segunda-feira, maio 10

JOAQUIM AGOSTINHO

Passam hoje vinte anos desde o dia da morte de Joaquim Agostinho. O Diário de Notícias não esqueceu a data. Ainda bem. Uma lenda do desporto português do século XX. O maior ciclista português de sempre.

A sua morte foi um acontecimento traumático para a sociedade portuguesa. Eu senti a sua morte como uma profunda injustiça. Como a pior traição que uma sociedade egoísta de um país atrasado pode perpetrar contra um dos seus melhores filhos.

Esse país tem o nome de Portugal e não mudou assim tanto ao longo destes 20 anos. Hoje abro uma excepção em memória de Joaquim Agostinho. Publico um texto que escrevi no dia da sua morte e que integra o meu livro de estreia.

Homenagem a Joaquim Agostinho no dia da sua morte

De repente damo-nos conta de que país é este, pequeno pobre e triste país. O sul fica a milhares de kilómetros do centro, o norte toca no pólo, as fronteiras alargam-se de ponta a ponta do universo. Um deserto com gente de sentimentos, esquimós e ursos, um requinte de civilização universal, modelo último que todos procuram seguir. Gente atenta e versátil olhando a comunidade e honrando as responsabilidades e os deveres. Para quê tarefas e lugares definidos? A todos a sua opinião! Para quê iniciativas e esforços abnegados? Todos temos projectos sem fim, grandiosos e bem sucedidos! Tudo marcha à medida da nossa grandeza! Para quê heróis e mitos ou gerações triunfantes? Todos somos candidatos a heróis e todas as gerações tiveram os seus dias de glória! Preservar as riquezas para quê? Só há um tipo de riqueza: a nossa própria. Um só tipo de liberdade: a de lhe fazermos o que nos apetecer de preferência não a gozar nem deixar que o país dela goze. Empresários somos dos nossos próprios detritos. Libertadores somos das nossas responsabilidades. Deixemos morrer os heróis às suas mãos! O país morrerá com eles na incúria dos seus gestos envergonhados que se crispam de espanto a cada nova perda. Um país que morre em paz. Um coma profundo de que poucos se dão conta. Um horizonte de desesperança sem fim. Deixem-no morrer em paz. Ele se fez a si próprio. Atravessou gerações sempre no topo. Conquistou admirações em todo o lugar que regou com o seu suor. Fez-nos sonhar e nada lhe podemos dar agora. Oito horas são muito tempo. De quem é a culpa? De todos e de ninguém!

(In "Ir pela sua mão" - Editora Ausência)