Fotografia de Hélder Gonçalves
Dizem que a memória deixa pegadas
e chamam-lhe as pegadas da memória.
Vou supor que está bem claro (claro que podia ser muito melhor).
Mas o 25 de Abril de há 25 anos não deixou apenas pegadas retóricas.
As pegadas são nomes de homens concretos à espera da morte
em Peniche ou no Tarrafal.
Das bandeiras em parada de legionários carnavalescos possuo ainda
uma caixa de cinzas.
Mais pegadas:
Os Ladrões de Bicicletas.
Redol a corrigir para os coronéis da censura um livro à pressa.
Júlio Pomar obrigado a comer cal.
Humberto Delgado a ser assassinado.
Soldados forçados a morrer em África.
A cardeala cereijiforme
preocupada com a fímbria da saia
depois de fazer jogging horizontal para baixo e para cima
sobre o cadáver santacombadense.
E, ao mesmo tempo,
eu a corromper-me a dançar o tango nos Fenianos,
o Manuel de Oliveira a fazer jogging transversal
à volta do corpo vivo de Potemkin, disfarçado de couraçado,
enquanto o carro do bebé desce para o seu destino.
Até que deixei uma noite de dançar o tango
e com dois amigos caçadores
(um deles o Alexandre O’Neill)
ferimos, a espingarda caçadeira,
em pleno escuro, no alto da Lixa,
um informador da polícia política.
Nada nos aconteceu
porque éramos tão fixes, gente tão fina,
que dançávamos o tango horizontal para cima e para baixo
em deboche obrigatório com as debutantes do Clube Tripeirense.
Entretanto, apanhávamos chumbos a Matemática.
Mais tarde, chegou-nos a vez de dançar o tango em Caxias
até que o Salgueiro Maia
garantiu de cima do tanque de guerra
que a Liberdade estava garantida.
Pegadas: claro que
esta memória não deixa pegadas de apagar com o vento.
Não são vagas pegadas a cheirar a alfazema rápida.
São antes a própria carne de que vamos vivendo.
E, olarila!,
acabou-se o tango.
Alexandre Pinheiro Torres
Dizem que a memória deixa pegadas
e chamam-lhe as pegadas da memória.
Vou supor que está bem claro (claro que podia ser muito melhor).
Mas o 25 de Abril de há 25 anos não deixou apenas pegadas retóricas.
As pegadas são nomes de homens concretos à espera da morte
em Peniche ou no Tarrafal.
Das bandeiras em parada de legionários carnavalescos possuo ainda
uma caixa de cinzas.
Mais pegadas:
Os Ladrões de Bicicletas.
Redol a corrigir para os coronéis da censura um livro à pressa.
Júlio Pomar obrigado a comer cal.
Humberto Delgado a ser assassinado.
Soldados forçados a morrer em África.
A cardeala cereijiforme
preocupada com a fímbria da saia
depois de fazer jogging horizontal para baixo e para cima
sobre o cadáver santacombadense.
E, ao mesmo tempo,
eu a corromper-me a dançar o tango nos Fenianos,
o Manuel de Oliveira a fazer jogging transversal
à volta do corpo vivo de Potemkin, disfarçado de couraçado,
enquanto o carro do bebé desce para o seu destino.
Até que deixei uma noite de dançar o tango
e com dois amigos caçadores
(um deles o Alexandre O’Neill)
ferimos, a espingarda caçadeira,
em pleno escuro, no alto da Lixa,
um informador da polícia política.
Nada nos aconteceu
porque éramos tão fixes, gente tão fina,
que dançávamos o tango horizontal para cima e para baixo
em deboche obrigatório com as debutantes do Clube Tripeirense.
Entretanto, apanhávamos chumbos a Matemática.
Mais tarde, chegou-nos a vez de dançar o tango em Caxias
até que o Salgueiro Maia
garantiu de cima do tanque de guerra
que a Liberdade estava garantida.
Pegadas: claro que
esta memória não deixa pegadas de apagar com o vento.
Não são vagas pegadas a cheirar a alfazema rápida.
São antes a própria carne de que vamos vivendo.
E, olarila!,
acabou-se o tango.
Alexandre Pinheiro Torres
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Cardiff, Janeiro 1999
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