Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
segunda-feira, março 7
Os acasos da guerra
“Itália garante que EUA sabiam da libertação de Giuliana Sgrena”
O desmentido da implicação das forças norte americanas no ataque à comitiva que resgatou a jornalista italiana do cativeiro é, em si mesmo, muito significativo.
Neste tipo de situações os acasos e acidentes são uma raridade. Pode parecer uma brutalidade mas é sempre tudo intencional. É difícil entender o desconhecimento dos militares americanos acerca de uma operação de libertação de uma jornalista refém natural de um dos principais países membros da coligação.
As patrulhas militares no Iraque não actuam por conta própria como vulgares bandos de salteadores. São forças de elite que obedecem a um comando sustentado numa forte hierarquia. Depois de premir o gatilho o mal está feito.
Se a guerra fosse feita de acasos e acidentes ainda um dia alguém poderia afirmar que, afinal, a guerra nunca existiu. A democracia vale todos os sacrifícios mas não desculpa nenhum crime que em seu nome seja cometido.
Adenda: a jornalista trabalha para “Il Manifesto” um jornal da esquerda comunista italiana. Com uma linha editorial, certamente, pouco recomendável para as políticas externas das administrações americana e italiana.
“EUA investigam disparos
Os EUA estão a investigar a actuação da patrulha norte-americana que na sexta-feira feriu a jornalista italiana Giuliana Sgrena, depois de ser libertada de sequestradores no Iraque. A viatura onde seguia, com elementos dos serviços secretos italianos, foi alvejada devido a «um acidente terrível», justificou a Casa Branca.”
“Expresso on line”
O Retrato de Freitas do Amaral
1- desprezo pela história e tradição;
2- incivilidade e falta de sentido de estado;
3- ausência de espírito democrático e “mau perder”;
4- radicalismo serôdio;
A gravidade deste gesto ainda é mais acentuada se nos lembrarmos que, até ao próximo sábado, o CDS-PP ainda é governo.
Que surpresas nos reservará ainda o CDS-PP para esta semana? E os seus ministros? Ou, excepto a devolução do retrato, todas as surpresas serão preparadas no recato dos gabinetes?
domingo, março 6
Turismo Sem Ministério
Eis o que defendi e continuo a defender:
“Sustento que, sendo o turismo uma actividade transversal e multidisciplinar, muito relevante na dinâmica do desenvolvimento integrado da sociedade portuguesa, deveria, no governo, integrar um Ministério que exercesse a tutela dos transportes e do ordenamento do território.
A minha preferência é a do modelo francês (aliás a França é a primeira potência turística mundial) no qual o turismo está integrado, ao nível de secretaria de estado, no “Ministério do Equipamento, Transportes, Ordenamento do Território, Turismo e Mar”. (que diferença em relação à estrutura do governo português actual!)
Aliás, além de Portugal, nos países da União Europeia, só em Malta existe um Ministério do Turismo, no caso, desde 2003, integrando também a cultura. Esse é o modelo adoptado nos países do Norte de África e nalguns outros do chamado “terceiro mundo”.
Não quer dizer que não possa ser uma originalidade bem sucedida no nosso país. Tudo depende do peso político que alcançar, da competência dos seus titulares e do tempo que durar. “
Naide Campeã
Falhei o meu prognóstico quando, nos Jogos Olímpicos, ela falhou a medalha no Hepatlo por ter fracassado no seu forte – o salto em comprimento.
Desta vez não falhou. Naide Gomes é campeã da Europa.
O incómodo da extrema direita
Só isso bastava para provar como a sua escolha para o governo é acertada. Freitas do Amaral não caminhou muito para a esquerda, o CDS/PP é que caminhou muito para a direita.
Freitas do Amaral não precisa do governo para nada, Portas precisa do governo para tudo.
Freitas do Amaral nunca perdeu o estatuto de homem de estado, Portas nunca conseguiu, apesar do esforço, ganhar esse estatuto.
Portugal não precisa de se ajoelhar perante os americanos para afirmar a sua vocação atlântica. Antes pelo contrário: para se afirmar como “um entre iguais”, em todas as alianças, carece, absolutamente, de ficar de pé.
Por isso Freitas é uma boa escolha para Ministro dos Negócios Estrangeiros.
sábado, março 5
Manuel Alegre acerca de Vítor Wengorovius
“Estavam lá todos, os de sempre, os que restam dos de sempre, da campanha de Humberto Delgado, do assalto ao quartel de Beja, dos movimentos estudantis de 62 e 69, dos católicos progressistas, da luta anticolonial, da resistência clandestina e não clandestina, da Capela do Rato, da CDE e da CEUD, de todas as prisões e todos os exílios, de todos os combates que desembocaram no 25 de Abril, de todas as causas e todos os sonhos que foram a vida de Vítor Wengorovius e que, dos anos sessenta até agora, são a história da esquerda portuguesa. Todos, de Jorge Sampaio e Mário Soares a Francisco Fanhais, que admiravelmente cantou a «Canção da Cidade Nova». Ouvimo-lo com um nó na garganta, recordando o Vítor, a sua generosidade, a sua entrega aos outros, a sua grandeza de alma. Naquele tempo em que quase todos se calavam, o Vítor pedia frequentemente a palavra. E quando começava era o cabo dos trabalhos para o convencer a parar. A esta hora já está com certeza no céu e S. Pedro nem sabe o que o espera quando o Vítor pedir a palavra. Ele nunca se calou. Ele nunca se calará.”
Freitas do Amaral e o Governo do PS
Guardo uma expectativa positiva acerca da acção deste governo. Os tempos são difíceis. A governação será, como todos esperam, difícil.
Freitas do Amaral é uma surpresa para quem não tenha estado atento ao seu percurso pessoal. Quando, em 2001, subiu à cena no Teatro da Trindade a peça "O Magnífico Reitor", de sua autoria, pelo menos eu e o Carlos Fragateiro percebemos a nova postura ideológica e política de Freitas do Amaral. Na estreia a sala estava cheia de dirigentes da direita - o governo era socialista - e raros dirigentes da esquerda. Era um risco tremendo. Mas fez-se e foi um sucesso de público e de bilheteira.
Nesse mesmo dia um jornalista do "Independente" - Pedro Guerra - "ameaçou" com a publicação de uma notícia - a partir de notícias anónimas - contra a minha gestão do INATEL. A notícia não saíu e no seu lugar foram publicadas duas páginas com fotos daquela estreia.
Esse jornalista havia de tomar um lugar de destaque no gabinete do Ministro da Defesa e lider do PP, Paulo Portas. A campanha contra a minha gestão do INATEL havia de seguir mais tarde pelas mãos de Bagão Félix dilecto colaborador de Portas. As coincidências não são um acaso.
Acerca da peça a polémica estalou e a direita torceu o nariz. Mas engoliu. A esquerda oficial também. Em 2002 subiu à cena no Trindade a segunda peça de Freitas - "Viriato" - com menos polémica mas igual sucesso de público.
Tive o privilégio, como presidente do INATEL, do qual o Teatro da Trindade depende, de apoiar Carlos Fragateiro no patrocínio às incursões de Freitas do Amaral pela dramaturgia e de tomar consciência da sua postura de sincera preocupação com a luta pela dignidade, justiça e liberdade do homem.
A entrada de Freitas do Amaral no governo socialista é o facto mais notável deste período da política portuguesa. Mas esse facto não me espantou, antes me deu a certeza de que estamos perante um homem que não tem medo de assumir desafios novos e que não foge perante as dificuldades.
Assim o PS, os socialistas e o seu governo sejam dignos do seu corajoso gesto.
O Sonho e a Acção
Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, como hei-de, em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com a outra.”
“Livro do Desassossego” – Bernardo de Passos – (Fernando Pessoa)
sexta-feira, março 4
Sequência Infernal
"Liderança do PSD
Ferreira Leite na «reserva»
A ex-ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite não será candidata à liderança do PSD por considerar que isso iria dividir o espaço da candidatura de Marques Mendes."
"Regresso previsto no dia 14
Santana volta à CML"
"Audiência aberta à comunicação social
Catalina Pestana vai ser ouvida
"Marques Mendes
Aposta no Texto da Europa"
"Luís Filipe Menezes
CDS não é «inimigo»"
quinta-feira, março 3
Revolta
Durante o mês de Março publicarei um conjunto de 10 posts, ilustrados com imagens, a partir de um texto original – “Fragmentos Autobiográficos” - inspirado nesta citação de Camus:
“Revolta: Criar para chegar mais perto dos homens? Mas se pouco a pouco a criação nos separa de todos e nos empurra para longe sem a sombra de um amor...”
Fotografia de Helder Gonçalves
quarta-feira, março 2
"O Aprendiz de Feiticeiro"
Publico hoje o último post do meu livro artesanal construído a partir de excertos de “O Aprendiz de Feiticeiro”, de Carlos de Oliveira”. A obra, salvo erro, é de 1971 e a minha “edição” ocorreu em 1981, por mero acaso, em coincidência com a morte do autor.
Para quem quiser aqui tem uma edição recente.
"A Última Tília"
“ Tchekov, primeiro acto do “Tio Vânia”. Fala Astrov:
- O homem foi dotado de razão e força criadora para multiplicar o que lhe legaram, mas até hoje não criou, destruiu. Há cada vez menos florestas, os rios secam, a caça desaparece, o clima torna-se mais rude dia a dia, a terra mais pobre e mais feia. Vejo que me olhas ironicamente, tudo o que digo te parece que não é a sério e … e, talvez seja apenas mania minha, mas quando passo por uma floresta que salvei ou ouço o rumor da floresta ainda jovem que plantei com as próprias mãos, torno-me consciente de que o clima depende um pouco de mim e que se o homem dentro de mil anos tiver de ser feliz mo fica também a dever um pouco. Quando planto uma bétula nova e a vejo em seguida cobrir-se de folhas verdes, balançar ao vento, o meu coração enche-se de orgulho …
Pobre Astrov. Os operários derrubam a última tília e partem nos camiões pouco antes de se acenderem as lâmpadas da praça, que são (como os arboricidas gostam) flores de gás.”
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos (Gás) – pág. 17, 18 e 19 (6 de 6)
Fotografia de Helder Gonçalves
terça-feira, março 1
O Meu Irmão Dimas Morreu
O meu irmão Dimas era um “self-made-man”. Pertencia aquela rara plêiade de portugueses que triunfou na vida pelas suas próprias mãos. Com o seu trabalho. Sem golpes nem favorecimentos espúrios. Um artista de fina sensibilidade e operário na sua arte, perfeccionista, preocupado com os detalhes, homem de honra e de palavra.
Sofreu, certamente, em silêncio, os males do nosso tempo e a doença súbita que, em poucos dias, o ceifou para a vida. Eu fui um filho tardio. A sua adolescência coincidiu com a minha meninice. Sempre fui para ele “o meu menino”. O meu irmão Dimas raramente dizia palavras de circunstância. Nem era homem de grandes manifestações públicas de afecto. Mas eu sempre senti o halo da sua secreta afeição e solidariedade.
A imagem que dele guardo, para sempre, está neste retrato a preto e branco. A família completa posa para a Kodak de meu pai. No Jardim da Alameda, em Faro. Respira-se um ar de felicidade e o meu irmão, adolescente, deixa perceber a sua elegância. Eu empoleiro-me no banco na hora do disparo. A máquina, suspensa num tripé, accionada por meu pai, deixa passar aqueles segundos que ainda lhe permitem tomar o lugar no retrato.
Reparo nas roupas domingueiras que todos envergávamos. O meu olhar e o de minha mãe pousam, certeiros, na objectiva. Os olhares de meu pai e de meu irmão pousam em algo, ou alguém, ligeiramente ao lado. Simétricos dois a dois. Reparo na expressão feliz do seu rosto e na sua esguia mão.
Que dia terá sido aquele? Um aniversário? Um dia de festa? Um momento para todo o sempre.
Lusomundo - Negócio Fechado
Em palavras chãs a PT vendeu aos “Irmãos Oliveira” os órgãos de comunicação social que detinha. Daqui a algum tempo se verão as consequências.
(Afinal o PS já se pronunciou, concordando com a venda, e as "entidades reguladoras" que se amanhem. O problema é que o pronunciamento do PS tem o tom de "fim de festa". Mas qual festa? Ou de alívio! Mas de que dor?)
segunda-feira, fevereiro 28
"Aprendizes"
“Passamos duas vezes pela beira-rio, ao sair da cidade e no regresso já com o crepúsculo carregado de estrelas. Jornais. A guerra química. A desfolhagem instantânea das florestas no Vietnam ou, pior ainda, a incubação da doença, que o vento, as folhas caídas, a própria seiva, transmitem de árvore em árvore contaminando o chão, assassinando-o. Nenhuma raíz viverá ali nos próximos cinquenta anos, pelo menos. Afinal estes tipos com as suas serras mecânicas não passam de aprendizes.”
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos (Gás) – pág. 17, 18 e 19 (5 de 6)
Fotografia de Helder Gonçalves
domingo, fevereiro 27
Vítor Wengorovius
Fui hoje confrontado, longe de Lisboa, com a notícia da morte de Vítor Wengorovius. Aqui lhe deixo a minha homenagem. No percurso político comum que fizemos, em certo momento, constituiu-se um grupo que ficou conhecido como "O Grupo dos Cinco".
Hoje o Ferro Rodrigues lembrava-me que eu e ele somos os dois únicos sobreviventes desse grupo: os outros eram o Agostinho Roseta, o Afonso de Barros e o Vítor Wengorovius.
Reparo que os jornais publicam hoje nomes de dirigentes do MES que, em boa parte, não correspondem à realidade mas a uma imagem da realidade que se foi construindo, na comunicação social, ao longo dos anos.
Aqui deixo uma referência a Vítor Wengorovius num texto, elaborado a partir de um post publicado no absorto, que deverá integrar um livro, a editar em breve, no qual publicarei também a lista dos verdadeiros dirigentes (eleitos), fundadores do MES, da qual o Vítor faz parte:
"O mais vibrante activista do MES, oriundo do movimento católico progressista, foi o advogado Vítor Wengorovius.
Tendo desempenhado um papel determinante no movimento estudantil, aquando da crise de 1961/62, é um brilhante orador e conduziu-se, em todas as circunstâncias, como um hábil, infatigável e maduro negociador, capaz de gerar consensos e fazer pontes em todas as direcções.
Foi sempre prejudicado, nos planos pessoal e político, pelo seu excesso de talento para formular propostas e soluções de consenso e pelas manifestações do seu temperamento fulgurante.
A Nuno Teotónio Pereira e a Vítor Wengorovius devemos todos, os jovens quadros que se reuniram, desde os anos 60, até ao início da década de 80, em torno do MES, uma imensidade de ensinamentos, gestos de desprendida solidariedade e contagiante humanidade que jamais poderemos retribuir com a mesma intensidade e sentido de dádiva."
Fotografia de Helder Gonçalves
sábado, fevereiro 26
Termas de Manteigas
Em Outubro serão as eleições autárquicas. Espero que ninguém tenha a tentação de destruir uma obra moderna e consolidada – As Termas e o Complexo Hoteleiro de Manteigas do INATEL – por um “elefante branco” do qual resultará, mais tarde ou mais cedo, mais despesa pública sem a correspondente contrapartida de serviço público e de impulso ao desenvolvimento regional.
"Covilhã, 25 Fev (Lusa) - A Câmara de Manteigas está a estudar com a iniciativa privada a construção de um complexo lúdico-termal na vila, revelou hoje à agência Lusa o presidente da autarquia, José Manuel Biscaia.
O autarca lamenta, no entanto, "problemas provocados pela burocracia".
Segundo o edil, o investimento previsto "pode ascender a três milhões de euros e está previsto para terrenos junto às termas de Caldas de Manteigas, propriedade do INATEL".
"Queremos construir um espaço com tudo o que está ligado à água, em plena montanha", descreve.
Além das piscinas, "haverá zonas de descanso e lazer em plena água, diferentes tipo de banhos e espaços de hidroterapia", refere o autarca.
A área será complementada com serviços de restauração, comércio e diversão.
"O objectivo é conseguir com as termas cativar mais público, de outras faixas etárias e que não tenha apenas necessidades terapêuticas, mas também de lazer", sublinha José Manuel Biscaia.
Segundo o próprio, a obra está ainda "em fase de anteprojecto", sendo os detalhes acertados com privados com os quais o estudo está a ser desenvolvido.
Apesar de ambicionar arrancar com obras ainda até ao final do ano, o presidente da Câmara de Manteigas queixa-se de excesso de burocracia, que diz estar a atrasar o processo.
"Há um problema burocrático com a identificação de terrenos do INATEL que está a provocar um impasse junto de um dos investidores", descreve.
"Do ponto de vista burocrático, este processo tem sido um rosário de amarguras", classifica.
A estância termal de Caldas de Manteigas, propriedade do INATEL, é alimentada pelas nascentes da Fonte Quente, com água a 42 graus, e da Fonte Santa, com água a 19 graus.
As águas sulfurosas, captadas a 60 metros de profundidade, são indicadas para o tratamento de reumatismo, dermatoses, doenças das vias respiratórias e musco- esqueléticas.
Em pleno Vale Glaciário do Zêzere, as instalações das termas estão situadas a três quilómetros da vila de Manteigas.
LFO.
Obrigado Irmão
Diz assim:
“Vem Apariço e Ordonho, moços de esporas, a buscar farelos, e diz logo:
Apa. Quem tem farelos?
Ord. Quien tiene farelos?
Apa. Ordonho, Ordonho, espera mi.
Ó fideputa ruim!
Sapatos tens amarelos,
Já não falas a ninguém.
(…)”
É a farsa “Quem tem farelos?” composta, por Gil Vicente, nos fins de 1508, princípios de 1509.
Ninguém se espante mas em Portugal não existe qualquer companhia teatral dedicada a estudar, divulgar e representar o teatro de Gil Vicente.
Obrigado irmão.
sexta-feira, fevereiro 25
Entardecer
"Dêem-me a terra, mesmo poluída."
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos (Gás) – pág. 17, 18 e 19 (4 de 6)
Cesário Verde
Cesário Verde (Aniversário)
Trabalho acerca do poeta no "Público".
O Livro de Cesário Verde (Primeira Edição)
O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL
(Fragmento)
I
AVE-MARIAS
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.
Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.
E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.
Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!
Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!
(Versão integral no ir ao fundo e voltar)
quinta-feira, fevereiro 24
A Dignidade Não Tem Preço
Não falo de números, mas de pessoas. Um país não é um “grande número” resultante do somatório de cifras, taxas, pessoas, grupos, empresas, corporações, comentadores, amigos, conhecidos e quejandos.
É uma comunidade integrada, com passado e tradição, cidadãos e famílias, iniciativa e trabalho, alegrias e dores, humores e aflições, necessidades e desejos.
A dignidade não tem preço e, em democracia, a comunidade não perdoa a indignidade de quem governa.
José Afonso - 3
Tinha sido um concerto em Serpa, em cuja organização devo ter participado, em que Luís Pastor acompanhou José Afonso.
Foi uma daquelas intervenções loucas dos tempos da revolução. José Afonso evocou-as, com orgulho, agora mesmo, no memorável concerto do Coliseu, de 1983, que a “RTP Memória” acaba de passar.
Que voz extraordinária também a de Luís Pastor felizmente, pelo que vejo, em plena actividade.
quarta-feira, fevereiro 23
"Contra a clorofila"
“A aridez desdobrada em cimento, pavimentos estéreis, fumegantes, como as avenidas novas que sobem da beira-rio para as estradas do norte e o aeroporto, cerros nus, talhados sobre as faixas de rodagem, a monstruosa ossatura das fábricas à mostra, quantidades colossais de gases num labirinto canalizado para o alto, e lá em cima a chama, a nuvem tóxica, que de quando em quando o vento espalha pela cidade. Vindo da lua, o cosmonauta diz que poluir o ar e as águas da terra é um crime inominável. Diz, depois de atravessar no seu escafandro o céu dum astro sem ar nem água: dêem-me a terra, é tudo o que desejo. E entretanto os empreiteiros, os lunificadores e os seus operários trabalham nesta praça, aplicadamente, contra a clorofila.”
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos (Gás) – pág. 17, 18 e 19 (3 de 6)
Foto de Helder Gonçalves
José Afonso
José Afonso é um dos pilares mais vigorosos na formação cívica, estética e política da geração que fez a revolução de Abril.
Um homem vertical. Um grande poeta. Um músico de talento. Um extraordinário interprete.
Honra à sua memória.
Cantigas Do Maio
(Eu Fui Ver A Minha Amada)
Eu fui ver a minha amada
lá prós lados dum jardim
dei-lhe uma rosa encarnada
para se lembrar de mim
Eu fui ver o meu benzinho
lá prós lados dum paçal
dei-lhe o meu lenço de linho
que é do mais fino bragal
Minha mãe quando eu morrera
ai chore por quem muito amargou
para então dizer ao mundo
ai Deus mo deu ai Deus mo levou
Eu fui ver uma donzela
numa barquinha a dormir
dei-lhe uma colcha de seda
para nela se cobrir
Eu fui ver uma solteira
numa salinha a fiar
dei-lhe uma rosa vermelha
para de mim se encantar
Minha mãe quando eu morrer ...
Eu fui ver a minha amada
lä nos campos eu fui ver
dei-lhe uma rosa encarnada
para de mim se prender
Verdes prados verdes campos
onde está minha paixão
as andorinhas não param
umas voltam outras não
Minha mãe quando eu morrer...
Frank O´Hara
Poem (Lana Turner has collapsed!)
Lana Turner has collapsed!
I was trotting along and suddenly
it started raining and snowing
and you said it was hailing
but hailing hits you on the head
hard so it was really snowing and
raining and I was in such a hurry
to meet you but the traffic
was acting exactly like the sky
and suddenly I see a headline
LANA TURNER HAS COLLAPSED!
there is no snow in Hollywood
there is no rain in California
I have been to lots of parties
and acted perfectly disgraceful
but I never actually collapsed
oh Lana Turner we love you get up
1962
Poema
Lana Turner desmaiou!
Eu deambulava e de repente
começou a chover e a nevar
e tu disseste que caía granizo
mas o granizo acerta na cabeça
com força por isso estava a nevar
e a chover e eu tinha tanta pressa
ia ao teu encontro mas o tráfego
comportava-se exactamente como o céu
e subitamente vi um cabeçalho
LANA TURNER DESMAIOU!
não há neve em Hollywood
não há chuva na Califórnia
eu estive numa data de festas
e portei-me de forma desgraçada
mas nunca tive um desmaio
oh Lana Turner amamos-te levanta-te
Frank O'Hara
In “Vinte e Cinco Poemas à Hora do Almoço”
Assiro & Alvim
Tradução de José Alberto Oliveira
Fotografia de Helder Gonçalves (Nova York - Outubro de 2004)
terça-feira, fevereiro 22
"Matadores Furtivos"
James Joyce, “Ulisses”:
- Tão desmatados quanto Portugal estaremos em breve – fala Jonh Wyse – ou como a Heligolândia com a sua árvore única, se alguma coisa não se fizer para reflorestar a terra.”
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos (Gás) – pág. 17, 18 e 19 (2 de 6)
Sondagens - Balanço Final
Veja aqui o Rescaldo da "mega-fraude"
segunda-feira, fevereiro 21
Uma Questão de Decência
Uma imagem nostálgica dedicada a todos aqueles que ainda olham os resultados das eleições de ontem com escândalo: "a esquerda não tinha morrido?" ou "a esquerda nunca mudará"? Ou, pior, com gritinhos vindos das bandas do PP: "Estamos entregues aos bichos!".
Definitivamente muita gente de direita não entendeu nada do que se passou nestes três últimos anos: faltou decência, estúpidos! Bebam qualquer coisa para acalmar e esperem pelos erros do PS. Depois poderão dizer: "Os méritos próprios não contaram em nada para a nossa vitória, mas tão só os deméritos do adversário".
Mas, desta vez, parece-me que vão ter de esperar sentados uns largos anos!
(Inspirado nos comentários publicados no Abrupto a partir de uma reflexão séria de Pacheco Pereira).
Foto de Helder Gonçalves - Buenos Aires - 2003
Gás
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos (Gás) – pág. 17, 18 e 19 (1 de 6)
Vitórias e Derrotas
Afinal brandir uma bandeira na rua é uma tradição que vem de longe. Seja festivo, seja de revolta é um acto próprio de uma cidadania activa.
Mais difícil foi brandir a bandeira do PS, partido vencido em 2002 (Ferro Rodrigues), doloroso em 1991 (Jorge Sampaio), dramático em 1985 (Almeida Santos) e romântico em 1987 (Vítor Constâncio).
Convém não esquecer: desde o 25 de Abril as vitórias, para o PS, são intervalos entre derrotas. As derrotas, para o PSD, são intervalos entre vitórias.
A Celebração da Vitória
domingo, fevereiro 20
Vitória do PS - breves notas
A esquerda, no seu conjunto, obterá cerca de 2/3 dos votos. O PSD terá um dos seus piores resultados de sempre. O PP sairá pela porta pequena e o BE passa a existir politicamente.
O PR provou que tinha razão ao decidir-se pela dissolução do parlamento.
Finalmente a direita deverá ter aprendido que o povo não dorme. Desde o discurso da “tanga”, ao da “pesada herança”, do desprezo pela opinião pública, ao favorecimento de interesses obscuros, do silenciamento das vozes críticas às campanhas persecutórias, visando a destruição pessoal e política de dirigentes da oposição e da administração pública.
Nada esqueceu, nem esquecerá. Associo a minha voz à voz da maioria do povo português. Esta é, no essencial, uma vitória do povo. Sinto-me feliz pela derrota de José Manuel Barroso e Santana Lopes, de Paulo Portas e Bagão Félix.
Uma nota pessoal: hoje, 20 de Fevereiro, seria o último dia do meu mandato como Presidente do INATEL, função da qual fui exonerado, por pura perseguição política, por Bagão Félix. Ora, neste dia exacto o povo português, de forma democrática, mas implacável e clarividente, exonerou Bagão Félix. Espero que para sempre.
Veja a evolução da contagem dos votos aqui.
Ainda Antes
Afinal os portugueses estão mais participativos do que poderia parecer. O mais provável é que o PS beneficie com este fenómeno. Às 20 horas vamos ter a confirmação.
Ver aqui.
Bons Ventos - actualizado
"Cerca de 22 por cento dos eleitores votaram até ao meio-dia
Nas últimas legislativas, a 17 de Março de 2002, a afluência às urnas registada até ao meio-dia era de 18 por cento."
Às 16 horas tinham votado 50,88% dos eleitores; nas eleições de 2002, à mesma hora, 45,8%. Seja qual for o resultado final a afluência às urnas será sempre, nestas eleições, pelo menos, 5% superior.
Para acompanhar os resultados ver aqui.
Sondagens
Destaco:
“Três certezas a 99,9% (como quem diz)”
1. O PS ganha;
2. PSD e CDS-PP não fazem maioria;
3. Subida forte do BE em relação a 2002;
4. Se não tiver maioria absoluta, PS necessita apenas de um parceiro à esquerda para a formar."
"O Aprendiz de Feiticeiro"
sábado, fevereiro 19
A Partir de Amanhã
Como hoje é dia de reflexão decidi reflectir. Serão uma série de textos relativamente longos. Acerca de temas que têm incidência na governação “a partir de amanhã”. Uns mais estruturados, resultantes de estudo prévio, outros mais especulativos, provindos de ideias e experiências concretas. Publicados espaçadamente.
Deles fixarei aqui as primeiras linhas. O primeiro versa sobre o desemprego. Pode ser lido, na íntegra, no ir ao fundo e voltar.
Desemprego é uma palavra pesada. Na linguagem dos liberais já devia ter sido riscada do dicionário. Ela arrasta a ideia de emprego. Talvez tenha, para os liberais, a desprezível ressonância de “emprego para toda a vida”. A ideia de constância e não de temporalidade. A ideia de permanência e não de ocasião. O presságio de uma realidade que se afasta da ideia de trabalho temporário. O fantasma da rigidez dos custos e da não flexibilidade. A imagem da instalação fabril, associada a um espaço físico e comunitário, a não-deslocalização. Quando, no fundo, o que interessa é o trabalho! Mas não existe a palavra destrabalho. Nunca se diz de alguém que “ficou no destrabalho”.
Causas
A campanha eleitoral acabou. Já vi muitas. Esta pode ser a da primeira vitória absoluta do PS. Um dia teria de acontecer. Este seria o momento certo. Mas se não acontecer basta que o PS ganhe. Essa vitória destrói a coligação de direita. Restitui a decência à política portuguesa. Mostra que a maioria dos portugueses entendeu que a extrema-direita estava no coração do poder. E que a maioria quer ter um governo livre da extrema-direita. Reparei que o BE encerrou a campanha pedindo o voto da esquerda para retirar a maioria absoluta ao PS. Acho que não interessa nada ao país substituir a extrema-direita pela extrema-esquerda. São estas as palavras exactas que quero empregar. Os discursos “beatos” dos líderes do PP e do BE simulam uma "postura de estado", a concórdia nacional, o afecto pelos pobres e desfavorecidos, mas ocultam ideologias e programas fanáticos próprios das velhas autocracias. O PS, como sempre, continua a ser a esquerda possível. Capaz de vencer eleições e constituir governos aceitáveis pela maioria da opinião pública. É pouco? É muito? É o que é! Não é a chamada “esquerda das causas” mas a “esquerda dos compromissos”. Os compromissos que viabilizam as causas, pois as causas impostas sem compromissos são o princípio da barbárie. É preciso conhecer um pouco de história para perceber esta diferença essencial. Em 1979 deixei de votar na “esquerda das causas”, na qual militei, porque percebi que as causas não são propriedade da esquerda. As verdadeiras “causas” pelas quais vale a pena lutar são património dos democratas que estão presentes em todos os quadrantes políticos, ideológicos e partidários. Essas causas resumem-se em dois palavras simples: liberdade e justiça.
Foto de Helder Gonçalves - Chile
sexta-feira, fevereiro 18
Sondagens: O Inferno Para a Direita
A única dúvida que persiste é a de saber se o PS chega à maioria absoluta. Salvo a sondagem do Expresso todas dão a maioria absoluta como adquirida.
Acho difícil que todas se enganem ao mesmo tempo. Mas esta unanimidade pode gerar um efeito perverso e resultar numa desmobilização prejudicial ao PS.
Aqui fica a sondagem que faltava: a do Correio da Manhã.
quinta-feira, fevereiro 17
Últimas Sondagens
Hoje a sondagem publicada pelo Público dá a maioria absoluta ao PS e a publicada pela TVI segue a mesma tendência
A do Diário deNotícias/TSF confirma a maioria absoluta do PS e uma muito fraca votação no PSD
Por sua vez a da SIC/Expresso/RR não desmente aquela tendência moderando a sua evidência.
Sondagem da Universidade católica publicada pelo Público:
"Em que partido tenciona votar para as próximas eleições legislativas (para a Assembleia da República)?
Intenção directa de voto/resultados brutos:
PS: 34 %
PSD: 22%
BE: 5%
CDS-PP: 4%
CDU: 3%
Outros: 1%
Não vai votar: 12%
Ainda não sabe: 14%
Não responde/brancos/nulos: 5%
Estimativa de resultados eleitorais:
(Obtida calculando a percentagem das intenções directas de voto em cada partido em relação ao total de votos válidos [excluindo abstenção e indecisos]. Estas estimativas reflectem o peso relativo que cada círculo eleitoral tem para os resultados nacionais, e têm valor meramente indicativo, dado que diferentes métodos de estimação poderão gerar resultados diferentes)
PS: 46% (118-124 deputados)
PSD: 31% (80-84)
CDU: 7% (8-12)
BE: 7% (8-12)
CDS-PP: 6% (6-10)
Outros: 1% (0)
Brancos/nulos: 2%
A grande vitória política da direita está reduzida, a partir de agora, a perder sem que o PS consiga alcançar a maioria absoluta. Interessante!
Eu Voto PS
Até 1979 votei MES e, a partir desse ano, sempre votei no PS. Aliás em 1979 o MES, antes ainda da sua original imolação político/festiva, aconselhou, expressamente, o voto no PS ou na APU. O meu voto, desde esse apelo, nunca sofreu qualquer desvio em eleições legislativas e presidenciais.
Alguns dos meus amigos alinharam nas “aventuras” de Pintassilgo ou de Zenha, do PRD ou UEDS, mas eu sempre votei no PS. É um voto pela liberdade e pela justiça. Não somente pelas utopias que nos alimentam os sonhos por uma vida e um mundo melhores, mas também pela defesa da concretização possível desses sonhos.
É uma opção tomada em consciência, formada através de muitas experiências, que deram para compreender que os valores supremos a defender pelo voto são a justiça e a liberdade. E o partido que melhor assegura a defesa desses valores, no nosso tempo, é o PS.
"Pensar noutra mulher, noutro romance."
“Horas depois, continuo em frente da janela. Na rua há um pouco de vento e a lâmpada balança, desnivela os telhados, desequilibra as paredes. Não consigo saber se os prédios pombalinos na realidade oscilam ou se a impressão me vem da vidraça embaciada que fechei quando Luciana desapareceu. Deixou de chover (inexplicavelmente aliás) e o luar surgiu, as estrelas também. Para quê, tão tarde?
Apesar deste tom de elegia a vida continua, não é verdade? Tenho de esquecer Luciana e o romance. Pensar noutra mulher, noutro romance.”
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos (Chuva) – pág. 15, 16 e 17 (6 de 6)
Fotografia de Helder Gonçalves
quarta-feira, fevereiro 16
"Desatou a Chover"
“ O tempo que demorou a descrição gastámo-lo nós a chegar. Exactamente o mesmo tempo. E então, as gotas esparsas engrossaram, precipitaram-se umas atrás das outras. Desatou a chover. Não confessei ainda que a chuva me fascina, mas é verdade. Desde a infância, quando dobrava as costas contra o peitoril da janela e deixava a água alagar-me a cara ou a bebia com todo o vagar, de olhos fechados. Foi essa mania inocente que perdeu Luciana. Abri a janela, estendi-me para fora e a chuva passou por mim à pressa escorregando-me no rosto, entrou no quarto, caiu como quis nas poucas folhas do rascunho poisadas sobre a mesa diante da vidraça aberta, dissolveu o perfil de Luciana ainda mal esboçado, apagou-lhe a voz rouca, desfez-lhe o cabelo azul, sumiu-a, sem eu dar por nada. Com que facilidade desaparecem as mulheres, as palavras, numa simples mancha de água e tinta. Frágeis, como a cor dos telhados ou a chama dum grão de areia que a chuva apaga.”
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos (Chuva) – pág. 15, 16 e 17 (5 de 6)
Fotografia de Helder Gonçalves
Debate 4/5
O seu silêncio forçado assume o simbolismo da morte do PCP. Ou, pelo menos, o seu apagamento e, de certeza, um forte sinal de fraqueza. Em televisão, naquelas circunstâncias, é uma fatalidade cruel um líder ter de abandonar o palco. Só com Santana não teria a mesma importância. Porque simbolicamente Santana já o abandonou.
O episódio, certamente, não representa a morte do PCP, mas a representação da autenticidade pessoal de um líder em política tem limites. O BE ficou a ocupar o espaço do PCP. Surgiu, naquele momento, em cena, o que é o desenho político que muitos adivinham para o futuro. O BE ocupando todo o espaço da esquerda além do PS. Este acontecimento vai ter consequências eleitorais e políticas para o futuro próximo.
O resto foi conforme as expectativas salvo a declaração final de Portas que esteve fora do seu registo habitual. Inseguro. Nervoso. Desarticulado. Algo inexplicável.
terça-feira, fevereiro 15
A Carta de Santana
Ela aqui está, na íntegra, para vergonha de todos nós e, em particular, dos eleitores social-democratas.
"Caro(a) Amigo(a),
Não pare de ler esta carta. Se o fizer, fará o mesmo que o Presidente da República fez a Portugal, ao interromper um conjunto de medidas que beneficiavam os portugueses e as portuguesas.
Portugal precisa do seu voto para fazer justiça. Só com o seu voto será possível prosseguir as políticas que favorecem os que menos ganham e que exigem mais dos que mais têm e mais recebem. Você não costuma votar, e não é por acaso. Afastou-se pelas mesmas razões que eles nos querem afastar.
E quem são eles? Alguns poderosos a quem interessa que tudo fique na mesma. Incluindo a velha maneira de fazer política. Eles acham que eu sou de fora do sistema que eles querem manter. Já pensou bem nisso? Provavelmente nós temos algo em comum: não nos damos bem com este sistema.
Tenho defeitos como todos os seres humanos, mas conhece algum político em Portugal que eles Tratem tão mal como a mim? Também o tratam mal a si. Já somos vários. Ajude-me a fazer-lhes frente. Desta vez, venha votar.
É um favor que lhe peço! Por todos nós,
Pedro Santana Lopes"
"As Primeiras Gotas"
“Entretanto caem as primeiras gotas. Luciana obriga-me a regressar. Quando a chuva chega o costume é um mês inteiro de água.
O rio pouco denso ganha dia a dia corpo, galga bruscamente as margens, rolam na espuma a fruta podre, os bichos arrancados às tocas, a lenha dos madeireiros, as árvores mais fracas a que a torrente mina o chão (a estabilidade). Nos caminhos barrentos, lutando contra o enxurro, os pastores e o gado voltam à serra. A cidade baixa fica inundada, há canoas nas vielas do Terreiro da Erva, esta Veneza de prostitutas ordenadas numa hierarquia instável, onde se começa quase sempre pelo alto da tabela: casas de cem, cinquenta, vinte e dez mil reis. A cheia bate no portal de Santa Cruz, torna a bater, invade a igreja, submerge o túmulo de Afonso o Fundador. E por fim, em torno das colinas enregeladas, há só um lago enorme com choupos, cegonhas, o frémito do frio.”
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos – (Chuva) pág. 15, 16 e 17 (4 de 6)
Fotografia de Helder Gonçalves
Votar: Um Bem Essencial
Valorizam a maioria absoluta. Absoluta, ou seja, que suplanta o somatório de todas as minorias juntas. Mas que as não elimina nem apaga a luz da liberdade. Em democracia as eleições são a batalha rainha. Os seus resultados são sagrados. Votando escolhemos.
Devíamos sentir orgulho na democracia portuguesa. Que nos deu essa extraordinária oportunidade de escolher. Liberdade de escolher, quase limpa de atropelos e violências. E digo quase porque a pureza, em si mesma, não existe. Passaram mais de 30 anos e as escolhas, em democracia, sucedem-se. Ainda bem. Antes assim que a tentação da tirania.
Outra coisa são os detalhes.
De hoje até domingo decidem-se detalhes. Muitos reclinam-se no voto de protesto, seja branco ou colorido ou, em alternativa, ausentam-se justificando a abstenção pela descrença nas alternativas partidárias. É o juízo final dos que olham o poder à imagem da realidade ideal que não existe. Nem na sociedade nem na vida de cada um de nós.
Os que exigem ao sistema político democrático a perfeição são os mesmos que a não exigem a nenhum outro sistema, nem ao seu próprio sistema individual de comportamento. Todos sabemos que é assim. É um detalhe mas que não põe em causa o essencial: a participação cívica da maioria dos portugueses nas eleições.
Se para uma minoria de iluminados votar é um bem supérfluo para a maioria dos portugueses votar é um bem essencial.
segunda-feira, fevereiro 14
Sigamos o Cherne
Mas achei curioso que a série de poemas de autoria de Alexandre O´Neill (1924-1986) abra com um de que falou muito nas eleições legislativas de 2002.
Leiam-no agora a esta distância respeitável e da leitura retirem as lições que vos apetecer.
SIGAMOS O CHERNE
(Depois de ver o filme “O Mundo do Silêncio” de Jacques-Yves Cousteau)
Sigamos o cherne, minha Amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até, do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria…
Em cada um de nós circula o cherne,
Quase sempre mentido e olvidado.
Em água silenciosa de passado
Circula o cherne: traído
Peixe recalcado…
Sigamos, pois, o cherne, antes que venha,
Já morto, boiar ao lume de água,
Nos olhos rasos de água,
Quando, mentido o cherne a vida inteira,
Não somos mais que solidão e mágoa…
A Morte da Irmã Lúcia e a Campanha Eleitoral
Santana Lopes logo no anúncio da suspensão da campanha eleitoral do PSD, em Cabeceiras de Basto, aproveitou para fazer campanha. Foi recebido com algazarra quando todos os presentes já sabiam ao que ía. Fez um discurso quando se devia ter recolhido.
Diz que se vai remeter, 2ª e 3ª feira, á função de primeiro-ministro mas admite “algumas acções (de campanha) que não impliquem festa”. O CDS/PP anuncia uma posição semelhante. Se o luto de Santana e Portas (e dos respectivos partidos) pela morte da Irmã Lúcia fosse autêntico o seu silêncio não se faria ouvir. Seria um silêncio absoluto.
Mas o próprio anúncio do seu luto foi um acto de campanha. Eles sabem que a morte da Irmã Lúcia não pode, na prática, interromper a campanha. Torná-la-á, porventura, ainda mais ignóbil. Esperemos para ver como vão decorrer as exéquias, quais as orientações da hierarquia da Igreja, quais as presenças oficiais e oficiosas nas cerimónias, qual a cobertura das televisões, quais as palavras proferidas e quem as profere.
Este é um assunto de Estado. Haja decência. O Senhor Presidente da República não pode ficar a assistir impávido e sereno a uma segunda edição do que se passou na 2ª e 3ª feira da semana passada. Também aí Santana Lopes anunciou que não fazia campanha e, envergando o fato de primeiro ministro, praticou o seu contrário. Mas, desta vez, o caso é muito mais sério.
Por maioria de razão todos devemos seguir com muita atenção os acontecimentos destes dias.
"PSD e CDS suspendem campanha
O PSD e o CDS suspenderam as acções de campanha para segunda e terça-feira devido à morte, este domingo, de Irmã Lúcia. O PSD admite, no entanto, cumprir algumas acções que não impliquem «festa».
domingo, fevereiro 13
Reflexão Política a Prazo
Finalmente...
Telmo Correia fez uma afirmação que há muito esperava ouvir: o CDS/PP quer conquistar o poder. Legítimo em democracia, megalómano para o CDS/PP, perigoso para o país. Mas alguma vez tinha que ser dito!
Humberto Delgado
Para alguns será estranho que haja quem tenha necessidade de participar, intervir, comunicar. Para muitos, entre nós, sempre existe a tentação de associar a ocupação de um pequeno ponto do “espaço público” com a ideia de querer obter vantagens ilegítimas.
Lembro-me, no tempo da ditadura, de um escaparate, embutido numa parede, em Faro, onde era afixado, todos os dias, o jornal República. Aqueles que o afixavam queriam o quê? Ocupar o poder? Dar nas vistas?
Lembro-me da epopeia do General Humberto Delgado que se ofereceu em sacrifício para resgatar Portugal da ditadura. Que quereria ele? Mostrar a sua vaidade? O poder pelo poder?
Contou-me uma amiga, que acerca dele fez uma pesquisa, que Delgado, na clandestinidade, esteve alojado num quarto no Porto, frente a uma esquadra de polícia. E que se barbeava com o olhar nela poisado podendo, com facilidade, ser visto. Sempre com a farda de general pronta a ser envergada em caso de necessidade.
Os seus detractores diziam (e dizem) que era doido! Mas nas eleições presidenciais de1958, desafiou de frente a ditadura, arrebatou multidões, perdeu (roubado) nas urnas, deu um exemplo de coragem.
Coragem, isso mesmo, sabem o que é? Em 1965, neste dia exacto, 13 de Fevereiro, foi assassinado pela PIDE.
O que leva os homens a rebelar-se contra a injustiça? Em dar a vida pela liberdade?
Ainda "Saraband"
sábado, fevereiro 12
"Diários de Motocicleta"
Ver este filme deu-me um enorme prazer.
Não se explicam certas coisas da alma, não é?
Já antes escrevi acerca dele.
Os grandes filmes só o são para quem os vê
e deles gosta. Mas este prémio é uma grande
notícia para o cinema brasileiro.
Melhor Filme Estrangeiro para «Diários de Motocicleta»
«Diários de motocicleta», do brasileiro Walter Salles,
recebeu hoje, em Londres, dois BAFTA, os prémios
do cinema britânico comparados aos Oscar de Hollywood.
A película conta a viagem que Che Guevera fez,
quando era jovem, pela América latina."
"O que será (À flor da pele)"
"O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita
O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite
O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo"
Chico Buarque
(in Pentimento)
É o Vale Tudo Final
Seja qual for o líder do PS, o seu perfil pessoal e méritos políticos, surgem sempre ataques cirúrgicos, através de notícias "encomendadas", em momentos certos, com objectivos determinados.
No caso de Sócrates surgiram os boatos acerca da sua vida privada (incluindo vandalização, em curso, de cartazes de rua), agora acusações de “envolvimento em negócios”, “favorecimentos”, “enriquecimento sem causa” e sabe-se lá mais o quê ...
Na última semana de campanha eleitoral tudo se pode esperar. É o vale tudo final.
"Chamo-lhe desespero"
“Caminhamos entre os plátanos do parque. Inesperadamente,
mas da maneira habitual, insidiosa, começo a sentir o desespero
que me provoca a presença das mulheres amadas.
(Emanação, respiração, neblina e aroma, filtro que eu respiro
boca a boca sem me saciar). Chamo-lhe desespero porque
não acho outra palavra mas escrevo-a como se desenhasse
nesta página um pequeno firmamento de estrelas caligráficas:
ternura, língua, fogo, dentes, brevidade. Morde-se a vida,
prova-se apenas um instante e, pior ainda, com a sensação
antecipada de que a morte, duas mortes, estão metidas no caso.
Não me expliquei muito bem. Nem admira. Fantasmas pessoais,
intransmissíveis. E agora reparo: onde eu já vou. Luciana
por enquanto não passa da imagem vaga disto nas três
ou quatro páginas do romance que iniciei anteontem.”
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos (Chuva) – pág. 15, 16 e 17 (3 de 6)
Fotografia de Helder Gonçalves
sexta-feira, fevereiro 11
Ouvir Toda a Gente
Eu acho, no meu perfeito juízo, que deve ser ouvida toda a gente. Não neste ou naquele processo de inquérito, investigação, auditoria, sindicância, ou outro qualquer procedimento previsto no ordenamento jurídico nacional. Estas acções a que temos assistido, de quando em vez, e que tocam a todos, mais a uns do que a outros, é verdade, nos seus prazos e conforme manda a lei, são de uma vulgaridade, banalidade, insignificância e sacanância que nos coloca mal no concerto das nações.
A acção a que o país aspira é mais ambiciosa. Deve ser ouvida toda a gente. Mesmo toda a gente. São cerca de 10 milhões, retirando os emigrantes, até á terceira ou quarta geração. A maioria, segundo o Dr. Medina Carreira, são velhos e relapsos, mas que importa, são esses, porventura, os mentores da depravação que a Pátria não aguenta mais. Contratem-se os serviços ao estrangeiro. Existem países populosos com gente experimentada na reposição da “ordem” e dos “bons costumes”.
Existem no país infra-estruturas capazes de albergar um exército de inquiridores qualificados. Podem ser utilizados os estádios construídos para o EURO, alguns deles sem fim útil à vista, como o do Algarve, cuja manutenção custa o equivalente a duas equipas na primeira liga. Faça-se um calendário rigoroso dos interrogatórios com tradução simultânea. Toda a gente é obrigada a denunciar toda a gente, a confessar as suas fraquezas, aproveita-se a ocasião para revistar a “coisa pública” e a privada, imaginar os crimes imaginários, adivinhar os sonhos inconfessáveis, espreitar os devaneios erécteis, gozar com a alheia cobiça do corpo inalcançável.
O país precisa de uma limpeza,
de uma devassa a sério,
de um “choque psicológico”
que, ao menos, dê aos cidadãos
aquela sensação de liberdade
de “por enquanto” não serem arguidos
ou, pelo menos, “ainda” não serem suspeitos.
Viva Portugal.
Foto de Helder Gonçalves
"Caídos pelo Caminho" - Chile
Obrigado a Portugal (Fim)
Atento o JPN, do respirar o mesmo ar,
retoma a imagem da capa do programa
do sarau "Obrigado a Portugal" e,
nas tábuas do próprio "Teatro da Trindade",
lugar do seu mister, escreve um belo texto.
As Imagens dos Artistas
Nevoeiro
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer
-Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
Fernando Pessoa
"Nada Será Esquecido"
O povo não esquece e, como diz Correia de Campos, “nada será esquecido”.
"Semi-Democracia"
Líder do PSD diz que Portugal "parece estar a cair numa situação de semi-democracia"
Santana Lopes acusa orgãos de comunicação social de fazerem campanha
quinta-feira, fevereiro 10
Obrigado a Portugal
Programa
Esta imagem e a anterior são fragmentos
de um programa antigo, de 19 de Dezembro de 1940,
em época de guerra. Refugiados de toda a Europa,
devastada pela ofensiva nazi, procuravam
um porto de abrigo e uma plataforma
de onde embarcar para outras paragens.
Quase todos judeus.
Muitos artistas de todas as artes.
O Teatro da Trindade, que tão bem conheço,
serviu de palco para que os refugiados agradecessem
o acolhimento dos portugueses. Esse espírito solidário
de um povo que nem o regime ditatorial foi capaz de quebrar.
A liberdade acaba sempre por vencer a tirania.
Mas é preciso não vergar a espinha às ameaças
dos novos aspirantes a ditadores.
Eles com os seus cânticos populistas,
quais aves predadoras, volteiam no ar
em torno das nossas cabeças.
O esquecimento é a sua arma.
É preciso lembrar ao povo, sem saudosismo,
o terrível passado das ideologias nacional-populistas.
Populismo em Estado Puro
Pires de Lima responsabiliza esquerda por salários baixos”
Onde é que eu já ouvi isto? Pelo menos os mais velhos conhecem a herança salazarista: ditadura= miséria cívica e material.
Os dirigentes do CDS/PP são os depositários históricos dessa herança e eles sabem que a ditadura salazarista também se apresentou como uma Revolução Nacional.
Não brinquem com a memória de um povo que sofreu 48 anos de ditadura, em grande parte, sob a direcção de um "partido revolucionário". São coisas sérias demais!
Veja aqui um exemplo ilustrativo.
quarta-feira, fevereiro 9
Luciana
“Seja como for, hoje rompeu
uma ponta de sol e desço à
beira rio. Levo Luciana comigo.
Conheço-a ainda mal. Cabelo
azulado, um pouco mais claro
do que a asa do corvo, voz
com o toque da tal rouquidão
que excita não há dúvida os
homens. Fala de montanhas
cobertas de neve, uma fonte
para encher a bilha, searas,
fruta, o corpo nu na espuma
duma corrente. Coisas naturais
e ingénuas, o que é, a voz velada
dá-lhes a lentidão, o erotismo,
dos sonhos mais fundos.
Eis o que sei a respeito dela.”
“O Aprendiz de Feiticeiro”
Carlos de Oliveira
Fragmentos – (Chuva)
pag: 15, 16 e 17 (2 de 6)
Marcelo na RTP
Sócrates colocou uma questão pertinente. A RTP não é, de facto, uma entidade privada como a TVI ou a SIC. A RTP, pela sua natureza, tem obrigações de serviço público que os canais privados não têm.
Já antes Vital Moreira tinha colocado a questão nos termos em que deve ser colocada.
Tudo mudará de figura se o PSD quisesse privatizar a RTP. Mas para isso precisava ser governo. Como não vai ser deixa o terreno minado. Na RTP e não só...
Imigração nos Programas Eleitorais do PS, PSD e CDS/PP
Insere a questão da imigração no capítulo da "Segurança", tal como o PSD, assume a neutralização da natureza "fracturante" da questão e dispersa a sua abordagem em alíneas ao longo daquele capítulo. Ao contrário dos partidos liberais, conservadores e de extrema direita (vejam-se os casos do Partido Conservador Britânico e dos partidos da coligação de direita que acabou de vencer as eleições na Dinamarca) não coloca a imigração como uma questão prioritária nos planos ideológico, social e político.
A imigração para o CDS/PP como que "passou à clandestinidade". Não será, certamente, falta de coragem mas cálculo estratégico tendo em vista eventuais acordos ou alianças com o PSD ... ou o PS.
Por sua vez o PDS resume a questão a dois parágrafos onde se perfilam as mesmas ideias contidas no programa do PS. Pela sua irrelevância (estranha opção da direcção do PSD) não trancrevo esses parágrafos no link abaixo.
Por fim o PS apresenta a questão da imigração num capítulo autónomo, inserindo-a no contexto das políticas sociais, muito bem estruturado, actualizado e completo. As minhas congratulações e esperanças de que, no essencial, caso o PS venha a constituir governo, tal programa seja concretizado.
Ver os programas do PS e do CDS/PP, referentes à questão da imigração, no IRAOFUNDOEVOLTAR.
Chuva
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos (Chuva) – pag. 15,16 e 17 (1 de 6)
terça-feira, fevereiro 8
Homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen
16 de Fevereiro, 2, 16, e 30 de Março, 13 e 27 de Abril,
11 e 25 de Maio, 8, 22 e 29 de Junho de 2005
III CICLO DE MÚSICA E
POESIA PORTUGUESA DO SÉC. XX
HOMENAGEM A SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Segundo o programa "Dado o carácter especial de homenagem de que este ciclo se reveste, entendeu a Fundação dar a possibilidade a outras pessoas, para além dos leitores que colaborarão regularmente nas sessões, de a ela se associarem lendo um poema em voz alta. Bastará para isso que nos informe atempadamente, por carta ou e-mail (cristinasousa@ip.pt), do poema que escolheu e que compareça na respectiva sessão. Caso a escolha recaia num poema que esteja “tomado”, será informado do facto e terá a possibilidade de alterar a sua escolha."
Faltam 11 dias
A Hora das Grandes Decisões
A partir de Janeiro de 2006 à maioria absoluta do PS (8 ano de governo, no cenário mais favorável) corresponderia a presidência de Cavaco (10 anos no cenário mais provável).
É a possibilidade da concretização de um cenário com a obtenção do máximo denominador comum de estabilidade política e autoridade democrática.
Caso o PS não alcance a maioria absoluta nas legislativas tudo será diferente. A ver vamos!
"Olho-te nos olhos e pergunto-me de que côr serão teus sonhos..."
Terça-feira gorda. O Dr. Santana Lopes não faz campanha eleitoral no Carnaval. Mas assinou ontem um protocolo. Com pompa e circunstância. Ainda se fosse a inauguração do novo aeroporto da Ota. Como primeiro-ministro valia a pena o desaforo. Mas não tem obra para apresentar. Uns livros e um protocolo para dar uso civil a um aeroporto militar. Ainda por cima sem a presença do ministro da defesa. Até deu para o Eng.º Sócrates dar um elogio ao Dr. Portas.
Não sei o que se passa na cabeça do dito cujo mas tenho para mim que está a tentar colocar-se no papel do que ele pensa ser o sentimento do cidadão comum. Descrédito nos políticos. Mal por mal antes o Pombal! Esta estratégia do Dr. Santana, e do seu círculo restrito de amigos, ou está muito bem urdida ou está à deriva. Inclino-me mais para a segunda hipótese.
O Dr. Santana entrou naquela fase de roda livre em que tudo se pode esperar. Ou me aceitam como sou ou nada feito! O PSD que se lixe! Acho que o Dr. Santana vai acabar na “Quinta das Celebridades II” a ganhar umas massas e a aproveitar da notoriedade do cargo de “primeiro” e da campanha eleitoral.
De cada vez que lhe vejo o olhar a imagem que dele transparece é o vazio.
Fotografia de Helder Gonçalves- Granada, 2003
segunda-feira, fevereiro 7
Mário de Sá-Carneiro
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador d´espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quasi vivido...
Quasi o amor, quasi o triunfo e a chama,
Quasi o princípio e o fim - quasi a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quasi, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos d´alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos d´herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
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Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Paris, 13-5-1913
Mário de Sá-Carneiro
"Só"
“O Aprendiz de Feiticeiro” – Carlos de Oliveira
Fragmentos – pag. 14 (3 de 3)
"O Chumbo"
Ao fim de algum tempo a propaganda que transformara um político num decisor perfeito como que se desmorona. Isso acontece quando o carácter do homem político se revela vulgar, atreito a preocupar-se com as tarefas mesquinhas, os juízos preconceituosos e as decisões sectárias, quando não persecutórias.
O carácter dos homens é, no fundo, o essencial na política. Bagão Félix é uma expressão da verdadeira natureza do mal na política. A dissimulação levada aos limites torna-se uma obsessão perigosa para a própria democracia. Até Santana Lopes foi obrigado a reconhecer isso quando “dispensou” Bagão Félix de um seu governo virtual que o povo português, por sua vez, também já dispensou.
Estamos a 12 dias das eleições. Santana esbraceja qual naufrago que agarra, desesperado, todos os sobreviventes, arrastando-os para o fundo. Bem vistas as coisas é provável que só venham a sobreviver os que ficaram fora do "barco do santanismo" ou os que se protegeram com o silêncio autentico da vergonha.
Leia-se: "O Chumbo", de Nicolau Santos, in “Expresso on line” (acesso integral à leitura só para assinantes):
“O Presidente da República vai vetar a nova Lei Orgânica do Ministério das Finanças. Faz Jorge Sampaio muito bem. Sob essa capa, o que o ministro das Finanças pretende é acabar com a autonomia administrativa e financeira de entidades reguladoras, como o Instituto de Seguros de Portugal e a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, e passar a controlá-las do Terreiro do Paço.”
domingo, fevereiro 6
A Liberdade, Sempre
sábado, fevereiro 5
Debate a Dois
Santana, Sócrates. Este foi mais um. Mas ficou à vista de toda a gente que um só debate não é suficiente. Seriam necessários dois ou três. A Sócrates não interessavam? Tenho as maiores duvidas. Pois Sócrates os ganharia a todos. Foi um erro da estratégia do PS. Santana não suportaria ser confrontado com as “trapalhadas” e não chegou a sê-lo. Aí saiu beneficiado.
Além do mais, e mais importante, não se abordaram diversas questões centrais da política nacional. Isto é um assunto sério. Salvo alguma referência telegráfica nem uma palavra acerca da educação, saúde, justiça, imigração, demografia, defesa, segurança, Europa, relações externas…A complexidade dos problemas da governação não foram revelados.
Eu vi, na íntegra, um dos debates entre Bush e Kerry. Aí se revelavam, com mais clareza, as diferenças dos programas e das personalidades. Aqui parece um jogo das escondidas. Sócrates acabou por se diferenciar puxando para a primeira linha as questões sociais. Curioso jogo que eu tinha previsto, num post antigo, comentando o Congresso do PS.
Sócrates marcou a diferença onde recusara a diferença no debate interno. Mesmo na questão do que “é vencer” as eleições no discurso de Sócrates aflorou um lapso, ou uma “fraqueza”, quando não atacou, logo na primeira frase: “para o PS vencer é obter a maioria absoluta”. A sua resposta foi um acto falhado lembrando o discurso de Guterres em 1999.
Por outro lado Alegre hoje surgiu em Beja a reforçar a linha da esquerda socialista que Ferro encarnaria com mais autenticidade. Com um PSD desfeito e Santana Lopes desacreditado a maioria absoluta joga-se, afinal, à esquerda. Suprema ironia, com profundas consequências futuras, para Sócrates que surge perante a opinião pública com um programa político de centro-esquerda.
O debate serviu, ao menos, para mostrar, e isso é positivo, que Santana e Sócrates são diferentes.
Ver esta análise bastante interessante.