Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sexta-feira, junho 10
A POESIA DE CAMÕES
“Foto de António José Alegria, do amistad”
"A Poesia de Camões" por Jorge de Sena (excerto)
(...)
“E de facto, para a popularidade, a narração amplificada e amplificadora das glórias nacionais valeu e vale no poema, [“Os Lusíadas”] por contraste, e porque, a cada passo, surgem aqueles trechos candentes de juízo final, como este:
No mais Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada, e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda, e endurecida:
O favor com que mais se acende o engenho,
Não no dá a pátria, não, que esta metida,
no gosto da cubiça, e na rudeza,
Dhua austera, apagada, e vil tristeza, (*)
Ou este:
E ponde na cobiça hum freio duro,
E na ambiçam também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente:
Porque essas honras vãas, esse ouro puro
Verdadeiro valor não dão à gente,
Melhor é merecê-los, sem os ter
Que possuí-los sem os merecer.
(…)
- trechos bem pouco épicos, bem pouco adequados à cantoria que a retórica balofa se esforça por extrair dos Lusíadas mas, apesar de tudo, épicos por contradição, na medida em que a pessoal revolta se desprende dos seus próprios problemas e se arroga o direito, não de julgar e condenar, o que seria pouco e amarrado ao tempo, mas de desmascarar a situação colectiva.
É neste mesmo sentido que a longa e célebre fala do Velho do Restelo, em que se tem querido ver o Portugal da terra contra o Portugal dos mares, ou ainda, o espírito de prudência contra o espírito de aventura, é, principalmente, a expressão – “com saber só d´experiencias feito” – da “misera sorte, estranha condição”: a originalíssima irrupção, no plano da criação épica, do valor intrínseco e precário da vida humana como tal afirmado por um homem que, numa canção, enlevado na angústia perene da sua meditação afirma –
Não cuide o pensamento
Que pode achar na morte
O que não pode achar tão longa vida
(*) Todas as citações do épico são feitas do fascimile da 1ª edição de "Os Lusíadas” pois que aí se entende tudo o que os gramáticos tem conseguido que não seja entendido.”
Jorge de Sena
Excerto de “A Poesia de Camões” – Ensaio de Revelação da Dialéctica Camoneana (Conferência lida no Clube Fenianos Portuenses, em 12 de Junho de 1948).
In “Cadernos de Poesia” – Fascículo Sete – Segunda Série
Lisboa, Junho de 1951
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3 comentários:
Muito oportuno! Nunca é demais lembrar!
Tinha saudades de vir ler tuas palavras. Que bom que o encontro assim tão bem acompanhado desses poetas. Beijos.
Muitos parabéns pelo excelente blog.
Beijinhos!
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