No dia do nonagésimo aniversário do Nuno Teotónio Pereira, em sua homenagem,
reproduzo uma peça que escrevi para o blogue Os Caminhos da Memória que melhor
não seria capaz de escrever neste preciso dia:
Nuno Teotónio Pereira
foi, recentemente, evocado numa cerimónia comemorativa do 85º aniversário da
Associação de Inquilinos Lisbonenses. Um dia, pelos idos de 2004, numa série de
postas, fiz-lhe uma breve, e escassa, referência considerando que é uma das
personalidades mais marcantes da história do MES (Movimento de Esquerda
Socialista). Fiquei com uma dívida por pagar.
O Arquitecto Nuno Teotónio
Pereira é uma daquelas personalidades raras na qual se juntam um notável
curriculum profissional e uma postura de intervenção cívica, persistente e
pertinente, assumida desde os tempos da oposição à ditadura. Ele é, na verdade,
um dos arquitectos portugueses contemporâneos que foi capaz, como poucos, de
integrar, sem cedências à facilidade, as preocupações sociais e a arte de
«arquitectar». Há por esse país muitas obras de sua autoria, ou co-autoria, que
testemunham esta simbiose.
Nos tempos de brasa do 25 de Abril foi um dos
mais proeminentes dirigentes do MES, posição que saiu reforçada aquando da
ruptura do grupo de Jorge Sampaio, ocorrida no 1º Congresso de Dezembro de 1974.
O MES, na sua curta existência, só participou, de parte inteira, nas duas
primeiras eleições da nossa III República: as eleições para a Assembleia
Constituinte, disputadas em 25 de Abril de 1975, e as primeiras eleições para a
Assembleia da República disputadas em 25 de Abril de 1976.
As nossas
esperanças iniciais eram muitas elevadas. A lista do MES, pelo círculo de
Lisboa, às eleições para a Assembleia Constituinte, foi encabeçada pelo Afonso
de Barros a que se seguiram o Eduardo Ferro Rodrigues, o Augusto Mateus e o Luís
Martins (padre, ainda a exercer…). A lista candidata às primeiras eleições
legislativas, realizadas em 25 de Abril de 1976, foi encabeçada pelo Nuno
Teotónio Pereira, seguido do subscritor destas linhas.
Poder-se-ia
pensar que o MES havia encontrado o seu líder. Puro engano. Ao contrário dos
restantes partidos, sem excepção, a personalidade que encabeçava a lista por
Lisboa nunca foi, no caso do MES, o líder do partido pela simples razão de que
no MES nunca existiu um líder. O que hoje penso é que, por incrível que pareça,
sempre assumimos, do princípio ao fim, o que poderia designar-se como uma
obsessão pelo colectivo.
Estávamos perante as primeiras eleições,
verdadeiramente, livres e democráticas, após quase 50 anos de ditadura. Ainda
hoje me interrogo como foi possível que tenhamos, no MES, encarado essas
eleições, cuja transcendência política era inegável, como meros actos de
pedagogia, mais do que actos destinados à disputa do poder. Ainda hoje me
questiono acerca das raízes da concepção que permitiram à UDP (com o BE ainda
tão longe!) ter obtido, nas eleições para a Assembleia Constituinte, menos votos
do que o MES, a nível nacional, e feito eleger um deputado.
Existem
muitas evidências dessa atitude de participação «não interesseira» do MES, desde
o discurso anti-eleitoralista, que emanava de uma desconfiança, de raiz
ideológica, acerca da verdadeira natureza da democracia representativa que, na
verdade, aceitávamos como um mal menor, até à ausência de sinais de
personalização nas campanhas eleitorais nas quais nunca foram utilizadas sequer
fotografias dos cabeças de lista pelo círculo de Lisboa. A participação nas
campanhas, embora tenha utilizado todos os meios, à época disponíveis, nunca
cedeu um milímetro à personalização.
Após o fracasso da candidatura do
MES à constituinte, ainda mais me parece estranho, à distância de 35 anos, a
abdicação de personalizar na figura do Nuno Teotónio Pereira a campanha para as
eleições destinadas a eleger a 1ª Assembleia da República. A sua participação
como cabeça de lista pode ser interpretada, não me lembrando dos detalhes do
processo decisório, como uma tentativa de credibilizar o MES jogando na refrega
eleitoral a figura do seu mais proeminente dirigente.
Mas, ao contrário
do que aconselharia a mais elementar lógica eleitoral, a campanha não valorizou
a figura do Nuno Teotónio Pereira o que acabou por constituir o haraquiri
político eleitoral do MES. Lembro-me de ter ocupado o segundo lugar nessa lista
e do desconforto que senti quando, chegada a hora de votar, numa secção de
Benfica, no meio da multidão, comovido até às lágrimas, sozinho, pressenti a
derrota inevitável. E essa derrota foi ainda mais pesada do que aquela que
averbámos nas eleições para a Assembleia Constituinte.
Se há uma
personalidade que não merecia sair derrotada da aventura política do MES é o
Nuno Teotónio Pereira a quem, como escrevi, em 2004 , devemos todos, os jovens
quadros dos anos 60 e 70, uma imensidade de ensinamentos, gestos de desprendida
solidariedade e humanidade que jamais poderemos retribuir com a mesma
intensidade e sentido de dádiva.
Que viva!
[O primeiro de uma série de postes que mereceram a maior audiência neste blogue desde que existe registo de audiência. Este é de janeiro de 2012 e reproduz um poste do blogue (já sem atividade)
Os Caminhos da Memória para o qual escrevi uma série de postes acerca do MES que um dia republicarei, a ver onde e como.]