Deixar uma marca no nosso tempo como se tudo se tivesse passado, sem nada de permeio, a não ser os outros e o que se fez e se não fez no encontro com eles,
Editado por Eduardo Graça
quinta-feira, maio 5
Felicidade
Do Pentimento
Felicidade: 1. invólucro onde se guardam sorrisos; 2. momento em que os ponteiros do relógio decidem dançar valsa; 3. líquido viscoso que escorrega por entre os dedos; 4. pedaço de gente com cheiro de talco; 5. movimento espontâneo dos cantos da boca em direção às orelhas; 6. sobrenome do azul; 7. olodum dentro do peito; 8. conjunto de círculos concêntricos em rubro e branco para onde se atiram dardos em forma de coração; 9. roçar de pés por sob o cobertor em noites com temperatura inferior a 18 graus; 10. tia-avó da alegria; 11. erva da qual se faz um chá afrodisíaco; 12. movimento elíptico do Sol em torno do ser amado; 13. nome dado à gota salgada que despenca dos olhos em dia de festa; 14. sensação de se ter feito o que se deveria ter feito; 15. oitava cor do arco-íris; 16. retângulo onde se inserem flagrantes registrados em nitrato de prata; 17. desejo súbito de voar; 18. distúrbio psicológico que causa avalanche de gargalhadas; 19. silêncio que se segue à trovoada; 20. exibição permanente da arcada dentária sem motivos justificados aos olhos dos desprovidos de inocência.
P.S. Este e outros verbetes bacanas e inspirados sobre sexo, mar, boca, sorriso, lágrima, entre outras palavras, estão no blog Cambalhota de irrealidades, onde André Gonçalves postou o seu Dicionário Lúdico Brasileiro. A dica foi da Moniquitcha.
quarta-feira, maio 4
"DRUMMOND FAZENDEIRO" ...
“Foto de António José Alegria, do amistad”
Drummond, fazendeiro
do ar, mas bem sentes
que as dores da poesia
são as evidentes.
Jorge de Sena
8/2/55
In “Tempo de Fidelidade” (1951-1958)
"Ir até ao fim, não é apenas resistir mas também não resistir."
História trágico marítima. [1944, óleo sobre tela, 81 x 100 cm - Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Lisboa, Portugal] Quadro de Vieira da Silva (1908-1992), pintado no Brasil e parte de um grupo de quadros que abordaram a temática da guerra e da violência. O chamado período brasileiro (1940-1947), época em que Helena Vieira da Silva e o seu marido, Arpad Szenes, viveram no Rio de Janeiro, caracteriza-se pelo regresso à figuração abandonando, por um tempo, o abstraccionismo, sendo por isso considerado um período de reflexão na obra da pintora. Vieira da Silva morreu em 6 de Março de 1992, em Paris. O Portal da História
Em “Citações-14”, faço uma abordagem da renúncia de Ferro Rodrigues e, hoje, à distância, concluo que fez bem em ter renunciado. Da mesma forma que fez bem em não ter aceite o desafio da candidatura à presidência da Câmara Municipal de Lisboa. É preciso deixar passar o tempo.
Por outro lado verifica-se que, para já, Sócrates se não deixou aprisionar pela “política espectáculo” ... o que é uma tragédia para as pretensões da direita.
Eis o que escrevi, em "Citações-14", a 20 de Julho de 2004:
A propósito da renúncia de Ferro Rodrigues ao cargo de secretário geral do PS têm sido proferidas opiniões sem fim. Mesmo a direita continua a abordar o tema com uma ganância aparentemente despropositada. Lá terão as suas razões.
O director do Expresso escreveu um texto ignóbil, ou decrépito, acompanhado de uma foto propositadamente descuidada. A abordagem do percurso de Ferro, num trabalho "de fundo", publicado na "Única", seguia o mesmo caminho não tanto no texto mas na escolha das fotos.
Esta voragem para destruir a imagem pública de Ferro é, como todos já entenderam, parte de uma estratégia de fundo da direita. Começou, porventura, ainda antes de Ferro ter ascendido à liderança do PS.
No dia 9 de Julho, de um só golpe, o PR consagrou essa estratégia. Mas a direita não parece estar saciada com o sucesso da operação "destruição de Ferro". O assumido combate ideológico da direita, dirigido pelo PP, é aniquilar a esquerda, fazendo dela uma oposição colaboracionista com os seus objectivos estratégicos.
A direita, dirigida pelo PP, quer o poder absoluto. Ferro era um obstáculo a essa estratégia. Sócrates, se se deixar aprisionar pela "política espectáculo", talvez lhes sirva. Só tempo o dirá.
Mas, por outro lado, em política, os que renunciam nem sempre são os perdedores.
"Ir até ao fim, não é apenas resistir mas também não resistir"
Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) - Edição Livros do Brasil
terça-feira, maio 3
"Densa e Profunda Flor..."
"Foto de António José Alegria, do amistad"
“....
Profunda flor, malícia de existir,
os perigos passam, as traições diluem-se,
um riso ecoa ao longe, que se perde,
e o teu jardim, meu coração tão frio,
meu gosto de viver, minha mágoa extensa,
minha memória de jardins e estrelas.”
Jorge de Sena
“Densa e Profunda Flor...” in Amor
Lugares Luminosos
O gato e eu próprio no monte dos meus avós maternos.
Senti sempre as casas de meus avós como lugares luminosos, afastados do mundo, varandas com vista para o mar azul florido. Eles eram certamente mais adeptos de Franco do que apreciadores de Lorca. Talvez conhecessem alguns versos da sua poesia popular:
“Verde que te quero verde
Verde vento. Verdes ramos.
O navio sobre o mar,
o cavalo na montanha.”
Mas não conheciam, quase pela certa, o poeta. No tempo distante das minhas andanças de juventude pelas terras dos meus avós maternos senti o seu conformismo que não nascia de uma postura intelectual mas era o resultado de uma existência sofrida longe do progresso que a ditadura abominava.
A pura existência da natureza ditava as leis da vida. A família, pequena para a época, não cresceu na miséria mas o apego à vida dos seus antepassados deu-lhe o sentido da dimensão humana. Eram os tempos da luta pela sobrevivência.
Observei a dignidade dessa extraordinária empresa de fazer face à escassez da água, às agruras do tempo, à inexistência de electricidade, aos fracassos das colheita, às doenças das mulheres, homens e animais, à falta de dinheiro...
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (4 de 10)
segunda-feira, maio 2
Fernando Pessoa
Faro - Capital da Cultura
Faro - O "Passarinho"
Fui lá pois é a minha terra. Passar o 1º de Maio. O dia do trabalhador e o da mãe. Lembrei-me dos tempos em que me envergonhava dos empreendimentos públicos sem a qualidade que desejava. Por vezes fechava-me em casa depois de ter feito a minha parte. Com o Grupo de Teatro Lethes isso não acontecia. Lembrei-me desses tempos a propósito da inauguração da “Faro – Capital Nacional da Cultura”.
Deambulei pelas ruas e assisti a diversos acontecimentos no dia inaugural. Vi as notícias e as imagens. Para ser franco pareceu-me que, na cidade, ninguém sabia nada acerca do evento. A pobreza das apresentações até podia ganhar grandiosidade com a presença de multidões. Mas nada. Ninguém, verdadeiramente, sabia de nada. A divulgação resumia-se a uma vulgar folha A4 com a lista dos actos públicos.
Talvez o evento sirva para ajudar o Dr. Vitorino a ser reeleito Presidente de Câmara no pleito de Outubro. E fica o novo teatro a inaugurar a 1 de Julho. Mais nada.
Vi o “Passarinho” no jardim e engraxei, como sempre, os sapatos no Renato da "Gardy". O engraxador do "Aliança" morreu. Agora só há dois: o “Passarinho” e o Renato. Indiferentes à festa. Se o povo não conta para as Capitais Nacionais da Cultura então acabe-se com elas. Os criadores devem ter mais que fazer do que trabalhar para o “boneco”.
Lembrei-me, ainda, de Fernando Pessoa, no "Livro do Desassossego", composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa:
"Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também."
"São sempre as mesmas palavras que dizem as mesmas mentiras."
Estandartes Nazis [5/12 de Setembro de 1938, fotografia a cores - Nuremberga, Alemanha.]
Fotografia tirada durante o Congresso do Partido Nacional-Socialista, de 1938, realizado sobre o tema da «Grande Alemanha». Adolf Hitler, principal dirigente do partido nazi alemão, foi nomeado Chanceler da Alemanha em 30 de Janeiro de 1933. Foto do Portal da História
No dia 18 de Julho de 2004, em “Citações-13”, dia da tomada de posse do governo Santana Lopes, antevi o desastre previsível. Salvaguardadas as devidas proporções, tal como no holocausto, cujo 60º Aniversário do fim agora se comemora, só não viu quem não quis ver. Só não entendeu quem não quis entender. A ilustração reporta-se a um acontecimento imediatamente posterior à data da citação de Camus e ajuda a compreender o seu tom de desespero.
Eis o que escrevi nesse dia:
O governo de Pedro Santana Lopes tomou posse. Horas de discursos, cumprimentos ... o costume. Sabemos que muitos dos ministros dispensados nem sequer tiveram direito a um cartão de agradecimentos. Foram simplesmente esquecidos.
No novo governo o PP ganha poder. O PSD perde poder. No governo a direita reforça posições, tomando o ministério das finanças, e os dirigentes políticos do PP assumem relevância. Os dirigentes do PSD, por sua vez, apagam-se. Transparece uma enorme perplexidade na área social democrata acerca da natureza deste governo.
Hoje, na sua "crónica dominical", na TVI, Marcelo Rebelo de Sousa foi demolidor. Não deixou pedra sobre pedra. O governo é fraco e mostra que é fraco. Muitos dos ministros têm os papéis trocados e outros nunca serão capazes de entender a sua missão. Os discursos são uma trapalhada.
Terá início, a partir de amanhã, um exercício real, mas doloroso, que demonstrará aos portugueses que a propaganda não basta para governar. Espero que o tempo me dê razão.
Tudo isto me fez lembrar esta citação desencantada que, vinda da pena de um democrata convicto, tem um especial significado.
"Agosto de 37.
Cada vez que oiço um discurso político ou que leio os que nos dirigem, há anos que me sinto apavorado por não ouvir nada que emita um som humano. São sempre as mesmas palavras que dizem as mesmas mentiras. E visto que os homens se conformam, que a cólera do povo ainda não destruiu os fantoches, vejo nisso a prova de que os homens não dão a menor importância ao próprio governo...
"Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) - Edição Livros do Brasil
domingo, maio 1
A Queda de Saigão
Foto de O Portal da História
A Embaixada dos Estados Unidos no Vietname do Sul, quando Saigão caiu nas mãos do Exército do Vietname do Norte (1975). Fotografia de Nik Wheeler, da Agência Sipa-Liaison. A Guerra do Vietname acabou em 29 de Abril de 1975, com a conquista de Saigão pelo Exército Norte Vietnamita.
“Deixas criar às portas o inimigo
por ires buscar outro de tão longe”
Camões (“Os Lusíadas", Canto IV-CI)
Epígrafe ao poema "Peregrinação"
Manuel Alegre, in "O Canto e as Armas", 1967
A Bíblia Sagrada
Os meus avós maternos no monte do sítio de Sinagoga, Santo Estevão, Tavira, tinham em casa um único livro e lembro-me bem dele.
Esse livro de casa dos meus avós está hoje encadernado e parece novo brilhando viçoso na estante perto do meu assento de predilecção. Garatujo as escritas e espreito a informação na net sob o seu olhar atento.
No seu interior, amarelecida pelo tempo, descobri uma carta de caligrafia irrepreensível que dá testemunho de um acontecimento de época lembrando a juventude de minha mãe, nascida em 1916: “Santo Estevão de Tavira. Setembro de 1931. Minha prezada amiga: Pedindo-te antecipadamente mil perdões por não ser esta a forma porque o devia fazer venho por este meio participar o meu casamento que se deve realizar no dia 16 do mês corrente...”
Reparei, mais tarde, que o livro é uma edição de 1867 impressa, em Lisboa, pela Typographia Universal, de Thomaz Quintino Antunes, Rua dos Calafates - 110.
É a Bíblia Sagrada: “O Novo e o Velho Testamento traduzida em portuguez segundo a vulgata latina por António Pereira de Figueiredo”.
Noutros tempos foi um livro grosso para o meu olhar juvenil. Mais de mil páginas, a duas colunas, letras miúdas e bem arrumados em capítulos e começa assim:
“1. No princípio creou Deus o Ceo e a Terra. 2. A terra porém era vã e vazia: e as trevas cobriam a face do abysmo: e o espirito de Deus era levado sobre as águas. 3. E disse Deus: faça-se a luz; e foi feita a luz.”
Este livro é o sinal de uma cultura e civilização a cuja matriz fundadora não pude escapar.
REVOLTA - NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (3 de 10)
FARO
Faro - calor abafado. Capital da Cultura. Pobrete e alegrete. Sobram, certamente, as boas vontades.
sábado, abril 30
Água e Seca
Está disponível no IR AO FUNDO E VOLTAR o artigo que publiquei, na edição de ontem do “Semanário Económico”, sob o título “O (des) Governo da água vai continuar?”.
Ainda não disponível no site daquele semanário.
Ainda não disponível no site daquele semanário.
NUNCA MAIS
30 de Abril de 1945. Hitler suicidou-se. O 3º Reich caiu. Berlim foi ocupada pelo exército soviético. A Europa em ruínas recomeça uma longa caminhada pela reconstrução.
Dezenas de milhões de civis e militares, europeus, americanos e de todos os continentes, morreram e, pelo menos, 6 milhões de judeus foram exterminados.
60 anos depois a barbárie nazi-fascista deve ser lembrada para que nunca mais se repita.
sexta-feira, abril 29
AS QUATRO ESTAÇÕES ERAM CINCO
Foto de amistad
O verão passa e o estio se anuncia
que outono se há-de ser e logo inverno
de que virá nascida a primavera.
Mais breve ou longo se renova o dia
sempre da noite em repetir-se, eterno.
Só o homem morre de não ser quem era.
8 Julho 70
Jorge de Sena
Desespero Sorridente
Camus and his children in June 1957 (at the Angers Festival for the production of Olmedo). (Agence de Presse Photographie Bernard)
Recapitulando o sentido destas “Citações”, publicadas na abébia vadia, em Julho de 2004, sublinho que foram suscitadas pela crise política aberta com a decisão de José Manuel Barroso de abandonar o governo. Uma questão memória. Ai! a nossa memória!
Estas “citações-12” surgiram, a 17 de Julho de 2004, uma semana após o 9 de Julho dia da comunicação ao país do PR dando conta da sua decisão de empossar Santana Lopes como primeiro ministro.
Assumi, neste dia, com uma citação pura, a solidariedade com Ferro Rodrigues face à sua decisão de abandonar a liderança do PS. Eis o que escrevi:
Ao meu amigo Eduardo Ferro Rodrigues.
"Maio.
Não nos separarmos do mundo. Não se perde a vida quando a colocamos à luz do dia. Todo o meu esforço, em todas as posições e desgraças, as desilusões, é para recuperar os contactos. E mesmo nesta tristeza que há em mim, que desejo de amar e que enebriamento apenas perante a visão de uma colina na aragem do fim da tarde.
Contactos com o verdadeiro, a natureza em primeiro lugar, e depois a arte daqueles que compreenderam, a minha arte se a consigo alcançar. De contrário, a luz e a água e a embriaguez estão ainda na minha frente, e os lábios húmidos do desejo.
Desespero sorridente. Sem saída, mas que exerce sem cessar um domínio que se sabe inútil. O essencial: não nos perdermos, e não perder aquilo que, de nós, dorme no mundo." (Texto de Maio de 1936)
Albert Camus, in Cadernos, "Caderno n.º 1 (Maio de 1935/Setembro de 1937) - Edição Livros do Brasil
Rosa e José
Foto de família dos meus avós maternos, no campo, certamente num dia de festa. (1917/18) À esquerda, de pé, o meu avô José e, sentada, a avó Rosa. Sentados, no chão, à esquerda, a minha mãe Tolentina e o meu tio Ventura o único que sei vivo, cheio de vitalidade, nos seus 92 anos.
A região natal de Lorca, Granada, é uma das mais emblemáticas cidades da Andaluzia, extraordinário e cosmopolita centro da cultura muçulmana, rico e florescente, ao contrário do Algarve, rural e provinciano, em que nasci.
Os meus avós maternos, Rosa e José, nasceram nessa terra seca, a sotavento, no território contíguo à Andaluzia, banhado a sul pelo atlântico, província afastada do centro político de um Portugal que as vicissitudes da história tornaram independente.
Eram camponeses, filhos e netos de camponeses, daqueles que trabalhavam a terra com as suas próprias mãos.
O cheiro da terra seca, ou regada por levadas de água tirada da nora puxada à custa do incessante volteio dos bois, nunca me abandonou as narinas e deixou-me indeciso acerca do que fazer com o destino da minha própria vida e absolutamente incrédulo acerca da influência da vontade humana na mudança da vida dos outros.
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (2 de 10)
quinta-feira, abril 28
Ódio? Revolta? Incompreensão?
Federico Garcia Lorca
O criador não se preocupa com o merecimento que os outros fazem da sua obra e sabe que os homens não se apercebem desse desprendimento. A criação segue o seu curso mas os homens esquecem os criadores. A maior parte das suas obras não chegam a conhecer a luz do dia quanto mais a celebridade.
Vivemos na penumbra de um dia sem lembranças felizes. A expressão podia ser de uma época de guerra e é bem provável que estejamos nas vésperas de uma época de guerra. Não já uma guerra mundial, ou uma guerra civil, nem sequer uma guerra de “baixa intensidade”, como chamam os estrategos à guerra de guerrilha, mas uma guerra de informação global em que o acontecimento se torna relevante não pela sua realidade mas pela difusão, em tempo real, da sua própria notícia.
Escrevo no dia em que o poeta foi assassinado, 19 de Agosto de 1936, por ser um rebelde mal querido pelos fascistas de Franco. No fragor da guerra civil de Espanha Lorca foi fuzilado. Era um jovem criador consagrado pelo teatro e pela poesia que nascia transparente da sua pena como a água de um riacho observado perto da nascente.
Tinha alcançado a fama de um criador de sucesso. Seria um homossexual não assumido que intimamente sofreria por isso. Apaixonou-se, dizem, por Dali e foi rejeitado.
Naquele dia de 1936, ano de nascimento de meu irmão Dimas, levaram-no de casa à força. Que terá sentido nesse momento. Ódio? Revolta? Incompreensão?
Só quando nos toca é que sentimos todo o sentido trágico da injustiça. Para os fascistas a sua obra estava marcada por uma sensibilidade demasiado inspirada pela liberdade individual que ele amava acima de tudo.
REVOLTA – NOTAS AUTOBIOGRÁFICAS (1 de 10)
Libertação de Berlim
Berlin ist erobert Der sowjetische Soldat Militon Kantarija aus Georgien hisst die sowjetische Flagge auf dem Berliner Reichstag. Die historische Szene wurde am 2. Mai 1945 für den Fotografen nachgestellt.
Reconquista de Berlim. As forças da União Soviética entraram em Berlim e um soldado, Militon Kantarija (Georgiano), acena a bandeira soviética no topo do Reicthag. A cena foi repetida, para poder ser fotografada, no dia 2 de Maio de 1945.
quarta-feira, abril 27
"O progresso e a verdadeira grandeza residem no diálogo à altura do homem e não no evangelho..."
Camus (à frente, no centro, de negro) aluno da escola primária, em 1920, com os trabalhadores da tanoaria onde o tio trabalhava. (In "Camus"- Brigitte Sändig, Círculo de Leitores)
Em 8 de Julho de 2004, véspera da comunicação ao país na qual o PR anunciou a decisão de não convocar eleições legislativas antecipadas, em “Citações-11”, escrevi:
As eleições são, no imediato, um problema para a direita. A expectativa de perda da maioria e, em consequência, do governo, é forte. Mas as eleições serão, a médio prazo, um problema para a esquerda. A expectativa de um arrastamento da crise económica é forte. O consenso social é uma aspiração da esquerda e uma necessidade vital para a sobrevivência de qualquer governo.
Mas a margem para o consenso é sempre estreita e ainda mais estreita em épocas de crise. A direita já está em campanha eleitoral. A esquerda precisa de um golpe de asa. Refiro-me, naturalmente, ao PS. O programa de governo é importante assim como a equipa que o defenda e protagonize. As opções a tomar na reforma do Estado são cruciais.
Mas o PS só ganhará as eleições, se for capaz de combater, de igual para igual, num ambiente de "cruzada" populista. A direita não olhará a meios para atingir os seus fins. Vide, como ilustração impressiva, o post "Ingenuidades", de JPP, hoje, no abrupto.
A chantagem exercida pela direita sobre Jorge Sampaio é o primeira passo na chantagem que vai tentar exercer sobre toda a sociedade.
A citação do dia:
A Guilloux: "Toda a infelicidade dos homens vem de não usarem uma linguagem simples. Se o herói do Mal-entendido tivesse dito: "Ora bem. Aqui estou e sou seu filho", o diálogo seria possível e não artificial como na peça. Não haveria tragédia, pois o ponto culminante de todas tragédias está na surdez dos heróis.
Sob esse ponto de vista é Sócrates quem tem razão, contra Jesus e Nietzsche. O progresso e a verdadeira grandeza residem no diálogo à altura do homem e não no evangelho, monologado e ditado do alto de uma montanha solitária. Eis onde cheguei.
O que equilibra o absurdo é a comunidade dos homens em luta contra ele. E se escolhemos servir esta comunidade, escolhemos ao mesmo tempo servir o diálogo até ao absurdo contra toda a política da mentira e do silêncio. É assim que podemos ser livres com os outros.""
Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)
Espanha
Espanha é um grande país da Europa em termos de população e não só. O El Pais, de hoje, dá-nos a notícia de uma população próxima dos 44 milhões. Mais de quatro vezes superior à população portuguesa. Um pouco maior do que os 40 milhões que ainda trazemos na cabeça.
La población residente española roza los 44 millones de personas, con el 8,4% de inmigrantes
"Cataluña, Andalucía, Comunidad Valenciana y Madrid, las comunidades donde más aumentaron los extranjeros inscritos
La población residente en España alcanza los 43,97 millones de personas, de los cuales 3,69 millones son extranjeros, lo que supone el 8,4% del total del empadronados, según el avance del Padrón Municipal que, por primera vez, ha publicado hoy el Instituto Nacional de Estadística.
Fé
"Se quer que lhe diga, nunca acreditei na Gestapo".
Foto de amistad
Paulo Portas, no Congresso do CDP/PP, no fim-de-semana passado, explicitou a sua opinião, pesada como chumbo, acerca da razão de fundo do colapso do governo de direita: a “fuga” de José Manuel Barroso.
Em “Citações-10”, em 7 de Julho de 2004, é essa ideia que está subjacente ao que escrevi. A citação de Camus escolhida só aparentemente é desproporcionada ao acontecimento. Em Portugal, quase sempre, fingimos que não vemos o que, na verdade, nos mata.
Só esse estado de espírito explica a acomodação social a 48 anos de ditadura e a indiferença perante as injustiças que, em pleno regime democrático, se institucionalizam, sob os nossos olhos, reclamando-se, quantas vezes, de uma legitimidade obscena.
São os vazios da democracia e as suas zonas de penumbra que permitem formular esta inquietante pergunta: será que estamos livres de novas formas de tirania? Podemos dizer, a esse respeito, como Camus: tomamos as nossas precauções “mas como que abstractamente”. Não me parece que os sinais sejam muito promissores... Eis o que, então, escrevi:
O que está em causa na crise política actual? Sem rodeios: O Primeiro-ministro demissionário, Durão Barroso, fugiu.
Proclamou que tinha aprendido as lições da derrota nas eleições europeias e uns dias depois demitiu-se. Percebe-se que o homem buscou o sucesso de uma carreira profissional.
Mas o povo de direita pensava que tinha votado num político devoto à defesa dos interesses do país e do seu povo. Ao menos pelo período do contrato que estabeleceu, de livre vontade, através da sua apresentação ao sufrágio: 4 anos.
Este episódio não é só uma traição aos seus correligionários. É uma machadada no prestígio do regime democrático. O assunto é sério. De futuro, como já ouvi, é necessário olhar os candidatos tanto pelo lado da sua fidelidade aos compromissos programáticos como pelo lado da garantia da sua permanência no exercício da função todo o tempo do contrato, em exclusividade.
Estes detalhes não são, como se prova, tão despiciendos como poderia parecer. No caso de Santana Lopes não são mesmo nada despiciendos. A inconstância não pode ser elevada à categoria de um valor do Estado Democrático. A não ser que se queira acabar com ele.
A citação do dia:
""Se quer que lhe diga, nunca acreditei na Gestapo. É que nunca ninguém a via. Tomava evidentemente as minhas precauções, mas como que abstractamente. De tempos a tempos, um camarada desaparecia. Noutro dia, diante de Saint-Germain-des-Prés, vi dois tipos altos que obrigavam a soco um homem a entrar para um táxi. E ninguém dizia nada. Um criado de café disse-me: "Cale-se. São eles." Isto levou-me a suspeitar de que efectivamente existiam e de que um dia…Mas eram apenas suspeitas. A verdade é que só poderei acreditar na Gestapo quando receber o primeiro pontapé na barriga. Sou assim. Eis porque não devem ter ilusão quanto à minha coragem, lá porque estou na resistência, como dizem. Não, não posso reclamar qualquer mérito, precisamente porque não tenho imaginação."
Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)
segunda-feira, abril 25
31 Anos Depois
Foto de amistad
“um povo corrompido que atinge a liberdade tem a maior dificuldade em mantê-la”.
Maquiavel
Janela (in) discreta
O JPN do Respirar o Mesmo Ar enviou-me um inquérito ao qual não posso deixar de responder. Isto de inquéritos obrigam a simplificar muito a explicitação das nossas preferências. Mas as amizades obrigam mais do que as vontades. Aqui vai a resposta.
Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
"O Estrangeiro”, de Albert Camus;
Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?
Leio, no presente, mais poesia do que ficção. Mas a personagem que mais me impressionou foi a personagem de “A Cabana do Pai Tomás”, de H. O. Beecher-Stowe. Uma leitura muito antiga. Obra de uma mulher. Só muito mais tarde dei por isso.
Qual foi o último livro que compraste?
Uma edição bilingue da obra de Federico Garcia Lorca, mas não sei o que lhe fiz.
Qual o último livro que leste?
”Trabalhar Cansa”, de Cesare Pavese, uma leitura atrasada (como todas).
Que livros estás a ler?
Diversos livros de poesia, em particular, as obras de Almada Negreiros e Natércia Freire. Poetas esquecidos e/ou renegados.
Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Mesmo considerando esse cenário improvável levaria o conjunto dos “Cadernos”, de Albert Camus, ou seja, o livro que tenho andado a ler desde os 20 anos.
A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
À MMM do BlogDaMiuda, ao Marcelo Moutinho do Pentimento e ao pessoal do Tugir .
Porque sim, me apetece, me têm ajudado, não sei bem ao certo, afinidades diversas e, porventura, inexplicáveis...
Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
"O Estrangeiro”, de Albert Camus;
Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?
Leio, no presente, mais poesia do que ficção. Mas a personagem que mais me impressionou foi a personagem de “A Cabana do Pai Tomás”, de H. O. Beecher-Stowe. Uma leitura muito antiga. Obra de uma mulher. Só muito mais tarde dei por isso.
Qual foi o último livro que compraste?
Uma edição bilingue da obra de Federico Garcia Lorca, mas não sei o que lhe fiz.
Qual o último livro que leste?
”Trabalhar Cansa”, de Cesare Pavese, uma leitura atrasada (como todas).
Que livros estás a ler?
Diversos livros de poesia, em particular, as obras de Almada Negreiros e Natércia Freire. Poetas esquecidos e/ou renegados.
Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Mesmo considerando esse cenário improvável levaria o conjunto dos “Cadernos”, de Albert Camus, ou seja, o livro que tenho andado a ler desde os 20 anos.
A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
À MMM do BlogDaMiuda, ao Marcelo Moutinho do Pentimento e ao pessoal do Tugir .
Porque sim, me apetece, me têm ajudado, não sei bem ao certo, afinidades diversas e, porventura, inexplicáveis...
sábado, abril 23
Fernando Pessoa
"Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,..."
Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho,
Onde esperei morrer, - meus tão castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os altos girassóis
Quem foi que os arrancou e lançou ao caminho?
Quem quebrou (que furor cruel e simiesco!)
A mesa de eu cear, - tábua tosca de pinho?
E me espalhou a lenha? E me entornou o vinho?
- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco...
Ó minha pobre mãe!... Não te ergas mais da cova,
Olha a noite, olha o vento. Em ruína a casa nova...
Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve.
Não venhas mais ao lar. Não vagabundes mais.
Alma da minha mãe... Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas dos casais.
Camilo Pessanha (1867-1926)
In “Quinze Poetas Portugueses do Século XX”
Selecção e Prefácio de Gastão Cruz
sexta-feira, abril 22
25 DE ABRIL
Não me lembro do nascer do dia. Andávamos na rua à procura de entender se era mesmo verdade. Com o António Cavalheiro Dias e o José Mário Anjos percorri a cidade, de lés a lés, atrás da coluna de Salgueiro Maia, olhando cada esquina e movimento, com uma atenção fulminante, não fosse falhar tudo outra vez.
Não me lembro de ter visto nascer o dia. Naquela noite não houve madrugada. Os telefones devem ter começado a tocar a partir de determinada hora: “Olha parece que houve um golpe militar!”, “dizem que há tropa na rua!”.
A minha preocupação era telefonar a meus pais. No quartel pude fazê-lo já a manhã tinha despontado. Que alegria. Afinal não era um golpe dos ultras! Era um golpe militar mesmo daqueles com que sonharam Humberto Delgado e tantos que morreram sem conhecerem a cor da liberdade.
48 anos de ditadura é muito tempo! Que pena não poder ver os sonhadores da liberdade nesse dia. Observar a comoção nos seus rostos e ouvir as suas primeiras palavras. Mas não me lembro do despontar daquela madrugada.
Ouço os sons, cheiro os cheiros, vejo os camaradas de armas, o povo a passar defronte do quartel, bandeiras desfraldadas ao vento, as vozes enrouquecidas e as lágrimas a cair-lhes pelas faces, mas não me lembro do despontar do dia 25 de Abril de 1974.
Mas o que interessa é que estava lá. E vencemos!
Fotografia de Helder Gonçalves
"Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal!..."
«Honny soit qui mal y pense» [1880/1902, Gravura, Album das Glorias - Caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905)]. O caricaturado, Eça de Queirós, nasceu na Póvoa de Varzim em 25 de Novembro de 1845. In O Portal da História.
No dia 6 de Julho de 2004, em “Citações-9”, assinalo episódios que me ajudaram a cimentar a ideia da existência de uma crescente crispação na sociedade portuguesa à beira da revolta. O futuro havia de confirmar que o PSD tinha ficado refém do PP. Que o PP, a extrema direita em versão pós-moderna, populista e “beata”, havia sobrestimado a sua própria influência social e política. O “povo é sereno” mas não é parvo... e, nesse dia, escrevi:
Os discursos e as faces dos dirigentes da direita apresentam sinais de instabilidade. O povo, como diria o Almirante Pinheiro de Azevedo "é sereno". O povo apresenta sinais de estabilidade, apesar do sofrimento.
Lembro-me do que me disse um taxista no Porto, umas semanas atrás: "impressiona-me o que vejo todos os dias - as pessoas a falar sozinhas. Então as crianças!". E outro: "Um dia destes vai haver uma revolta popular". Sinais de crispação crescente. Todos aqueles que ouvem, vêem e sentem, como cidadãos comuns, tiveram experiências de sobra da silenciosa revolta que crescia.
A direita populista não está para nascer com Santana Lopes. Já está instalada no poder há muito. A diferença é que até à demissão de Durão Barroso estava na fase da " guerra de guerrilha". Circunscrita em bolsas preparando o terreno para a ofensiva final.
O objectivo de PP e do seu aliado PSL é a conquista do poder. Absoluto. Neste momento tentam o assalto final. Mas para isso têm que mostrar o seu verdadeiro rosto, a sua verdadeira ideologia, os seus verdadeiros alinhamentos internos e internacionais.
O rosto de Durão Barroso, ontem, à saída de Belém, era o de um derrotado. A fotografia da direita populista, a que conquistou a liderança da direita, qual "polaroid" instantânea, vai ganhando contornos cada vez mais claros: é o "pós- fascismo", à portuguesa. Cuidado...
A citação do dia: "Novembro - 32 anos. A inclinação mais natural do homem é a de se aniquilar e toda a gente com ele. Quantos esforços desmedidos para ser apenas normal! ..."
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)
Camilo Pessanha
Chorai, arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trémulos astros...
Soidões lacustres...
- Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
- Chorai arcadas
Despedaçadas,
Do violoncelo.
Camilo Pessanha (1867-1926)
In “Quinze Poetas Portugueses do Século XX”
Selecção e Prefácio de Gastão Cruz
quinta-feira, abril 21
Poema numa esquina de Paris
Dezenas e dezenas de pessoas passam ininterruptamente ao longo do passeio.
Umas para lá.
Outras para cá.
Umas para cá.
Outras para lá.
Mas cada uma que passa
tem de fazer na esquina um pequeno rodeio
para não se esbarrar com o par que aí se abraça.
Olhos cerrados, lábios juntos e ardentes,
tentam matar a inesgotável sede.
Através dos seus corpos transparentes
lê-se na esquina da parede:
DANS CETTE PLACE A ÉTÉ TUÉ
MAURICE DUPRÉ
HÉROS DE A RÉSISTENCE.
VIVE LA FRANCE
António Gedeão
"Linhas de Força" - 1967
A Condição Humana
Charlotte Corday após o assassinato de Marat
[1860, óleo sobre tela, 2030 x 1540 mm, Musée des Beaux-Arts, Nantes, France- Quadro de Paul Baudry (1828-1886) representando o assassinato de Marat por Charlotte Corday no dia 13 de Julho de 1793, eliminando um dos mais importantes defensores da política de Terror instaurada pelos jacobinos em França em 10 de Março de 1793]. In O Portal da História
Em 5 de Julho de 2004, em “citações -8”, fiz o retrato do que haveria de ser a governação de Santana Lopes na continuidade, aliás, do governo de José Manuel Barroso.
É surpreende, para mim próprio, a nitidez com que antecipo os traços característicos da situação social originada pela governação de direita que, em Portugal, para espanto de toda a Europa civilizada, foi conduzida por um partido “social democrata” em aliança com a extrema direita.
Original não tanto pelas designações dos partidos de governo, em si, mas pelo vazio dos seus desígnios políticos salvo a submissão à estratégia da administração Bush que haveria de culminar com essa extraordinária operação de elevar ao mais alto cargo da União Europeia um “peão” dessa mesma administração americana.
Começam a vislumbrar-se, no horizonte, os sinais dessa estratégia que se destina a enfraquecer a UE senão mesmo a liquidá-la. Ver-se-á, a breve prazo, o que resultará de uma eventual vitória do “não” no referendo ao Tratado Constitucional que se realizará, no mês de Maio, em França.
Eis o que escrevi em 5 de Julho de 2004:
A vida quotidiana continua apesar da crise política. As famílias trabalham (as que têm trabalho), transportam-se, tratam da vida o melhor possível.
Os últimos dois anos levaram muitas famílias ao desespero. Quem, por dever de ofício, tem conhecimento das mágoas dos cidadãos, maltratados pelas injustiças das políticas desta maioria, terá uma palavra decisiva no pleito eleitoral.
Ver-se-á então quanta crueldade foi praticada nas políticas sociais; quanta incúria no respeito pelos mais fracos para favorecer os mais fortes; quanta desigualdade foi estimulada por acção ou omissão.
Nunca a tragédia desta política, que não foi mais do que um intervalo, será absolutamente assumida. Digo intervalo porque antevejo os argumentos do novo paladino da governação neo-liberal: antes de nós o dilúvio, depois de nós o inferno. A nós, afinal, "não nos deixam governar".
É a estratégia da vitimização. O Dr. Santana Lopes vai tentar fazer passar-se como vítima de uma "intentona" cujos contornos o oligarca da Madeira, à sua maneira boçal, já enunciou.
É um momento de tragicomédia em que a política pura, a que eleva acima da defesa dos interesses particulares o interesse geral, ameaça ser submersa pela pura traficância de interesses, arremesso de ódios e promessas populistas.Ver o episódio de hoje, na RTP-1, com a entrevista "oportuna" de Judite de Sousa a Pedro Santana Lopes.
A citação do dia: "São precisos holocaustos de sangue e séculos de história para provocar uma imperceptível modificação da condição humana. Tal é a lei. Durante anos tombam cabeças em série, reina o Terror, proclama-se a Revolução e consegue-se no fim substituir a monarquia legítima pela monarquia constitucional."
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 5 - Setembro 1945/Abril de 1948 - Livros do Brasil)
Gota de Água
quarta-feira, abril 20
Joana de Arc
Joana de Arc - 1864, aguarela sobre cartão, 533 x 571 mm, Tate Gallery, Londres, Grã Bretanha - Ilustração de Dante Gabriel Rossetti (1828 - 1882) de Joana de Arc (1412-1431).
In O Portal da História
As “Citações-7”, de 4 de Julho de 2004, foram apresentadas como se falassem por si próprias.
Camus escreveu as frases citadas no final da 2ª Guerra Mundial quando ninguém sabia, ao certo, quando iria acabar.
Em plena crise política, no verão de 2004, não fui capaz de escrever uma palavra para as introduzir. Nem sempre somos capazes de encontrar as palavras certas... Mas há verdades intemporais que são duras como punhos ...
"1 de Setembro de 1943.Aquele que desespera dos acontecimentos é um cobarde, mas aquele que tem esperança na condição humana é um louco."
*
"Em período de revolução, os melhores é que morrem.A lei do sacrifício faz com que finalmente sejam sempre os cobardes e os prudentes a ter a palavra, já que os outros, ao dar o melhor de si próprios, a perderam."
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
Sujidades
“Estudo conclui que a sujidade ajuda ao desenvolvimento físico e mental das crianças” – já o tinha descoberto desde criança.
"Somos uma espécie que se adapta à sujidade e que beneficia dela” – Leia-se como se quiser!
In “Público” (só títulos pois me recuso a assinar a versão on-line).
"Somos uma espécie que se adapta à sujidade e que beneficia dela” – Leia-se como se quiser!
In “Público” (só títulos pois me recuso a assinar a versão on-line).
terça-feira, abril 19
"Glosa à chegada de Godot"
Do que não desespero é muito pouco
fugaz e breve e, sem que se repita,
de não se repetir, retorna sempre.
.....
É desespero tudo, mas repete-se
tão sem se repetir, tão sempre de outros,
tão noutros e com outros que esperamos
o mais que ainda virá. Às vezes nada.
O Sim. O Não. Um simples hesitar.
Às vezes muito pouco. O pouco. O muito.
O desespero é fácil tal como esperar.
“Glosa à chegada de Godot” (1959), in Post-Sriptum
Jorge de Sena
MAQUIAVEL
Retrato de Maquiavel (1469-1527)
(detalhe), por Santi di Tito (séc. XVI) No Portal da História
Em 2 de Julho de 2004, em “citações-6”, afloro a “tese cínica”, que circulava em alguns meios políticos mais imaginativos, a qual nunca subscrevi.
Mas, tudo visto e ponderado, atentos os desenvolvimentos posteriores, andavam avisados os estrategos, com aprofundadas leituras de Maquiavel, que defenderam aquela tese.
A solução de governo Santana Lopes, sem convocação de eleições antecipadas, adoptada no verão de 2004, fez o seu caminho com os resultados conhecidos. Eis o que escrevi, em 2 de Julho de 2004, em sua antecipação.
A convocação de eleições legislativas antecipadas não é, como parece à primeira vista, uma vantagem óbvia para a esquerda. A situação da economia, o caos na administração e o mais que se verá, tornam a tarefa de qualquer futuro governo quase impossível.
Por outro lado Santana Lopes é um candidato temível se o PSD se apresentar às eleições liberto de compromissos com o PP de Paulo Portas. Segundo alguns estrategos, com leituras aprofundadas dos clássicos, incluindo Maquiavel, a esquerda teria muito a ganhar se Jorge Sampaio indigitasse o Dr. Pedro Santana Lopes para formar governo.
Conforme a actual maioria proclama ficava garantida a "tranquilidade pública" (Santana dixi) e o prosseguimento do projecto político aprovado pelo eleitorado em 2002. (Parece, em boa verdade, ter sido já há uns 20 anos!).
Para a direita seria um momento de glória a que se seguiria uma governação de direita populista repleta de contrariedades e contradições no seio do PSD. Para a esquerda seria uma folga para se reorganizar e esclarecer a questão da liderança no PS.
Reparem como a expectativa de eleições, a breve prazo, recriou a unidade no PS em torno de Ferro Rodrigues. Todos sabemos que se trata de uma falsa unidade.
Assim como a unidade em torno de Santana Lopes é uma falsa unidade. O "cheiro" do poder torna os "partidos governamentais" túmulos em que os silêncios se oferecem em troca do adiamento das disputam autênticas.Ao contrário do que parece a não convocação de eleições antecipadas pode ser, a médio prazo, vantajosa para o PS e para a esquerda.
Mas os perigos de um populismo sem freio, protagonizado por um governo Santana Lopes + Paulo Portas, sem legitimação eleitoral, farão Jorge Sampaio, muito provavelmente, tomar a opção contrária.
Mas, dizem alguns, que não é nada linear a consideração de que a eventual opção de Jorge Sampaio por eleições antecipadas seja, ao contrário do que possa parecer, um benefício para a esquerda.
As citações do dia: "Ter a força de escolher o que preferimos e ficarmos nesta posição. Caso contrário mais vale morrer."
"O tempo não corre depressa quando o observamos. Sente-se vigiado. Mas tira partido das nossas distracções. Talvez haja mesmo dois tempos, o que observamos e o que nos transforma."
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
segunda-feira, abril 18
Pranto pelo dia de hoje
Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que não podem sequer ser bem descritas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In "Livro Sexto" - 1962
Fotografia de Helder Gonçalves
"apesar de tudo"
O general De Gaulle a discursar aos microfones da B.B.C. em 18 de Junho de 1940. Fotografia, Junho de 1940 - Portal da História Nesse dia o general De Gaulle, secretário de estado da Guerra no governo de Paul Reynaud, proclamou em Londres que não aceitava o Armistício, pedido pelo marechal Pétain ao governo alemão de Hitler, tornando-se assim o chefe dos franceses livres.
No primeiro dia de Julho de 2004, em “Citações-5”, retomo o tema da importância dos protagonistas na luta política. Tinha-se tornado, para mim, definitivamente claro que a mudança da chefia do governo de José Manuel Barroso para Santana Lopes, sem a realização de eleições legislativas, constituiria um desastre. Eis o que escrevi nesse dia:
Os comentários na imprensa acerca da crise política enfatizam, quase sempre, a questão das ideias (ou a falta delas) dos candidatos a "chefes". Mas o verdadeiro debate está centrado na sua personalidade propriamente dita.
Discutem-se as pessoas não se discutem as ideias e os programas. Não é por acaso. É que a política é, antes de tudo, uma escolha de pessoas. De nada serve um bom programa interpretado por um "chefe" imbecil. Mas um "chefe" honrado e competente pode partir de um programa mediano e chegar a um "bom governo".
Reparem como foi conduzida uma campanha sórdida, mas bem organizada, para liquidar Ferro Rodrigues. É um caso emblemático da importância dos "chefes". Ora Ferro Rodrigues obteve, nas eleições de 2002, um resultado excepcional, levando o PS perto da vitória em condições desvantajosas. Nas eleições seguintes, as europeias, o PS obteve a maior vitória eleitoral de sempre e, no entanto, Ferro Rodrigues é apresentado, por muitos analistas e, mesmo, por alguns dirigentes socialistas como um perdedor.
Ferro Rodrigues é, pois, um "vencedor/perdedor". Paradoxal. Mas essa encruzilhada extrema em que se encontra é o que lhe dá a força. Quem conheça o homem, como eu, sabe que não desistirá, não fará "fretes" e, mais importante, nunca abandonará "o barco". O povo entende.
Vejam, ao contrário, como um "vencedor", o Dr. Durão Barroso, ao abandonar o governo, se transformou num perdedor. O mesmo já tinha acontecido com o Eng.º Guterres. A importância dos "chefes" avulta pela perda que pode assumir dimensões dramáticas: os "chefes são glorificados pela morte em combate, o sacrifício supremo, (Sousa Franco) ou são odiados pela desistência inexplicável, a suprema cobardia. (Durão Barroso). Cito os casos mais recentes.
Na verdade nunca se discute o programa do governo ou do partido (isso é uma ilusão) o que se discute, na "praça pública" é a personalidade do "chefe". As qualidades e os defeitos dos "chefes" são apreciados, até à exaustão, pela opinião pública. Os cidadãos sabem que o programa "está lá" mas que pode ser "outro" conforme o "chefe" que o executa.
Por isso Durão Barroso não pode ser substituído por Santana Lopes mesmo que o programa da coligação PSD/PP seja o mesmo. Santana Lopes nunca cumprirá o que Durão Barroso prometeu aos portugueses nas eleições e ele próprio não cumpriu.
O que no presente os cidadãos querem é participar na criação de um consenso majoritário na sociedade em torno de uma ideia capaz de relançar a esperança no futuro de Portugal. E esse caminho em democracia é, apesar de tudo, o da escolha, em eleições livres, dos homens para governar.
A citação do dia: ""Nietzche. - Nada de decisivo se constrói, a não ser sobre um "apesar de tudo""
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
domingo, abril 17
Frank O´Hara
Autobiographia Literaria
by Frank O´Hara
When I was a child
I played by myself in a
corner of the schoolyard
all alone.
I hated dolls and I
hated games, animals were
not friendly and birds
flew away.
If anyone was looking
for me I hid behind a
tree and cried out "I am
an orphan."
And here I am, the
center of all beauty!
writing these poems!
Imagine!
*
Imaginem!
Réplica ao poema “Autobiographia Literaria”
de Frank O’ Hara
Quando era pequeno
tinha vergonha
e na escola
que ficava perto de casa
não sabia ao certo
o meu lugar
Brincava sozinho
imaginando o cheiro dos brinquedos
na feira do Carmo
e no caminho de casa
sonhava alto
a caminhar
Eu não cultivava os amigos
excepto dois e admiráveis
como os gestos ternos
de meus pais
que me ensinaram a liberdade
de esperar
Caminhei por entre
os silêncios
das gentes à minha volta
que esperavam de mim
o curso superior
e talvez casar
O lugar da minha infância
agora sou eu próprio,
imaginem!
Lisboa, 26 de Março de 2003
(A título excepcional, e porque é Abril, um poema que escrevi em homenagem a Frank O´Hara antecedido do poema original, em inglês, que inspirou o meu. A fotografia é de Helder Gonçalves e como todas as que tenho publicado, de sua autoria, é um original que a sua amizade me permite publicar.)
ALL-STARS
All-Stars - Fotografia de Margarida Ramos
Esta fotografia dos velhos All-Stars que o meu filho colocou em exposição no seu quarto tem merecido uma busca enorme a partir do Google. Eis como uma relíqua que se poderia transformar em lixo se transforma num objecto de culto.
Those are "The" old All Star shoes, from my son, exposed on his bad room. Google found this photo and since then it deserves a big request from many google users. Surprising, how something that could be considered as carbage, can becames a symbol.
sábado, abril 16
SULFATOS
O ex-ministro da saúde regressou ao Grupo Mello. O ex-ministro da saúde, no Grupo Mello, não terá nada a ver com os negócios da saúde do Grupo Mello. Vai dedicar-se ao negócio dos sulfatos!
Se tivesse sido ministro dos sulfatos regressaria, ao Grupo Mello, para tratar dos negócios da saúde e não teria nada a ver com o negócio dos sulfatos!
Estão a perceber?
ACONTECEU-ME
Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos!
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.
Almada Negreiros
Publicado em Almada: O Escritor - O Ilustrador, 1993
sexta-feira, abril 15
"a própria política é feita da mudança dos homens"
Foto de amistad
No último dia de Junho de 2004, em “Citações-4”, ensaio a mais curta e violenta crítica à eventual mudança de governo, sem a realização de eleições legislativas, com a mais longa citação de Camus assinalada a negro:
Voltando à questão dos "chefes". A mudança dos homens é a essência da política. A citação do dia é um pouco mais longa do que tem sido habitual. Mas parece-me que ilustra, com muita acuidade, uma faceta da crise política actual. A mudança do "chefe" da actual maioria representa uma profunda alteração da situação política.
Não é um detalhe que possa encontrar solução num arranjo de bastidores quando todos sabemos que "a própria política é feita da mudança dos homens".
E esta mudança é demasiado estruturante da própria política para não ser legitimada pelo mais nobre dos mecanismos da democracia representativa: o voto popular.
"Curioso. Historiadores inteligentes investigando a história de um país empregam todas as suas forças a preconizar tal política, realista por exemplo, a que se devem, segundo lhes parece, as maiores épocas desse país.
Apontam eles próprios todavia que esse estado de coisas não pôde durar porque imediatamente um outro homem de Estado ou um novo regime vieram e tudo estragaram.Nem por isso deixam de defender uma política que não resiste à mudança dos homens, enquanto se sabe que a própria política é feita da mudança dos homens. É que só pensam ou escrevem para a sua época.
Alternativa para os historiadores: cepticismo ou uma teoria política que não dependa da mudança dos homens (?)."
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
PARA O ZÉ
Para o Marcelo do pentimento com amizade
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
para escutar o que bate. Eu te amo, homem, amo
o teu coração, o que é, a carne do que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
da tua barba. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vagueando atrás dos rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.
Adélia Prado, In "Um Jeito e Amor"
Bagagem
Fotografia de Helder Gonçalves
Esquecimentos
O "Director Geral dos Impostos", Paulo Macedo, esqueceu-se de pagar, em tempo, uma prestação da Contribuição Autárquica. Já a ex-Ministra das Finanças, que o nomeou, se tinha esquecido de declarar ao fisco, em tempo, uma outra “coisa qualquer”.
Todos nos esquecemos sempre de alguma coisa. Mas quem assume funções de topo na administração fiscal não pode esquecer-se de nenhuma das suas obrigações fiscais. A verdade é que, nestas questões de impostos, só o BCP não se esquece nunca de nada!
Mas nada me leva a simpatizar com esta campanha que o DN está conduzir contra Paulo Macedo. Repugnam-me estes métodos conduzidos por mãos ocultas visando atingir fins que bem podiam dispensar a humilhação pública dos cidadãos honestos que aceitam desempenhar funções dirigentes na administração pública.
Estes são os métodos do populismo. O governo PS não pode pactuar com eles. Portanto das três uma: ou o governo demite o "Director Geral dos Impostos", por falta de confiança política, assumindo o ónus da decisão, ou o defende publicamente, reiterando-lhe a confiança política, ou ele se demite por falta de condições para o exercício da função.
"Diário do Governo" - 9
Todos nos esquecemos sempre de alguma coisa. Mas quem assume funções de topo na administração fiscal não pode esquecer-se de nenhuma das suas obrigações fiscais. A verdade é que, nestas questões de impostos, só o BCP não se esquece nunca de nada!
Mas nada me leva a simpatizar com esta campanha que o DN está conduzir contra Paulo Macedo. Repugnam-me estes métodos conduzidos por mãos ocultas visando atingir fins que bem podiam dispensar a humilhação pública dos cidadãos honestos que aceitam desempenhar funções dirigentes na administração pública.
Estes são os métodos do populismo. O governo PS não pode pactuar com eles. Portanto das três uma: ou o governo demite o "Director Geral dos Impostos", por falta de confiança política, assumindo o ónus da decisão, ou o defende publicamente, reiterando-lhe a confiança política, ou ele se demite por falta de condições para o exercício da função.
"Diário do Governo" - 9
quinta-feira, abril 14
Imbecilidades
Fotografia de amistad
Uma das questões que se colocavam, com mais acuidade, no verão de 2004, era a da capacidade política de Santana Lopes para chefiar o governo. Ainda para mais no contexto de uma sucessão de tipo “dinástica”, ou seja, sem a realização de eleição – nem legislativas, nem internas no próprio PSD.
Pedro Santana Lopes foi, simplesmente, nomeado primeiro ministro. Cumpriu-se a legalidade mas esqueceu-se a legitimidade. De facto “há imbecilidades de tal quilate...”
Eis o que escrevi nas “Citações-3, em 29 de Junho de 2004
Claro que o "bom governo" não se reduz às qualidades do "chefe". O "bom governo" exige um bom programa e uma equipa competente. Vejam o caso do governo chefiado por Durão Barroso. É um governo legítimo resultante dos resultados das eleições de Março de 2002.
Mas o governo não integrou, salvo os líderes de ambos os partidos, nenhuma das personalidades que, durante a campanha eleitoral, foram apontadas como futuros ministros. Nem António Borges, nem Dias Loureiro, nem outros que foram insinuados, ou mesmo apresentados, como valores seguros.
O governo de Durão Barroso é fraco e incompetente. A equipa que Durão Barroso reuniu no governo foi fortemente condicionada pela coligação com o PP. Estes dois anos de governo mostraram que o PP é um partido predador. O Dr. Durão Barroso abandonou, à primeira oportunidade, o governo porque percebeu que não seria capaz de o remodelar sem se desembaraçar do PP.
Os quadros social-democratas competentes, que qualificariam um governo de centro direita, nunca integrarão um governo de coligação com o PP do Dr. Paulo Portas. Os governos de coligação PDD/PP, mesmo que resultem de uma inverosímel "iniciativa presidencial", serão sempre governos fracos e incompetentes.
A tendência, no caso da formação de um governo assente na actual maioria, é para a qualidade baixar ainda mais. A competência do governo está na qualidade das mulheres e dos homens que o compõem. Qualidades humanas, políticas e técnicas. O governo de Durão Barroso está repleto de gente sem qualidade humana, sem tacto nem experiência política e eivado de incompetência técnica.
É difícil baixar ainda mais o nível mas Santana Lopes, se for primeiro-ministro, com ou sem eleições, vai conseguir. O primeiro a perceber esta realidade é o Dr. Jorge Sampaio. Durão Barroso não sei se percebe mas, em Bruxelas, não terá que escolher os comissários. O Dr. Santana Lopes tem como tradição escolher equipas fracas e incompetentes. Para ele é-lhe indiferente o governo que chefiar pois pensará sempre "no lugar que se segue".
A citação do dia: "Montesquieu. "Há imbecilidades de tal quilate, que seria preferível uma imbecilidade ainda maior.""
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
Uma Ida ao Teatro e Carmen Miranda
Carmen Miranda
No sábado passado fui ao teatro. Não a um teatro qualquer. Recebi uns dias antes um telefonema do Joaquim Teixeira, do Grupo de Teatro Lethes, de Faro, convidando-me a assistir, na Biblioteca Orlando Ribeiro, em Telheiras, à apresentação da peça “À Distância de um Lenço”, de Manuel Córrego.
Aquele grupo de teatro foi a minha segunda escola e os tempos que nele vivi, pela mão do Dr. Emílio de Campos Coroa, foram uma luz que se atravessou a minha vida.
Assisti à bela representação da uma comédia – alta – com a presença do próprio dramaturgo- Manuel Córrego, que eu conhecia por ter sido galardoado, em 1998, com um prémio do concurso anual de peças teatrais promovido pelo INATEL.
Foi bonita a representação que o autor da peça no fim, em breves palavras, assinalou com emoção. O teatro anda sempre onde menos se espera. Ali estiveram, na minha frente, uma dúzia de actores de qualidade que me fizeram identificar com a minha própria experiência passada.
A sala estava composta. Fiquei feliz por ver que a obra iniciada pelo Dr. Coroa continua pelas mãos do seu filho, do Joaquim Teixeira e tantos outros que se arriscam, por puro amor à arte, a pisar um palco.
A minha celebração do Dia Mundial do Teatro, embora tardia, ficou completa com este blog que descobri a propósito do aniversário de Carmen Miranda acerca da qual discorrem: “A 9 de fevereiro de 1909, nascia em Marco de Canavezes, distrito do Porto, Portugal, Maria do Carmo Miranda da Cunha - Carmen Miranda. Dois anos depois, a família já vivia no Rio de Janeiro, onde o pai se estabeleceu como barbeiro. Sob a influência da irmã Olinda, a jovem Maria do Carmo aprenderia a costurar e a conhecer e amar a nossa música.”
quarta-feira, abril 13
"Há sempre uma filosofia para a falta de coragem"
Camus
No verão de 2004 a crise política aberta pelo abandono de José Manuel Barroso conduziu a uma situação propícia à avaliação da governação de direita e às mais diversas especulações acerca do caminho a tomar para a conjuração da crise. No centro do “furacão” ficaram o PR e o Secretário Geral da PS, à época, Ferro Rodrigues.
Discorro neste post, e nos seguintes, acerca do “bom governo”, dos “chefes” e dos “programas”. Mais à frente aventuro-me numa especulação em torno da estratégia presidencial.
Diga-se que sempre acreditei, ingenuamente, que o PR convocaria eleições antecipadas em Julho de 2004. Enganei-me. Em 28 de Junho de 2004, na abébia vadia, sob o título “Citações-2”, escrevi:
O "bom governo" o que é? A crise aberta pela nomeação de Durão Barroso para Presidente da Comissão Europeia pode ser uma grande oportunidade para debater o tema do "bom governo".
Não falo de formalidades mas da coisa em si mesma. Tomando em consideração a ideologia de juventude do "putativo futuro" PCE a primeira condição do "bom governo " é a do timoneiro ou, na linguagem mais vernácula do maoismo, a do "grande timoneiro".
O "bom governo" carece de um "bom primeiro-ministro". As suas qualidades intrínsecas não são, no entanto, suficientes pois, em regime democrático, a bondade do líder carece de ser sufragada pelo povo. É a maçada das eleições.
Nas ditaduras um grupo de conjurados impõe, a golpe, o "chefe", enquanto nas democracias representativas, os eleitos são uma emanação do sufrágio popular.
Em democracia as escolhas não resultam das qualidades intrínsecas do "chefe" exaltadas pelo apoio "unânime" dos seus apaniguados. Este é o modelo populista que se aproxima tanto mais da ditadura quanto a democracia é transformada aos olhos das massas numa desnecessidade por "não resolver nada" ou "por não valer a pena votar" (quantas vezes já ouvimos estas palavras nos últimos dias!).
A verdadeira democracia exige a coragem tranquila dos homens que querem ser livres e estão dispostos a correr o risco de lutar pela liberdade.
A citação do dia: "Há sempre uma filosofia para a falta de coragem."
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
POEMA PARA GALILEU
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...
Eu sei...Eu sei...
As Margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo de praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las - ,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai, Galileo!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo
caindo
caindo
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa dos quadrados dos tempos.
António Gedeão
Obra Poética
Edições João Sá da Costa
2001
Fotografia de Helder Gonçalves
terça-feira, abril 12
DEMOCRACIA
Decidi re-publicar a série de 16 posts sob o título “Citações” que escrevi, entre 27 de Junho e 23 de Julho de 2004, para a abébia vadia, agora em pousio absoluto.
A sua leitura tem que ser feita à luz dos acontecimentos da época, ou seja, no essencial, sob a tensão da (in)decisão política do PR acerca se convocava, ou não, eleições legislativas antecipadas.
Aqueles momentos estão prenhes de ensinamentos e as citações- todas de Camus – são, na sua maioria, pelo menos para mim, um conforto para todos os desencantos passados, presentes e futuros.
Cada um destes 16 posts será agora ilustrado com uma imagem, antecedido de um comentário e de um novo título. Este é o post "Citações 1", de 27 de Junho de 2004.
Nestas alturas de crise política que me afectam o estado de espírito, vá lá saber-se porquê, desde a juventude, ponho-me a ler Camus. Alguém disse que lemos sempre o mesmo livro mesmo quando lemos livros diferentes.
Leio quase sempre os "Cadernos" de Albert Camus mesmo quando leio outro livro qualquer. Nestes dias de descrença na capacidade dos homens para encontrarem as boas soluções de governo nada melhor do que estarmos atentos. Não podemos tomar as medidas que desejamos. Outros as tomarão por nós.
As ditaduras afastam os povos da responsabilidade da tomada das decisões. Lembro-me do discurso da falta de maturidade do povo para votar. Quanto menos for chamado a pronunciar-se acerca das grandes questões nacionais, em particular, as escolhas de governo, mais o povo se sentirá afastado dos desígnios da democracia.
Confiar? Desconfiar? O povo desconfia. Terá razão? O populismo espreita. Delegamos o poder através do voto. Será que nos vão devolver o poder, em tempo útil, para escolhermos de novo? Uma só partícula de poder a cada um de nós. Mas o suficiente para que nos sintamos reconfortados por termos influenciado as escolhas que comprometem toda a comunidade.
Não é o tempo oportuno? Mas se não escolhermos a participação popular, mesmo quando a mesma parece excessiva, estamos a abrir o caminho aos populistas. Os populistas fingem que usam o poder para servir o povo mas servem-se dele para alcançar os seus objectivos particulares.
Aqui estão as citações do dia. A continuar.
""Tudo o que não me mate torna-me mais forte." Sim, mas…E como é duro pensar na felicidade. O peso esmagador de tudo isso. O melhor é calarmo-nos para sempre e voltarmo-nos para o resto."
""Retz: "Com excepção da coragem, o senhor Duque de Orlèans tem tudo quanto é necessário a um homem honesto""
(Albert Camus, "Cadernos" - Caderno nº 4 - Janeiro 1942/Setembro 1945 - Livros do Brasil)
Fotografia de Helder Gonçalves
Os Paraísos Artificais
Jorge de Sena
Na minha terra, não há terra, há ruas;
mesmo as colinas são de prédios altos
com renda muito mais alta.
Na minha terra, não há árvores nem flores.
As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês,
e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores.
O cântico das aves - não há cânticos,
mas só canários do 3º andar e papagaios do 5º.
E a música do vento é frio nos pardieiros.
Na minha terra, porém, não há pardieiros,
que são todos na Pérsia ou na China,
ou em países inefáveis.
A minha terra não é inefável.
A vida na minha terra é que é inefável.
Inefável é o que não pode ser dito.
Jorge de Sena
"Pedra Filosofal" (1950)
Incluído em Poesia I,
Moraes Editores2ª edição, 1977.
segunda-feira, abril 11
As Árvores e as Sombras
A natureza despe-se sem pudor apesar do olhar dos homens. Nasci com a escassez da água por entre os medos da seca e da fome. Mas a natureza não detém a sua marcha perante os receios do homem.
*
No sul o frio é suave e temperado pelo mar e pela vizinhança de África. A minha terra fica mais próxima de África do que de Lisboa. Sempre nos esquecemos disso quando pensamos nos espanhóis.
*
A sul a neve caiu de 1 para 2 de Fevereiro de 1954. Vi-a cair pela primeira vez debruçado de espanto da janela com vista para o meu mundo. A rua ficou branca e fiz bolas de jogar. Mas a neve na minha memória é quente.
*
A nespereira familiar da minha infância prepara-se para dar frutos. Imagino o seu lugar no quintal de onde nunca saiu e se apresenta sempre viçosa às gerações que passam. Ela renova-se e parece imortal.
*
A figueira do caminho do campo despida de folhas olha-me curiosa. O frio fê-la ficar nua e reparei que não se mexia nem tiritava nem sequer temia a sua morte anunciada. Ela sabe que no próximo verão ainda vai dar frutos suculentos.
*
As árvores são um mundo de vida e de afectos para os artistas. Poetas, pintores, músicos, cineastas, fotógrafos ... muitos dos grandes artistas cantaram a natureza através das árvores.
*
A sombra de cada árvore é diferente conforme a sua natureza. Cada sombra projectada por uma árvore tem vida própria e uma personalidade diferente conforme as espécies. As sombras das árvores são todas diferentes.
*
Ir para a sombra era uma obsessão da minha infância. No sul o sol impõe as suas regras. As árvores no verão eram o lugar da sombra antes de serem o lugar dos frutos e da subsistência.
Fotografia de amistad
Natércia Freire
CANÇÃO DO VERDADEIRO ABANDONO
Podem todos rir de mim,
podem correr-me à pedrada,
podem espreitar-me à janela
e ter a porta fechada.
Com palavras de ilusão
não me convence ninguém.
Tudo o que guardo na mão
não tem vislumbres de além.
Não sou irmã das estrelas,
nem das pombas, nem dos astros.
Tenho uma dor consciente
de bicho que sofre as pedras
e se desloca de rastros.
De «Obra Poética», 1991-1995,
IN-CM, Lisboa
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