Jorge de Sena
Ouço os meus filhos falar inglês
entre eles. Não os mais pequenos só
mas os maiores também e conversando
com os mais pequenos. Não nasceram cá,
todos cresceram tendo nos ouvidos
o português. Mas em inglês conversam,
não apenas serão americanos: dissolveram-se,
dissolvem-se num mar que não é deles.
Venham falar-me dos mistérios da poesia,
das tradições de uma linguagem, de uma raça,
daquilo que se não diz com menos que a experiência
de um povo e de uma língua. Bestas.
As línguas, que duram séculos e mesmo sobrevivem
esquecidas noutras, morrem todos os dias
na gaguez daqueles que as herdaram:
e são tão imortais que meia dúzia de anos
as suprime da boca dissolvida
ao peso de outra raça, outra cultura.
Tão metafísicas, tão intraduzíveis,
que se derretem assim, não nos altos céus,
mas na caca quotidiana de outras.
Outubro 70
(Obras de Jorge de Sena – Antologia Poética –
Edição de Jorge Fazenda Lourenço – ASA,
2.ª Edição – Junho 2001)
[Ressonância de 16 de Novembro de 2004.
Podem observar-se duas únicas diferenças
em relação à variante anterior. No último verso
merda foi substituída por caca e há uma divergência
na data. Não sei onde fui buscar a variante que
publiquei há dois anos. Confio mais nesta.]
Ouço os meus filhos falar inglês
entre eles. Não os mais pequenos só
mas os maiores também e conversando
com os mais pequenos. Não nasceram cá,
todos cresceram tendo nos ouvidos
o português. Mas em inglês conversam,
não apenas serão americanos: dissolveram-se,
dissolvem-se num mar que não é deles.
Venham falar-me dos mistérios da poesia,
das tradições de uma linguagem, de uma raça,
daquilo que se não diz com menos que a experiência
de um povo e de uma língua. Bestas.
As línguas, que duram séculos e mesmo sobrevivem
esquecidas noutras, morrem todos os dias
na gaguez daqueles que as herdaram:
e são tão imortais que meia dúzia de anos
as suprime da boca dissolvida
ao peso de outra raça, outra cultura.
Tão metafísicas, tão intraduzíveis,
que se derretem assim, não nos altos céus,
mas na caca quotidiana de outras.
Outubro 70
(Obras de Jorge de Sena – Antologia Poética –
Edição de Jorge Fazenda Lourenço – ASA,
2.ª Edição – Junho 2001)
[Ressonância de 16 de Novembro de 2004.
Podem observar-se duas únicas diferenças
em relação à variante anterior. No último verso
merda foi substituída por caca e há uma divergência
na data. Não sei onde fui buscar a variante que
publiquei há dois anos. Confio mais nesta.]
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