sexta-feira, fevereiro 11

Ouvir Toda a Gente


Eu acho, no meu perfeito juízo, que deve ser ouvida toda a gente. Não neste ou naquele processo de inquérito, investigação, auditoria, sindicância, ou outro qualquer procedimento previsto no ordenamento jurídico nacional. Estas acções a que temos assistido, de quando em vez, e que tocam a todos, mais a uns do que a outros, é verdade, nos seus prazos e conforme manda a lei, são de uma vulgaridade, banalidade, insignificância e sacanância que nos coloca mal no concerto das nações.

A acção a que o país aspira é mais ambiciosa. Deve ser ouvida toda a gente. Mesmo toda a gente. São cerca de 10 milhões, retirando os emigrantes, até á terceira ou quarta geração. A maioria, segundo o Dr. Medina Carreira, são velhos e relapsos, mas que importa, são esses, porventura, os mentores da depravação que a Pátria não aguenta mais. Contratem-se os serviços ao estrangeiro. Existem países populosos com gente experimentada na reposição da “ordem” e dos “bons costumes”.

Existem no país infra-estruturas capazes de albergar um exército de inquiridores qualificados. Podem ser utilizados os estádios construídos para o EURO, alguns deles sem fim útil à vista, como o do Algarve, cuja manutenção custa o equivalente a duas equipas na primeira liga. Faça-se um calendário rigoroso dos interrogatórios com tradução simultânea. Toda a gente é obrigada a denunciar toda a gente, a confessar as suas fraquezas, aproveita-se a ocasião para revistar a “coisa pública” e a privada, imaginar os crimes imaginários, adivinhar os sonhos inconfessáveis, espreitar os devaneios erécteis, gozar com a alheia cobiça do corpo inalcançável.

O país precisa de uma limpeza,
de uma devassa a sério,
de um “choque psicológico”
que, ao menos, dê aos cidadãos
aquela sensação de liberdade
de “por enquanto” não serem arguidos
ou, pelo menos, “ainda” não serem suspeitos.

Viva Portugal.

Foto de Helder Gonçalves
"Caídos pelo Caminho" - Chile