E, num passo único na literatura universal, descreveu ele [Camões] inegualávelmente, como já o fizera em “Sobolos rios” para os “cantares de amor profano por versos de amor divino”, o drama da hesitação fáustica, peculiar a todos os poetas que foram grandes por uma consciência genial da estruturação dialéctica da representação do universo –
Ah falso pensamento, que me enganas!
Fazes-me por a boca onde não devo,
Com palavras de doudo, e quase insanas!
Como alçar-te tão alto assi me atrevo?
Tais asas dou-tas eu, ou tu mas dás?
Levas-me tu a mim, ou eu te levo?
Não poderei eu ir onde tu vás?
Porém, pois ir não posso onde tu fores,
Quando fores, não tornes onde estás.
Jorge de Sena
Excerto de “A Poesia de Camões” – Ensaio de Revelação da Dialéctica Camoneana (Conferência lida no Clube Fenianos Portuenses, em 12 de Junho de 1948).
In “Cadernos de Poesia” – Fascículo Sete – Segunda SérieLisboa, Junho de 1951
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