É assim o homem, caro senhor, tem duas faces. Não pode amar sem se amar. Observe os seus vizinhos, se calha de haver um falecimento no prédio. Dormiam na sua vida monótona e eis que, por exemplo, morre o porteiro. Despertam imediatamente, atarefam-se, enchem-se de compaixão. Um morto no prelo, e o espectáculo começa, finalmente.
Têm necessidade de tragédia, que é que o senhor quer?, é a sua pequena transcendência, é o seu aperitivo. É preciso que algo aconteça, eis a explicação da maior parte dos compromissos humanos. É preciso que algo aconteça, mesmo a servidão sem amor, mesmo a guerra ou a morte. Vivam, pois, os enterros!
Albert Camus, in “A Queda”
Sublinhados de Ana Alves – “Cadernos de Camus”
Albert Camus, in “A Queda”
Sublinhados de Ana Alves – “Cadernos de Camus”
1 comentário:
Pasolini disse num dos seus últimos escritos que "a morte não é nunca mais poder comunicar, a morte é nunca mais podermos ser compreendidos".
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