O peregrino do optimismo
A imagem é interessante. Ela surgiu algures a propósito da visita do PR a alguns concelhos do distrito de Aveiro. Li também que o PR tinha "saído animadíssimo de Sever do Vouga" e que estava farto do pessimismo. Ainda bem. Conheço o peregrino, admiro-o, sei que é capaz de enfrentar as dificuldades e de honrar os compromissos. Peregrinar tem o sentido de viajar por terras distantes, "por países longínquos". De facto uma viagem ao Portugal profundo (que pode muito bem ser no litoral) assume, de certo modo, o sentido de peregrinação. Tempos atrás fiz uma viagem em que percorri todos os concelhos raianos de Vila Real de Santo António a Caminha. Foi uma experiência extraordinária pois perante nós se apresenta um país onde se vê a TV espanhola, as rádios idem, as redes de telemóveis, idem, o comércio, idem…o que nos permite, sem contemplações, compreender as razões do nosso relativo atraso. O pequeno Portugal de antanho torna-se imenso, quando as gentes envelhecem, minguam as actividades agrícolas, as escolas ficam vazias, os Correios vão para as Junta, etc., etc.… Por estas e por outras o peregrino do optimismo corre o risco de se transformar no peregrino do pessimismo ao contrário. É que a estratégia do pessimismo não é inocente. Ela, nos nossos dias, como sempre na história, trás no bojo a aspiração ao poder dos salvadores da pátria. Os déspotas. Não lhes ponho sinal ideológico. Os déspotas para atingirem os seus fins costumam inventar uma ideologia. Claro que demora o seu tempo, se lhes derem tempo. Nos nossos regimes de democracia representativa o despotismo apresenta-se em todo o seu esplendor através das denúncias anónimas, das fugas de informação, com origens diversas, da corrupção consentida, da promiscuidade entre o poder político e os media, que desemboca nos julgamentos populares com as televisões no lugar das câmaras de gáz, … Em democracia é preciso saber suportar os incómodos da diferença, prezar a opinião oposta, apreciar a honorabilidade dos cidadãos, as suas ideias e realizações, mesmo discordantes, assim como as opções dos governos que nos antecederam. É penoso construir um caminho virtuoso de progresso, em democracia, por cima da humilhação e do assassinato de carácter, ético ou, no limite, físico dos adversários. Mas é a política tradicional! Não é? O peregrino do optimismo corre, assim, o risco de se transformar, contra os desejos dos seus amigos e da maioria esmagadora do povo português, num figurante desta estranha situação portuguesa: uma espécie de regresso a casa depois do funeral de um familiar de que não se gostava muito mas que, afinal, nos fazia muita falta…
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