segunda-feira, fevereiro 16

IMIGRAÇÃO-alguns indicadores


A imigração não é uma questão de opção ideológica, de modelo económico ou de estratégia política. É uma realidade objectiva que resulta do envelhecimento demográfico. O que não quer dizer que acerca desta realidade não se perfilem diversas opções ideológicas, económicas ou políticas. Este é um assunto, aliás, onde se exercitam as tendências populistas dos partidos ultraconservadores.

O EUROSTAT aponta para Portugal, em estimativa, uma população, em Janeiro de 2004, de 10.840.000, comparável com 10.408.000, em Janeiro de 2003. Observa-se um saldo demográfico positivo mas que se fica a dever à imigração.

Esse saldo é o resultado da relação entre o crescimento natural em 2003 (diferença entre o n.º de nascimento e o n.º de mortes) que foi de 0,9 p/ mil habitantes e a migração líquida (diferença entre o n.º de imigrantes e o n.º de emigrantes) que foi de 6,1 p/ mil habitantes.

É interessante assinalar que, em 2003, a média do crescimento total da população, na EU, foi de 3,4 p/mil habitantes. A Irlanda é o país que apresenta o crescimento da população mais elevado, com 15,3 p/ mil habitantes, seguido da Espanha (7,2) e de Portugal (6,9).

Os saldos demográficos positivos ficam a dever-se, em todos estes países, à imigração. A posição destacada da Irlanda explica-se pelo facto deste país apresentar um indicador de "crescimento natural" muito elevado (8,3 p/ mil habitantes) ao contrário de Portugal (0,9) e de Espanha (1,7).

A Irlanda é, aliás, o país da EU que apresenta indicadores de crescimento da população mais encorajadores para uma estratégia de desenvolvimento sustentada adoptando, ao mesmo tempo, políticas de imigração menos restritivas.

domingo, fevereiro 15

A notícia mais importante do dia


Operadoras têm de revelar dados


"A ministra da Justiça, Celeste Cardona, anunciou hoje que os operadores de comunicações vão ser obrigados a facultar às autoridades policiais informações transmitidas através da Internet que sejam "úteis para a perseguição de criminosos".

"Com este projecto de diploma, que o Ministério da Justiça já tem pronto, vai ser possível aceder, com todo o respeito pelos direitos, liberdades e garantias, às informações transmitidas através da Internet, através de suporte electrónico, e que sejam úteis para a perseguição de criminosos", disse hoje Celeste Cardona."

Compreendem-se os cuidados postos no anúncio. Mas ainda muito haverá por esclarecer acerca desta medida que surge num contexto em que os governantes estimam como populares as opções securitárias. A Comissão de Base de Dados já se pronunciou, se bem entendi, contra o princípio geral do fornecimento das comunicações transmitidas, via Internet, salvo no caso de tal fornecimento ser determinado por mandato judicial.

Ontem, em entrevista a Teresa de Sousa, publicada no Público Manuel Castells afirma "…os governos odeiam a Internet…Porque a Internet rompe o monopólio da comunicação e da informação sobre o qual esteve assente o poder ao longo da História….A Internet facilita o terrorismo, há que controlar o terrorismo, por conseguinte, há que controlar a Internet. É esta a imagem que querem fazer passar. …o fenómeno do terrorismo é muito importante mas é muito mais séria e mais grave a reacção histérica e interessada do Governo dos EUA e de outros governos, como o espanhol, ao problema. Os conservadores do mundo acreditam que encontraram uma forma de governar para sempre assustando a gente: a política do medo".

Concordo com Castells. O poder dos governos é posto em causa pela Internet. Mas é mais provável que a Internet vença os governos do que o contrário. Quanto aos criminosos é preciso persegui-los cumprindo a lei. Para isso basta que haja vontade política e leis justas que não ponham em causa a liberdade de comunicação e informação, essenciais ao funcionamento dos Estados Democráticos. Parece ser um pouco complicado técnicamente "abrir todas as cartas" que circulam no tempo da sociedade da informação. E haja quem nos assegure que os criminosos não tenham capacidade para manipular as decisões dos governos ou dos parlamentos. Basta ler os clássicos… Maquiavel, entre outros. Mais vale correr os riscos da liberdade do que usufruir dos "benefícios da segurança", sem liberdade. As tiranias não nascem "por obra e graça do espírito santo" mas pela acção de homens determinados e providenciais...


O QUE A MUSA ETERNA CANTA


Cesse de uma vez meu vão desejo
de que o poema sirva a todas as fomes.
Um jogador de futebol chegou mesmo a declarar:
"Tenho birra de que me chamem de intelectual,
sou um homem como todos os outros."
Ah, que sabedoria, como todos os outros,
a quem bastou descobrir:
letras eu quero é pra pedir emprego,
agradecer favores,
escrever meu nome completo.
O mais são as mal-traçadas linhas.

Adélia Prado

sábado, fevereiro 14

Cadernos de Camus - 8



O Caderno n.º 6, integrado, na edição portuguesa, no volume Cadernos III, respeita ao período que decorre entre Abril de 1948 e Março de 1951.
Os sublinhados desde caderno n.º 6 serão divididos em duas partes para efeitos de inserção nos Cadernos de Camus. Eis a primeira parte dos mesmos:

"Arte moderna. Encontram o objecto porque ignoram a natureza. Refazem a natureza e não lhes resta outro recurso porque a esqueceram. Quando esse trabalho estiver concluído, começarão os grandes anos."

""Sem uma liberdade ilimitada de imprensa, sem uma liberdade absoluta de reunião e de associação, o domínio de largas massas populares é inconcebível" (Rosa Luxemburgo - A Revolução Russa).""

""Salvador de Madariaga: "A Europa só recobrará os seus sentidos quando a palavra revolução evocar vergonha e não orgulho. Um país que se ufana da sua gloriosa revolução é tão fátuo e absurdo como um homem que se ufanasse da sua gloriosa apendicite."
Verdade num certo sentido, mas discutível.""

"Segundo Richelieu, os rebeldes, sendo em tudo iguais, são sempre menos fortes do que os defensores do sistema oficial. Por causa da má consciência."

""G. Greene: ...
Id. "Para quem não crê em Deus, se as pessoas não forem tratadas segundo os seus méritos, o mundo é um caos, é-se levado ao desespero""
(Sublinhado parcial de um conjunto de citações de G. Green. No final escrevi: "Atenção")

"Peça. O Orgulho. O orgulho nasce no meio das trevas"

"Os artistas querem ser santos, não artistas. Eu não sou um santo. Queremos o consentimento universal e não o teremos. Então?"
(Escrevi "Poema José Gomes Ferreira" cuja Poesia I, de 1948, deveria andar a ler)

""Título da peça. A inquisição em Cádis. Epígrafe: "A Inquisição e a Sociedade são os dois grandes flagelos da verdade." Pascal""

"Dilaceração por ter aumentado a injustiça julgando-se servir a justiça. Reconhecê-lo pelo menos e descobrir então essa dilaceração maior: reconhecer que a justiça total não existe. Ao cabo da mais terrível revolta, reconhecer que não se é nada, isso é que é trágico."

"Gobineau: Não descendemos do macaco, mas aproximamo-nos dele a toda a velocidade."

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº6 (Abril de 1948/ Março de 1951).










sexta-feira, fevereiro 13

POEMA ERÓTICO


Vai ter início, por estes dias, o festival de poesia erótica de Veneza. Aqui fica um modesto contributo. Uma palavra de saudação ao meu amigo VR, que tão bem as declama e tão vasto reportório apresenta, "em família", deste género de poesia a que se dedicaram grandes poetas universais, também portugueses e brasileiros, como é o caso de Carlos Drummond de Andrade.


NÃO QUERO SER O ÚLTIMO A COMER-TE


Não quero ser o último a comer-te.
Se em tempo não ousei, agora é tarde.
Nem sopra a flama antiga nem beber-te
aplacaria sede que não arde

em minha boca seca de querer-te,
de desejar-te tanto e sem alarde,
fome que não sofria padecer-te
assim pasto de tantos, e eu covarde

a esperar que limpasses toda a gala
que por teu corpo e alma ainda resvala,
e chegasses, intata, renascida,

para travar comigo a luta extrema
que fizesse de toda a nossa vida
um chamejante, universal poema.

Carlos Drummond de Andrade

Em O Amor Natural
Editora Record


A NOTÍCIA MAIS IMPORTANTE DO DIA


"Governo agrava combustíveis


O preço dos combustíveis volta a aumentar a partir de segunda-feira. Esta subida resulta de um novo agravamento do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) estabelecido numa portaria conjunta dos ministérios das Finanças e Economia, ontem publicada Diário da República, apenas dois meses após a última revisão, em 31 de Dezembro.

De acordo com aquela portaria, a carga fiscal sobre o gasóleo será agravada em 0,85 cêntimos, mais IVA, o que significa, na prática, uma subida de um cêntimo por litro. Já nas gasolinas o imposto sobe 0,60 cêntimos, ou sejam 12 tostões por litro.

As três maiores distribuidoras do mercado português - Galp, BP e Shell - já admitiram que estão a ponderar um aumento dos preços para os próximos dias, uma vez que esse é, dizem, o caminho lógico.

Os revendedores é que não conseguem encontrar lógica numa liberalização que resulta num sistemático aumento de preços. Em declarações ao DN, o presidente da Associação Nacional dos Revendedores de Combustíveis (Anarec) lembra que, desde 31 de Dezembro, o preço da gasolina já aumentou três escudos e vinte centavos por litro(...)" Diário de Notícias

O mercado, o sacrosanto mercado, em Portugal, não funciona como vem nos manuais de economia. Pensavam que isto é a América, ou quê? O mercado, por cá, é assim uma espécie de elevador que só tem um sentido - sobe, sobe...e não desce...Estranho é que se não ouça bulir uma voz do lado dos vários operadores de transportes, em tempos idos, tão buliçosos...

Uma boa notícia do dia 13


SONDAGEM
"Kerry derrotava Bush se as eleições fossem hoje
O candidato favorito à corrida democrata para as presidenciais norte-americanas, John Kerry, venceria o actual presidente, George W.Bush, se o escrutínio de Novembro próximo se realizasse hoje, segundo uma sondagem hoje divulgada."

E as eleições não podem ser já hoje?




quinta-feira, fevereiro 12

KANT - um chumbo humilhante!


Honra seja feita ao PÚBLICO pelo destaque dado ao bicentenário da morte de KANT. A Universidade de Bonn disponibilizou, em língua alemã, na Internet o maior banco de dados mundial sobre o filósofo. Além da importância da obra de Kant o destaque dado ao filósofo alemão é um verdadeiro gesto de coragem do Público acima do populismo reinante e da "apagada e vil tristeza" que imperam na comunicação social nacional.

Em diversos blogs como o causa nossa traçam-se as grandes linhas do pensamento de Kant: "o filósofo dos direitos humanos". Não vou enfileirar por esse caminho mas simplesmente contar uma "pequena história" pessoal na qual Kant tem o lugar de protagonista.

Foi uma das maiores humilhações da minha vida. Explico em duas palavras. No meu 7º ano de liceu, à época, ano terminal do secundário, faziam-se exames finais em algumas disciplinas incluindo filosofia. A nota da prova escrita necessária para dispensar da oral era 16. Obtive, na escrita, 15. Estranho! Na realidade ninguém obtinha, na escrita, 15. Ou se obtinha 14 ou então 16. Fui, assim, "condenado" a ir à oral com 15.

Na oral fui confrontado com a primeira (e única) pergunta: fale-me do "imperativo categórico" de Kant. Iniciei uma dissertação acerca do tema! A examinadora considerou a resposta insuficiente. Insistiu no tema. Eu titubeie. Não era (nem sou) um especialista em Kant mas - que diabo - tinha estudado a matéria. Mas a examinadora é que não mudava de tema! Fale-me do "imperativo categórico" de Kant! Se bem me lembro tentei de novo satisfazer a exigência. Em vão! Percebi, então, que nada iria resultar. Estava condenado a chumbar fosse qual fosse o meu desempenho!

Levantei-me e saí da sala perante o espanto dos meus colegas que assistiam à cena. Desci a avenida e fui tomar um café na esplanada da Gardy, que ainda lá está apesar dos factos se terem passado à quase 40 anos, na baixa de Faro. O chumbo era certo! Não valia a pena ir ver a pauta. Eu era um pouco irreverente (talvez mesmo bastante irreverente) é verdade! Não dominava de cor as matérias todas! É verdade! Mas na segunda época de exames obtive na escrita a nota de 18 na mesmíssima disciplina de filosofia! Assunto arrumado.

A professora que me sujeitou aquela humilhação oral já faleceu. Nunca cheguei a saber, nem saberei, das verdadeiras razões daquele inusitado chumbo! Mas hoje ao ler o trabalho, limpo e clarividente, do Público, acerca de Kant, a minha memória retomou o caminho da explicação para o chumbo: "Com o seu "Imperativo Categórico" Kant estabeleceu um novo princípio ético: introduziu a ideia de que a moral é algo inerente à estrutura da razão, não decorrendo portanto, por exemplo, de imperativos religiosos. Segundo ele, cada homem deverá actuar de forma a que cada um dos seus actos possa ser tomado como princípio universal. Cada um desses gestos é um objectivo e um fim em si mesmo, não um meio para um outro fim (como o "Bem" praticado na religião católica que surge como uma forma de atingir a salvação). Para Kant, o gesto imoral acontece quando alguém tenta estabelecer para os outros um padrão de comportamento diferente daquele que ele próprio adopta."

Hoje estou convicto (não me atrevo a dizer: estou certo!) que a razão do chumbo naquela oral está sintetizado neste texto, de Vanessa Rato, no Público, acerca do "imperativo categórico". Hoje, como ontem, o mundo está repleto de "gestos imorais", ou seja, de gente que julga o comportamento do outros por critérios que se dispensam de aplicar a si próprios.


A notícia mais importante do dia


Título do "Público":
"Bactéria multi-resistente congela admissões no Hospital de Pombal"

Entrou para o governo?

quarta-feira, fevereiro 11

Oportunismo Amorfo ou o (Des)Envolvimento


O Parapente em Linhares vai acabar?

Fui supreendido com algo que chegou à minha caixa de correio e em que não queria acreditar. Fiquei perplexo, para não dizer coisa pior. Então não é que começaram a cobrar 3 euros a cada praticante de parapente que põe os pés na aldeia serrana de Linhares da Beira, mais concretamente, na aterragem oficial da capital do voo livre Portuguesa?? Inacreditável !!

Recentemente foi ganha uma dura batalha contra interesses privados de instalação de um parque eólico, precisamente por se defender um modelo de desenvolvimento para o local (e região envolvente) que passa pelo aproveitamento das (excelentes) condições geomorfológicas e de aerologia para a prática daquela modalidade, que atrai inumeros visitantes ao longo do ano. Um dos poucos locais que possui recursos endógenos para a sua dinamização económica, social e turística.

Ao ler um texto do Vitor Baía, pioneiro da modalidade no local e durante muitos anos responsável pela Escola de Parapente do INATEL em Linhares (que deixou recentemente), publicado no Forum dos Parapentistas Portugueses (só este fórum tem 380 praticantes), relembro o tortuoso percurso de afirmação daquela modalidade e daquele local como referência nacional e internacional, e concluo que na situação a que se assiste, mesmo sabendo de que se trata de propriedade privada, se torna óbvio o oportunismo e a tentativa de lucro fácil por parte de quem, em desespero de causa, mais nada consegue ou sabe fazer. Só que este tipo de pessoas não se apercebe que será o fim do parapente em Linhares...

E assim se perderá todo o investimento financeiro e humano de mais de uma década (apoiado por dinheiros públicos nacionais e europeus).

É nestas situações que as entidades públicas podem e devem fazer a diferença, tomando atitudes que permitam continuar estratégias de desenvolvimento sustentáveis. Não quer isto dizer pactuar com chantagens ou oportunismos mas sim encontrar soluções alternativas que os impeçam. Haveria que encontrar uma alternativa viável áquele terreno de aterragem, e rápido. É triste ver o INATEL por um lado e os parapentistas por outro, a voltar as costas a Linhares da Beira e perceber que a aldeia e seus habitantes serão quem vai perder mais no meio disto tudo. Será que nem a Câmara Municipal, nem ninguém com responsabilidades, vêem isto ou fazem alguma coisa? Enfim…uma impressionante falta de visão, uma atitude amorfa de quem parece querer compactuar com a situação. Será este o fim de um dos projectos de desenvolvimento local de referência, como era o da aldeia histórica de Linhares da Beira? Espero que não.

Pedro Brilhante Pedrosa

terça-feira, fevereiro 10

Estranhas notícias


"Portugueses preocupados com economia são os menos satisfeitos da UE

Os portugueses são a população da União Europeia (UE) menos satisfeita com a sua vida, sentimento negativo que poderá estar relacionado, em parte, com a situação económica de Portugal, conclui o último Eurobarómetro, divulgado esta terça-feira.
Segundo o documento, "56% dos portugueses sentem-se satisfeitos com a sua vida, a percentagem mais baixa obtida por este indicador desde 1989 e consideravelmente inferior à média da UE, que é de 79%".
O Eurobarómetro - instrumento de medida da opinião pública utilizado regularmente pela Comissão Europeia - indica que os gregos são o segundo povo da UE menos satisfeito com a vida que leva, seguidos pelos alemães e os franceses.
Os países nórdicos - Dinamarca, Suécia, Finlândia e Países Baixos - destacam-se dos restantes estados-membros por registarem as percentagens de satisfação com a vida mais elevadas." Lusa
É curioso que ainda ontem foi divulgada uma sondagem na qual se pretendeu fazer passar a ideia de que os portugueses estavam muito contentes com as medidas tomadas pelo Governo nas áreas económica e financeira

" David Kay considera inútil procurar armas de destruição maciça no Iraque

O ex-chefe do grupo de peritos encarregues de encontrar armas de destruição em massa (ADM) no Iraque David Kay afirmou terça-feira ser inútil continuar a procurar estas armas naquele país, porque elas "não existem".
Contrariamente ao que afirmou o secretário da Defesa norte- americano, Donald Rumsfeld, tentar encontrar estas armas no Iraque "é provavelmente a pior aproximação, a pior estratégia", declarou Kay em conferência de imprensa.
"O Iraque é maior do que a Califórnia e Bagdad é maior que Los Angeles", acrescentou Kay.
"Estou certo de que em 20 anos, ou mesmo em 50 anos, as pessoas continuarão a escavar" para tentar encontrar alguma coisa, disse David Kay, reafirmando que "não existem realmente" ADM no Iraque." Lusa
É inútil continuar a afirmar que é inútil procurar as armas de destruição maçica no Iraque pois a administração americana (e inglesa, espanhola, polaca, portuguesa..., até às eleições respectivas, vão continuar a campanha militar e sempre se descobrem...uns documentos, enfim, isto vai durar ainda uns tempos largos. Mas o petróleo continua no local.







A mais importante notícia do dia


"COMISSÃO EUROPEIA

Fundos comunitários mudam de prioridades
A União Europeia inicia, esta terça-feira, o debate do pacote financeiro de 2007/2013. Em vez de se apostar no betão, os fundos comunitários viram-se agora para a formação e tecnologia. Portugal não deverá sofrer cortes significativos."


A notícia pretende ser optimista. Compreendo. As eleições europeias estão próximas. Compreendo. Hoje saíram muitas notícias acerca do eventual cabeça de lista do PS: Sousa Franco. Compreendo. Portugal não vai perder, no futuro quadro comunitário de apoio, fundos...mas pode perder fundos...Não compreendo. É preciso dar ânimo ao país. Compreendo. Mas que diabo de confusão...a uma observação mais detalhada não se entende nada. Deu para fazer uma manchete. As regiões mais "ricas", parte da região de Lisboa e Vale do Tejo, Algarve e Madeira, não vão perder fundos… mas vão perder fundos. Os fundos não vão mais apoiar o betão (inclui-se o exemplo das estradas e pavilhões gimnodesportivos), vai ser dado privilégio á educação, formação e novas tecnologias...Mas já ouvi esta história outras vezes, em qualquer lado. Bom o melhor é apresentarem dados estatísticos comparativos. Mostrar a cara dos nossos negociadores. Algo de concreto. Para que todos nós não fiquemos como quando ouvimos as "conversas em família" do Prof. Marcelo: com a sensação de que ele fala sempre verdade excepto nos assuntos que conhecemos a fundo...em que é tudo mentira. Era um grande favor que todos os portugueses e instituições (governo, oposição, comunicação social, parceiros sociais...) tratassem este tema, de verdadeiro alcance estratégico nacional, a sério. Obrigado.

50 Anos


Duas amigais - dois jantares de celebração de 50 anos. Duas mulheres interessantes nos planos pessoal e profissional. Ambas mantêm excelentes formas (e belezas) física e intelectual. MM e MAB levaram os amigos - muitos - a jantar em dois belos lugares de Lisboa. MM levou-nos ao Museu da Água, magnífico espaço, do tipo industrial, muito bem cuidado, mas pouco conhecido, ali na zona da Calçada dos Barbadinhos, perto de Santa Apolónia. Tudo o que é bom, no nosso país, parece que tem de ser esconjurado ou escondido... MAB optou por um pequeno Restaurante na Rua da Esperança. Neste caso uma zona que me é familiar. Percebi que os "Caracóis da Esperança" fecharam. Na minha juventude fiz, vezes sem conta, os caminhos daquele Bairro a pé. A deambulação nocturna, da noite passada, fez-me regressar à Rua das Trinas - levando-me à porta de uma casa que frequentei durante meses e onde alberguei, no meu quarto, um amigo desertor que se me apresentou sem aviso prévio - levou-me a passear pelas transversais, estreitas e silenciosas, com estendais carregados de roupas (e carros estacionados a eito) e levou-me a revisitar a Rua do Quelhas. Muitos anos da minha vida - dos melhores - passaram, naqueles minutos, em flash, pela minha cabeça e ouvi, na distância de tantos anos, a esperança dos meus passos que julguei servirem para a salvação do mundo… obrigado às duas.

Soneto

Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

Carlos de Oliveira

In "Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa"
de Eugénio de andrade


segunda-feira, fevereiro 9

Cadernos de Camus - 7


Estes são os últimos sublinhados do Caderno nº5 para os Cadernos de Camus. Neste conjunto de excertos acrescentei um único texto não sublinhado na minha leitura de juventude. É exactamente o que encerra o Caderno n.º5. Acrescento uma remissão para LUKÁCS, referido no conjunto anterior, para quem estiver interessado em o conhecer ou revisitar.

""O que existe na Rússia é uma liberdade colectiva "total" e não pessoal. Mas que é uma liberdade total? É-se livre de alguma coisa - em relação a. Visivelmente, o limite é a liberdade em relação a Deus. Vê-se então claramente que essa liberdade significa a sujeição ao homem.""

"Peça Dora: Se tu não amas ninguém, isso não pode vir a acabar bem."
(Mais uma vez a peça "Os Justos", assim como nalguns excertos que surgirão a seguir.)

""Quantos eram os membros da "Vontade do povo"? 500. E o Império Russo? Mais de cem milhões.""
(Sublinhei somente "500")

""Vera Figner: "Eu devia viver, viver para ser julgada, pois o processo coroa a actividade do revolucionário.""

""Peça. Dora ou outra: "Condenados, condenados a serem heróis e santos. Heróis à força. Por isso não nos interessa, compreendem, não nos interessam nada os sórdidos negócios deste mundo envenenado e estúpido que se pega a nós como visco. - Confessai, confessai-o, que o que vos interessa são os seres e o seu rosto... E que, pretendendo procurar uma verdade, não esperais no fim de contas senão amor.""

"É o cristianismo que explica o bolchevismo. Conservemos o equilíbrio para não nos tornarmos assassinos."

"Formas e revolta. Dar uma forma aquilo que é informe, é o fim de toda a obra. Não há apenas criação, mas correcção (ver mais acima). Daí a importância da forma. Daí a necessidade de um estilo para cada assunto, não de todo diferente porque a língua do autor é sempre sua. E é justamente esta que fará quebrar não a unidade deste ou daquele livro mas a da obra inteira."

"Retirei-me do mundo não porque tivesse inimigos, mas porque tinha amigos. Não que eles não me fossem prestáveis como é habitual, mas julgavam-me melhor do que sou. É uma mentira que eu não posso suportar"

"Para os cristãos, a Revelação está no início da história. Para os marxistas, está no fim. Duas religiões."
(Coloquei ? no fim da frase)

"Pequena baía antes de Tenés, na base de uma cadeia de montanhas. Semicírculo perfeito. Ao cair da noite uma plenitude angustiada plana sobre as águas silenciosas. Compreende-se então porque é que os Gregos formaram a ideia do desespero e da tragédia sempre através da beleza e do que nela há de opressivo. É uma tragédia que culmina. Ao passo que o espírito moderno produz o seu desespero a partir da fealdade e do medíocre.
É o que Char quer dizer talvez. Para os Gregos, a beleza é o ponto de partida. Para um europeu, é um fim, raramente atingido. Não sou moderno."

"Verdade deste século: À força de vivermos grandes experiências, tornamo-nos mentirosos. Acabar com tudo o mais e dizer o que tenho de mais profundo."

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).





(Dos mentirosos)


"E não há nada onde a força de um cavalo melhor se conheça do que ao fazer uma paragem súbita."
Camus, ainda a propósito das justificações para a guerra no Iraque.

sexta-feira, fevereiro 6

Igual - desigual

Eu desconfiava:
Todas as histórias em quadrinhos são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os "best-sellers" são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda são iguais.
Todas as experiências de sexo são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas, e rondóis são iguais
e todos, todos
os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais, iguais, iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho
ímpar.

Carlos Drummond de Andrade


A mais importante notícia do dia

CIA Nunca Considerou o Iraque Uma "Ameaça Iminente"

O Público dá notícia que George Tenet, o director da CIA, afirmou ontem que os analistas da agência "nunca disseram que havia uma ameaça iminente" no Iraque antes da guerra, defendeu o trabalho e as conclusões dos serviços secretos mas, ao mesmo tempo, ilibou a Administração Bush de pressões para que fosse exagerada a ameaça colocada pelo arsenal de Saddam Hussein.
Já toda a gente percebeu...uns mais cedo, outros mais tarde, que os argumentos invocados para justificar a guerra contra o Iraque eram falsos, mas o petróleo permanece no local, não é?

Os favoritos de um iniciado...

Os meus favoritos resultam de uma escolha que, por sua vez, resulta da vontade, do acaso, da tradição, do preconceito, do conhecimento prévio, do tempo disponível e do facto, determinante, da minha capacidade de conhecimento ser limitada. Quando dou uma volta pela imensidão da internet - blogosfera incluída - fico estarrecido com a pequenez do nosso contributo individual no caudal de informação que deveria aplacar a ignorância e parece adensá-la quanto mais informação se liberta. Sem falar, claro, da contra-informação. A nossa ignorância é um mar imenso no qual emergem poucas ilhas paradisíacas de conhecimento e sabedoria. Quando, por exemplo, passo a limpo os sublinhados dos "Cadernos de Camus" buscando, através da net, informações actualizadas, acerca dos escritores, pensadores e filósofos citados, fico surpreendido. O manancial de informação, acerca de cada um deles, pela sua extensão e detalhe, é quase irreal. Ainda bem, dirão os investigadores devotos da net, e eu estou de acordo. Nesta coisa da informação mais vale o mais do que o menos. Mais vale a liberdade, com erros, do que a correcção, com omissões impostas pela censura, seja qual for a sua natureza. Mas afinal só queria dar-vos a conhecer os favoritos de um iniciado no universo dos blogs. Quais são os meus favoritos no dia de hoje? O Abrupto (uma referência intelectual livre, crítica de si mesma) os Cadernos de Camus (um projecto interessante, no qual participo) a Causa Nossa (uma referência política não dogmática, crítica do maioria) o BlogDaMiuda (uma referência individual, crítica do quotidiano) o Turing-Machine (referência inicial do absorto, uma amizade solidária). Nos últimos dias fiquei fiel de outros dois: o Noparapeito e o recém-nascido EscritanaMesa. Espero que os editores respectivos escrevam mais que os conheço e sei que a escrever são águias... E basta…

quinta-feira, fevereiro 5

"Vivam, apenas"


Vivam, apenas.
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes.
Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.
Mas não queiram convencer os cardos
a transformar os espinhos
em rosas e canções.
E principalmente não pensem na Morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.
Vivam, apenas.
A Morte é para os mortos!

José Gomes Ferreira
Poesia I (1948)

A mais importante notícia do dia - Entre os Rios

(...)"Os familiares das vítimas da queda da ponte de Entre-os- Rios estão satisfeitos com um relatório, divulgado esta quinta-feira, que atribui a culpa do incidente à extracção de areias no rio Douro, mas os areeiros rejeitam responsabilidades.
O relatório pericial sobre as causas da queda da ponte de Entre-os-Rios solicitado pelo Tribunal de Castelo de Paiva, revelado pelo Jornal de Notícias, indica que a extracção de areias contribuiu em 80% para o rebaixamento do leito do rio e foi a causa principal do incidente.
O presidente da Associação dos Familiares das Vítimas da Queda da Ponte de Entre-os-Rios, Horácio Moreira, referiu que a organização "está satisfeita" com o novo relatório, porque o processo tem sido bastante moroso, mas "nota-se agora que a justiça funciona", após três anos.
Diferente é a interpretação de quem defende os areeiros, como é o caso do advogado Nelson Correia, para quem a erosão do Rio Douro pode ter como causa a extracção de areias, sem que isso signifique a responsabilidade dos areeiros pela queda da Ponte de Entre-os-Rios." (LUSA)
Um caso exemplar de "desenvolvimento in-sustentável". Quando começou o processo de extracção das areias? Quem autorizou? Quem beneficiou?












quarta-feira, fevereiro 4

Jacques Delors


Este é um político experiente ao qual, pelo seu passado de acção política em prol da construção europeia, se deve dar muita atenção.

"É sempre preciso partir de um consenso dinâmico."

"A Europa tem uma escolha entre a marginalização ou a sobrevivência, o declínio ou a sobrevivência. Porque o mundo anda depressa. No plano tecnológico, económico, das relações geopolíticas."

"...três finalidades da construção europeia: a paz, a modernização económica e a existência política. É preciso acrescentar um outro: a coesão económica e social."

"O que digo é que é preciso praticar a linguagem da verdade perante os cidadãos. Dizer-lhes o que pensamos e respeitá-los, mas é também fazer apelo à sua inteligência e à sua razão."

"Se tivéssemos esperado que os quinze estivessem de acordo ainda hoje não teríamos o euro. É tão simples como isto. Não é a Europa a duas velocidades. Mas hoje o clima é de tal ordem que não deixa passar nenhuma ideia positiva."

"Depois da queda do muro, o medo era grande. Dizia-se que ia haver confrontos, milhares de mortos. Nada disso aconteceu. Um pouco por sorte, mas também graças á sabedoria de muitos homens e mulheres que eram responsáveis na altura.(...) Isso serve para dizer aos jovens que a política nem sequer é desencorajadora, que há momentos de grandeza, que não estamos condenados à regressão, ao crime, às guerras, ao ódio."

(Excertos da entrevista ao Público de 4 de Fevereiro de 2004)



Para a Rita com amor



A Rita descobriu o absorto e eu descobri a Rita. Aqui está o programa do absorto que a Rita destacou hoje, 4 de Fevereiro, um dia especial para mim. É um texto do género prosa poética que estabelece a coluna vertebral desta intervenção pública.

Deixar uma marca

Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado,
sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez
no encontro com eles,

nada dever ao esquecimento que esvazia o sentido do perdão
olhando o mundo e tomando a medida exacta
da nossa pequenez,

atravessar a solidão, esse luxo dos ricos, como dizia Camus,
usufruindo da luz que os nossos amantes derramam em nós
porque por amor nos iluminam,

observar atentos o direito e o avesso, a luz e a sombra,
a dor e a perda, a charrua e a levada de água pura, crer no destino
e acreditar no futuro do homem,

louvar a Deus as mãos que nos pegam, e nunca deixam de nos pegar,
mesmo depois de sucumbirem injustamente à desdita da sorte
ou á lei da vida,

guardar o sangue frio perante o disparar da veia jugular
ou da espingarda apontada á fronte
do combatente irregular,

incensar o gesto ameno e contemporizador
que se busca e surge isento no labirinto da carnificina populista,

ousar a abjecção da tirania, admirar a grandeza da abdicação
e desejar a amizade das mulheres,

admirar a vista do mar azul frente á terra atapetada de flores de amendoeira
em silêncio e paz.


A mais importante notícia do dia


O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, reconheceu quarta-feira perante a Câmara dos Comuns que, ao contrário do que esperava, o Grupo de Inspecções no Iraque (ISG) "não encontrou armas prontas para serem imediatamente utilizadas".
"Admito que o ISG não encontrou o que eu e muitas outras pessoas, como David Kay (ex-chefe do ISG), esperavam que encontrasse, isto é, armas prontas para serem imediatamente utilizadas", declarou Tony Blair, num debate consagrado ao relatório Hutton sobre o suicídio do especialista em armamento David Kelly, em Julho passado.
(Notícia da LUSA)
Sem comentários...

terça-feira, fevereiro 3

Camões dirige-se aos seus contemporâneos


Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

Assis, 11 Junho 61

Jorge de Sena
In"Metamorfoses [1963]
.

Liberdade - 6


Não me venham com ameaças, medos, vigias, perseguições, listagens de grevistas, bufos, cartas anónimas, silêncios, arrecuas, cartões partidários a dobrar, acusações de excessos na luta pela liberdade e contra o colonialismo. Passaram 30 anos e todos já esqueceram o passado! É o que dizem alguns cronistas encartados do regime. É uma mentira grosseira. Ninguém esqueceu o passado. Todos têm o passado nas suas veias. Um povo é uma sucessão de gerações. Entrelaçadas. O cronista Delgado não tem passado? O governante Portas não tem passado? O Dr. Soares (Mário) não tem passado? O Presidente Sampaio não tem passado? O Presidente Lula não tem passado? O falecido General Kaúlza não tem passado? Todos nós temos passado. Mas alguns têm mais passado do que outros. Os conservadores a sério não brincam com o passado. Assumem o passado. Honram o passado. Todos os cidadãos decentes respeitam a tradição. Cada vez se ouve mais nítido o apelo a que, ao menos, haja decência na vida pública, na comunicação social, no simples exercício da cidadania na vida de todos os dias. Decência! Não é pedir muito! Quem toma posse em funções de Estado é responsável por tudo o que compete. De hoje e de ontem. Tem por obrigação tratar o presente e o passado com decência. O passado é sempre de outros? Não! É de todos. Quer gostemos ou não gostemos é nosso! A liberdade é um dado adquirido? Não! A liberdade é uma conquista quotidiana. A vantagem da liberdade é que nela cabem os indecentes e os inimigos da liberdade. Como dizia Camus: "A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário".

Com licença poética


Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
-vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo.
Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
(dor não é amargura).
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável.
Eu sou.

Adélia Prado

segunda-feira, fevereiro 2

Cadernos de Camus - 6



Estes não são os últimos sublinhados no Caderno n.º5 pois resolvi, por demasiado extensa, dividir em duas partes os excertos para inserir nos Cadernos de Camus. Como em anteriores excertos há casos de citações de citações. Hesitei na forma da sua apresentação. Tentei sempre ser o mais claro possível colocando-me do lado do leitor destas notas.

Omito nesta série de sublinhados a transcrição de um excerto por ser demasiado longo e apresentar uma configuração que não se enquadra bem com este formato. Não resisti a acrescentar, em contrapartida, o único excerto não sublinhado, que surgirá na próxima entrada, que é exactamente aquele que encerra o Caderno n.º5, do volume Cadernos III (edição portuguesa), respeitante ao período Setembro de1945/Abril de 1948:

"Palante diz com razão que se há uma verdade una e universal, a liberdade não tem razão de ser."

"É como se fosse absolutamente necessário escolher entre o aviltamento e o castigo."

"Mas ninguém é culpado absolutamente, não se pode pois condenar ninguém absolutamente I) aos olhos da sociedade 2) aos olhos do indivíduo."

""Sócrates atingido por um pontapé. "Se um burro me tivesse batido iria porventura apresentar queixa?" (Diógenes Laércio, II, 2I)""

""Para Schopenhaurer : a existência objectiva das coisas, a sua "representação" é sempre agradável, ao passo que a existência subjectiva é sempre dor.
"Todas as coisas são belas à vista e terríveis no seu ser, donde a ilusão, tão corrente e que sempre me impressiona, da unidade exterior da vida dos outros.""

""Problema da transição. Deveria a Rússia passar pelo estádio da revolução burguesa e capitalista, como o exigia a lógica da história? Neste ponto só Tkatchev (com Netchaev e Bakunine) é o predecessor de Lénine. Marx e Engels eram mencheviques. Eles só tinham em vista a revolução burguesa futura.
As constantes discussões dos primeiros marxistas sobre a necessidade do desenvolvimento capitalista da Rússia e a sua tendência para acolherem esse desenvolvimento. Tikhomirov, velho membro do partido da vontade do povo, acusa-os de se fazerem "os paladinos das primeiras capitalizações.""

"Finalmente, á a vontade do proletariado que transforma o mundo. Há por conseguinte verdadeiramente no marxismo uma filosofia essencial que denuncia a mentira da objectivação e afirma o triunfo da actividade humana."

"Em russo volia significa igualmente vontade e liberdade."

"Lénine afirma a primazia do político sobre o económico (a despeito do marxismo)."

"Lucaks: O sentido revolucionário é o sentido da totalidade. Concepção do mundo total em que a teoria e a prática são identificadas.
Sentido religioso segundo Bardiaev."
(Andava eu, certamente, a ler Lucaks)

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).










Promoção de Portugal - Turismo


O turismo é uma das grandes actividades do futuro. As economias de todos continentes, regiões e países, o mundo empresarial e associativo e, muito em especial, as famílias e os cidadãos terão muito a ganhar, no futuro, com o desenvolvimento da actividade turística.
Portugal é o 10º destino turístico da Europa e o 17º do mundo (valores de 2002) o que significa que, atendendo à sua pequena dimensão territorial e demográfica, Portugal é uma potência do turismo europeu e mundial.
No ano de 2004 Portugal organiza o Campeonato de Europa de Futebol, um dos maiores eventos desportivos a nível mundial, que vai contribuir para a promoção de sua imagem na Europa e no Mundo.
Podemos não gostar de futebol ou discordar com o investimento público necessário à organização desse evento mas seria uma grande oportunidade perdida não aproveitar este evento para impulsionar a qualidade da promoção da imagem de Portugal.
Veja-se, por, exemplo, como o site oficial do turismo de PORTUGAL fica a perder, não só em imagem mas também em conteúdo e design de interface, na comparação com os sites correspondentes da IRLANDA, da ESPANHA e mesmo de MARROCOS.
Era uma boa ocasião para o Governo mostrar que existe efectiva vontade de modernização do país e capacidade para utilizar as novas tecnologias de informação. Em proveito de Portugal e dos portugueses e não da promoção das medidas que já foram promovidas vezes sem conta..



sábado, janeiro 31

Dedicatórias, leituras e políticas…


Aqueles que pensam que conhecem tudo e todos iludem-se com as aparências. Alguns amigos devem achar, no mínimo bizarro o meu interesse por Camus. Mas só a imagem que de nós fazem aqueles que nos amam é que se aproxima da nossa verdadeira alma. Esse círculo restrito não se esgota na família próxima mas não vai muito mais além. Criam-se estereótipos e cada um de nós carrega a vida toda com as penas próprias e as penas que os outros decidem que carreguemos para descanso da sua consciência (deles). Vem isto a propósito de um livro, o último, de Albert Camus - "O Primeiro Homem" (Edições Livros do Brasil) - que encontrei na estante do meu filho no qual escrevi a seguinte dedicatória:
" Para o MM:
A mãe comprou em Paris a edição francesa (1ª edição) e agora comprei a 1ª edição portuguesa. MM fez 4 anos no passado dia 27 e esta literatura à para ele com outras obras de Camus que tenho comprado ao longo do tempo, em particular, os "Cadernos". É, ao mesmo tempo, um acto de esperança na vida e no desejo de ler na era do áudio visual que vai ser cada vez mais esmagador na altura em que MM souber apreciar estas coisas.
Hino à vida, saudação àqueles que não têm voz activa, pensamento ligado à acção, defesa da justiça e da liberdade, alerta contra o fanatismo e o totalitarismo…
94/11/02"
Reparei na data e já passaram quase dez anos. MM ainda não leu o livro. Já tem 13 anos. Recebeu, por sinal, ontem as notas deste período (Escola Alemã) que foram razoáveis e eu fiquei muito contente pela nota máxima na disciplina de Música. É um bom sinal para que um dia venha a decidir, livremente, ler este livro. A música devia ser obrigatória, pelo menos até ao 9º ano, em todas as escolas portuguesas. Ia ajudar a melhorar o desempenho dos jovens em todas as disciplinas e, em particular, no português e na matemática. Tal seria possível. È necessário dinheiro mas principalmente capacidade de sonhar com o futuro. Dedicatórias, leituras e políticas …das verdadeiras são precisas!

Cavafy


DESEJOS

Como corpos belos dos que morrem sem ter envelhecido
- e são guardados, em lágrimas, num mausoléu magnífico,
com rosas na fronte e com jasmins nos pés -
assim os desejos são, desejos que esfriaram
sem serem consumados, sem que um só fruísse
uma noite de prazer, ou uma aurora que a lua inda ilumina.

[antes de 1911]

Já entrados no último dia de Janeiro de 2004 lembrei-me de divulgar um poema de Cavafy, na tradução de Jorge de Sena, acrescentando umas notas acerca da tradução para português da obra do grande poeta grego. Ainda a questão das traduções...Jorge de Sena descreve no livro "Constantino Cavafy 90 e mais quatro poemas", Edições ASA, o processo que o levou à tradução de parte da obra do poeta (conhecem-se 187 poemas de Cavafy; Sena traduziu 90 dos 154 poemas que "constituem o cânon de Cavafy"+quatro dos 33 "primeiros poemas", ulteriormente revelados).
Jorge de Sena descreve o contexto em que realiza a tradução: "As traduções apoiam-se nas de Mavrogordato e Dalven (em inglês), nas de Papoutsakis, Griva e Marguerite Yourcenar (em francês), nas de Steiner (em alemão), nas de Pontani (em italiano), todas cotejadas entre si e com o original grego da edição de Atenas, 1952".
Era intenção expressa de Sena traduzir os restantes 64 dos 154 poemas maiores de Cavafy, o que nunca veio a acontecer.
.


sexta-feira, janeiro 30

Imigração

Irlanda



Descobri que um estudo recente de um instituto de pesquisa Irlandes prevê que a Irlanda necessite, no período que decorre entre 2001 e 2010, de 300.000 novos licenciados para dar resposta ao crescimento da sua economia.

Desses 300.000 licenciados o estudo prevê que a Irlanda deva acolher, nesse período de 10 anos, cerca de 100.000 licenciados, oriundos de outros países.

Fazendo umas contas simples a Irlanda precisa, por ano, de cerca de 10.000 imigrantes licenciados que deverão ser recrutados, preferencialmente, nos países do leste da Europa. Tal situação deve-se ao facto de ser previsível que, até 2010, ocorra na Irlanda uma diminuição de 15% no número de jovens entre os 15 e os 24 anos.

Em Portugal também há estudos oficiais credíveis mas o governo anunciou uma quota de ingresso no país, em 2004, de 6.500 imigrantes indiferenciados.

A este propósito o Presidente da CIP, Francisco Van Zeller em entrevista, ao Diário Económico, de 29 de Janeiro, já deu uma resposta elucidativa ao significado daquela quota: " Ninguém faz caso dela, porque os imigrantes vão continuar a entrar ilegalmente e as empresas a empregá-los."

Nem mais!

quinta-feira, janeiro 29

Dr. Cadilhe - pessimismo e decadentismo


O Dr. Cadilhe surpreendeu. Julgava-o capaz de manter uma saudável distância face ao pensamento económico vulgar e à comunicação tablóide da qual, aliás, tem razões para sentir horror.

Mas estava enganado. O Dr. Cadilhe pisca o olho à esquerda social-democrata nas questões orçamentais, "mais déficit", investimento público "virtuoso" e não ostentatório,... Mas, ao mesmo tempo, quer enviar os desempregados e a tropa para as florestas. Os desempregados, para o Dr. Cadilhe, são um mero indicador macro económico e a tropa é uma inutilidade à espera de uma guerra que não vem.

O Dr. Cadilhe está contra a "EXPO 98", o "Euro 2004", a "Capital Europeia da Cultura", os submarinos...ou seja, o Dr. Cadilhe não resistiu à moda dos discursos populistas. O taxista que me transportava gostou de ouvir. Aquele discurso tem o sabor de um ajuste de contas com o passado. Mas a defesa de uma política social-democrata exigiria um pouco mais de distanciamento face às facilidades do discurso populista. Os desempregados são pessoas com família, filhos, aspirações profissionais... a tropa tem missões a cumprir, vertidas na Constituição e na lei... e o Dr. Cadilhe não percebe nada de florestas nem de logística. Mas mesmo que se julgue um génio da gestão e seja livre para emitir opiniões sinceras, no exercício de um direito que aplaudo, o problema do Dr. Cadilhe é que não é um cidadão qualquer. É um alto funcionário do Estado, foi Secretário de Estado e Ministro e, hoje, é o responsável máximo pela entidade nacional que tem como missão atrair o investimento estrangeiro para Portugal.

O estado de alma que o Dr. Cadilhe deixou transparecer, nas palavras que proferiu, não é compatível com a tarefa de atrair investidores estrangeiros para Portugal. Parecia um ex-ministro das Finanças no dia seguinte à sua própria demissão! Será este o discurso que o Dr. Cadilhe faz no exercício das suas funções? Compreendo que as declarações recentes do decano do Grupo Melo, acerca da inutilidade da independência de Portugal, tenham sido demasiado fortes. O Dr. Cadilhe não quis ficar atrás. Ao discurso pessimista do Grupo Melo juntou o Dr. Cadilhe uma pitada de decadentismo e miserabilismo tão ao "estilo português".

O problema destes discursos, eivados de um populismo ostensivamente irracional, é que não visam nem a integração em Castela nem a modernização do país. São o fermento de um ambiente político e social favorável à conquista do poder pelas correntes ultra conservadoras. Estes discursos não surgem por acaso. Eles servem uma estratégia de tomada do poder. E os mentores desta estratégia já estão no Governo e até já têm candidato à Presidência da República! E por estranha ironia o Dr. Cadilhe já foi, no passado, uma vítima daqueles que agora ajuda, espero que involuntariamente, com o seu discurso populista!

quarta-feira, janeiro 28

Cadernos de Camus - 5


Nos meus sublinhados de juventude destes Cadernos omito, pela primeira vez, dois excertos de diálogos que viriam a integrar a futura peça de teatro "Os Justos". A sua transcrição integral tornaria demasiadamente longa esta contribuição para o projecto Cadernos de Camus. Mantenho, no entanto, um excerto dos diálogos preparatórios dessa peça.
Esta é a penúltima série de excertos do Caderno nº 5, que constam do volume Cadernos III, respeitante ao período Setembro de1945/Abril de 1948:

"Há quem se remanseie numa mentira como os que se refugiam na religião."
(Esta frase sublinhada faz parte de um texto longo, que não transcrevo na íntegra, no qual, à margem, escrevi à mão: "cuidado!")

"Conheço-me bem de mais para crer na virtude completamente pura."

"O problema mais sério que se põe aos espíritos contemporâneos: o conformismo."

"O grande problema da vida é saber como viver entre os homens"
(Apresenta uma nota de pé de página onde se lê: "No manuscrito, encontra-se entre parênteses: A.F.")

"X. "Sou um homem que não crê em nada e que não ama ninguém, pelo menos no âmago. Há em mim um vazio, um deserto horrível..."

"Marc condenado à morte na prisão de Loos. Recusa que lhe tirem os ferros durante a Semana Santa para se parecer mais com o seu salvador. Antigamente disparava contra os crucifixos que encontrava nas estradas."

"Cristãos felizes: Guardaram a graça para si próprios e deixaram-nos a caridade."

"Peça.
D. - O que há de triste, Yanek, é que tudo isso nos envelhece. Nunca mais, nunca mais seremos crianças. Podemos morrer desde este instante, já esgotámos o homem (o homicídio é o limite.)
- Não, Yanek, se a única solução é a morte, então não seguimos a boa vida. A boa vida é a que leva à vida.
- Tomámos sobre nós o mal do mundo, este orgulho há-de ser castigado.
- Passámos dos amores infantis a essa inicial e derradeira amante que é a morte. Andámos depressa de mais. Não somos homens."

(Este excerto é o único que transcrevo daqueles que sublinhei dos textos preparatórios da peça de teatro "Os Justos". Esta peça foi concluída, após uma viagem à América Latina, no Verão de 1949, estando Camus gravemente doente. Nela é abordada a questão, fundamental para Camus, da violência política cujo debate requer, em qualquer circunstância, um adequado enquadramento filosófico e histórico.)

"Miséria deste século. Ainda não há muito tempo eram as más acções que precisavam de ser justificadas, hoje são as boas."

"A solidão perfeita. No urinol de uma grande estação à uma hora da manhã."
(Contém uma nota de pé de página onde se escreve. "Esta observação foi acrescentada à mão sobre a primeira redacção à máquina").

Bayle": pensamentos diversos sobre o cometa.
"Não de deve julgar a vida de um homem nem pelas suas crenças nem pelo que publica nos livros.""

"Como fazer compreender que uma criança pobre pode ter vergonha sem ter inveja"
(Clara referência à infância pobre do próprio Camus.)

Vigny (correspondência): " A ordem social é sempre má: de tempos a tempos é apenas suportável. Para se ir do mau ao suportável, a disputa não vale uma gota de sangue" Não, o suportável merece, se não o sangue, pelo menos o esforço de uma vida inteira.
Misantropo em grupo, o individualista perdoa ao indivíduo."

Sait-Beuve: "Sempre pensei que se as pessoas dissessem o que pensam durante um minuto apenas a sociedade ruiria."


Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 (Setembro de 1945/ Abril de 1948).







Liberdade 5



Liberdade



Como se de asas se tratasse
invoco teu nome liberdade.

Acendo silenciosamente no teu corpo
o gesto puro de apenas despir-te
e em ti encontrar-me.

Procuro nos teus seios de lava
palavras nuas à beira da morte.
Âncoras de sol,
frutos indistintos que prometam
um porto com a forma do corpo.

Casimiro de Brito
In Jardins de Guerra


(Transcrito da edição original editado pela Portugália Editora em Novembro de 1966.
Foi o primeiro livro de poesia que comprei em Março de 1967)

terça-feira, janeiro 27

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável


Presidência Aberta


Em todos os países os recursos disponíveis são sempre, em cada tempo, escasso e, em todos os tempos, finitos. Portugal não é excepção.
O território do país é constituído por uma multiplicidade de recursos, naturais e culturais, que são o bem mais precioso que as gerações contemporâneas devem salvaguardar para legar às gerações do futuro. É este o princípio no qual se alicerça o conceito de desenvolvimento sustentável.
O Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, iniciou hoje uma Presidência Aberta dedicada ao tema do ambiente e desenvolvimento sustentável. Bem-haja.
Volto a ele para reafirmar que os desafios do crescimento contínuo e sustentável do turismo, não podem ser prosseguidos a "pensar pequeno", sem ambição de futuro, atropelando os valores ambientais e à margem de uma efectiva integração em projectos de desenvolvimento local e regional.
Estes são, em Portugal, princípios de aceitação geral mas de prática excepcional, situados fora da ortodoxia dominante, que carecem ser valorizados para que venham, num futuro próximo, de forma séria e estruturada, a servir de "grelha" de avaliação ao mérito dos projectos turísticos inclusivé para a obtenção de apoios e incentivos financeiros do Estado.
Que a cegueira do lucro rápido, a pretexto da actividade turística, não contribua para que se continue a delapidar, em extensão e profundidade, o património natural e cultural do país, inviabilizando o futuro de uma actividade em que Portugal pode ser competitivo à escala internacional.


segunda-feira, janeiro 26

Cadernos de Camus - 4


Os meus sublinhados da leitura de juventude dos Cadernos salta, por razões que não sou capaz de explicar, para o Caderno nº5. A edição portuguesa dos "Livros do Brasil" (Colecção Miniatura), apresenta uma configuração diferente da francesa, das Edition Gallimard, como é explicado no volume intitulado Cadernos III: "Por motivos de ordem técnica, Carnets II foi dividido, na edição portuguesa, em dois volumes: Cadernos II (já publicado nesta colecção sob o número 162) e Cadernos III, que é o presente volume".

Os extractos do Caderno 5 que se seguem constam, pois, dos Cadernos III dizendo respeito ao período Setembro de 1945/Abril de 1948.
Estes extractos são, por vezes, mais longos do que nas anteriores incursões por este registo de leitura o que se deve ao facto de terem sido leituras posteriores a Abril de 68, provavelmente de 69/70, no período da crise académica na qual participei activamente.

"O ar de pobres diabos que têm as pessoas nas salas de espera dos médicos".

"Conversações com Koestler. O fim não justifica os meios senão quando a ordem de grandeza recíproca for razoável. Posso mandar Saint-Exupéry em missão mortal para salvar um regimento. Mas não posso deportar milhões de pessoas e suprimir toda a liberdade por um resultado quantitativo equivalente e estipular previamente o sacrifício de três ou quatro gerações.
- O génio: Não existe.
- A grande miséria do criador começa quando se lhe reconhece talento (Já não tenho coragem de publicar os meus livros)."

"1947
Como todos os fracos, as suas decisões eram brutais e de uma firmeza insensata".


"Que vale o homem? Que é o homem? Depois de tudo o que vi, enquanto eu viver, hei-de ficar sempre com uma desconfiança e uma inquietação fundamental a seu respeito."


"Terrorismo.
A grande pureza do terrorista estilo Kalyaev, é que para ele o homicídio coincide com o suicídio (cf. Savinkov: Recordações de um terrorista). Uma vida paga-se com outra vida. O raciocínio é falso, mas respeitável. (Uma vida ceifada não vale uma vida dada.) Hoje o homicídio por procuração. Ninguém paga.
1905 Kaliayiev: o sacrifício do corpo. 1930: o sacrifício do espirito."

"Que é impossível, a respeito de quem quer que seja, dizer que é absolutamente culpado e, por conseguinte, impossível pronunciar um castigo total."


"25 de Junho de 1947
Tristeza do êxito. A adversidade é necessária. Se tudo me fosse mais difícil, como dantes, teria mais direito a dizer o que digo. O que vale é que posso ajudar muitas pessoas - entretanto."

(No ano de 1947 Camus abandona a redacção do jornal Combat e publica o romance "A Peste" que o torna célebre o que, sem dúvida, explica esta reflexão acerca do êxito. Nos meus sublinhados verifico a curiosidade de ter colocado entre aspas a frase "A adversidade é necessária". Um sublinhado do sublinhado).

Extractos, in "Cadernos" (1964-Editions Gallimard), tradução de António Ramos Rosa, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº5 ( Setembro de 1945/ Abril de 1948).










D. Januário


Tenho reflectido e acompanhado, de perto, a questão da imigração como resultado de meu envolvimento pessoal e profissional na questão do envelhecimento demográfico. Hoje o bispo D. Januário Torgal Ferreira, numa entrevista ao Público , mostra o seu desconforto com as decisões recentes do Governo acerca desta matéria.
O próprio tom do discurso mostra, mais do que desconforto, discordância face ao que considera uma política restritiva, na contemplação do acolhimento de imigrantes em Portugal, contida na regulamentação da legislação recentemente aprovada.
Tenho da acção da Igreja no terreno da acção social, em particular, nas áreas da saúde e do apoio aos imigrantes, uma ideia muito positiva. Julgo que este sentimento é geral e resulta de um efectivo trabalho da Igreja no terreno ao lado das pessoas que carecem verdadeiramente de ser apoiadas.
D. Januário crítica os que se intitulam de cristãos (nos partidos do governo) afirmando que "esperava que aparecessem igualmente com a capacidade de utopia e de exigência que faz parte dos critérios do Evangelho".
Face à questão de um discurso político que identifica "os imigrantes com o espectro do desemprego dos portugueses", D. Januário diz o essencial: "Essa lógica restritiva é de pessoas que não conhecem o terreno...". A Igreja, não tenham dúvidas, conhece-o melhor do que ninguém. É certamente mais difícil trabalhar no terreno do que fomentar o populismo...

domingo, janeiro 25

Cadernos de Camus - 3



Em sequência dos meus sublinhados da primeira leitura de juventude dos Cadernos aqui deixo os excertos que mereceram a minha admiração no Caderno nº 2 (22 de Setembro de 1937/Abril de 1939).

Assinalo que Camus ingressou no Partido Comunista Argelino em 1934, no mesmo ano do seu casamento com Simone Hié. Entre 1934 e 1937 conclui a licenciatura em Filosofia, separa-se de Simone Hié e, em 1937, é expulso (ou abandona voluntariamente) o Partido Comunista. Este breve apontamento biográfico serve para chamar a atenção para o facto de, por vezes, num futuro aprofundamento deste projecto, ser necessário acompanhar a "acção" com a biografia pois não foi por acaso que Camus adoptou a designação de "Cadernos" e não de "Diário". Camus tinha uma verdadeira aversão a retratar a sua vida pessoal não existindo nos Cadernos quase nenhumas referências directas às suas vivências pessoais. Mas elas estão lá em abundantes referências indirectas e aos seus projectos de trabalho.
Eis os meus sublinhados neste Caderno nº2 que, por sinal, são escassos.

"Huxley."No fim de contas, vale mais ser um burguês igual aos outros que um mau boémio ou um falso aristocrata, ou que um intelectual de segunda ordem…""
(Deveria eu ter acabado de ler "O Admirável Mundo Novo" e uma enorme emoção resultou dessa leitura.)

"Aquele que ama neste mundo e aquela que o ama com a certeza de se lhe juntar na eternidade. Os seus amores não estão no mesmo plano."

"O parzinho no comboio. Ambos feios. Ela agarra-se a ele, ri, excitada, seduzindo-o. Ele, de olhar sombrio, sente-se embaraçado por ser amado diante de toda a gente por uma mulher da qual não se orgulha."

"A Argélia, país a um tempo medido e desmedido. Medido nas suas linhas, desmedido na sua luz."


"Aquela manhã cheia de sol. As ruas quentes e cheias de mulheres. Vendem-se flores a todas as esquinas das ruas. E esses rostos de raparigas que sorriem."
(Esta frase, com outras que constam neste Caderno, e que não sublinhei, manteve-se muito viva na minha memória pois despertou, e desperta, as mais fortes ressonâncias afectivas da minha infância, no campo, e na pequena cidade de Faro, na distante província que era o Algarve rural dos anos 50.)

Extractos, in "Cadernos" (1962-Editions Gallimard), tradução de Gina de Freitas, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº2 ( Setembro de 1937/ Abril de 1939).

José Viale Moutinho


Recebi dois livros e um opúsculo do JVM com dedicatórias. Agradeço a atenção e retribuo com esta entrada que leva nas entrelinhas um abraço. As publicações são um opúsculo respeitante ao "Centenário da Publicação do In Illo Tempore de Trindade Coelho" (Câmara Municipal de Coimbra), uma antologia intitulada "Os Melhores Contos Portugueses do Século XIX", editada pela Landy Editora , por sinal, um belo livro para o mercado do Brasil que as (os) amigas (os) brasileiras (os) gostarão de ler, podendo procurá-lo a partir desta referência e finalmente um livro de belíssimos poemas, editado pela Afrontamento, "Outono: entre as máscaras", que já li, e do qual reproduzo este.

quinze

preparo-me para o regresso, revejo notas, roupas, afino o]
olhar cansado, conto as moedas, apago o sol, bebo um]
copo de água morna, o comprimido do coração]
afoga-se-me na garganta, arrumo a cabeça, digo adeus]

ao romance: as vozes do trabalho, são sempre vozes,]
fazem-me vibrar as têmporas, esfrego as mãos secas,]
começo a levantar-me, a apagar os silêncios, a boca]
atraiçoa-me, o travo amargo é uma lâmina de carne,]

nos bolsos procuro, em vão, um lenço branco limpo, para]
dizer adeus só um lenço assim, ou uma lágrima, mas do]
corpo apenas se afasta a mão fechada, a mão que faz o]
cimento e afaga as chamas, a mão do finado, de cera,]

fecho a janela, tanto tempo esteve aberta, corro a cortina,]
apaga-se a encosta, desaparecem o penedo branco, as aves,]
as árvores, os pratos sujos do almoço, o sol, as vacas, essa]
sórdida incomodidade da contemplação: é o outono, afinal.]




Experimentar


Ontem (sábado) foi um dia dedicado ás experiências destinadas a fazer avançar um pouco mais a qualidade do absorto. Foram dados alguns passos - em parte invisíveis - com as ajudas preciosas do turing e do Helder Gonçalves testando a introdução de imagens com algumas fotografias de sua autoria. O resultado não foi absolutamente brilhante mas resolvemos não esconder as dificuldades. Obrigado.

sábado, janeiro 24

Entardecer Urbano

Entardecer Urbano


Helder Gonçalves



Cadernos de Camus 2



Não há qualquer dúvida acerca da edição portuguesa da "Livros do Brasil" ao contrário do que um participante dos Cadernos de Camus parece fazer crer. Por outro lado a "Breve Nota Prefacial", de António Quadros, inserta nos "Cadernos II", com todo o respeito, não acrescenta nada de essencial ao trabalho de Camus, nem ao actual projecto "Cadernos de Camus" que tem como objecto essencial, ao que me parece, o próprio Camus e a sua "aventura" de criador de um blog "avant la lettre". Anoto que cada volume da edição portuguesa é traduzido por uma personalidade diferente: Gina de Freitas, António Quadros e…António Ramos Rosa.

O meu segundo contributo, na fase experimental do blog, é a transcrição do conjunto das frases sublinhadas, no próprio livro, aquando da minha primeira leitura. As restantes foram transcritas na anterior participação. Desta forma "invento" um critério para esta série de excertos do 1º caderno (Maio de 1935 a 15 de Setembro de 1937).

"Abril.
Primeiros dias de calor. Sufocante. Todos os animais estão deitados. Quando o dia começa a declinar, a natureza estranha da atmosfera por cima da cidade. Os ruídos que nela se elevam e se perdem como balões. Imobilidade das árvores e dos homens. Pelas esplanadas, mouros de conversa à espera que venha a noite. Café torrado, cujo aroma também se eleva. Hora suave e desesperada. Nada para abraçar. Nada onde ajoelhar, louco de reconhecimento.

(Nesta página escrevi à mão em frente a Abril: "3-1968-Faro-Cais". O ambiente da Argélia natal de Camus tem algo a ver com o ambiente de Faro, a minha cidade natal. Devia ser o período das Férias de Páscoa. Curiosamente nas vésperas do "Maio de 68")

"Os sentidos e o mundo - Os desejos confundem-se. E neste corpo que aperto contra o meu, aperto também essa alegria estranha que vem do céu em direcção ao mar"

"Perna partida do carregador. A um canto, um homem novo que ri silenciosamente."

"Maio.
Estes fins de tarde em Argel em que as mulheres são tão belas."

"Intelectual? Sim. E nunca renegar. Intelectual=aquele que se desdobra. Isto agrada-me. Sinto-me contente por ser ambos. "Se isto se adapta?" Questão prática. É preciso meter mãos à obra. "Eu desprezo a inteligência" significa na realidade: "não posso suportar as minhas dúvidas". Prefiro manter os olhos abertos."

"Fevereiro.
A civilização não reside num grau mais ou menos elevado de requinte. Mas numa consciência comum a todo um povo. E essa consciência nunca é requintada. Ela é mesmo completamente sincera. Fazer da civilização a obra de uma elite, é identificá-la à altura, que é uma coisa diferente. Há uma cultura mediterrânea. Pelo contrário, não confundir civilização e povo."
(Fevereiro de 1936)

"Narrativa - o homem que não se quer justificar. A ideia que se faz dele é a preferida. Ele morre, único a guardar consciência da sua verdade. Futilidade dessa consolação."
(Uma nota de pé de página assinala: "Tema de L´Etranger.")

"Maio.
Erro de uma psicologia de pormenor. Os homens que se procuram, que se analisam. Para nos conhecermos bem, temos que nos afirmar. A psicologia é acção - não reflexão sobre si próprio. Definimo-nos ao longo da vida. Conhecermo-nos perfeitamente, é morrer."

"Os casais: o homem tenta brilhar diante de terceiros. A mulher imediatamente: "Mas tu também…", e tenta diminui-lo, torná-lo solidário da sua mediocridade."

"Mulheres na rua. A besta arrebatada do desejo que trazemos enroscada na cavidade dos rins e que se agita com uma suavidade estranha."

Extractos, in "Cadernos" (1962-Editions Gallimard), tradução de Gina de Freitas, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", Caderno nº1 (Maio de 1935/Setembro de 1937).





sexta-feira, janeiro 23

Cadernos de Camus


Enviei a primeira contribuição para o José Pacheco Pereira que tomou a iniciativa de criar os Cadernos de Camus , blog provisório destinado a dar corpo a este aliciante projecto. Aqui reproduzo o texto enviado.
Releio o Caderno nº 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) e anoto os meus sublinhados vigorosos, aquando da primeira leitura, na segunda metade dos anos 60. Achei que nesta primeira abordagem não os devia ignorar. Eis o meu primeiro sublinhado:
"Jovem eu pedia às pessoas mais do que elas me podiam dar: uma amizade contínua, uma emoção permanente.
Hoje sei pedir-lhes menos do que podem dar: uma companhia sem palavras. E as suas emoções, a sua amizade, os seus gestos nobres mantêm a meus olhos o seu autêntico valor de milagre: um absoluto resultado da graça."
Tenho dificuldade em interpretar as razões que me levaram, com 20 anos, a fazer esta escolha mas seria capaz, hoje, de sublinhar de novo com acrescidas razões.
Com respeito às escolhas de JPP é curioso que os meus sublinhados de juventude se situam imediatamente antes e depois das citações escolhidas por JPP. Sublinhei a frase imediatamente anterior à citação de JPP com o título "A civilização contra a cultura", ou seja,
"As filosofias valem aquilo que valem os filósofos. Maior é o homem, mais a filosofia é verdadeira."
E ainda mais extraordinário a coincidência de ter sublinhado as citações imediatamente anterior e posterior daquela outra que JPP escolheu com o título: "Poder consolador do inferno", quais sejam:
"Combate trágico do mundo sofredor. Futilidade do problema da imortalidade. Aquilo que nos interessa, é de facto o nosso destino. Mas não "depois", "antes"."
E esta outra:
"Regra lógica. O singular tem valor de universal.
-ilógica: o trágico é contraditório.
-prática: um homem inteligente em certo plano pode ser um imbecil noutros."
As minhas escolhas de juventude podiam ser as minhas escolhas actuais. As minhas escolhas actuais vão mais além mas encaminham-se, quase sempre, para uma faceta da reflexão em que Camus olha a natureza e os outros com assumido desprendimento pelas coisas materiais sempre deixando transparecer um problema nunca resolvido na sua vida: a sua relação com o sucesso. Como transparece no texto final deste Caderno nº 1 quando escreve:
"…Não é necessário entregarmo-nos para parecer mas apenas para dar. Há muito mais força num homem que não parece senão quando é preciso. Ir até ao fim, é saber guardar o seu segredo. Sofri por estar só, mas por ter guardado o meu segredo venci o sofrimento de estar só. E hoje não conheço maior glória que viver só e ignorado. Escrever, minha profunda alegria!..."
Extractos, in "Cadernos" (1962-Editions Gallimard), tradução de Gina de Freitas, Colecção Miniatura das Edições "Livros do Brasil", incluindo: Caderno nº1 (Maio de 1935/Setembro de 1937), Caderno nº2 (Setembro de 1937 a Abril de 1939) e Caderno nº3 (Abril de 1939 a Fevereiro de 1942).


O peregrino do optimismo


A imagem é interessante. Ela surgiu algures a propósito da visita do PR a alguns concelhos do distrito de Aveiro. Li também que o PR tinha "saído animadíssimo de Sever do Vouga" e que estava farto do pessimismo. Ainda bem. Conheço o peregrino, admiro-o, sei que é capaz de enfrentar as dificuldades e de honrar os compromissos. Peregrinar tem o sentido de viajar por terras distantes, "por países longínquos". De facto uma viagem ao Portugal profundo (que pode muito bem ser no litoral) assume, de certo modo, o sentido de peregrinação. Tempos atrás fiz uma viagem em que percorri todos os concelhos raianos de Vila Real de Santo António a Caminha. Foi uma experiência extraordinária pois perante nós se apresenta um país onde se vê a TV espanhola, as rádios idem, as redes de telemóveis, idem, o comércio, idem…o que nos permite, sem contemplações, compreender as razões do nosso relativo atraso. O pequeno Portugal de antanho torna-se imenso, quando as gentes envelhecem, minguam as actividades agrícolas, as escolas ficam vazias, os Correios vão para as Junta, etc., etc.… Por estas e por outras o peregrino do optimismo corre o risco de se transformar no peregrino do pessimismo ao contrário. É que a estratégia do pessimismo não é inocente. Ela, nos nossos dias, como sempre na história, trás no bojo a aspiração ao poder dos salvadores da pátria. Os déspotas. Não lhes ponho sinal ideológico. Os déspotas para atingirem os seus fins costumam inventar uma ideologia. Claro que demora o seu tempo, se lhes derem tempo. Nos nossos regimes de democracia representativa o despotismo apresenta-se em todo o seu esplendor através das denúncias anónimas, das fugas de informação, com origens diversas, da corrupção consentida, da promiscuidade entre o poder político e os media, que desemboca nos julgamentos populares com as televisões no lugar das câmaras de gáz, … Em democracia é preciso saber suportar os incómodos da diferença, prezar a opinião oposta, apreciar a honorabilidade dos cidadãos, as suas ideias e realizações, mesmo discordantes, assim como as opções dos governos que nos antecederam. É penoso construir um caminho virtuoso de progresso, em democracia, por cima da humilhação e do assassinato de carácter, ético ou, no limite, físico dos adversários. Mas é a política tradicional! Não é? O peregrino do optimismo corre, assim, o risco de se transformar, contra os desejos dos seus amigos e da maioria esmagadora do povo português, num figurante desta estranha situação portuguesa: uma espécie de regresso a casa depois do funeral de um familiar de que não se gostava muito mas que, afinal, nos fazia muita falta…

Blog - Cadernos de Camus


Surgiu o prometido tiro de partida para este estimulante projecto de que se não sabe, ao certo, o destino. Esse é um dos seus encantos. Os diversos interessados que venham a ser participantes terão os seus objectivos a atingir. A maioria será, certamente, constituída por "franco atiradores" como eu. Alguns outros (poucos) serão especialistas na obra de Camus, porque não há muitos. A "matéria-prima" (os cadernos propriamente ditos) é de primeira qualidade e ajustada ao jogo. Os jogadores/participantes não os conheço à partida. Mas isso não tem grande importância. São participantes disponíveis, como eu, é quanto basta. Resta formar a equipa coordenadora que é com o JPP que, através do abrupto, foi o mentor da ideia. Pela minha parte utilizarei a velha edição portuguesa, um bocado amarelecida, mas em bom estado, recentemente restaurada e encadernada, com capa dura, através da ajuda preciosa da Manuela EP que acompanha estas manobras lá do Porto. Vou procurar dar um contributo que gostaria que contivesse uma componente de criatividade e originalidade através do trabalho de uma equipa a dois. Já fiz o convite. Hoje só queria reafirmar a minha disponibilidade. Nos próximos dias dou mais notícias acerca do tema.
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quinta-feira, janeiro 22

Tradução 3


A carta de Roger Sulis publicada por JPP no abrupto esclarece, a partir de um artigo de Jorge de Sena, a questão da tradução que este realizou da obra poética de Cavafy (a partir do inglês). Acrescenta Sulis algumas considerações entre as quais uma referência ao longo poema de Sena "EM CRETA, COM O MINOTAURO" (1965) para comprovar, pelas palavras do próprio, a sua ignorância do grego.
Eis o "capítulo" integral do referido poema aliás extraordinariamente violento:

III
É aí que eu quero reencontrar-me de ter deixado]
a vida pelo mundo em pedaços repartida, como dizia]
aquele pobre diabo que o Minotauro não leu, porque,]
como toda a gente, não sabe português.]
Também eu não sei grego, segundo as mais seguras informações.]
Conversaremos em volapuque, já]
que nenhum de nós o sabe. O Minotauro]
não falava grego, não era grego, viveu antes da Grécia,]
de toda esta merda douta que nos cobre há séculos,]
cagado pelos nossos escravos, ou por nós quando somos]
os escravos de outros. Ao café,]
diremos um ao outro as nossas mágoas.]
….