quinta-feira, setembro 16

A recessão

Há em tudo isto riscos de recessão: o indivíduo fala de si mesmo (risco de psicologismo; risco de enfatuação), enuncia por fragmentos (risco de aforismo, risco de arrogância).

Este livro é feito como o que eu não conheço: o inconsciente e a ideologia, coisas que só se falam pela voz dos outros. Não posso pôr em cena (em texto), como tais, o simbólio e o ideológico que por mim perpassam, uma vez que sou a sua mancha cega (aquilo que realmente me pertence é o meu imaginário, a minha fantasmática: daí este livro). Não posso por conseguinte usar a psicanálise e a crítica política a não ser à maneira de Orfeu: sem me virar, sem olhar para elas, sem as declarar (ou muito pouco: o bastante para tornar a pôr a minha interpretação, mais uma vez, no trajecto imaginário).

O título desta colecção (X. por si próprio) tem um alcance analítico: eu por mim? Mas isso é precisamente o programa do imaginário! Como é que os raios do aparelho reverberam, ressoam em mim? Para além desta zona de difracção - a única sobre a qual posso lançar um olhar, sem que no entanto possa esquecer aquele que precismente dela vai falar - há a realidade e ainda há o simbólico. Quanto a este, não tenho qualquer responsabilidade (já tenho bastante que fazer com o meu imaginário): para o Outro, para o "transfert", portanto...para o leitor!

E tudo isto se processa, como se torna neste caso perfeitamente evidente, através da Mãe, presente ao lado do Espelho."

Fragmentos de Leitura
"Roland Barthes por Roland Barthes"- 36
(pag. 14, 3 de 3)

Edição portuguesa - Edições 70

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