentes do mesmo partido? Raros! Quase uma novidade absoluta. Dirão: perda de tempo. Estão enganados. Aconteça o que acontecer, ganhe quem ganhar, mais ou menos contrariedade, incómodo ou afrontamento, ganha a democracia. Seja qual for o nosso lado, a predilecção, o medo que suscite  e o resultado da eleição, nesta democracia descrente de si própria, é sempre preferível ao silêncio ouvir as vozes construindo uma boa disputa.  

sexta-feira, setembro 5

setembro - dia 5


Em muitos dias, mais noites, quando quero escrever mudo-me para o meu velho computador, uma espécie de Cadillac dos anos 50, daqueles que circulam com abundância em Cuba, porque gosto do seu ronronar e do ruído do bater das teclas mais próximo do compasso do andar quotidiano. É uma deriva através da qual suponho que busco fazer coisa diferente, fazendo o mesmo que faço todo o dia. Escrever para mim próprio, alimentando um diálogo entre o trabalho do dia a dia e o outro lado, o lugar do dia a dia dos outros. Um regresso a uma utópica reconciliação com o lado desconhecido do mundo e o desespero dos homens que o habitam abandonados à sua sorte. Hoje é tanto o afastamento entre as imagens projectadas da realidade e a própria realidade que as pequenas extravagâncias me aquietam  o espírito. O meu velho computador sendo ainda uma máquina humaniza a minha relação com ela. E os ruídos que emite aproximam-me, sem que saiba explicar a razão, do mundo real onde não existem imagens mas a realidade que as imagens em regra distorcem.