Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
sexta-feira, novembro 6
ELEIÇÕES - 6 de novembro
Hoje foi dado um passo que representa uma novidade absoluta na politica portuguesa desde o 25 de abril de 74. Diria mesmo desde a desistência de Arlindo Vicente, apoiado pelo PCP, em favor de Humberto Delgado, nas eleições presidenciais de 1958. O PCP declarou, formalmente, apoio à viabilização de um governo PS. Podem fazer-se as mais diversas interpretações, e estão a ser feitas neste momento, acerca desta convergência politica entre as forças politicas da esquerda portuguesa, mas a dita convergência, com efeitos políticos práticos, está consumada. Parece ser claro que existe uma oposição interna em todos os partidos de esquerda (mais visível no PS) a esta orientação de António Costa. É evidente que os partidos da direita dela discordam por razões politicas, ideológicas e práticas. Que se colocam no debate as questões de legitimidade e viabilidade politica da formação de um governo do PS com apoio parlamentar de todos os partidos de esquerda. Tudo se discute e é próprio de um regime democrático que tudo se discuta. Que existe crispação política embora contida nos círculos políticos. Que existem incertezas acerca do desfecho do processo de criação deste governo, quer pelas imperfeições do acordo hoje anunciado que carece, além do acordo programático, da conclusão de um acordo politico. Mas, em boa verdade, o passo dado representa o inicio de uma mudança profunda da estrutura politico partidária portuguesa questão que quase não é referida nem muito menos sublinhada. Não sabemos, com precisão, o tempo nem o modo dessa mudança mas é mais que certo que ela está em curso não só à esquerda como também à direita. É só esperar mais algum tempo para o confirmar.
quarta-feira, novembro 4
1º de maio de 1974
Afinal havia, pelo menos, mais uma fotografia (a quinta) que testemunha o surgimento do MES na manifestação do 1º de maio de 74, em Lisboa. Acaba de me ser enviada pela Inês Cordovil e, por sinal, é a de melhor qualidade de todas e nela é possível reconhecer, com muita nitidez, muitos dos participantes.
segunda-feira, novembro 2
ELEIÇÕES - 2 de novembro
Na situação politica atual há uma questão que, pelo menos de forma generalizada, não está presente na agenda dos políticos que tomam a palavra no discurso público e muito menos dos comentadores encartados que pululam por tudo o que é espaço comunicacional. Trata-se da transformação, reforma ou reformulação, dos partidos que ganharam expressão, e peso politico, no período pós 25 de abril. Não sei das razões de não se discutirem os partidos por dentro de si próprios e ainda menos das razões de não serem estudados, enquanto entidades autónomas, e sujeitos à critica vinda de fora, não só pelo lado das politicas que preconizam mas também da forma como se organizam para prosseguir essas politicas. Nada justifica que tendo mudado, de forma substancial, a realidade socioeconómica do país ao longo destes 40 anos de regime democrático, nada, ou quase, tenha mudado na realidade partidária. Este é um debate que está por fazer, e que deverá ser feito de forma aberta e participada, não sendo subsidiário de guerras nos aparelhos partidários. O momento politico presente, de forma evidente à esquerda, abre as portas a esse debate pois não haverá governo apoiado pela(s) esquerda(s) que se sustenha se entre elas não forem acordados mais do que pactos que sirvam as conveniências de momento; nem haverá à direita, a breve prazo, convergência que se sustenha fora do exercício do poder. Será que as lideranças político-partidárias terão a coragem de serem elas próprias, de forma aberta, a colocarem os termos da reforma partidária? Neste contexto não é de admirar os movimentos internos, como o de Francisco Assis (no PS)e outros que surgirão (noutros quadrantes), que representam, no essencial, a necessidade de debater uma reforma profunda dos partidos herdados do 25 de abril de 74.
domingo, novembro 1
ELEIÇÕES - 1 de novembro
Quase um mês passado,após o dia do voto, para o cidadão comum, o momento é de espera. Os diretórios partidários movimentam-se e buscam posicionar-se para uma nova fase da luta politica que se adivinha ser de confronto entre duas barricadas nas quais tendem a acantonar-se a direita e a esquerda. A imagem pública que resulta destas semanas pós eleitorais é a da erosão do centro politico, quiçá do seu desaparecimento. Parece-me, no entanto, que o centro politico permanece como espaço no qual vão desaguar todas as aspirações do diálogo e compromisso políticos. O que está em causa, no essencial, neste processo é mais do que a formação do governo e sua natureza politico/ideológica, é a resposta a uma necessidade de reformulação do desenho da organização político-partidária herdada do 25 de abril de 74. Mais do que a questão do governo está em equação a questão do futuro do regime democrático. Para que a democracia se não esvaia em prol do vencimento de um qualquer populismo, que assoma por toda a Europa, é crucial manter viva a capacidade de levantar pontes e mantê-las abertas em todos os sentidos, envolvendo todos os partidos democráticos, sem exclusões, nem concessões às pulsões populistas sejam de direita ou de esquerda. A tarefa sempre mais difícil para os democratas de todas as ideologias é a de acreditar, mesmo nas situações, aparentemente, de rutura que os compromissos são possíveis, a todos os níveis, envolvendo todos os protagonistas.
quarta-feira, outubro 28
ELEIÇÕES - 28 de outubro
Ainda no rescaldo das eleições de 4 de outubro. Percorrem-se as curvas e contracurvas na sequência do resultado eleitoral. Como já foi assinalado por alguns (poucos) comentaristas o desenho partidário em Portugal manteve-se no essencial ao contrário de outros países da UE. Não emergiram novos partidos nem soçobraram os partidos tradicionais. Criou-se uma nova correlação de forças impulsionada pela mudança de orientação do PCP tornando a esquerda tradicional, de súbito, aspirante a partilhar o poder a nível de governo. De que forma? Não se sabe ainda ao certo. Pela primeira vez, após o período do PREC, a surpresa sobrepõe-se ao adquirido. Numa Europa sofrendo de uma multiplicidade de encruzilhadas, na defensiva no plano estratégico face aos USA, em pleno questionamento do próprio modelo de união, Portugal torna-se alvo de atenções redobradas. Mas também a Espanha, pelo movimento independentista da Catalunha, com eleições nacionais à vista (20 de dezembro), também a Polónia com a vitória nas eleições do último domingo de um partido de ultra direita, e outros casos que se seguirão revelando, certamente, a ascensão dos partidos populistas e a erosão dos social democratas e socialistas. Faz lembrar, com as devidas distâncias, o período que antecedeu a 2ª grande guerra, com disputas na proteção das fronteiras nacionais, emergência de nacionalismo exacerbados, perseguição ou levantamento de barreiras a refugiados ... Portugal é somente um pequeno país no meio da imensidão de uma fogueira que ameaça a democracia dia a dia mais difícil de controlar!
terça-feira, outubro 27
ANIVERSÁRIO
Neste dia, 25 anos passados, nasceu o meu filho Manuel. Pouco tempo, muito tempo, todo o tempo na minha lembrança seja qual for a felicidade ou a dor que, a cada momento, nos acompanhe. Venho a esta velha tela branca, escrevendo directamente nela, como tantas vezes no passado, para assinalar o seu aniversário e com ele a vontade de sempre, com a sua mãe, o acompanharmos em todas as suas andanças cada qual à sua maneira. Que seja feliz!
sábado, outubro 24
ELEIÇÕES - 24 DE OUTUBRO
Mais de 40 anos depois do 25 de abril de 1974, como resultado de eleições livres e democráticas, por sobre as mais diversas vicissitudes, incluindo um histórico de tentativas de assassinato de carácter, Ferro Rodrigues foi eleito Presidente da Assembleia da República. O contexto e as circunstâncias politicas desta eleição são dissecadas, em todos os sentidos, pró e contra, pelos políticos e pela comunicação social. Nada a acrescentar. O que me leva a escrever estas linhas é a necessidade de assinalar que, pela via democrática, esta eleição coloca no lugar da segunda figura do Estado um cidadão impoluto, livre, justo e incorruptível. Para o exercício destas funções são, certamente, necessários os votos e não é indiferente a cor politica e ideológica do eleito. Mas o mais relevante é o seu perfil pessoal e a confiança de que, em circunstância alguma, deixará de honrar os princípios da ética republicana. Não que a anterior presidente da AR e outros que a antecederam, desde Henrique de Barros, Presidente da Assembleia Constituinte, não tenham honrado os compromissos próprios da função. Mas a eleição de Ferro Rodrigues, no inicio de uma nova época politica, com redobradas exigências de equilíbrio entre as instituições e firmeza na defesa da democracia, são uma garantia de abertura, diálogo e busca incessante de consenso apesar de toda a crispação deste início de mandato. Haja saúde!
quinta-feira, outubro 22
terça-feira, outubro 20
ELEIÇÕES - 20 de outubro
Continuo a não conhecer o que se passa nos bastidores da politica nacional mas torna-se cada vez mais evidente o regresso em força da politica. As disputas em democracia podem ser duras mas a sua dureza no quadro democrático, através do voto e do debate, é uma alternativa à violência. Muitas cabeças lúcidas - faço questão de acreditar que em todos os campos em confronto elas existem - já identificaram a natureza da situação criada pelos resultados das eleições legislativas de 4 de outubro e as suas novidades. A novidade mais relevante é a decisão do PCP de aceitar partilhar o poder a nível de governo que sempre havia recusado desde, pode dizer-se, antes do 25 de abril. Quem conheça, mesmo que só ao de leve o PCP, sabe que as suas decisões estratégicas, ou mesmo as táticas mais relevantes, não são tomadas do dia para a noite. Acredito, no entanto, que a assunção da liderança do PS por António Costa terá favorecido a decisão do PCP. Poucos falam, nestes momentos de viragem, de questões que estão para além do "pronto a vestir", mas eu creio que a decisão de Costa de assumir a liderança do PS, trazia no seu bojo a ideia de, mais tarde ou cedo, por fim ao autoafastamento do PCP da esfera do poder a nível de governo. O mesmo não acontece, como todos sabem, a outros níveis como o autárquico em cuja gestão o PCP tem assumido, desde o 25 de abril, um papel relevante embora confinado quase só às Regiões da Grande Lisboa e Alentejo. As personagens politicas, quer seja através da sua tradição familiar, quer do exercício de politicas de proximidade e por cultura pessoal, podem assumir papéis surpreendentes em mudanças politicas de fundo. Esta história não se pode fazer a quente nem sequer é possível avaliar com rigor a direção que vai assumir e, muito menos, o grau de sucesso de uma eventual aliança, mais ou menos formal, entre os atuais partidos que ocupam o lado esquerdo do nosso espetro partidário. Mas tenho a certeza que as personalidade dos dirigentes políticos fazem a diferença. Muita água vai correr debaixo das pontes nas próximas semanas mas é certo que está a acontecer uma mudança politica em Portugal cujas consequências são difíceis de medir. O sistema politico/partidário move-se de forma real, resta saber se os protagonistas têm consciência da amplitude e direção do movimento que estão a desencadear.
sexta-feira, outubro 16
ELEIÇÕES - 16 de outubro
Não sei o que se passa nos bastidores das negociações neste período pós eleitoral. Assinalo os sinais da sua existência através de declarações, réplicas, respostas e imagens. A vantagem do nosso sistema partidário pelo "bloqueamento" nos extremos, que tem evitado a emergência de partidos populistas, revela-se uma desvantagem quando se torna imperioso debater soluções de governo. A "coligação PSD/CDS-PP" não encontra interlocutor à sua direita, nem sequer qualquer pequeno partido, ou movimento, da direita, ou extrema direita, ao contrário do que acontece em muitos países, e essa desertificação obriga a buscar soluções ao centro esquerda (PS) ou esquerda (BE ou PCP) já que não emergiu outra força com expressão eleitoral suficiente (o PAN pode ser uma surpresa mas somente no futuro). O resultado das eleições de 4 de outubro tornou, pois, o PS a chave para a viabilização de um governo, circunstância que a coligação, aparentemente, menosprezou não entendo, por ora, a razão. Costa explorou o vazio (a politica tem horror ao vazio)e encetou uma "longa marcha" que, paradoxalmente, tem que percorrer em pouco tempo para forjar uma maioria parlamentar de apoio a um governo minoritário do PS (ou de coligação o que será muito mais difícil). Era sabido, para quem estivesse atento aos sinais, que o PCP estava, desde há muito, a preparar a saída do seu auto isolamento politico face à partilha do poder a nível de governo. O BE, por seu lado, soube interpretar a natureza do seu crescimento nas eleições que só poderá consolidar conquistando posições no aparelho de estado já que, ao contrário do PCP, é um partido sem implantação autárquica, urbano, de raiz ideológica, cujo crescimento tem dependido mais que tudo de dificuldades alheias. Costa mesmo sob fogo cerrado abre caminho para, como é próprio da politica, fazer das dificuldades com que se deparam os partidos socialistas e social democratas europeus, as forças que podem permitir a regeneração, ou reforma, do PS português, reconfigurando partidariamente a esquerda. Se for essa a sua aspiração eis um desígnio que vai para além das suas circunstâncias. O seu principal obstáculo é o próprio PS.
quarta-feira, outubro 14
NUNO TEOTÓNIO PEREIRA
A propósito de uma homenagem a prestar no dia 15 de outubro de 2015.
O Arquitecto Nuno Teotónio Pereira é uma daquelas personalidades raras na qual se juntam um notável curriculum profissional e uma postura de intervenção cívica, persistente e pertinente, assumida desde os tempos da oposição à ditadura. Ele é, na verdade, um dos arquitectos portugueses contemporâneos que foi capaz, como poucos, de integrar, sem cedências à facilidade, as preocupações sociais e a arte de «arquitectar». Há por esse país muitas obras de sua autoria, ou co-autoria, que testemunham esta simbiose.
Nos tempos de brasa do 25 de Abril foi um dos mais proeminentes dirigentes do MES, posição que saiu reforçada aquando da ruptura do grupo de Jorge Sampaio, ocorrida no 1º Congresso de Dezembro de 1974. O MES, na sua curta existência, só participou, de parte inteira, nas duas primeiras eleições da nossa III República: as eleições para a Assembleia Constituinte, disputadas em 25 de Abril de 1975, e as primeiras eleições para a Assembleia da República disputadas em 25 de Abril de 1976.
As nossas esperanças iniciais eram muitas elevadas. A lista do MES, pelo círculo de Lisboa, às eleições para a Assembleia Constituinte, foi encabeçada pelo Afonso de Barros a que se seguiram o Eduardo Ferro Rodrigues, o Augusto Mateus e o Luís Martins (padre, ainda a exercer…). A lista candidata às primeiras eleições legislativas, realizadas em 25 de Abril de 1976, foi encabeçada pelo Nuno Teotónio Pereira, seguido do subscritor destas linhas.
Poder-se-ia pensar que o MES havia encontrado o seu líder. Puro engano. Ao contrário dos restantes partidos, sem excepção, a personalidade que encabeçava a lista por Lisboa nunca foi, no caso do MES, o líder do partido pela simples razão de que no MES nunca existiu um líder. O que hoje penso é que, por incrível que pareça, sempre assumimos, do princípio ao fim, o que poderia designar-se como uma obsessão pelo colectivo.
Estávamos perante as primeiras eleições, verdadeiramente, livres e democráticas, após quase 50 anos de ditadura. Ainda hoje me interrogo como foi possível que tenhamos, no MES, encarado essas eleições, cuja transcendência política era inegável, como meros actos de pedagogia, mais do que actos destinados à disputa do poder. Ainda hoje me questiono acerca das raízes da concepção que permitiram à UDP (com o BE ainda tão longe!) ter obtido, nas eleições para a Assembleia Constituinte, menos votos do que o MES, a nível nacional, e feito eleger um deputado.
Existem muitas evidências dessa atitude de participação «não interesseira» do MES, desde o discurso anti-eleitoralista, que emanava de uma desconfiança, de raiz ideológica, acerca da verdadeira natureza da democracia representativa que, na verdade, aceitávamos como um mal menor, até à ausência de sinais de personalização nas campanhas eleitorais nas quais nunca foram utilizadas sequer fotografias dos cabeças de lista pelo círculo de Lisboa. A participação nas campanhas, embora tenha utilizado todos os meios, à época disponíveis, nunca cedeu um milímetro à personalização.
Após o fracasso da candidatura do MES à constituinte, ainda mais me parece estranho, à distância de 35 anos, a abdicação de personalizar na figura do Nuno Teotónio Pereira a campanha para as eleições destinadas a eleger a 1ª Assembleia da República. A sua participação como cabeça de lista pode ser interpretada, não me lembrando dos detalhes do processo decisório, como uma tentativa de credibilizar o MES jogando na refrega eleitoral a figura do seu mais proeminente dirigente.
Mas, ao contrário do que aconselharia a mais elementar lógica eleitoral, a campanha não valorizou a figura do Nuno Teotónio Pereira o que acabou por constituir o haraquiri político eleitoral do MES. Lembro-me de ter ocupado o segundo lugar nessa lista e do desconforto que senti quando, chegada a hora de votar, numa secção de Benfica, no meio da multidão, comovido até às lágrimas, sozinho, pressenti a derrota inevitável. E essa derrota foi ainda mais pesada do que aquela que averbámos nas eleições para a Assembleia Constituinte.
Se há uma personalidade que não merecia sair derrotada da aventura política do MES é o Nuno Teotónio Pereira a quem, como escrevi, em 2004 , devemos todos, os jovens quadros dos anos 60 e 70, uma imensidade de ensinamentos, gestos de desprendida solidariedade e humanidade que jamais poderemos retribuir com a mesma intensidade e sentido de dádiva.
Que viva!
O Arquitecto Nuno Teotónio Pereira é uma daquelas personalidades raras na qual se juntam um notável curriculum profissional e uma postura de intervenção cívica, persistente e pertinente, assumida desde os tempos da oposição à ditadura. Ele é, na verdade, um dos arquitectos portugueses contemporâneos que foi capaz, como poucos, de integrar, sem cedências à facilidade, as preocupações sociais e a arte de «arquitectar». Há por esse país muitas obras de sua autoria, ou co-autoria, que testemunham esta simbiose.
Nos tempos de brasa do 25 de Abril foi um dos mais proeminentes dirigentes do MES, posição que saiu reforçada aquando da ruptura do grupo de Jorge Sampaio, ocorrida no 1º Congresso de Dezembro de 1974. O MES, na sua curta existência, só participou, de parte inteira, nas duas primeiras eleições da nossa III República: as eleições para a Assembleia Constituinte, disputadas em 25 de Abril de 1975, e as primeiras eleições para a Assembleia da República disputadas em 25 de Abril de 1976.
As nossas esperanças iniciais eram muitas elevadas. A lista do MES, pelo círculo de Lisboa, às eleições para a Assembleia Constituinte, foi encabeçada pelo Afonso de Barros a que se seguiram o Eduardo Ferro Rodrigues, o Augusto Mateus e o Luís Martins (padre, ainda a exercer…). A lista candidata às primeiras eleições legislativas, realizadas em 25 de Abril de 1976, foi encabeçada pelo Nuno Teotónio Pereira, seguido do subscritor destas linhas.
Poder-se-ia pensar que o MES havia encontrado o seu líder. Puro engano. Ao contrário dos restantes partidos, sem excepção, a personalidade que encabeçava a lista por Lisboa nunca foi, no caso do MES, o líder do partido pela simples razão de que no MES nunca existiu um líder. O que hoje penso é que, por incrível que pareça, sempre assumimos, do princípio ao fim, o que poderia designar-se como uma obsessão pelo colectivo.
Estávamos perante as primeiras eleições, verdadeiramente, livres e democráticas, após quase 50 anos de ditadura. Ainda hoje me interrogo como foi possível que tenhamos, no MES, encarado essas eleições, cuja transcendência política era inegável, como meros actos de pedagogia, mais do que actos destinados à disputa do poder. Ainda hoje me questiono acerca das raízes da concepção que permitiram à UDP (com o BE ainda tão longe!) ter obtido, nas eleições para a Assembleia Constituinte, menos votos do que o MES, a nível nacional, e feito eleger um deputado.
Existem muitas evidências dessa atitude de participação «não interesseira» do MES, desde o discurso anti-eleitoralista, que emanava de uma desconfiança, de raiz ideológica, acerca da verdadeira natureza da democracia representativa que, na verdade, aceitávamos como um mal menor, até à ausência de sinais de personalização nas campanhas eleitorais nas quais nunca foram utilizadas sequer fotografias dos cabeças de lista pelo círculo de Lisboa. A participação nas campanhas, embora tenha utilizado todos os meios, à época disponíveis, nunca cedeu um milímetro à personalização.
Após o fracasso da candidatura do MES à constituinte, ainda mais me parece estranho, à distância de 35 anos, a abdicação de personalizar na figura do Nuno Teotónio Pereira a campanha para as eleições destinadas a eleger a 1ª Assembleia da República. A sua participação como cabeça de lista pode ser interpretada, não me lembrando dos detalhes do processo decisório, como uma tentativa de credibilizar o MES jogando na refrega eleitoral a figura do seu mais proeminente dirigente.
Mas, ao contrário do que aconselharia a mais elementar lógica eleitoral, a campanha não valorizou a figura do Nuno Teotónio Pereira o que acabou por constituir o haraquiri político eleitoral do MES. Lembro-me de ter ocupado o segundo lugar nessa lista e do desconforto que senti quando, chegada a hora de votar, numa secção de Benfica, no meio da multidão, comovido até às lágrimas, sozinho, pressenti a derrota inevitável. E essa derrota foi ainda mais pesada do que aquela que averbámos nas eleições para a Assembleia Constituinte.
Se há uma personalidade que não merecia sair derrotada da aventura política do MES é o Nuno Teotónio Pereira a quem, como escrevi, em 2004 , devemos todos, os jovens quadros dos anos 60 e 70, uma imensidade de ensinamentos, gestos de desprendida solidariedade e humanidade que jamais poderemos retribuir com a mesma intensidade e sentido de dádiva.
Que viva!
terça-feira, outubro 13
domingo, outubro 11
ELEIÇÕES -11 de outubro
Uma semana exata após as eleições de 4 de outubro estamos no patamar de um período da política em Portugal repleto de novidades e incertezas. A charneira é sempre a parte mais frágil de um sistema de forças sejam quais forem as forças que se confrontam. Nos próximos dias o SG do PS será submetido às mais altas pressões para decidir num ou noutro sentido o posicionamento político do partido charneira para a formação do governo. As pressões são próprias da politica e atingem o auge nos momentos das grandes decisões, ou seja, aquelas que se orientam no sentido de grandes mudanças. Os partidos em democracia não servem para se servir a si próprios e, em círculo fechado, os interesses dos seus dirigentes. Os partidos servem para concretizar politicas que os eleitores sufragam em eleições a partir de propostas que lhes são apresentadas. O regime democrático, quando amadureceu e é servido por verdadeiros democratas, permite sempre encontrar soluções razoáveis e legais. Por vezes falta é a coragem ...
quarta-feira, outubro 7
ELEIÇÕES - 7 de outubro
Já passaram as eleições mas não o efeito delas. Achei estranho que no decurso da campanha eleitoral não tivessem assumido protagonismo os "capitães de indústria", à nossa dimensão, ao contrário do que aconteceu nas eleições antecedentes. Nem sequer, do outro lado, os lideres sindicalistas do professorado e das classes de profissionais dos serviços. Nem os intelectuais destacados que têm costela politica e verve discursiva radical. É claro que passaram uns anos, sopraram ventos e correram marés, se criaram expetativas não cumpridas e se adensaram medos inesperados. Mas o que é facto é que muitas personagens de proa se remeteram ao silêncio não sentindo a necessidade de vir à praça pública expôs-se tomando partido. Eles tinham as suas razões e o resultado das eleições confirmou-as. A partir de domingo passado podem reposicionar-se conforme a formatura da solução politica que sair do debate político em curso. E talvez sejam obrigados a voltar à antena... E sempre lucrar com quem assumir o governo mesmo se lhes for, finalmente, adverso. Mas independentemente das preferências, e filiações político-partidárias de todos e de cada um, é de saudar, nesta época de desalentos e dificuldades, o regresso da política. Ela aí está!
segunda-feira, outubro 5
domingo, outubro 4
À memória de Fernando Pessoa
Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão -
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas,
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio de descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma intriga: as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver -
Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
Poetas, escutai-me. Transformemos
A nossa natural angústia de pensar -
Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!
António Botto
Poema de Cinza
As Canções de António Botto
Editorial Presença1999
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão -
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas,
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio de descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma intriga: as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver -
Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
Poetas, escutai-me. Transformemos
A nossa natural angústia de pensar -
Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!
António Botto
Poema de Cinza
As Canções de António Botto
Editorial Presença1999
sexta-feira, outubro 2
ELEIÇÕES - 2 de outubro
Deixei passar o tempo e por pouco não vinha a tempo de deixar uma última palavra acerca das eleições legislativas que terão o seu desfecho no próximo domingo. Votarei no PS. Na verdade sempre votei no PS após ter votado no MES as duas únicas vezes que, antes de alegremente se finar, foi a votos: em 25 de abril de 1975 e 25 de abril de 1976, respetivamente para a Assembleia Constituinte e para a 1ª Assembleia Legislativa. O meu voto, em eleições democráticas, tem a mesma importância do voto de qualquer outro cidadão, daí a sua importância. Ninguém é mais importante que outrem nesta matéria de votar, somos todos iguais. Acresce que o meu voto, em eleições livres, não é condicionado por ninguém, sou eu próprio que, em consciência, decido. O voto livre e democrático é uma conquista civilizacional extraordinária pela qual vale a pena lutar pois, apesar de todos os seus defeitos, é a mais poderosa barreira aos populismos e a todas as tentações ditatoriais, que as há! A melhor forma de defender esta conquista extraordinária, salvaguardando a democracia e a liberdade, é exercer, em pleno, o direito ao voto. Como tal sempre os democratas proclamaram em todos os tempos: às urnas! às urnas!
quinta-feira, outubro 1
ELEIÇÕES - 1 de outubro
A "guerra" das sondagens encobre a verdadeira batalha pela credibilidade entre duas candidaturas com vocação para assumir responsabilidades de governo: a do PS e a do PSD (coligado com o PP). As restantes candidaturas com expressão eleitoral relevante situam-se à esquerda (PCP e BE) sendo que é necessário lembrar que o BE é o resultado de uma federação de partidos de esquerda revolucionária (UDP, LCI, ...). Confirma-se nesta campanha, como resultado da não emergência de novos partidos, ao contrário do que acontece noutros países, uma forte tendência para o crescimento da abstenção e do número de indecisos até ao dia do voto. Quero crer que o resultado final resultará do distribuição do sentido do voto daqueles que hoje se declaram indecisos e ... de algum acontecimento inesperado... mas como se costuma dizer, em linguagem futebolística, "prognósticos só no fim do jogo".
terça-feira, setembro 29
APOIO A ANTÓNIO COSTA
A minha inscrição no PS (Partido Socialista Português) ocorreu em 1986, após a extinção festiva do MES, em 1981, seguida de um conjunto de iniciativas fracassadas para tentar manter viva a chama de uma participação politica ativa independente dos partidos. A certa altura foi necessário fazer opções. Pela parte que me toca, decidi, em conjunto com um grupo que sempre se havia mantido unido, aderir ao PS. A minha militância nos anos mais recentes tem sido escassa mais por razões das funções públicas que tenho exercido do que pela falta de interesse pela politica que nunca me abandonou nem, certamente, abandonará. Não me sinto confortável misturando funções institucionais em organizações públicas, ou para públicas, e atividade política partidária. Mas sempre, nos momentos que considero relevantes, e decisivos, não me dispenso de tomar posição no terreno da disputa partidária. Sinto essa obrigação e não cedo a qualquer tipo de calculismo. Nas vésperas de uma eleição original no nosso regime democrático parlamentar - que defendo - as chamadas primárias, venho declarar o meu apoio a António Costa. Razões? Algumas que a razão desconhece! Outras que se fundamentam, no essencial, na perceção que Costa é o político profissional da área do centro esquerda mais capaz de buscar consensos em todas as direções e, mais importante, de os concretizar. Na nossa sociedade contemporânea esta é para mim a faceta mais importante de um líder de um partido de poder, pois é disso que se trata quando se fala, no nosso país, do PS ou do PSD. Nada sei, nem me dou ao trabalho de adivinhar, acerca do futuro da governação pós eleitoral. Mas sei que convém a toda a gente, seja qual for o seu posicionamento politico/ideológico, que o PS seja capaz de dialogar, de forma séria e realista, à sua esquerda e direita. Parece uma banalidade mas é da essência da politica a capacidade de, aceitando as diferenças e refregas próprias da luta democrática, buscar o maior consenso possível sem abdicar nunca da defesa dos princípios da liberdade e da democracia. Penso que, no campo socialista, Costa é quem reúne as melhores condições para pacificar o seu próprio partido e lançar as sementes de uma reforma profunda do regime que o salvaguarde da voracidade dos populismos que o ameaçam.
(Publicado em 26 de setembro de 2014 e que, no essencial, corresponde ao que penso hoje - apesar de toda a vozearia própria das campanhas eleitorais - nas vésperas das eleições legislativas de 4 de outubro.)
(Publicado em 26 de setembro de 2014 e que, no essencial, corresponde ao que penso hoje - apesar de toda a vozearia própria das campanhas eleitorais - nas vésperas das eleições legislativas de 4 de outubro.)
sábado, setembro 26
ELEIÇÕES - 26 de setembro
A uma semana do dia de reflexão, que antecede o dia do voto, a campanha eleitoral reduzir-se-á cada vez mais aos apelos à maioria sem a qual, dirá a coligação de direita, não haverá condições para governar, dizendo o PS que não haverá condições para assegurar a estabilidade. Do meu achar ocorrem-me dois comentários: 1) o povo português, nas sucessivas eleições democráticas, desde 1975, segundo o sistema eleitoral saído do 25 de abril, sempre mostrou uma notável sabedoria nas suas escolhas voando sobre as circunstâncias de cada uma delas e suas diversas, e inevitáveis, pressões; 2)ao longo deste ciclo politico de 40 anos de democracia representativa (1975/2015)- a 1ª República durou 16 anos(1910/1926)e a ditadura 48 anos (1926/1974)- a geometria dos partidos manteve-se, no essencial, estável - salvo o episódio da emergência do PRD - e as maiorias parlamentares sempre assentaram em votações maioritárias nos partidos do que vulgarmente se designa por "bloco central", ou seja, PS e PSD, num assumido modelo rotativista adaptado à opção de pertença ao espaço europeu que assumiu a forma de integração na UE, nas suas diversas fases, a partir de 1986. Assim iremos continuar a partir de 4 de outubro próximo com mais ou menos alianças e ajustamentos à direita é à esquerda. O que está em cima da mesa nestas eleições é, no fundo, mais do que tudo o resto, a escolha do chefe de governo - uma perversão do sistema - Costa ou Passos? Passos ou Costa? Quem é mais credível na sua capacidade de gerar compromissos políticos e dar garantias de estabilidade?
sexta-feira, setembro 25
quarta-feira, setembro 23
ELEIÇÕES - 23 de setembro
Na campanha eleitoral os acontecimentos, notícias, indicadores vários, vão suceder-se, nos próximos dias, a uma velocidade vertiginosa. Por dentro, e por fora, a realidade ameaça confundir-se com a ficção no alinhamento da propaganda das 4 principais forças partidárias em confronto. Aos refugiados, que oferecem uma praia de concórdia entre os contendores, juntou-se o escândalo da VW que, na frente interna, pode atingir um dos principais investimentos estrangeiros em Portugal, responsável por uma fatia substancial da exportação nacional de bens transacionáveis. Que tenha dado por isso ainda nenhuma das forças políticas em presença se pronunciou acerca das eventuais consequências para a economia nacional do abalroamento da AutoEuropa pelo escândalo que levou hoje à demissão do CEO da VW, apesar da questão ser de verdadeiro interesse nacional. E a Catalunha aqui tão perto!...Na frente interna a não venda do Novo Banco, no tempo previsto, obrigou o INE a rever o deficit de 2014 para 7,2%. Nada que não fosse esperado, e conhecido, pelos mais atentos ao processo e que representa uma curva apertada para o governo, e para a coligação, que conduz, nesta reta final da campanha, a uma velocidade vertiginosa. O piso ficou mais escorregadio ... Votar é a única verdadeira resposta a todas as legítimas dúvidas acerca de como melhorar o futuro das perspetivas de vida da comunidade.
terça-feira, setembro 22
ELEIÇÕES - dia 22 de setembro
A campanha eleitoral vai de vento em popa a 11 dias do voto e, entretanto, já sabemos o resultado das eleições legislativas na Grécia, vamos saber o resultado das eleições na Catalunha (dia 27); a Europa debate-se, desunida, com a magna questão dos refugiados, os países emergentes ameaçam ainda mais a economia mundial - profunda crise politica no Brasil, crise económica em Angola, crise financeira na China - arrastando pesadas consequências para o equilíbrio geoestratégico global, culminando, por estes dias, com o caso da VW colocando a Alemanha sob pressão através da descredibilização de uma das suas mais fortes, e prestigiadas, marcas e mais rico negócio. A nossa campanha eleitoral que levo muito a sério não é, pois, senão uma espécie de pequena disputa no contexto de uma crise global a que o papa Francisco fez referência - sem medo das palavras - como as vésperas da 3ª guerra mundial. É só isto... e viva tudo o que cada um achar que lhe permita manter o equilíbrio, já agora sem deixar de votar no dia 4 de outubro.
sexta-feira, setembro 18
ELEIÇÕES - 18 de setembro
Sondagens são sondagens, está bem de ver, é um assunto muito batido. Quem as faz fatura o que tem a faturar - devem existir negociações e tabelas - os meios divulgam as sondagens que compram e os políticos sofrem com os efeitos na opinião pública mais do que com as previsões das ditas. Faltam 15 dias para o dia do voto nestas legislativas e a partir daqui vale tudo para formar opinião a favor dos nossos e tudo vale para descredibilizar os outros - tornando-os, aos olhos da opinião, como adversários vencidos. Mas quer-me parecer que as sondagens - pelo menos uma boa parte delas - nas suas diversas versões, e formatos, associadas aos meios que as compram e divulgam ameaçam, como aconteceu noutros sufrágios, descredibilizar-se de vez. Basta que o resultado real da eleição seja concludente a desmentir as suas previsões. A ver vamos como dizia o cego!
terça-feira, setembro 15
ELEIÇÕES - 15 de setembro
Os dois temas baluarte do momento político são, a meu ver, como antes afirmei, o dos refugiados/versus unidade europeia, a nível global, e o do BES/versos eleições legislativas, a nível nacional. O tema dos refugiados põe a nu as fissuras, contradições e conflitos entre os estados nação que persistem por detrás da construção da unidade política europeia (anã, como todos sabem); o tema do BES coloca no caminho da candidatura da coligação PSD/PP uma pedra de muitas toneladas que não será fácil remover. Todas as palavras são possíveis aos responsáveis políticos (candidatos ou não)debitar para atenuar os efeitos da crise dos refugiados ou da in- resolução da crise do BES, mas a realidade não se move, muito menos se transforma, à base de palavras, slogans, disfarces, mas de ações concretas, programas com metas, e meios, que sejam enunciados e percecionados pelos cidadãos como realistas e praticáveis. O que distingue um político responsável, e respeitado, de um lunático, vendedor de ilusões, é essa capacidade de apresentar soluções que se mostrem, aos olhos de todos, ou do maior número, como capazes de resolver os problemas que todos assumem ser necessário resolver em favor do bem comum. Nestes últimos dias os políticos europeus têm andado à deriva na busca de soluções para o problema dos refugiados. Dessa deriva resulta o avolumar de uma sensação de impotência que começa a ser perigosa para a própria democracia (que dizer da natureza politica do governo húngaro, e consequentes medidas, senão que é fascizante?). No processo eleitoral em Portugal coincide, como é natural, uma retórica própria de campanha eleitoral com os acontecimentos, inevitáveis, de uma agenda económica e social com a qual os protagonistas da campanha se confrontam. Juntando as duas coisas parece-me cada vez mais que o PS, na campanha, é assim como a Alemanha, na Europa: todos a atacam tanto mais, quanto mais precisam dela.
domingo, setembro 13
ELEIÇÕES - 13 de setembro
Faltam exatamente três semanas para o voto nas legislativas. É pouco tempo mas no espaço mediático vão ter lugar muitos acontecimentos. Uns programados, outros inesperados, buscando influenciar a opinião pública. Mas os mais relevantes, neste curto período de tempo, vão ser mesmo os acontecimentos reais tais como os que decorrem da questão dos refugiados, e sua influência na unidade da própria UE, - a nível global - e a questão do BES (ou Novo Banco)nas suas diversas facetas - a nível nacional. Tratam-se de dois pontos que simbolizam, trazendo ao debate, de forma impressiva, ou mesmo dramática, a questão geoestratégica do papel da Europa no mundo e a questão da crise profunda do sistema financeiro. Se as candidaturas em presença nesta eleições não forem capazes de abordar, de forma séria e informada, estas duas questões à política restará um papel subalterno ameaçando tornar irrelevante o voto dos cidadãos e fazendo perigar a própria democracia representativa. Não nos admiremos, pois, de ver surgir por todo o lado manifestações cada vez mais acirradas de populismo, ameaçadoras da paz e da concórdia entre as nações.
NATÁLIA CORREIA - pelo aniversário do seu nascimento
Queixa das almas jovens censuradas
Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.
Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.
Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.
Natália Correia
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
1999
Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.
Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.
Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.
Natália Correia
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
1999
sábado, setembro 12
ELEIÇÕES - dia 12 de setembro
Como sempre aconteceu, embora com intensidade e interpretações diferentes, as eleições democráticas encerram disputas em torno de projetos alternativos. Seria estranho que o debate de ideias, em torno desses projetos, fosse um coro no qual todos os protagonistas tocassem a mesma música. As eleições democráticas são o momento de evidenciar as diferenças buscando o apoio do maior número de eleitores tendo em vista alcançar o poder. A diferença, e vantagem, civilizacional do processo de escolha pela via democrática está, no essência, da disputa do poder ser travada pela via pacífica, ou seja, sem violência de qualquer tipo. O debate pode ser crispado, as vozes e os gestos podem ser vivazes, mas no início e no fim dos debates os adversários cumprimentam-se e seguem na sua vida ... É esta a tradição dos regimes democráticos e devemos sentir-nos honrados por assim continuar a ser garantindo a continuidade deste tipo de regime que, apesar de todos os seus defeitos, é aquele que garante que as escolhas politicas possam ser feitas em liberdade e em paz. É que chegar até aqui custou muitos sacrifícios e vidas ...
sexta-feira, setembro 11
SALVADOR ALLENDE - 11 de setembro de 1973-2015
REQUIEM POR SALVADOR ALLENDE
Foi de súbito no outono juro solenemente que o foi
mas as árvores fora tinham de novo folhas recentes
primavera no chile primavera no mundo
Sinto-me vivo habito muito de pé numa casa
leio vagarosamente os jornais sei devagar que os leio
enfrento meu velho borges o muito meu destino sul-americano
Acabara um poema enchia o peito de ar junto da água
sentia-me importante conquistara palavras negação do tempo
o mar era mais meu sob a minha voz ali solta na praia
talvez voz metafísica decerto voz de um privilegiado
ombro a ombro com gente analfabeta uma gente sensível e leal
mas que não pode ler e vive muito menos por o não saber
embora saiba olhar o mar sem o saber interpretar
acabara um poema enchia o peito de ar junto da água
quando o irmão Miguel veio pequeninamente pela areia
e convulsivamente me falou da situação no chile
veio pela praia e punha nas palavras mãos de solidão
mãos conviventes com outras palavras mãos que palavra a palavra
erguem um poema no silêncio só circundante
Allende tinha uns óculos os óculos tinham-no
com eles via a vida com eles via os homens via homens
via problemas de homens e as coisas que via era coisas de homens
hoje apenas uns óculos sem nenhum olhar por detrás
Nos finais de setembro nos princípios de novembro
tu meu amigo que não posso nomear sem te denunciar
dar-me-ás talvez notícias tuas notícias meramente pessoais
já que projectos sociais projectos cívicos profissionais
ficariam decerto nas policiais desertas mãos dos generais
mãos que mataram mãos que assaltaram a casa de neruda
mãos limpas já do sangue despojadas já das alianças
que caridosamente deram que assim conseguiram
solucionar os prementes problemas do país
Ouvi falar também desse cargueiro playa larga
praia comprida mas praia deserta e não só da palavra
pois quanta praia tinha hoje só tem o sangue dos milhares das pessoas fuziladas
A onze de setembro nesta praia portuguesa só uns passos pela areia
algum poema terminado alienado algum termo conquistado
tão inefável como por exemplo o do tancazo
atribuído ao golpe orientado por pablo rodriguez
homem que vai modelando palavras ao ritmo martelado pelo ódio
na tentativa vã de destruir frases hoje históricas
do grande cavalheiro que decerto foi allende
e já antes de o dizer com a vida dizia que por exemplo
mais vale morrer de pé do que viver ajoelhado ou então
se as direitas me ajudam a ganhar ganharão as direitas
País amável calorosa entrada em santiago
e ver-me em frente desse homem sozinho relutante em recorrer às armas
e que depois de o ter visto e o ter ouvido
ao homem que for homem poderei chamar-lhe
seja qual for o nome salvador allende
Que nestas minhas minerais palavras de poeta
vibre um pouco o vigor da tua voz
bafejando de paz primeiro o bom povo do chile
depois o povo bom de todo o mundo
Que a ignomínia da história não demore em cobrir com o seu manto
os que têm a força mas não têm a razão
pois o nazi-fascismo não ganhou nem nunca ganhará
Mando-te uma ave preta rente à leve ondulação do mar
tu mandas-me do mar a ave branca do teu rosto
vento que vem do mar vento que vem do chile
Aqui neste dia de súbito cinzento
somente povoado pelo meu sofrimento
e pelo pensamento desse sofrimento
voo também vou também eu nesse lenço
que retiro do bolso aqui à beira-mar
e o meu lenço ao vento é uma ave avesíssima uma ave de paz
uma ave avezada a cada uma das derrotas existentes no mar
somente agora destruída trespassada pela bala que leva uma vida
ave que ao entoar seu canto profundíssimo afinal apenas diz
muito obrigada salvador allende
obrigada por essa tua vida de cabeça erguida
só agora tombada trespassada pela bala que leva uma vida
mas não pode levar de vencida a obra por allende começada
selada por essa promessa de lutar até ao fim até à hora de morrer
nesse importante posto onde te investiram a lei e o povo
Foi no ano de mil novecentos e setenta
ano em que eu fiquei a apodrecer no meu país
que uma coligação do tipo frente popular tomou
pela via legal conta do poder no Chile
legalidade sempre respeitada por ti allende
mas por fim desrespeitada pelos militares pelas direitas pela
cristã democracia partido bem pouco cristão e pouco democrático
falavas tu dizias a verdade
uma bala na boca nessa boca donde ainda pouco antes
saíam as palavras na verdade belas como balas
salvador allende guerrilheiro sem metralhadora e sem boina
de casaco e gravata para essas guerrilhas no parlamento
guerrilhas todas elas tão contrárias à guerra quão favoráveis à paz
essa palavra alada como ave ave não só de georges braque
mas de nós todos aves verticais aves a última estação
árvores desfolhadas num definitivo inverno
allende do cansaço dos problemas da preocupação constante em jogares limpo
com quem em vez de mãos utensílio de paz vinha com bombas em lugar das mãos
allende já há muito tempo sem uns olhos para olhares o mar
e sem poderes olhar as pedras preciosas de que fala
pablo neruda teu e meu poeta teu íntimo amigo
em las piedras del cielo esse livro puríssimo
e são pedras do céu mas mais do que do céu pedras da terra
Sol que te pões e nascerás no Chile
leva-me a um país que em criança conhecíamos apenas
dos sacos de serapilheira com o nome impresso de um nitrato
e não por dar o nome a uma pequena mas confusa praça de lisboa
nem por sair nas páginas diárias dos jornais
Do Chile chegou-me não há muito a amizade do hernán
que em Madrid conheci e não responde há muito às minhas cartas
e a de mais chilenos de olhos vagamente tristes sérios quase portugueses
e desse país mais comprido do globo veio-me também
o lápis-lazúli pedra não já de esperança pedra de amizade
Os camiões há muito já que não sulcavam as estradas do país
estradas bafejadas pela aragem enviada pelo mar por esse
oceano pacífico de um país ainda há pouco bem pacífico
O washington post falava já do golpe dias antes do golpe
ninguém delas mas elas encontravam-se ali mesmo
as autoridades militares as autoridades militares as autoridades americanas
vestiam mesmo as fardas do exército chileno
esses americanos gente do dinheiro e do veneno
de um veneno talvez chamado dinheiro
que terá pago em parte as modificações dos foguetes do tipo poseidon
montados já a bordo dos divinos submarinos nucleares americanos
assunto de política estrangeira americana
Hernán urrutia meu amigo austral
que em barajas vi olhar voltar
para mim a cabeça pela última vez
marcelo coddo professor em concepción
com quem que bem me lembro conversei sobre o poeta cardenal
e sobre a jovem poesia nicaraguense
e tantos outros que nem mesmo me terão deixado o nome
mas me deixaram alguma palavra a música da fala um certo sorriso
um certo olhar visível por detrás de uns óculos
talvez hoje quebrados por quem não considera
talvez suficiente o quebrar da vida na haste da vida
embora porventura tenha visto aquela sequência de fellini
e desconhece que afinal a vida reproduz a arte
Escrevo este poema no jornal com as notícias frescas
após ter evitado ver as caras de triunfo desses locutores luzidios da televisão
e mesmo ter ouvido a voz desse pedro moutinho
a voz das afluências ao nosso principal estádio o da cova da iria
e dos cortejos presidenciais e dessas tão espontâneas manifestações
voz afinal da cia e da itt e dos demais tentáculos
do imperialismo norte-americano
maneira americana de se estar no mundo
de estar no mundo arrebatando o pão dos homens do terceiro mundo
terceiro mundo ou melhor último mundo
que pagarão agora o preço da cabeça dos trabalhadores chilenos
que marcham mas decerto em vão na direcção
do centro de Santiago onde vingara
a rebelião dos marinheiros vindos de valparaiso
cabeça dos imensos deserdados deste mundo
Sabíamos decerto um pouco em que consistia
essa via chilena para o socialismo
e líamos talvez um livro acerca do programa da chamada unidade popular
e discursos de allende naquela cidade distante
embora houvesse muito mais notícias nos jornais
e a gente nos cafés falasse mais em futebol
livro por certo lido com a janela aberta sobre a noite de outono
sobre campos relvados de momento habitados pela escuridão
donde talvez se erguiam cantos pouco menos que religiosos
exaltadores de ideologias já e sem remédio ultrapassadas
Era uma vez um chileno chamado salvador allende que
fez um grande país de um país pequeno onde
talvez três anos nós houvéssemos depositado a esperança
quando fosse qual fosse a nossa nacionalidade
todos nós fomos um pouco chilenos
Mas que diabo importa em suma a qualquer de nós
que um homem se detenha quando a história caminha
em frente sempre altiva e serena
como mulher de muito tempo sabedora
Posso dizer por certo como há já muitos anos
acerca dos milicianos espanhóis dizia neruda
allende não morreste estás de pé no trigo
Ruy Belo
In “Todos os Poemas – III” – “Toda a Terra” – I Parte “Areias de Portugal”
Assírio & Alvim – 2ª edição (Outubro de 2004)
Fotografia de Hélder Gonçalves
Foi de súbito no outono juro solenemente que o foi
mas as árvores fora tinham de novo folhas recentes
primavera no chile primavera no mundo
Sinto-me vivo habito muito de pé numa casa
leio vagarosamente os jornais sei devagar que os leio
enfrento meu velho borges o muito meu destino sul-americano
Acabara um poema enchia o peito de ar junto da água
sentia-me importante conquistara palavras negação do tempo
o mar era mais meu sob a minha voz ali solta na praia
talvez voz metafísica decerto voz de um privilegiado
ombro a ombro com gente analfabeta uma gente sensível e leal
mas que não pode ler e vive muito menos por o não saber
embora saiba olhar o mar sem o saber interpretar
acabara um poema enchia o peito de ar junto da água
quando o irmão Miguel veio pequeninamente pela areia
e convulsivamente me falou da situação no chile
veio pela praia e punha nas palavras mãos de solidão
mãos conviventes com outras palavras mãos que palavra a palavra
erguem um poema no silêncio só circundante
Allende tinha uns óculos os óculos tinham-no
com eles via a vida com eles via os homens via homens
via problemas de homens e as coisas que via era coisas de homens
hoje apenas uns óculos sem nenhum olhar por detrás
Nos finais de setembro nos princípios de novembro
tu meu amigo que não posso nomear sem te denunciar
dar-me-ás talvez notícias tuas notícias meramente pessoais
já que projectos sociais projectos cívicos profissionais
ficariam decerto nas policiais desertas mãos dos generais
mãos que mataram mãos que assaltaram a casa de neruda
mãos limpas já do sangue despojadas já das alianças
que caridosamente deram que assim conseguiram
solucionar os prementes problemas do país
Ouvi falar também desse cargueiro playa larga
praia comprida mas praia deserta e não só da palavra
pois quanta praia tinha hoje só tem o sangue dos milhares das pessoas fuziladas
A onze de setembro nesta praia portuguesa só uns passos pela areia
algum poema terminado alienado algum termo conquistado
tão inefável como por exemplo o do tancazo
atribuído ao golpe orientado por pablo rodriguez
homem que vai modelando palavras ao ritmo martelado pelo ódio
na tentativa vã de destruir frases hoje históricas
do grande cavalheiro que decerto foi allende
e já antes de o dizer com a vida dizia que por exemplo
mais vale morrer de pé do que viver ajoelhado ou então
se as direitas me ajudam a ganhar ganharão as direitas
País amável calorosa entrada em santiago
e ver-me em frente desse homem sozinho relutante em recorrer às armas
e que depois de o ter visto e o ter ouvido
ao homem que for homem poderei chamar-lhe
seja qual for o nome salvador allende
Que nestas minhas minerais palavras de poeta
vibre um pouco o vigor da tua voz
bafejando de paz primeiro o bom povo do chile
depois o povo bom de todo o mundo
Que a ignomínia da história não demore em cobrir com o seu manto
os que têm a força mas não têm a razão
pois o nazi-fascismo não ganhou nem nunca ganhará
Mando-te uma ave preta rente à leve ondulação do mar
tu mandas-me do mar a ave branca do teu rosto
vento que vem do mar vento que vem do chile
Aqui neste dia de súbito cinzento
somente povoado pelo meu sofrimento
e pelo pensamento desse sofrimento
voo também vou também eu nesse lenço
que retiro do bolso aqui à beira-mar
e o meu lenço ao vento é uma ave avesíssima uma ave de paz
uma ave avezada a cada uma das derrotas existentes no mar
somente agora destruída trespassada pela bala que leva uma vida
ave que ao entoar seu canto profundíssimo afinal apenas diz
muito obrigada salvador allende
obrigada por essa tua vida de cabeça erguida
só agora tombada trespassada pela bala que leva uma vida
mas não pode levar de vencida a obra por allende começada
selada por essa promessa de lutar até ao fim até à hora de morrer
nesse importante posto onde te investiram a lei e o povo
Foi no ano de mil novecentos e setenta
ano em que eu fiquei a apodrecer no meu país
que uma coligação do tipo frente popular tomou
pela via legal conta do poder no Chile
legalidade sempre respeitada por ti allende
mas por fim desrespeitada pelos militares pelas direitas pela
cristã democracia partido bem pouco cristão e pouco democrático
falavas tu dizias a verdade
uma bala na boca nessa boca donde ainda pouco antes
saíam as palavras na verdade belas como balas
salvador allende guerrilheiro sem metralhadora e sem boina
de casaco e gravata para essas guerrilhas no parlamento
guerrilhas todas elas tão contrárias à guerra quão favoráveis à paz
essa palavra alada como ave ave não só de georges braque
mas de nós todos aves verticais aves a última estação
árvores desfolhadas num definitivo inverno
allende do cansaço dos problemas da preocupação constante em jogares limpo
com quem em vez de mãos utensílio de paz vinha com bombas em lugar das mãos
allende já há muito tempo sem uns olhos para olhares o mar
e sem poderes olhar as pedras preciosas de que fala
pablo neruda teu e meu poeta teu íntimo amigo
em las piedras del cielo esse livro puríssimo
e são pedras do céu mas mais do que do céu pedras da terra
Sol que te pões e nascerás no Chile
leva-me a um país que em criança conhecíamos apenas
dos sacos de serapilheira com o nome impresso de um nitrato
e não por dar o nome a uma pequena mas confusa praça de lisboa
nem por sair nas páginas diárias dos jornais
Do Chile chegou-me não há muito a amizade do hernán
que em Madrid conheci e não responde há muito às minhas cartas
e a de mais chilenos de olhos vagamente tristes sérios quase portugueses
e desse país mais comprido do globo veio-me também
o lápis-lazúli pedra não já de esperança pedra de amizade
Os camiões há muito já que não sulcavam as estradas do país
estradas bafejadas pela aragem enviada pelo mar por esse
oceano pacífico de um país ainda há pouco bem pacífico
O washington post falava já do golpe dias antes do golpe
ninguém delas mas elas encontravam-se ali mesmo
as autoridades militares as autoridades militares as autoridades americanas
vestiam mesmo as fardas do exército chileno
esses americanos gente do dinheiro e do veneno
de um veneno talvez chamado dinheiro
que terá pago em parte as modificações dos foguetes do tipo poseidon
montados já a bordo dos divinos submarinos nucleares americanos
assunto de política estrangeira americana
Hernán urrutia meu amigo austral
que em barajas vi olhar voltar
para mim a cabeça pela última vez
marcelo coddo professor em concepción
com quem que bem me lembro conversei sobre o poeta cardenal
e sobre a jovem poesia nicaraguense
e tantos outros que nem mesmo me terão deixado o nome
mas me deixaram alguma palavra a música da fala um certo sorriso
um certo olhar visível por detrás de uns óculos
talvez hoje quebrados por quem não considera
talvez suficiente o quebrar da vida na haste da vida
embora porventura tenha visto aquela sequência de fellini
e desconhece que afinal a vida reproduz a arte
Escrevo este poema no jornal com as notícias frescas
após ter evitado ver as caras de triunfo desses locutores luzidios da televisão
e mesmo ter ouvido a voz desse pedro moutinho
a voz das afluências ao nosso principal estádio o da cova da iria
e dos cortejos presidenciais e dessas tão espontâneas manifestações
voz afinal da cia e da itt e dos demais tentáculos
do imperialismo norte-americano
maneira americana de se estar no mundo
de estar no mundo arrebatando o pão dos homens do terceiro mundo
terceiro mundo ou melhor último mundo
que pagarão agora o preço da cabeça dos trabalhadores chilenos
que marcham mas decerto em vão na direcção
do centro de Santiago onde vingara
a rebelião dos marinheiros vindos de valparaiso
cabeça dos imensos deserdados deste mundo
Sabíamos decerto um pouco em que consistia
essa via chilena para o socialismo
e líamos talvez um livro acerca do programa da chamada unidade popular
e discursos de allende naquela cidade distante
embora houvesse muito mais notícias nos jornais
e a gente nos cafés falasse mais em futebol
livro por certo lido com a janela aberta sobre a noite de outono
sobre campos relvados de momento habitados pela escuridão
donde talvez se erguiam cantos pouco menos que religiosos
exaltadores de ideologias já e sem remédio ultrapassadas
Era uma vez um chileno chamado salvador allende que
fez um grande país de um país pequeno onde
talvez três anos nós houvéssemos depositado a esperança
quando fosse qual fosse a nossa nacionalidade
todos nós fomos um pouco chilenos
Mas que diabo importa em suma a qualquer de nós
que um homem se detenha quando a história caminha
em frente sempre altiva e serena
como mulher de muito tempo sabedora
Posso dizer por certo como há já muitos anos
acerca dos milicianos espanhóis dizia neruda
allende não morreste estás de pé no trigo
Ruy Belo
In “Todos os Poemas – III” – “Toda a Terra” – I Parte “Areias de Portugal”
Assírio & Alvim – 2ª edição (Outubro de 2004)
Fotografia de Hélder Gonçalves
quinta-feira, setembro 10
ELEIÇÕES - 10 de setembro
A política está a ser colocada na defensiva. Mais do que o candidato A ou B é a política que, na nossa época, está em causa. Reproduzem-se, através da comunicação social, discursos que cavalgam a onda do desprestígio da política. Faltam, no nosso país, partidos políticos populistas - à esquerda ou à direita - com capacidade para capturar o sentimento de descrença no regime democrático. O discurso da descrença passa para o comentariado nacional que na sua maioria é ocupado, de forma direta ou indireta, por gente que despreza a política e os políticos. A imprensa livre é quase uma relíquia do passado e o poder dos grandes grupos económicos impõe as suas leis. Sempre existiram interesses económicos com influência na área da comunicação social mas nunca a liberdade de opinião dos seus profissionais esteve tão condicionada por esses interesses.
quarta-feira, setembro 9
ELEIÇÕES - 9 de setembro
A poucas horas do debate entre os lideres das duas principais candidaturas presentes nas eleições legislativas do próximo dia 4 de outubro. Os debates políticos são, nos dias de hoje, uma banalidade cuja influência no resultado eleitoral não é decisiva. A direita política tem a vantagem de ser governo e dispor de hegemonia na comunicação social e daí mais forte capacidade para formar opinião; a esquerda tem a vantagem de ter estado afastada do governo no período mais duro da austeridade que, nestes últimos 4 anos, atingiu o pico por volta de 2012. Por isso a direita puxa o debate, através do "efeito Sócrates", para antes do seu magistério. Estas eleições seriam um segundo julgamento politico de Sócrates e, através dele, do PS, erigido em partido responsável pela politica de austeridade da qual a coligação PSD/PP teria ficado refém. Ao PS cabe evidenciar que a emergência nacional que obrigou à austeridade, além de ter sido no essencial provocada por efeito externo, teria sido gerida de modo muito diferente caso o PS tivesse sido governo. De resto um debate desta natureza, fortemente personalizado, será ganho pelo líder que for mais sereno, e persuasivo, na defesa das suas ideias, e mais próximo de se identificar com o sentimento geral. Acresce essa circunstância excecional do PS representar sozinho o centro/esquerda ao contrário de todos os outros partidos com representação parlamentar que, aos pares, se podem reclamar da esquerda (PCP e BE) ou da direita (PSD/PP) quase não deixando espaço livre para a emergência de novas forças políticas. Por enquanto...
domingo, setembro 6
ELEIÇÕES - 6 de setembro
Estava escrito nas estrelas. Qualquer cidadão atento, quanto mais politico empenhado, sabia que, o mais tardar, dia 9, a situação de Sócrates - quanto às chamadas medidas de coação - mudaria no sentido já antes apontado. Em democracia e liberdade não há assuntos tabu muito menos este facto excecional, único no nosso país, pelo menos desde o golpe militar que derrubou a 1ª República, de um ex-primeiro ministro ser preso (preventivamente). As condições politicas em que decorre o processo eleitoral para a escolha do parlamento, com os acontecimentos do passado dia 4, mudaram radicalmente. Só não vê quem não quiser ver. Fazer de conta que tudo corre com plena normalidade no processo eleitoral é de uma hipocrisia insuportável. O mesmo se diga para as eleições presidenciais que se seguem. E suponho que ainda nem se viu "da missa a metade". A integração do país na UE garante, ao menos, que a democracia representativa sobreviva, com a condição de que a UE sobreviva...
sexta-feira, setembro 4
ELEIÇÕES - 4 DE SETEMBRO
A um mês das eleições legislativas. Este dia é marcante neste processo mas ainda faltam 30 dias no curso dos quais muita coisa ainda vai acontecer. Parece um daqueles jogos de futebol cujo resultado cada vez mais gente desconfia se resolve fora das quatro linhas. Não terá sido sempre assim? Acho que não, mas adiante... Se não resultar das eleições legislativas de 4 de outubro uma maioria absoluta de qualquer das candidaturas, com um presidente em fim de mandato, após ter afirmado o que já afirmou, demorará bastante tempo a formação do governo. Acresce que os derrotados nas eleições terão a vida difícil no seio dos seus próprios partidos. Só vejo soluções improváveis que nem enuncio de forma completa com todas as consequências. Mas pode ser que as minhas dúvidas sejam infundadas e que das eleições resulte uma maioria, mesmo que não absoluta, pelo menos, clara. Que permita formar um governo de forma célere, entendida a celeridade no conceito politico português: lenta.
terça-feira, setembro 1
ELEIÇÕES - 1 de setembro
Voltando ao tema das eleições legislativas de 4 de outubro próximo. A geometria político-partidária do regime democrático português, criado no pós 25 de abril, não deverá sofrer uma derrocada. Manterá, no essencial, a mesma estrutura com suas peculiaridades de que assinalo duas que julgo bastante distintivas de outros países com regimes democráticos: a blindagem, à esquerda e à direita, do sistema impedindo a emergências de forças politicas populistas - com expressão eleitoral relevante - e a resistência eleitoral do PCP, ao contrário do que acontece em quase todos os países da UE nos quais os partidos comunistas tradicionais se tornaram politicamente irrelevantes. O que é provável que aconteça nas próximas eleições, em linha com uma tendência que vem fazendo o seu caminho, sem novidade, é uma forte abstenção que o "bipartidarismo" não ajuda a combater ajudada pelo crescente peso da emigração.
segunda-feira, agosto 31
sábado, agosto 29
ELEIÇÕES - 29 de agosto
A um mês e poucos dias das eleições legislativas toda a gente, mesmo toda a gente, deve estar preparada para tudo o que se diz, se anuncia, promete, proclama, se subentende, se faz e ameaça fazer, de dentro, e de fora, do circulo restrito dos políticos na refrega eleitoral. Uma nota acerca do tema que me apraz deixar registada: diga-se o que se disser o PS português pertence à família política europeia, e mundial, da social democracia, do socialismo democrático e do trabalhismo. Trata-se de uma questão de atualidade, por razão dos debates eleitorais, mas também uma questão histórica herdada dos tempos longínquos da revolução industrial. Quer queiram, ou não queiram, o PS português é, na verdade, um partido do centro/esquerda no modelo construído após o 25 de abril (certamente discutível) da nossa democracia representativa, existindo partidos representativos à sua direita - PSD e CDS/PP e à sua esquerda - PCP e BE. Já sabemos que é um caso de estudo na situação atual da Europa na qual emergem novas forças politicas organizadas, com expressão eleitoral, que colocam novos desafios mas, em Portugal, o PS é o que é: o partido dominante e congregador do centro/esquerda, com vocação para a construção de soluções de governo. Quais? Não sei, pois esse veredito compete aos eleitores que somos, afinal, nós todos.
sexta-feira, agosto 28
terça-feira, agosto 25
Paris Libertada - 25 de agosto de 1944
Passam hoje 71 anos que Paris foi libertada da ocupação nazi. Nesse dia Camus escreveu um notável editorial para o jornal Combat, órgão da Resistência, intitulado: LA NUIT DE LA VÉRITÉ que começa assim:
Tandis que les balles de la liberté sifflent encore dans la ville, les canons de la libération franchissent les portes de Paris, au milieu des cris et des fleurs. Dans la plus belle et la plus chaude des nuits d’août, le ciel de Paris mêle aux étoiles de toujours les balles traçantes, la fumée des incendies et les fusées multicolores de la joie populaire. Dans cette nuit sans égale s’achèvent quatre ans d’une histoire monstrueuse et d’une lutte indicible où la France était aux prises avec sa honte et sa fureur. (...)
71 anos é muito tempo mas nada é mais importante do que celebrar a liberdade e os acontecimentos que a evocam em toda a sua força telúrica. Desde esse dia a Europa tem vivido um longo período de paz que somente hoje, no tempo que é o nosso, está verdadeiramente em perigo.
Tandis que les balles de la liberté sifflent encore dans la ville, les canons de la libération franchissent les portes de Paris, au milieu des cris et des fleurs. Dans la plus belle et la plus chaude des nuits d’août, le ciel de Paris mêle aux étoiles de toujours les balles traçantes, la fumée des incendies et les fusées multicolores de la joie populaire. Dans cette nuit sans égale s’achèvent quatre ans d’une histoire monstrueuse et d’une lutte indicible où la France était aux prises avec sa honte et sa fureur. (...)
71 anos é muito tempo mas nada é mais importante do que celebrar a liberdade e os acontecimentos que a evocam em toda a sua força telúrica. Desde esse dia a Europa tem vivido um longo período de paz que somente hoje, no tempo que é o nosso, está verdadeiramente em perigo.
quarta-feira, agosto 19
Presidenciais - 19 de agosto - 2015
Não sou capaz de opinar, tomar posição, acerca dos episódios que se têm vindo a desenrolar sob o manto das eleições presidenciais. Existem anúncios de intenções, intenções disfarçadas de comentários, anúncios para marcação de lugar na pré campanha, figuras que se propõem sem programa, por fim, um jogo político que vale pelo próprio jogo. Não ignoro que algumas das intenções anunciadas terão objetivos políticos bem definidos mas ainda somente do conhecimento de quem manobra nos bastidores. Como cidadão eleitor decidirei o meu voto a seu tempo somente quando a cartas estiverem todas em cima da mesa. Faltam pelo menos quatro meses e até lá muita água vai correr debaixo das pontes.
domingo, agosto 16
FARO
Faro. Pelas ruas da baixa da cidade, reencontro os espaços que percorri, alguns intatos, banhados pela claridade da cidade meridional. No ar quente cheira a maresia e escasseia a gente, é domingo de praia, aqui tão perto.
sexta-feira, agosto 14
Eleições - 14 agosto - 2015
Faltam 50 dias para as eleições legislativas de 4 de outubro. Não vai haver Orçamento de Estado para 2016 senão após as eleições. Trata-se de uma questão da qual ninguém fala mas que é da maior importância. É provável que, caso a entrada em funções do próximo governo seja relativamente demorada, no início de 2016 se aplique o chamado regime de duodécimos. Desde o momento em que se torna percetível que assim será produz-se um efeito de adiamento e/ou retardamento de decisões na administração. Na prática salvo se das eleições resultar uma maioria absoluta - a qual poucos acreditam que venha a tornar-se realidade - entrar-se-á num período de debate politico intenso destinado à formação do governo em simultâneo com a pré campanha para as eleições presidenciais. Rescaldo de umas eleições início de outras eleições para todos os órgãos de soberania eleitos - AR e PR. Uma situação singular pois não me lembro de ter acontecido alguma vez no pós 25 de abril... (talvez na I República!). Nada que não fosse previsível e o tempo é uma importantíssima variável na política ...
terça-feira, agosto 11
Eleições - 11 de agosto de 2015
Acerca das polémicas dos cartazes da campanha eleitoral em curso apetece passar à frente o mais depressa possível. Porque descredibiliza a política numa das suas facetas mais sensíveis qual seja a da imagem que se projeta dos partidos revelando(ou confirmando)o seu afastamento das pessoas e o simultâneo afastamento das pessoas dos partidos. A gravidade do uso de imagens de cidadãos, "roubadas" ou "compradas", para ilustrar cartazes de campanha eleitoral está no facto de simbolizar o afastamento dos partidos que as usam dos cidadãos que pretendem que se identifiquem com a sua mensagem. É uma incompetência que vai para além da mera tecnicidade das tarefas da propaganda política inscrevendo-se numa espécie de esgotamento do papel dos partidos tradicionais. Nada de novo existe neste breve apontamento acerca de um tema que está na ordem dia. Em Portugal observam-se manifestações de fadiga do papel dos partidos tradicionais (nem por isso menos representativos e democráticos)sem que das próximas eleições, por efeito dos seus resultados eleitorais, se preveja o seu ocaso ou esfacelamento. Esta é uma singularidade de Portugal entre os países do sul da Europa no que respeita à paisagem partidária. Matéria para os estudiosos.
sexta-feira, agosto 7
quinta-feira, agosto 6
HIROSHIMA - 70º ANIVERSÁRIO
A Rosa de Hiroshima
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas,
Pensem nas meninas
Cegas inexatas,
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas,
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas.
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa, da rosa!
Da rosa de Hiroshima,
A rosa hereditária,
A rosa radioativa
Estúpida e inválida,
A rosa com cirrose,
A anti-rosa atômica.
Sem cor, sem perfume,
Sem rosa, sem nada.
Vinicius de Moraes
terça-feira, agosto 4
domingo, agosto 2
Primeiro domingo de agosto - 2015
Primeiro domingo de agosto do ano da graça de 2015. Perto do ponto mais ocidental da Europa olho pela janela o mar que, em seu azul puro, anuncia mais vida para além das preocupações do dia a dia. Nada a temer da natureza a não ser o homem que dela é pertença. Por entre todas as ameaças, lutas e guerras não declaradas, persiste a necessidade de partilhar, em paz e liberdade, a luta pela dignidade do homem. Incorporo-me nessa amalgama de vontades que aparentando por vezes fraqueza de súbito, como sempre na história, se agigantam e se transformam em força.
quinta-feira, julho 30
terça-feira, julho 28
ELEIÇÕES - 2015 - dia 28 julho
Estamos nas vésperas, em Portugal, de mais um combate político travado em democracia. Esta frase parece uma banalidade mas é saudável recordar que em Portugal, durante 48 anos, vigorou uma ditadura. Não vale a pena dourar a pílula, com fraseados mais ou menos adocicados, acerca do regime politico que vigorou em Portugal entre 1926 e 1974 - uma ditadura. Nesse período, correspondente a mais do que uma geração de portugueses - o meu pai só conheceu a cor da liberdade aos 63 anos de idade - efectuaram-se simulacros de eleições. Somente após o 25 de abril de 1974 se realizaram eleições livres e democráticas, com o pleno vencimento do sufrágio universal, que mesmo na 1ª República havia sido limitado, por exemplo, no caso do voto das mulheres. Nunca poderei dizer que não me interessa o vencedor das eleições de 4 de outubro próximo e, muito menos, por em dúvida o exercício de voto pois sempre votei em todas as eleições realizadas depois do 25 de abril (e mesmo em alguns simulacros de eleições realizadas antes.). Sempre, desde a adolescência, fui atraído pelos ideais do socialismo partilhando todas (ou quase todas) as suas derivas, ou tendências, que, em cada época, ganham novos contornos e protagonistas. Votarei em fidelidade aos meus ideais de sempre. Mas o voto, em liberdade e democracia, só faz sentido, para mim, no respeito sagrado pelo sentido do voto de todos e de cada um.
sexta-feira, julho 24
FÉRIAS - julho - dia 24
A época de férias aí está para os cidadãos que as podem gozar. As férias são uma aquisição recente dos trabalhadores, ao contrário do que muita gente pensa, mais por desmemória do que por outra razão qualquer. Na verdade foi o governo da frente popular, no ano de 1936, em França, que instituiu, alargando às grandes massas de trabalhadores, essa banalidade dos nossos dias que são as férias (pagas). Este ano, uma vez mais, as férias serão a antecâmara de eleições (legislativas e presidenciais) com os episódios próprios das disputas eleitorais. Mais vale o ruído, incómodo para alguns, das refregas eleitorais democráticas do que o pesado e cúmplice silêncio das tiranias.
quinta-feira, julho 16
quarta-feira, julho 15
Grécia . julho - dia 15
Não quero escrever da Grécia senão acerca de sentimentos pois sei que pouco, ou nada, sei acerca da realidade. A situação que nos é dada a conhecer através dos relatos, como sempre acontece nas mudanças verdadeiramente decisivas, é estranhamente original. Sinto-a como sinal de ameaça para a democracia e interrogo-me acerca das razões, e objectivos, de quem mexe os cordelinhos - não sejamos ingénuos - se uma qualquer máfia ou a pura incompetência de políticos sem alma. Sinto a Grécia e as suas circunstancias como uma semente de guerra, uma frincha que se abre à confrontação irracional ou ao surgimento de uma ditadura militar, ou ambas as coisas. Na Europa da paz e dos sonhos federais - da moeda à governação - alguém muito poderoso terá desistido de perseverar pela concórdia, pela aposta no diálogo, pela crença na superioridade da democracia. Sempre me lembra o desembarque na Normandia, a epopeia dos milhares de americanos, canadianos, australianos e dos resistentes europeus, que morreram, faz agora precisamente 70 anos que esse pesadelo terminou, para devolver a liberdade e a paz à Europa. Espero que seja somente um sonho mau.
terça-feira, julho 14
quinta-feira, julho 9
terça-feira, julho 7
CRISE - dia 7 de julho 2015
Nós sabemos pouco dos meandros, encontros e desencontros, da politica que se compõe de uma sobreposição de vontades, interesses, doutrinas ... , que se entre-chocam no tempo e no espaço, hoje mais do que nunca a uma velocidade alucinante. Nós cidadãos comuns somos espectadores de um jogo do qual conhecemos as regras gerais mas que raramente jogamos. Em democracia somos eleitores o que não é nada pouco, e representa um avanço civilizacional brutal, mas é assustador o quanto transparece de medo ao sufrágio popular por parte dos lideres europeus. Ao ponto a que se chegou a Grécia, salvo qualquer milagre, vai ser um teste à sobrevivência do € e da própria UE, tal como a conhecemos no presente. Os americanos rezam para que não se abra uma nova fronteira de crise militar nos flancos da Europa da NATO (poucos falam em guerra, mas a guerra está presente em todo o cenário da presente crise politica), os países membros da UE, cada um a seu modo, temem os nacionalismos radicais quando as respectivas lideranças já não foram engolidas por eles, incluindo a Grécia. Assim resta esperar que reine o bom senso e que, numa linguagem antiga, e fora de moda, seja possível fazer emergir nas lideranças europeias, com suficiente massa critica, um verdadeiro e forte sentido de estado supra nacional...
domingo, julho 5
Grécia - 5 de julho, 2015
Não sabemos o que vai acontecer na Grécia, e ao povo grego, após o dia de amanhã. Alguns afirmam que não somos a Grécia, pois é verdade, mas todos opinam acerca dos acontecimentos da Grécia. A Grécia tornou-se o epicentro da crise da politica europeia, revelando as fragilidades da moeda única e do próprio projecto da UE. Estamos perante um ruptura politica que pode ser de baixa intensidade e com efeitos restritos ou, o mais certo, o inicio da criação de uma convicção, em largas camadas da opinião pública europeia, da necessidade de repensar o € (ou sair dele) e o próprio edifício da UE. Certamente muitos responsáveis políticos já preparam o caminho de mudanças profundas que correspondam à necessidade de combater o avolumar na descrença de uma cada maior parte dos europeus no próprio projecto da UE. A UE não pode existir sem democracia. Os povos não podem ser desapossados do direito ao voto livre. Nem à liberdade de expressão do pensamento. Nem à liberdade de imprensa. O valor supremo que deve ser preservado em quaisquer circunstâncias, a defender pelos democratas, é o da liberdade. Inquieto-me ao pensar que a guerra da propaganda em que se envolveram os dirigentes das potências europeias na questão grega possa despertar não o ressurgimento politico das forças moderadas do centro mas avolumar o peso, quiçá a vitória, das forças anti europeístas hegemonizadas pela extrema direita - na Grécia e não só. Aí a tentação da intervenção militar pode ganhar, para os incautos, uma surpreendente e inesperada força. A ver vamos!
terça-feira, junho 30
A Grécia em Guerra - 30 de junho - 2015
A Grécia está desde alguns anos mergulhada numa guerra pois o que é a guerra senão os efeitos dela. Os indicadores falam por si e não falo deles aqui pois deverão hoje ser bem mais desoladores do que há uma semana atrás. É verdade que faltam as acções militares na Grécia, conforme nos habituamos a entender as acções militares. Nada que não possa vir a acontecer um dia destes como tantas vezes aconteceu na Grécia num passado não muito longínquo. Aliás a guerra está presente ao longo de boa parte das fronteiras da Europa e a Grécia é uma das suas fronteiras mais sensíveis. A Grécia, por estes dias, é um tema que suscita - tal como em qualquer teatro de guerra - uma intensa actividade de informação, e contra informação, que se estende a nível global. Por isso me previno de acreditar nas notícias da guerra.
domingo, junho 28
Junho - dia 28
A crise grega - uma faceta radical da crise da UE - permite-nos ficar a conhecer muita coisa. Por exemplo que a reunião dos ministros das Finanças dos países que adoptaram o € é informal quando, no que me toca, sempre pensei que era uma instância cujas decisões, obrigatoriamente unânimes, "subiam", após aprovadas para decisão de instâncias superiores. Afinal é uma instância informal... mas que deve, certamente, reger-se por regras próprias escritas e ... formais. Se assim não for como se justificam as despesas em viagens e estadias, além do tempo gasto pelos ministros das Finanças para participar nessas reuniões? Mas mostra que a UE é, paradoxalmente, menos burocrática do que quer fazer crer... Também toda a gente ficou a saber que não está previsto, nos tratados, que um país saia do €, tendo sido criado um modelo no qual só estão previstas adesões ao €. Há porta de entrada mas não há porta de saída! Nesta semana de finais de Junho, inícios de Julho de 2015, vão ensaiar-se, pois, um conjunto de experiências sem enquadramento nas normas que regem o funcionamento da UE. Assim parece. O mais curioso - se não fosse dramático - será assistir-se aos dirigentes dos países do norte da Europa envolvidos num processo que apela mais ao "improviso organizacional", próprio da cultura dos países do sul, do que à "previsibilidade racional" da cultura dos alemães e dos povos do norte da Europa. Afinal ainda existe, e continuará a existir, em toda a sua diversidade, UE!
domingo, junho 21
O MURO
Acontecem, por estes dias, coisas assustadoras por essa Europa fora. O governo de um país da UE anunciou que vai levantar um muro na fronteira do país que governa (Hungria)com a Sérvia. Para evitar ou, pelo menos, conter a entrada de migrantes! Um muro não virtual mas que deverá ser de betão, ou assim, com uma dimensão de cerca 170 KM. Na União Europeia! E as gerações vivas de alemães que assistiram ao derrube do muro que dividia a Alemanha em duas, desde a final da II Guerra, toleram a um governo de um país da UE que venha a construir um muro que separe um país da UE de um outro país que, apesar de não a integrar, faz parte desta mesma Europa? Se for possível construir este muro, sem consequências politicas para os seus construtores, adeus UE!
terça-feira, junho 16
junho. Dia 16
A Grécia. Desde quando se não falava tanto da Grécia! Hoje num comentário na TV Vitorino (António) gracejou acerca da Grécia enquanto berço da democracia. Não gostei. Antes, ou depois, já não me lembro, fez uma declaração de interesses para se pronunciar acerca da privatização da TAP. Integra o escritório de advogados contratado pelos vencedores. Não é obrigatório ser uma má pessoa para exercer advocacia de negócios. Mas advogar um negócios em concreto, o que é próprio da profissão de advogado, e emitir opinião num espaço público de opinião, como um canal de TV, acerca do dito, não me parece eticamente muito promissor. Não gostei. A liberdade de opinião condicionada, ou aprisionada, pelos interesses.
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