O pragmatismo fúnebre
Tenho observado as notícias, de forma fragmentada, como, aliás, todos tomamos conhecimento das notícias. Uns rumores, uma vista de olhos pelas manchetes (as do "24 Horas" são imprescindíveis), um comentário ouvido de soslaio, um assassinato de carácter (ou mesmo físico), uns desastres de viação, uns atrasos na colocação dos professores, uns aumentos dos preços dos combustíveis, umas discórdias (ou discussões) no PS, pois claro, o ambiente está laço, no estilo "deixa arder", que eu volto depois para comprar barato.
Leio muitas outras coisas e, algumas, sérias. Mas essas não são para aqui chamadas. Não vale a pena. O grupo dos que lêem essas coisas sérias se saírem à rua, e tomarem contacto com a vida real dos portugueses, terão a sensação daquele combatente japonês regressado à "civilização" após 40 anos "perdido" na selva coreana. Ou o sentimento que Van Gogh sentiu quando um patrão do colégio onde trabalhou, um dia, o enviou a fazer cobranças "difíceis" nos bairros miseráveis de Londres. Não foi capaz de cobrar um cêntimo e foi despedido.
O japonês pensará com os seus botões: "Que país demencial é este agora, gente miserável, jornais de trapaça, TVs de escândalo, degradação de linguagem, vestes sombrias, cidades destruídas, campos abandonados, poses pusilânimes, discursos grosseiros, senhoras e senhores ministros de cera …".
Salvo, claro está, digo eu, o Dr. Portas o único que ainda recorda qualquer coisa dos velhos tempos …no vestir austero, na pose severa, na firmeza do discurso…
Entretanto o senhor Primeiro-ministro, após as férias, viaja. Já deviam ter percebido o seu estilo arejado. Na visita oficial ao Brasil, a primeira, afirmou solenemente que ela (a visita) se tinha ficado a dever ao facto de se juntar "o útil ao agradável", ou melhor, "o agradável ao útil". Ele desejava muito a visita e surgiu o convite. Brilhante.
Mas as mais incríveis notícias não têm afinal importância nenhuma. São para entreter. O objectivo é banalizar o essencial para ganhar tempo. E como dizia o outro "tempo é dinheiro". Sempre se fazem uns negócios. Pela "surra". Nos interstícios do ruído promovido pelos assessores de imprensa. Ao mesmo tempo aparecerão umas medidas "sociais" para fazer ver ao povo crente que a estratégia do governo lhe dá importância.
Aliás o problema do governo, como sabem, não advem do conteúdo das medidas, mas da insuficiência da comunicação. Mas esse tempo já acabou. Os sociais-democratas deste governo vão comunicar com eficácia. Não estão verdadeiramente preocupados com as reformas de fundo do País e do Estado, nem com as reformas dos pobres e idosos, nem com o drama dos desempregados. O programa apresentado nas eleições legislativas de 2002 falava em "alhos" e este o governo fala em "bugalhos". Esta situação causa engulhos a muitos sociais-democratas. Mas os do governo estão pouco preocupados com isso.
Estão preocupados é com a comunicação que, noutros tempos, se apelidava de propaganda. E, antes de mais, com as grandes operações financeiras em torno do património do Estado, (a chamada "titularização"), das privatizações (as águas, por exemplo), da aquisição de armamentos para as FFAA … Entrou-se na era do pragmatismo fúnebre.
Lembram-se do celebrado verso de Gedeão: "Eles não sabem, nem sonham, /que o sonho comanda a vida." Mas para os mentores do pragmatismo fúnebre agora a música é outra: "Eles sabem que o negócio comanda a vida".Tudo o resto é para sobreviver, à míngua, ou para morrer. É urgente um sobressalto cívico contra esta estratégia fulminante de tomada do poder real pela direita não social-democrata. Mas é mesmo urgente!